Em busca dos computadores quânticos

Propaganda
SOCIEDADE CIÊNCIAS 39
PÚBLICO • DOMINGO, 4 DEZ 2005
Descoberta anã
castanha com sistema
solar em formação
É tão minúscula que quase não é uma estrela. Mas esta anã
castanha, uma espécie de estrela falhada, e o disco de poeiras à
sua volta, pode evoluir para um sistema solar em miniatura
Em busca dos
computadores quânticos
No fim do século XX, física quântica e informática juntaram-se
para dar origem a uma nova máquina que viria revolucionar a
nossa sociedade da informação: o computador quântico
YASSER OMAR E JOÃO SEIXAS
O João quer fazer uma surpresa a dois amigos, o Anacleto
e a Blimunda, oferecendolhes bilhetes para irem ao
cinema com ele ver o mais
recente episódio da Guerra
das Estrelas, ou o último episódio do Senhor dos Anéis.
Contudo, sabe que o Anacleto e a Blimunda já viram um
destes filmes, embora não
necessariamente o mesmo.
O João quer descobrir se é
possível irem todos ver um
dos filmes pela primeira vez.
Para não estragar a surpresa,
o João contacta uma entidade
terceira que sabe (apenas) dizer qual destes filmes a pessoa
X já viu.
Ora, basta duas perguntas a
essa entidade sabichona, uma
sobre o Anacleto e outra sobre
a Blimunda, para o João resolver o problema. Mas imaginemos agora o seguinte desafio:
é possível o João encontrar
a resposta colocando apenas
uma pergunta? Aliás, existe
algum sistema físico que permita ao João obter a resposta
com apenas uma pergunta?
Certamente, a esmagadora
maioria dos leitores, incluindo cientistas, responderá que
não. No entanto, há já 20 anos
que a resposta é, surpreendentemente: “Sim... utilizando um
computador quântico!”
No início dos anos 80, Paul
Benioff e Richard Feynman,
dois físicos teóricos norteamericanos, lançaram de
forma independente a ideia
de um computador onde a
informação seria codificada em sistemas quânticos,
como átomos ou partículas
de luz (fotões). Todas as partículas à escala atómica ou
subatómica obedecem às leis
da física quântica, que são
radicalmente diferentes das
da física (dita clássica), que
descrevem o comportamento
dos objectos à nossa escala ou
acima dela, desde uma maçã
até uma galáxia.
Por exemplo, o princípio da
sobreposição quântica diz-nos
que é possível descrever um fotão como tendo viajado por dois
(ou mais) caminhos diferentes
ao mesmo tempo. Esta propriedade, quase inacreditável por
chocar com a experiência do
dia-a-dia, está na base da física quântica, uma teoria que
permite descrever e prever o
comportamento dos átomos e
das partículas que os constituem com grande precisão. O
advento da física quântica, por
volta de 1925, representou uma
das maiores revoluções científicas do século XX e permitiu o
desenvolvimento da química,
da microelectrónica, de novos
materiais, da energia atómica,
do laser...
No entanto, só mais recentemente é que se começou a
levar a sério a ideia de explorar
a física quântica para conceber
computadores mais rápidos.
Voltemos ao problema do João
e imaginemos que a entidade
sabichona é um computador
quântico. O João pode então
codificar os nomes do Anacleto
e da Blimunda na sobreposição
de dois caminhos de um só fotão e enviar a partícula para
o computador. Este processa
os dois nomes/caminhos em
simultâneo, respondendo a
duas perguntas como se apenas de uma se tratasse!
Foi com uma ideia semelhante que, em 1985, David
Deutsch, um físico de Oxford,
mostrou que a física quântica
pode ser usada para resolver
problemas que de outra forma
não teriam solução. Ou que um
computador quântico permite
encontrar soluções de maneira
mais rápida. Em 1992, compre-
endeu-se que o João poderia generalizar este problema de dois
para N amigos, e ainda assim
obter a resposta com apenas
uma pergunta.
Em teoria, os computadores quânticos são espectacularmente mais rápidos que
os actuais: um único poderia
processar informação mais
depressa do que todos os
computadores actualmente
existentes a trabalhar em paralelo! Tal máquina permitiria,
por exemplo, pôr em causa a
privacidade das comunicações cifradas, cuja segurança
se baseia na lentidão dos computadores clássicos.
No entanto, é preciso dizer
que as próprias leis da física
quântica impõem limitações à
construção de um computador
quântico. As sobreposições
quânticas são estados frágeis
e exigem um isolamento difícil
de obter. Assim, a construção
de um computador quântico
utilizável é um grande desafio,
envolvendo um enorme investimento científico, tecnológico
e financeiro, e cujo sucesso
não está garantido. Mas a
revolução maior está na descoberta de que as propriedades da informação dependem
das leis da física, uma ideia
que a prazo transformará a
Sociedade da Informação em
que vivemos. ■
Para saber mais:
http://www.qubit.org/library/
introductions.html
http://qubit.damtp.cam.ac.uk/articles/
index.php
Este é o décimode uma série
de artigos de professores
e investigadores do Instituto
Superior Técnico,
que serão publicados aos
domingos, para comemorar
o Ano Internacional da Física
Uma equipa de cientistas dos
Estados Unidos descobriu
uma anã castanha em torno
da qual orbita um disco de
gases e poeiras, onde um dia
poderão nascer planetas.
A novidade é que esta anã
castanha, um objecto maior
do que um planeta mas mais
pequeno que uma estrela, é 100
vezes menor que o Sol.
É o objecto mais pequeno que
se conhece a ter um disco de
poeiras à volta, que poderá
evoluir para um sistema solar
em miniatura.
A descoberta, da equipa de Kevin Luhman, da Universidade
Estadual da Pensilvânia, será
publicada a 10 de Dezembro da
revista Astrophysical Journal
Letters.
As anãs castanhas, descobertas em 1995, são consideradas estrelas falhadas, porque
não têm massa suficiente,
nem pressão nem temperatura internas, para dar início
às reacções de fusão nuclear
e “acenderem-se” como as
estrelas.
A sua descoberta lançou
o debate sobre onde acaba
um planeta e começa uma
estrela. Essa fronteira não é
fácil de estabelecer: arbitrariamente, a União Astronómica Internacional colocou-a
à volta das 13,6 vezes a massa
de Júpiter, o maior planeta do
nosso sistema solar.
Agora, esta descoberta lança mais achas para a discussão científica, já que esta anã
castanha, Cha 110913-773444, a
cerca de 500 anos-luz de distância da Terra, tem apenas oito
vezes a massa de Júpiter.
O facto de ter um disco de
gases e poeiras à volta significa que se formou como uma
estrela, em redor da qual surgirão planetas, e vem desafiar
a definição de estrela, planeta,
lua e sistema solar, refere o
comunicado de imprensa da
Universidade Estadual da
Pensilvânia.
“O nosso objectivo é determinar a ‘estrela’ mais pequena com provas de planetas
em formação”, diz Luhman.
“Aqui, temos uma estrela tão
pequena que é do tamanho
de um planeta. Então, o que
chamamos aos pequenos
corpos que se podem formar
neste disco: planetas ou luas?”,
acrescenta.
Giovanni Fazio, do Centro
de Astrofísica Smithsonian,
em Harvard, adianta que a
este novo objecto chamar-seia um planeta pelo tamanho,
mas uma anã castanha pela
maneira como se formou. Se
vierem mesmo a formarem-se
planetas no disco, o sistema
será então uma versão em
miniatura do nosso sistema
solar, com uma ‘estrela’ no
centro e os planetas à volta.
Para o saber, será preciso
esperar muito tempo. Este
sistema, descoberto por vários
telescópios, não passa de um
bebé: tem apenas dois milhões
de anos, contra os 4500 milhões
do nosso sistema solar.
De qualquer maneira,
também não é a primeira
vez que se encontram discos
de poeiras e gases em torno
de anãs castanhas. Essa primazia coube ao astrofísico
português João Alves, do Observatório Europeu do Sul, em
Munique, e foi anunciada em
Junho de 2001. ■
Download