CÁLCULO DE POTENCIAL QUÍMICO DE MOLÉCULAS RÍGIDAS VIA SIMULAÇÃO DE MONTE CARLO COM ENSEMBLE EXPANDIDO J. C. da S. L. MACIEL1, C. R. ABREU2 e F. W. TAVARES1,2 1 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Engenharia Química/COPPE 2 Universidade Federal do Rio Grande de Janeiro, Escola de Química/TPQB E-mail para contato: [email protected] RESUMO – O método de Widom consiste em uma técnica consolidada de obtenção do potencial químico por simulação molecular. Apesar de simples, esse método é limitado a condições de baixas densidades e a sistemas pouco complexos. Para superar essa limitação, um método de inserção gradual da molécula foi proposto em um trabalho anterior, no qual a molécula é inserida no sistema em escala reduzida, seguida de aumento proporcional em pequenos incrementos até atingir a escala real. Essa metodologia foi aprimorada no presente trabalho por inclusão do conceito de ensemble expandido, permitindo obter, em uma única simulação, todas as variações de entropia entre as transições de estado envolvidas na inserção gradual de uma molécula. O aumento obtido na eficiência pode viabilizar a simulação de sistemas complexos, formados por estruturas similares às de moléculas reais, visando avaliar o poder de predição de modelos para entropia de mistura, tais como os de Flory-Huggins e Stavermann-Guggenheim. 1. INTRODUÇÃO O potencial químico é utilizado no cálculo de propriedades de misturas em equilíbrio e na determinação de instabilidade termodinâmica. Utilizando a abordagem de simulação molecular de Monte Carlo, encontra-se na literatura o método de inserção de partículas de Widom (Widom, 1963). Em sistemas constituídos por moléculas rígidas, o potencial químico residual de uma espécie obtido pelo método de Widom é dado por exc ln( p ) k bT (1) em que 𝑘b é a constante de Boltzmann e 𝑝 corresponde à probabilidade de inserção da molécula no meio, obtida a partir da simulação de Monte Carlo. Trata-se de um método eficaz que se destaca por sua simplicidade de implementação. Apesar disto, o método é limitado as condições de baixas densidades e a moléculas geometricamente simples (Koda e Ikeda, 2002; Mehrotra et al ., 2012; Labík e Smith, 1994). Essa limitação é proveniente do aumento na dificuldade de inserção a medida que a densidade e a complexidade geométrica do sistema aumentam. Isso causa a necessidade de uma amostragem maior, podendo tornar inviável o uso do método. Pretendendo-se superar as limitações deste método em sistemas de moléculas de geometria fixa e potencial de esferas rígidas, um algoritmo de obtenção do potencial químico residual por simulação de Monte Carlo foi proposto em um estudo anterior (Maciel et al., 2015). A estratégia proposta foi baseada nos métodos de Widom e de inserção gradual encontrados na literatura (Mon e Griffiths, 1985; Escobedo e de Pablo, 1995; Koda e Ikeda, 2002; Tej e Meredith, 2002; Lyubartsev e Vorontsov-Velyaminov, 2003). No caminho proposto, calcula-se a probabilidade de inserção da molécula em uma escala tão reduzida quanto se queira. Nas demais etapas, obtêm-se as probabilidades de aumentar a escala em incrementos pré-determinados até se atingir o tamanho real. Ao final, o potencial químico é dado pela equação R k bT m ln( p1 ) ln( pi ,i 1 ) , (2) i 2 em que 𝑝1 é a probabilidade de inserção da molécula em escala reduzida e 𝑝𝑖,𝑖+1 é a probabilidade de aumento de um estado 𝑖 − 1 para um estado 𝑖 , sendo “ 𝑚 ” o estágio final com a molécula completamente inserida. Determinar as probabilidades de transição em simulações separadas, pode se tornar um processo trabalhoso, demorado e limitado estatisticamente. Para aprimorar a eficiência da metodologia descrita acima, a técnica de ensemble expandido foi implementada no presente trabalho, permitindo a obtenção, em uma única simulação, dos potenciais químicos residuais de todas as etapas envolvidas, bem como uma melhor qualidade estatística (Lyubartsev et al . 1992; Lyubartsev e Vorontsov-Velyaminov, 2003; Iba, 2001). 2. ENSEMBLE EXPANDIDO O ensemble expandido foi introduzido por Lyubartsev et al . (1992), definido como um conjunto de subensembles, sendo cada subensemble i representado por um fator de acoplamento 𝜆𝑖 . Esse fator denota a variável a ser manipulada entre as etapas intermediárias. Neste trabalho, o fator i 0,1 representa a escala da molécula inserida em relação ao seu tamanho real. Assim, em cada subensemble a molécula está presente com uma escala diferente, condizente com o processo de aumento gradual. Os subensembles são visitados conforme o algoritmo de Metropolis, em que uma das propostas possíveis é a alteração do fator de acoplamento, mantendo todas as coordenadas do sistema fixas (Lyubartsev et al ., 1992). A molécula a ser inserida é acompanhada durante a simulação enquanto passa por transições de aumento e de diminuição em sua escala. As propostas de transições são limitadas a estados vizinhos e ocorrem conforme a probabilidade de aceitação Pacc min 1, exp i , (3) em que “min[𝑎, 𝑏]” retorna o valor mínimo entre os dois valores a e b e ∆η𝑖 = η𝑖 − η𝑖−1 , o que corresponde à diferença entre os pesos atribuídos aos estados 𝑖 e 𝑖 − 1. A escolha de tais pesos será discutida a seguir. Os estágios são amostrados e um histograma é construído. Ao final, tem-se a probabilidade de amostragem de cada estado 𝑖. O potencial químico residual correspondente à molécula em um estado i pode, então, ser calculado por p ln i i 0 , kbT p0 iR (4) em que pi é a probabilidade de amostragem e 𝜂𝑖 é o peso que determina a tendência de amostragem de cada estágio i (Escobedo e de Pablo, 1995; Escobedo e Pablo, 1996; Tej e Meredith, 2002). Sendo assim, o potencial químico residual da molécula completa é igual a mR . Observa-se na Equação (4) que, em uma situação ideal, na qual a distribuição (i.e., o histograma obtido) se torna completamente uniforme, cada peso corresponde ao recíproco do potencial químico residual da molécula no estado correspondente (Tej e Meredith, 2002; Chang, 2011). Assim, o cálculo do potencial químico residual pode ser realizado iterativamente a partir do ajuste desses pesos, de forma que a distribuição se torne o mais uniforme possível. Esses pesos governam a amostragem dos estágios por meio da Equação (3), de tal forma que pesos maiores favorecem a amostragem de estados de difícil acesso (baixa entropia). Desta forma, pesos adequados permitem que todos os estados sejam visitados (Chang, 2011). Adotando como referência o estado inicial 0, em que a molécula inserida é inexistente no interior do solvente, os pesos podem ser obtidos iterativamente pela equação simplificada (Escobedo et. al., 2007) i* i ln H0 , Hi (5) em que i* é o novo peso calculado. Os pesos são recalculados até que a distribuição gerada esteja suficientemente próxima da uniformidade. Ao final, o potencial químico residual de interesse é obtido como sendo o recíproco do valor do peso para o estado final, em que a molécula se encontra inserida em seu tamanho real. 2. METODOLOGIA As simulações de Monte Carlo foram implementadas seguindo o método de Metropolis a volume (V) e número de moléculas (N) constantes em sistemas atérmicos. A densidade reduzida é definida como 𝜌∗ = (𝑁/𝑉)𝜎𝑠3 , em que 𝜎𝑠 corresponde ao diâmetro de uma das esferas que compõem a molécula. O potencial de esferas rígidas foi adotado, levando em conta apenas interações repulsivas entre os átomos de moléculas distintas. As probabilidades de proposição de movimentos foram distribuídas em 25% para movimentos de rotação, 25% para translação, 25% para diminuição da escala do soluto e 25% para o seu aumento. Os primeiros ciclos foram acompanhados até a estabilização dos valores amostrados e, então, foram descartados a título de equilibração. Os movimentos de translação e rotação foram propostos e aceitos conforme o critério de Metropolis para potenciais rígidos. Assim, movimentos que acarretam em sobreposições de partículas (∆𝑈 = ∞) são rejeitados e aqueles que não resultam em sobreposição ( ∆𝑈 = 0) são aceitos e efetuados. Já as propostas de transições entre subensembles (ou seja, redução e aumento de escala) foram avaliadas segundo a probabilidade da Equação (3). As etapas de aumento e diminuição da molécula a ser inserida foram realizadas multiplicandose os diâmetros dos átomos e as distâncias interatômicas pelo fator de escala correspondente, mantendo o centro geométrico da molécula na mesma posição. Após cada iteração, os pesos foram recalculados a partir do histograma obtido e da Equação (5), sendo utilizados na iteração seguinte. Uma vez que o histograma esteja próximo o suficiente de uma amostragem uniforme, os pesos obtidos correspondem aos recíprocos dos potenciais químicos residuais dos subensembles. 7. RESULTADOS E DISCUSSÃO A técnica de ensemble expandido foi aplicada à metodologia de inserção gradual proposta anteriormente (Maciel et al., 2015), utilizando a variação na escala fixa de = 0,1. Inicialmente, pesos obtidos de simulações prévias independentes em cada subensemble foram utilizados em simulações contendo 5 milhões de ciclos no intuito de validar a implementação do método. Sendo um ciclo definido como um conjunto de operações (neste trabalho: rotação, translação, aumento e diminuição) propostas aleatoriamente de maneira consecutiva. Neste trabalho, o número de propostas em um ciclo é igual ao número de moléculas presentes no sistema. Na Figura 1 teêm-se os resultados para (a) esfera rígida inserida em um meio de esferas rígidas de mesma dimensão e (b) trímero de estrutura equilátera inserido em um meio de esferas rígidas, ambos os sistemas em densidade reduzida de 0,8. Para todos os sistemas estudados, todas as esferas, incluindo aquelas que se tangenciam para formar o trímero, têm a mesma dimensão. Pela uniformidade das amostragens, constata-se que a técnica foi devidamente implementada e que os pesos utilizados foram satisfatórios. (a) (b) Figura 1 – Distribuição de amostragem obtida com pesos obtidos previamente para os exemplos dos sistemas: (a) esferas em esferas e (b) trímeros em esferas. Em seguida, investigou-se o cálculo iterativo dos pesos. Aqui, apresenta-se como exemplo um sistema de dímero inserido em um meio de dímeros, ambos tangenciais e com dimensões idênticas, nas densidades reduzidas de 0,5, e 0,8. Para esse caso, assumiu-se que os pesos eram desconhecidos. Inicialmente, pesos iguais foram atribuídos a todos os estados, com ∆η𝑖 = 0. Simulações iniciais mais relativamente curtas, constituídas de 105 ciclos de Monte Carlo, foram efetuadas consecutivamente para obtenção estimativas iniciais dos pesos, até que todos os estados fossem amostrados. Em seguida, simulações mais longas, de 1×106 e 5×106 ciclos, foram realizadas para um ajuste mais adequado dos pesos. Para 𝜌∗ = 0,5, foram realizadas três iterações. Para 𝜌∗ = 0,8, foram necessárias 6 iterações. Na Figura 2, encontram-se os histogramas inicial e final obtidos para cada densidade. Figura 2 – Histogramas inicial e final do processo iterativo para obtenção do potencial químico para o sistema dímeros-dímeros nas densidades de 𝜌* = 0,5, 𝜌*= 0,8. Os potenciais químicos residuais obtidos encontram-se na Tabela 1, na qual são comparados com resultados de simulação obtidos por Labìk et al .(1995) e com resultados de aplicação da Teoria Generalizada de Flory (GF), tal como encontrada em Honnell e Hall (1989) e Escobedo e de Pablo (1995). Tabela 1 - Potencial químico residual do sistema dímeros-dímeros Este trabalho Labìk et al . (1995) GF 𝜌∗ 𝜇 𝑅,∞⁄ 𝑘𝑏 𝑇 𝜇 𝑅,∞⁄ 𝑘𝑏 𝑇 𝜇 𝑅,∞⁄ 𝑘𝑏 𝑇 0,5 5,89 5,92 ± 0,01 5,93 0,8 17,08 17,13 ± 0,05 17,01 Também foram construídos histogramas dividindo-se a amostragem em etapas de subida e descida, definidas do seguinte modo: em um determinado instante da simulação, se o estado inicial 𝜆0 foi visitado mais recentemente que o estado final 𝜆𝑚 , considera-se que a amostragem está em uma etapa de subida. Define-se, então, uma fração f(i) como o número de vezes que um estado i foi amostrado durante etapas de subida dividido pelo número total de vezes que ele foi amostrado. Na Figura 3, estão reportados resultados da fração f para cada estágio, obtidos para o sistema de dímero em dímeros com densidade reduzida 𝜌∗ = 0,8. Observa-se uma maior dificuldade de transição a partir do estágio 6 indicada pela inclinação da curva. Verifica-se, assim, outro aspecto a ser explorado nesta técnica, que é a possível utilização de uma malha não uniforme de fatores de escala 𝜆𝑖 , ou seja, o uso de diferentes incrementos ∆𝜆𝑖 . Além da manipulação de pesos, ajustar esses intervalos adequadamente também favorece a transição entre os estados, como abordado por Trebst et al . (2004), Trebst et al . (2006), Escobedo et al . (2007) e Abreu (2009). Figura 3 – Fração de subida para os estágios amostrados na simulação do sistema dímeros-dímeros em 𝜌*= 0,8. 7. CONCLUSÃO O uso do ensemble expandido para a inserção gradual de uma molécula em um solvente, visando ao cálculo de seu potencial químico residual, mostrou-se promissor. O uso de pesos já conhecidos levou aos resultados esperados, validando tanto os pesos determinados pela metodologia proposta anteriormente (simulações independentes em cada estado intermediário) quanto a implementação do método de ensemble expandido. Técnicas mais robustas para o cálculo iterativo dos pesos e para a obtenção de um novo conjunto de intervalos em 𝜆 existem na literatura. Pretende-se aplicá-las para o problema abordado neste trabalho, como forma de aumentar a eficiência do cálculo iterativo dos pesos. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, C.R.A. Isochronal sampling in non-Boltzmann Monte Carlo methods. J. Chem. Phys., v. 131, p. 1–11, 2009. CHANG, J. Expanded ensemble Monte Carlo simulations for the chemical potentials of supercritical carbon dioxide and hydrocarbon solutes. Korean J. Chem. Eng, v. 28, n. 2, p. 597–601, 2011. ESCOBEDO, F.A.; DE PABLO, J.J. Chemical potential and equations of state of hard core chain molecules. J. Chem. 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