Câncer e trombose

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emergências oncológicas
Câncer e trombose
Introdução
Daniel Tabak
* Hematologista-Oncologista;
Diretor médico do Centro de
Tratamento Oncológico (CENTRON);
Membro titular da Academia
Nacional de Medicina
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Contato: [email protected]
Luis Gustavo Torres
* Médico oncologista, Centro de
Tratamento Oncológico (CENTRON)
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Contato:
[email protected]
Bruno Nahoum
* Médico oncologista,
Centro de Tratamento Oncológico
(CENTRON)
Contato: [email protected]
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fevereiro/março 2011 Onco&
O câncer é um estado pré-trombótico. Eventos vasculares podem ocorrer antes mesmo do diagnóstico estabelecido e podem ser agravados pelo início
da terapêutica. Os eventos vasculares mais frequentes incluem as tromboses venosas profundas
(TVP) e as embolias pulmonares. O uso de agentes
antiangiogênicos determinou um aumento da incidência não apenas daqueles fenômenos, mas
também de eventos arteriais como os acidentes
vasculares encefálicos e o infarto do miocárdio.
Várias anormalidades subclínicas no sistema hemostático podem ser observadas na maioria dos
pacientes portadores de neoplasias e são determinadas pela interação de procoagulantes e condições
reológicas especiais observadas tanto no leito tumoral como em regiões mais distantes.
A associação de câncer com eventos trombóticos foi estabelecida em 1865 por Armand
Trousseau. A correlação foi estabelecida pelo internista francês através de estudos post-mortem de
portadores de câncer. Curiosamente, Trousseau
veio a falecer vítima de uma tromboflebite associada
a um câncer gástrico.
Cerca de 20% das tromboses venosas profundas
ocorrem em pacientes com câncer. Aproximadamente 10% dos pacientes diagnosticados com uma
TVP terão um diagnóstico de câncer estabelecido
nos dois anos seguintes ao evento vascular. Uma
análise recente dos diversos estudos publicados na
literatura sobre a identificação de uma neoplasia
oculta em pacientes que apresentam uma TVP foi
apresentada na reunião anual da Sociedade Americana de Hematologia. Mesmo após uma busca intensiva, cerca de 30% dos tumores não puderam
ser diagnosticados.Também não é claro se o diagnóstico precoce do câncer em pacientes que desenvolvem uma TVP modifica o seu prognóstico ou
sobrevida. Dessa forma, pacientes que apresentem
uma TVP sem etiologia bem definida devem ter
uma avaliação clínica constituída por história
clínica detalhada, exame físico, radiografia de tórax
e apenas testes laboratoriais de rotina. Testes diagnósticos adicionais devem ser guiados pelos achados anormais dos testes iniciais.
Fisiopatologia
A hemostasia constitui um processo fisiológico complexo extremamente bem controlado (Figura 1).
Qualquer desequilíbrio nesse sistema pode resultar
em complicações trombóticas ou hemorrágicas.
Um estado de hipercoagulabilidade pode ser
documentado por diversos testes laboratoriais em
50% a 70% dos pacientes portadores de câncer.
Células malignas induzem a ativação da coagulação
através de moléculas com propriedades procoagulantes, como o fator tissular, fator procoagulante do
câncer e diversas citocinas inflamatórias (Figura 2).
O fator tissular (FT) é uma glicoproteína transmembrana e representa o principal ativador da coagulação sanguínea. A expressão de FT no tecido
neoplásico é um fenômeno precoce no processo de
evolução tumoral e é determinada pelas mutações
de diversos oncogenes como KRAS e P53. Ele
forma um complexo com o fator VII ativado e é responsável pela ativação do fator X. Em condições
habituais, o FT é expresso apenas em tecidos perivasculares e não pelo endotélio. Após a lesão
vascular, observa-se a ativação da cascata da coagulação pelo FT, tanto pela via intrínseca como pela
via extrínseca. Já no leito tumoral, a expressão de
FT em células endoteliais e pelos monócitos pode
ser induzida pelas células neoplásicas através de
citocinas pro-inflamatórias como a interleucina-1b
e o fator de necrose tumoral-a.
O câncer procoagulante (CP) é uma cisteínaproteinase, identificada em diversos tumores, que
ativa o fator X diretamente, mesmo na ausência do
fator VII ativado. Alterações no sistema inibitório
das diversas vias da coagulação também podem ser
documentadas, potencializando o estado de hipercoagulabilidade observado em pacientes portadores
de diversas neoplasias.
Figura 1: Fator tissular e os mecanismos regulatórios da hemostasia
Lesão vascular
FT
TM
VII
TFPI
+ Proteína C
VIIa
Proteína S
IXa
IX
V
X
Xa
Va
Proteína C ativa
Protrombina
Antitrombina
Trombina
Fibrinogênio
Fibrina
Fibrina
Fibrina Fibrina = Coágulo
Fibrina
Após a lesão vascular, observa-se a interação do fator tissular (FT) com
os fatores da coagulação. FT forma um complexo com o fator VII ativado,
determinando ativação do fator X. Uma vez ativado, o fator X determina
a formação de trombina, que promove a quebra da fibrina e a formação
do coágulo. O processo da hemostasia é regulado por várias vias inibitórias,
representadas pelos trajetos interrompidos, enquanto as vias ativadoras
são representadas pelas setas contínuas.
- TFPI: inibidor da via do fator tissular
- TM: trombomodulina
Figura 2: Hipercoagulabilidade
associada ao câncer
Célula tumoral
Crescimento e progressão
tumoral e angiogênese
Citoquinas
proinflamatórias
Fator tissular
TNF-α, IL-1β,VEGF
FVIIa
Procoagulante
tumoral
Ativação de
plaquetas
FXa
Monócitos
Inibição de fibrinólise
Ativação do sistema
de coagulação
Crescimento tumoral
e angiogênese
Células endoteliais
• Expressão FT
• Expressão das moléculas de adesão
• Proteína C ativada
• Expressão de PAI-1
Formação
de fibrina
Formação
de coágulo
Expressão de FT
IL-1: Interleucina 1
PAI 1: Inibidor do ativador do plasminogênio 1
PI: Proinflamatórias
FT: Fator tissular
TNF-α: Fator de necrose tumoral-alfa
VEGF: Fator de crescimento do endotélio vascular
Onco& fevereiro/março 2011
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Tabela 1: Fatores de risco associados a trombose em pacientes com câncer
Fatores relacionados ao câncer
• Sítio primário
• Histologia
• Estádio ou extensão da doença
Fatores relacionados ao tratamento
• Cirurgia
• Quimioterapia
• Terapia hormonal
• Agentes antiangiogênicos (talidomida, lenalidomida, bevacizumabe)
• Cateteres venosos centrais
• Uso de agentes estimulantes da eritropoese
• Transfusões
Biomarcadores associados com maior risco de TVP em pacientes
com câncer
• Contagem de plaquetas >350.000/mm3 antes da quimioterapia
• Concentração de hemoglobina < 10g/dl
• Maior expressão de fator tissular na superfície de células tumorais
• Maiores níveis circulantes de fator tissular
• Níveis elevados de D-dímero
• Níveis elevados de P-selectina solúvel
• Níveis elevados de proteína C reativa
Fatores de risco gerais
• Pacientes idosos
• História prévia de TVP
• Imobilidade por mais de 3 dias
• Trombofilia hereditária
• Obesidade (IMC>30kg/m2)
• Performance status
• Hospitalização
• Etnia
• Condições clínicas associadas (sépsis; doença pulmonar)
A estase venosa também contribui significativamente para o risco de trombose. Ela pode ser causada pela expansão tumoral e consequente
compressão vascular, bem como a imobilidade resultante de fraturas, cirurgias e a astenia associada
à própria doença. Com a estase venosa, os fatores
da coagulação ficam concentrados em uma área determinada. A hipóxia resultante da estase determina
um dano endotelial e favorece a tendência pró-coagulante. Já a ativação do fator tissular também pode
ser documentada não apenas pela invasão tumoral,
como também pela agressão ao endotélio determinada pelo tratamento quimioterápico e pela introdução de cateteres venosos.
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Incidência e prevalência
Em uma análise recente de mais de 1 milhão de
pacientes hospitalizados com o diagnóstico de
câncer foi observado um aumento da incidência de
TVP de 28% no período de 1995 a 2003. A trombose é hoje a segunda causa de morte em pacientes
com câncer e está associada a uma piora significativa da sobrevida desses indivíduos, secundária a
eventos recorrentes e complicações hemorrágicas.
Também em pacientes ambulatoriais podemos observar uma incidência elevada, que em alguns estudos chega a até 12% para um período de
observação inferior a 12 meses.
Risco de TVP e modelos de avaliação
O risco de TVP em pacientes com câncer é extremamente variável entre os diversos pacientes, bem
como ao longo da própria evolução. Vários fatores
contribuem para essa variabilidade (Tabela 1). Entretanto, as diferentes fontes para análise dos fatores,
a seleção de pacientes, o tempo de seguimento, os
diferentes métodos de diagnóstico e o próprio registro dos eventos vasculares limitam a nossa capacidade de estimar a verdadeira incidência dos
fenômenos tromboembólicos em pacientes com
câncer, mesmo em grupos bem definidos.
Embora a estimativa da incidência de TVP em
uma determinada população seja útil, a estimativa
do risco de um determinado paciente possui uma
relevância clínica ainda maior. Khorana e colaboradores publicaram, em 2008, um modelo preditivo de TVP que podia ser aplicado a um
determinado indivíduo em acompanhamento
quimioterápico ambulatorial. Cinco fatores de risco independentes foram identificados e considerados capazes de prever a ocorrência de TVP
sintomática durante os primeiros quatro ciclos de
quimioterapia: sítio do câncer, contagem de plaquetas pré-quimioterapia, níveis de hemoglobina
ou uso de fatores de crescimento eritropoéticos,
contagem de leucócitos pré-quimioterapia e índice
de massa corpórea. Um modelo foi construído utilizando essas cinco variáveis e os pacientes foram
classificados de acordo com a avaliação de risco
(Tabela 2): baixo risco (escore 0 – risco de TVP
0,3%-0,8%); risco intermediário (escore 1 ou 2 –
risco de TVP 1,8%-2,0%); ou risco elevado (escore
≥ 3 – risco de TVP 6,7%-7,1%).
A principal vantagem do sistema é representada pela acessibilidade dos marcadores. No entanto, o registro incluiu um pequeno número de
pacientes com determinadas neoplasias (tumores
renais e cerebrais). O período de estabelecimento
do registro, entre 2003 e 2005, também não permite inferir sobre a importância de determinados
agentes, como o bevacizumabe ou a lenalidomida.
O modelo também não incorporou o potencial
valor de determinados biomarcadores, como a
dosagem de D-dímero. Entretanto, o modelo foi
validado recentemente em um grupo mais amplo
e heterogêneo de pacientes.
Prevenção de TVP
A profilaxia anticoagulante primária está indicada
em todos os pacientes oncológicos internados em
ambiente hospitalar por indicação clínica ou cirúrgica. Embora existam evidências clínicas para o uso
de heparina não fracionada, heparina de baixo peso
molecular, fondaparinux e cumarínicos, os estudos
mais recentes contemplam, em sua maioria, o uso
de heparinas de baixo peso molecular (HBPM).
Pacientes cirúrgicos
Embora a profilaxia anticoagulante esteja bem estabelecida para uso em pacientes cirúrgicos, os dados
em pacientes portadores de neoplasias são limitados. Pacientes portadores de câncer podem tolerar
doses maiores de HBPM, e vários estudos demonstram uma redução de até 15% na incidência de TVP
após cirurgias abdominais e pélvicas.
O tempo de utilização da profilaxia pós-operatória também é variável e existem evidências de
uma redução do risco de trombose em 60% para
pacientes que receberam enoxaparina por 30 dias
após a cirurgia, comparado com 4,8% para aqueles
que receberam por seis dias e 12% quando o
período de utilização foi de dez dias. Assim, as recomendações das várias reuniões de consenso indicam a extensão da profilaxia por um período de
quatro semanas após a cirurgia em pacientes com
câncer, principalmente em pacientes com vários fatores de risco para TVP. O tempo ideal para a
manutenção da profilaxia, entretanto, não está completamente definido.
Intervenções neurocirúrgicas em pacientes
com câncer estão associadas com taxas elevadas
de fenômenos tromboembólicos. Tradicionalmente, a profilaxia farmacológica é evitada nesses
pacientes, devido ao risco de sangramento intracraniano. Entretanto, essa evidência é limitada
e as diretrizes atuais do American College of Chest
Physicians (ACCP) indicam a necessidade de
HBPM associada a profilaxia mecânica em pacientes neurocirúrgicos de alto risco.
Pacientes clínicos
A evidência para o uso profilático de anticoagulantes em pacientes oncológicos internados por indicação clínica não é tão clara. Pelo menos um
estudo randomizado não demonstrou o benefício
do uso de HBPM quando comparado ao placebo
em uma pequena população de pacientes com
câncer. O fenômeno pode estar relacionado à dose
do anticoagulante, que talvez deva ser mais elevada
em pacientes que apresentem hipercoagulabilidade.
Entretanto, muitos pacientes internados apresentam trombocitopenia e um potencial risco maior
de sangramento. As diretrizes atuais, portanto, confirmam a necessidade de tromboprofilaxia nesses
pacientes quando internados por qualquer motivo.
A aderência dos internistas a essas recomendações,
no entanto, não é uniforme.
“A trombose é hoje
a segunda causa de
morte em pacientes
com câncer e está
associada a piora
significativa da
sobrevida.”
Tabela 2: Características dos pacientes para classificação de risco de trombose
• Sítio do câncer primário
- Risco muito elevado (estômago e pâncreas): 2 pontos
- Risco elevado (pulmão, linfoma, tumores ginecológicos, bexiga, testículo): 1 ponto
• Contagem de plaquetas pré-quimioterapia > 350.000/mm3: 1 ponto
• Hemoglobina < 10g/dl ou uso de fatores de crescimento eritropoéticos: 1 ponto
• Contagem de leucócitos pré-quimioterapia ≥ 11.000/mm3: 1 ponto
• Índice de massa corpórea ≥35 kg/m2: 1 ponto
Escore total
Categoria de risco
Risco de TVP sintomática
0
Baixo
0,3% - 0,8%
1-2
Intermediário
1,8% - 2,0%
≥3
Alto
6,7% - 7,1%
Onco& fevereiro/março 2011
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Pacientes ambulatoriais
Pacientes ambulatoriais que recebem quimioterapia também apresentam um risco elevado de
TVP. Um estudo recente em pacientes portadores
de carcinoma de pâncreas avançado documentou
uma redução de 87% na incidência de TVP em
pacientes que usaram enoxaparina na dose de
1 mg/kg/dia por três meses. Curiosamente, estudos iniciais em pacientes portadores de câncer de
mama avançado, carcinoma de pulmão e gliomas
de alto grau foram negativos, sugerindo que doses
habituais sejam insuficientes para a tromboprofilaxia em pacientes com câncer. É possível, portanto, que a profilaxia somente seja adequada em
determinados tipos de neoplasias.
A utilização de inibidores diretos do fator X por
via oral também se mostrou eficaz na tromboprofilaxia de pacientes submetidos a procedimentos ortopédicos. Estudos iniciais também indicam sua
utilidade em pacientes oncológicos.
Tratamento de trombose
associada ao câncer
O tratamento recomendado para a trombose associada ao câncer é HBPM. Na fase inicial do tratamento, os estudos prospectivos indicam resultados
semelhantes com heparina não fracionada e HBPM.
Entretanto, a sobrevida em três meses é superior
com HBPM, e para o uso prolongado, HBPM é mais
eficaz que o cumarínico e reduz o risco de episódios
recorrentes em 52%. Não existem estudos controlados definitivos com os inibidores diretos de trombina ou de fator X ativado para o tratamento de
trombose em pacientes com câncer. Também nessa
população, o uso de cumarínicos está associado a
uma taxa de recorrência dos fenômenos tromboembólicos de cerca de 20%. As complicações hemorrágicas também são frequentes e descritas em 13%
dos pacientes oncológicos.
Os eventos tromboembólicos podem ser recorrentes com o uso de HBPM em até 10% dos pacientes tratados. A presença de metástases,
principalmente em pacientes jovens, e um intervalo
inferior a três meses entre o diagnóstico de câncer
e a trombose indicam um maior risco de recorrência, apesar da anticoagulação. Pacientes que desenvolvem trombose recorrente em uso de cumarínico
devem substituí-lo por HBPM. Aumentar a intensidade da anticoagulação com o inibidor de vitamina K não é recomendado devido ao risco de
sangramento e ao risco elevado de trombose mesmo
com INR’s elevados. Quanto ao uso de HBPM em
episódios recorrentes, o escalonamento da dose em
20% a 25% da dose original permite um controle
mais adequado, consistente com a tendência prótrombótica desses pacientes (Figura 3).
TVP recorrente sintomática
Figura 3:
Manuseio de TVP recorrente
Paciente em uso de cumarínico
Paciente em uso de HBPM
Substituir por HBPM
Aumentar a dose em 25%
Avaliar em 5 a 7 dias
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Quadro inalterado
Melhora sintomática
Checar níveis de atividade anti-Xa
Continuar seguimento
Situações clínicas especiais
Cateteres venosos de longa permanência
Cateteres venosos centrais são comumente utilizados
em pacientes com câncer. O seu uso é complicado por
infecções e tromboses venosas. A incidência de trombose é variável, porém cerca de 5% dos pacientes que
possuem um acesso vascular permanente desenvolvem
uma trombose profunda. TVPs que comprometem os
membros superiores podem resultar em morbidade
significativa, devido ao risco elevado de embolia pulmonar e síndrome pós-flebítica, bem documentada
em pacientes não portadores de neoplasias.
Quando o fenômeno trombótico está associado
à presença do cateter central, a evolução para trombose da veia subclávia ipsilateral, da veia inominada
ou da veia cava superior pode ocorrer nas quatro a
oito semanas que seguem a inserção do cateter. O
fenômeno é menos frequente quando a ponta do
cateter está posicionada na junção da veia cava superior e do átrio direito. Vários estudos prospectivos
estudaram o papel da tromboprofilaxia com HBPM
ou doses baixas de cumarínicos em pacientes com
câncer que possuíam um cateter venoso central. As
evidências que indicariam o uso de anticoagulantes
nesse cenário são muito limitadas, e as diversas reuniões de consenso se posicionaram contra o uso profilático de anticoagulantes para esses pacientes.
Ainda existem controvérsias em caso de evento
trombótico, porém as recomendações indicam o
uso prolongado de HBPM, ficando o uso de inibidores de vitamina K reservado para pacientes portadores de insuficiência renal grave. A retirada do
cateter deve ser considerada, mas não é obrigatória.
Estudos realizados não indicam uma incidência
elevada de embolia pulmonar quando da permanência do cateter. As diretrizes mais recentes do
ACCP não recomendam a retirada do cateter caso
ele esteja funcionando, não existam sinais de infecção e ele continue sendo necessário para a continuidade do tratamento.
Tromboprofilaxia em pacientes
portadores de gliomas cerebrais
O risco de tromboembolismo venoso é elevado em
pacientes portadores de gliomas, e sua incidência já
foi reportada em até 72% dos pacientes, embora seja
mais frequentemente descrita em 20% a 30% ao
longo do curso da doença. O risco pós-operatório
parece ser mais elevado que em tumores do intestino, sugerindo um papel específico da biologia
do tumor na evolução da doença. A imobilidade prolongada, o uso de cateteres venosos, a idade elevada
dos pacientes, o tamanho do tumor original maior
que 5 cm, o subtipo histológico – maior incidência
de glioblastoma multiforme – e o uso de agentes antiangiogênicos como a talidomida e o bevacizumabe
parecem contribuir para a incidência elevada.
Historicamente, a utilização de filtros de veia
cava inferior era sempre considerada em substituição ao uso de anticoagulantes em portadores de
gliomas malignos, devido à percepção de um risco
mais elevado de sangramento nesses pacientes
quando tratados com anticoagulantes. O risco
parece ser superestimado, e alguns estudos indicam
uma taxa de sangramento intratumoral de apenas
2%. Os filtros de veia cava inferior também apresentam um risco inerente de tromboembolismo, trombose associada ao filtro e síndrome pós-flebítica.
Enquanto a taxa observada de complicações em pacientes que não possuem uma neoplasia é inferior a
10%, em pacientes portadores de gliomas ela pode
atingir mais de 60%. Dessa forma, recomenda-se um
período de anticoagulação de três meses após o
primeiro episódio de TVP em pacientes portadores
de tumores cerebrais, na ausência de outras contraindicações. É importante mencionar que o uso de
anticoagulantes não representa uma contraindicação
absoluta para o uso de bevacizumabe, apesar do
risco teórico mais elevado de sangramento pelo uso
combinado de ambas as medicações.
Dados da literatura neurocirúrgica sugerem a utilização de profilaxia mecânica pneumática e HBPM
na prevenção de fenômenos tromboembólicos em
portadores de gliomas malignos. No entanto, devido
aos riscos associados, o papel da profilaxia primária
nessa população permanece ainda indefinido.
“Fenômenos
tromboembólicos
associados ao
câncer constituem
um problema
clínico extremamente comum na
prática diária.”
Síndrome de Veia Cava Superior (SVCS)
A SVCS é caracterizada por um processo insidioso
e gradual de obstrução da veia cava superior. A
compressão extrínseca da VCS é possível devido às
suas paredes finas e às estruturas rígidas que a cercam. A baixa pressão intravascular permite a formação de um trombo, frequentemente induzido
pela presença de um cateter venoso central. O
processo é mais comumente observado em portaOnco& fevereiro/março 2011
31
“O câncer é um
estado prétrombótico. Eventos
vasculares podem
ocorrer antes
mesmo do diagnóstico estabelecido e
podem ser agravados pelo início
da terapêutica.”
dores de neoplasias, principalmente portadores de
carcinoma de pulmão e linfomas. A gravidade do
processo é também determinada pelos limites
anatômicos: quando a obstrução ocorre abaixo da
anastomose da veia cava superior com a veia ázigo,
observa-se um maior comprometimento no estabelecimento da rede de vasos colaterais determinando sintomas obstrutivos mais evidentes.
Os pacientes podem se apresentar com uma
variedade de sintomas. Mais frequentemente, observam-se edema da face e da região cervical, aumento do volume dos membros superiores, tosse e
dilatação dos vasos do tórax. A presença de espasmo laríngeo é preocupante, pois retrata o edema
da via aérea, bem como sonolência e confusão mental, indicativos de edema cerebral.
A SVCS não representa verdadeiramente uma
emergência médica na ausência dos dois últimos
sintomas mencionados. O diagnóstico preciso deve
ser estabelecido para que o tratamento mais apropriado seja introduzido. O método propedêutico
mais útil é a tomografia computadorizada do tórax
com contraste venoso, que permite definir o nível
da obstrução, avaliar a causa do processo e a rede
de vasos colaterais. A imagem obtida permite ainda
selecionar a melhor região que será submetida ao
procedimento diagnóstico.
O manuseio de pacientes portadores de SVCS
depende da etiologia da neoplasia, da gravidade dos
sintomas e do prognóstico do paciente. O tratamento deve incluir as medidas de suporte, radioterapia, quimioterapia e introdução de um stent
vascular. A remoção cirúrgica do tumor não representa uma alternativa adequada. Quando existe
evidência de comprometimento da via aérea ou
sinais de edema cerebral, a patência da via aérea
precisa ser estabelecida e o uso de corticosteroides
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3. Rosovsky R, Lee AY. Evidence-based mini-review: should all patients with
32
fevereiro/março 2011 Onco&
iniciado. A presença de trombose da veia cava pode
contribuir para a gravidade do quadro e resultar em
uma embolia pulmonar em mais de 30% dos pacientes. A decisão de anticoagular esses pacientes
não é bem definida na literatura e deve ser apenas
considerada em pacientes que apresentam um
trombo documentado nos exames de imagem. O
impacto dos anticoagulantes na sobrevida desses
pacientes ainda não pode ser documentado.
A introdução de um stent endovascular pode
promover alívio imediato dos sintomas obstrutivos.
Caso um trombo seja identificado, o uso de agentes
fibrinolíticos deve ser considerado. O uso de HBPM
pode ser considerado mesmo na ausência de um
trombo visível devido à introdução de um corpo estranho, mas não existe consenso a respeito da sua
utilização prolongada. Apesar da eficácia da introdução dos stents endovasculares no alívio dos sintomas associados a SVCS, a sua utilização não deve
ser considerada em todos os pacientes. Os resultados favoráveis descritos podem representar apenas
uma seleção de pacientes, e estudos controlados
precisam ser reportados antes de sua utilização de
uma maneira uniforme.
Conclusão
Os fenômenos tromboembólicos associados ao câncer
constituem um problema clínico extremamente
comum na prática diária. Os anticoagulantes podem
ser utilizados de forma segura e eficaz nesses pacientes. Entretanto, a melhora do prognóstico desses
pacientes depende da estratificação de risco que eles
apresentam e da seleção dos agentes mais adequados
e seguros para a profilaxia e o tratamento. A identificação de alvos terapêuticos específicos associados à
hipercoagulabilidade do câncer constitui o maior desafio terapêutico para os próximos anos.
idiopathic venous thromboembolic events be screened extensively for occult
malignancy? Hematology Am Soc Hematol Educ Program. 2010;2010:150-2.
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