OS COMPORTAMENTOS DE DOR PORTNOI, A. G. Os comportamentos de dor. In: TEIXEIRA, M. J. Dor: Manual para o Clínico. Ed. Atheneu, São Paulo, 2006. p. 201-206. “... é evidentemente impossível ensinar a impressão da dor, uma vez que ela só é conhecida daqueles que a experimentaram. Além disso, somos ignorantes de cada tipo de dor até senti-lo” (Galeno, séc. II). A frase de Galeno resume a essência do desafio da dor. O fenômeno doloroso não é apenas multidimensional e complexo, é também subjetivo e seria inacessível se não pudesse ser comunicado através de comportamentos de dor. Há uma ampla gama de comportamentos que os indivíduos utilizam para comunicar a sensação dolorosa. O comportamento é um produto tanto da aprendizagem ou experiência prévia como da estimulação presente, portanto, aprendizagem e comportamento se encontram integrados na experiência de dor. A forma como cada um expressa a dor influencia como os demais julgam a presença e gravidade de seu problema: pessoas menos expressivas podem ter sua dor levada menos a sério e receber menos atenção por parte de cuidadores e profissionais do que aquelas que expressam sua dor de forma mais assertiva e dramática. Comportamentos não são eventos isolados e sim reflexos das interações entre o indivíduo e seu ambiente, isto é, são como pontes que permitem a influência mútua entre o mundo interno de uma pessoa (seu organismo e seu psiquismo) e o mundo externo que o rodeia (seu meio social e ambiental). Os comportamentos de dor sofrem influências históricas e culturais podendo ser socialmente modelados ao longo da vida, o que significa que estão sujeitos a diversos mecanismos que colaboram na sua aquisição, exacerbação e manutenção, de forma que, quanto mais tempo um indivíduo experimentar dor, mais oportunidades terá para aprender sobre os efeitos e conseqüências dos comportamentos de dor que emitir. Os Comportamentos de Dor Dá-se o nome de comportamentos de dor a todas as respostas ou reações à dor que sejam observáveis e que possam ser utilizadas pelos indivíduos para comunicar sua experiência dolorosa. As reações à dor poderiam ser inicialmente classificadas em reações involuntárias, que incluiriam todas as manifestações autonômicas e reflexas, e reações voluntárias, que envolveriam, por exemplo, os esforços para remover a fonte de dor e a procura de alívio e tratamento dos sintomas. Esta classificação tem, no entanto, uma função didática pois, na verdade, os indivíduos costumam reagir como um todo e suas respostas à dor ocorrem de forma integrada atendendo tanto às necessidades individuais de expressão quanto às necessidades sociais de conhecimento e compreensão. A observação empírica dos comportamentos de dor sugere que eles possam ser subdivididos em dois grandes grupos: o dos comportamentos verbais e escritos e o das expressões não-verbais de dor. Respostas verbais e não-verbais de dor diferem muito entre si e recebem influências sociais distintas, o que torna sua expressão pouco consistente, isto é, existe uma discrepância básica entre o que os indivíduos “falam” e o que “fazem”. Comportamentos de dor verbais, não-verbais e a discrepância entre eles são essenciais nos processos diagnósticos já que estes dependem em grande parte da habilidade de expressão dos doentes e de observação dos profissionais. Os comportamentos verbais incluem as queixas expressas verbalmente, gemidos, 1 suspiros e outras vocalizações assim como a expressão escrita. Todas estas manifestações de dor implicam em processos cognitivos estruturados que envolvem a seleção e utilização de significantes orais e/ou símbolos abstratos para a indicar a presença e descrever a experiência dolorosa. Todas as entrevistas clínicas, escalas, inventários e questionários pressupõem que os pacientes possuam tais habilidades em maior ou menor grau. Os comportamentos não-verbais são reações comportamentais observáveis que incluem mudanças posturais, gestuais e faciais. Mesmo variando de indivíduo para indivíduo - pessoas com a mesma patologia e o mesmo grau de dor podem se expressar de forma muito diferente - há evidências que os comportamentos nãoverbais de dor podem se constituir em fonte confiável de informações sobre os componentes afetivos da experiência dolorosa e assim influenciar tanto as avaliações sobre o estado afetivo do paciente como a reação afetiva do profissional. faciais entre indivíduos reflitam da mesma forma as diferentes características psicológicas de cada indivíduo e nem as diferenças sensoriais e afetivas de cada dor. Comportamentos Respondentes e Operantes Mas como determinados comportamentos são adquiridos? O que ocorre para que sejam mantidos, exacerbados ou mesmo extintos? A Psicologia Comportamental vem tratando de responder estas questões e esclarecer os mecanismos básicos que subjazem o comportamento humano. Dentre os comportamentos não-verbais as expressões faciais são um referencial de informações rapidamente acessível sobre a dor e o sofrimento do paciente e podem ser observadas sem a necessidade de equipamentos especiais. Existem diferentes expressões faciais que acompanham regularmente as experiências dolorosas e é possível que, em determinadas circunstâncias, a face ofereça mais informações sobre o estado afetivo e/ou físico do paciente do que sua condição orgânica. Nos mecanismos respondentes ou reflexos o comportamento ocorre como uma reação ao estímulo que o antecede e dá origem a respostas que são produzidas por estímulos ambientais, onde determinados eventos produzem determinadas reações (estímuloresposta). Estas respostas nem sempre são facilmente observáveis e é pouco provável que possam ser influenciadas por fatores como aprendizagem e cultura. Muitas das reações que caracterizam a dor aguda, tanto as fisiológicas como as produzidas pelo sistema nervoso autônomo, integram os comportamentos respondentes. Uma provável conseqüência do mecanismo respondente é que um indivíduo pode associar aumentos na dor a diferentes estímulos que, originalmente, estavam associados à estimulação nociceptiva e, como resultado, pode apresentar comportamentos pouco adaptativos para estímulos diferentes e assim modificar seu desempenho em atividades completamente distintas daquelas que deram início à dor. As expressões faciais de dor ocorrem em indivíduos de todas as idades e podem variar muito, mas têm demonstrado ser especialmente importantes na avaliação da sensação dolorosa em bebes, em pessoas com deficiência mental e em idosos com limitações cognitivas (como no mal de Alzheimer, por exemplo). Não se pode afirmar que as variações das expressões Os reflexos condicionados são fruto das interações estímulo-resposta e ocorrem quando estímulos se encontram aproximados temporalmente, ou seja, um estímulo que, originalmente, não produzia determinadas respostas pode passar a produzi-las. Um exemplo disso ocorre em crianças com fissura lábio-palatal que se submetem a diversas avaliações e cirurgias 2 reparadoras, e que respondem com choro e evitação, resultantes da dor e do desconforto, também aos uniformes brancos e ao ambiente hospitalar. Nos mecanismos operantes o que produz a aprendizagem está na relação entre uma ação e seus efeitos ou conseqüências. Quando um comportamento já existente no repertório de um indivíduo é emitido, atua sobre o ambiente produzindo efeitos ou conseqüências. Sempre que as conseqüências de um comportamento aumentarem a probabilidade de que ele ocorra novamente, elas se tornam reforçadores positivos, e toda vez que diminuírem a probabilidade de sua ocorrência, se tornam reforçadores negativos. Muitos dos comportamentos respondentes observáveis na dor aguda podem se tornar comportamentos operantes. As queixas, o repouso, o uso de medicação e a incapacitação costumam induzir cuidados e atenção de familiares e mesmo de profissionais que, dependendo do contexto individual, podem se constituir em reforços positivos e facilitar para que a condição aguda se torne crônica. Assim, comportamentos de dor originalmente produzidos por fatores orgânicos se convertem em respostas aos efeitos que produziram no ambiente e continuam a persistir mesmo depois que os fatores que deram origem à dor tenham sido controlados ou resolvidos. No que diz respeito à manutenção dos comportamentos, há uma diferença importante entre mecanismos respondentes e operantes: os comportamentos respondentes têm pouca probabilidade de persistir a não ser que continuem sendo sistematicamente expostos ao estímulo antecedente, enquanto que os comportamentos operantes persistem ou diminuem na medida em que os efeitos que provocam persistem o que significa que o comportamento poderá persistir mesmo quando seu reforço for intermitente. Comportamentos continuamente reforçados podem ser saciados e perde parte de sua força, enquanto que comportamentos que forem reforçados de forma intermitente costumam manter sua força ao longo do tempo. Entretanto, se o reforço ocorrer com muito pouca freqüência, o comportamento também pode desaparecer, um processo conhecido como extinção. Dor, Medo, Esquiva e Evitação Comportamentos operantes que estão sujeitos ao efeito de reforçadores negativos se traduzem em comportamentos de esquiva e/ou evitação. Ambos pressupõem a existência de pelo menos dois eventos aversivos relacionados, por exemplo, levantar peso e dor nas costas. Na esquiva, o primeiro evento costuma estar em andamento e, portanto, não é possível impedir a ocorrência do segundo, restando apenas a possibilidade de esquivar-se ou fugir de suas conseqüências, no caso, interromper o levantamento do peso depois de sentir dor nas costas. Na evitação, o indivíduo impede a ocorrência do primeiro evento para prevenir o segundo, ou seja, não chega a dar início ao levantamento de peso para impedir o aparecimento de dor nas costas, e isso se constitui numa previsão ou antecipação de ocorrência futura. O comportamento de evitação envolve fatores afetivos como o medo e a ansiedade, cognitivos como a antecipação da dor e orgânicos como a ativação simpática e o aumento da tensão muscular. O medo antecipatório e a evitação constante de determinadas atividades impedem que um indivíduo constate se suas previsões de dor são corretas ou não, e isso garante a manutenção do comportamento. Por outro lado, se este indivíduo puder verificar se suas previsões se concretizam ou não, é provável que modifique suas crenças relativas à dor para que se ajustem às suas constatações e isso permite que possam ocorrer alterações nos comportamentos de evitação. O controle e mesmo a extinção de comportamentos de 3 evitação podem ser constatados em programas de reabilitação que obtém níveis progressivos de atividade em pacientes descondicionados pela imobilidade resultante da condição dolorosa. Os comportamentos de evitação podem, portanto, contribuir para a cronicidade da dor. Para o indivíduo com dor aguda, muitas atividades que originalmente seriam até agradáveis, podem começar a produzir ou aumentar a dor, são então percebidas como aversivas e passam a ser evitadas. Ao longo do tempo, cada vez mais atividades podem ser percebidas desta forma e o estímulo corre o risco de se tornar generalizado, isto é, o medo da dor pode ser generalizado para um número cada vez maior de situações sejam elas simples como pequenos movimentos ou mais complexas como a atividade sexual e o retorno ao trabalho. Esquivar-se ou evitar a dor são reações instintivas diante de estímulos aversivos que produzem desconforto e/ou dor e fazem parte crucial das respostas adaptativas das espécies. Na dor aguda é esperado que um indivíduo tente evitar a estimulação e reduzir a atividade física – o comportamento de dor, neste caso, tem função adaptativa. Mas na dor crônica ele perde a função adaptativa e pode persistir mesmo após a cura da lesão inicial. Portanto, se para o indivíduo com dor crônica as tentativas de esquiva e evitação são conseqüências necessárias de sua condição e um meio para controlar seus níveis de dor, para os profissionais de saúde tais comportamentos são indicadores do grau de incapacitação e da pobreza ou inadequação das estratégias de enfrentamento da dor. Aprendizagem Familiar Social e Influência Os mecanismos de aprendizagem social são relevantes para a instalação, desenvolvimento e manutenção das respostas de dor. Enquanto unidade social básica, a família tem uma profunda influência na expressão e na forma como seus membros lidam com a dor. Dois tipos de aprendizagem familiar podem ocorrer – o condicionamento operante ou os processos de modelagem, nos quais um indivíduo aprende imitando ou copiando um comportamento exibido por outras pessoas em circunstâncias semelhantes, isto é, através da observação, uma pessoa pode adquirir condutas que inicialmente não se encontravam em seu repertório comportamental. O condicionamento operante costuma ocorrer de forma natural, não planejada e, freqüentemente, sem consciência por parte dos indivíduos. Como já foi comentado, familiares podem se tornar agentes reforçadores primários ao tratar o indivíduo doente com mais atenção e cuidados, liberando-o de obrigações desagradáveis. A modelagem se encontra na base do processo de socialização que promove a internalização dos diversos elementos que caracterizam uma cultura, incluindo valores, crenças, atitudes e comportamentos relativos à dor. O processo de socialização se inicia na infância com a observação de comportamentos emitidos pelos pais e demais familiares. A família tem um papel importante na etiologia e manutenção da dor, pois ao longo do processo de socialização, as experiências individuais de dor irão interagir com o aprendizado por observação para determinar expectativas e reações diante da dor. A observação de outras pessoas com dor e/ou em sofrimento se constitui em um evento suficientemente marcante para ensinar um indivíduo não só a evitar situações potencialmente perigosas e a lidar com a sensação dolorosa, mas também para estimular o desenvolvimento de uma habilidade humana essencial para a vida em sociedade que é a empatia, ou a capacidade imaginar-se no lugar do outro. A incapacitação, a alteração de papéis e possíveis problemas financeiros causados pela condição dolorosa crônica em um dos 4 membros da família poderão afetar adversamente os demais. Quando um dos elementos da família se encontra limitado ou incapacitado pela dor, as tarefas e responsabilidades que antes lhe eram atribuídas precisarão ser redistribuídas, o que poderá resultar em sobrecarga para outros membros ou em conflitos diversificados. Isso irá alterar o equilíbrio da dinâmica familiar em maior ou menor grau e poderá resultar em estresse e enfermidades para outros indivíduos na família. Em algumas famílias a condição dolorosa de um de seus membros pode desempenhar um papel estabilizador na medida em que se torna um recurso útil para escapar ou evitar conflitos familiares. O tempo e a energia dedicados ao problema da dor são como álibis que justificam e legitimam o adiamento e a evitação do enfrentamento de outros aspectos da vida e das relações humanas. Um acordo tácito inconsciente se desenvolve entre o indivíduo e seus familiares para que o comportamento de dor seja mantido, sendo que em muitas destas famílias, cuidar da doença de um de seus membros pode ser a única maneira de continuar funcionando. O mesmo pode acontecer, em um casal para, inconscientemente, evitar relações íntimas. Em casais onde há dor crônica os conflitos conjugais estão associados a um aumento na emissão de comportamentos de dor, que por sua vez, se refletem no aumento de afetos negativos e condutas punitivas por parte dos cônjuges. O Comportamento de Doença e os Significados da Dor Com muita freqüência observa-se uma desproporção entre a manifestação dos comportamentos de dor e a extensão ou gravidade da lesão tecidual. Em tais situações, é possível que o paciente esteja apresentando o chamado comportamento de doença, que não se constitui propriamente numa conduta, mas em um processo que evolui ao longo do tempo, à medida que o indivíduo se esforça para controlar e/ou se adaptar à sua condição de saúde. Sendo um processo, sua evolução nem sempre é clara ou definida, especialmente por que se baseia em elementos dinâmicos como a percepção, interpretação, expressão e enfrentamento dos sintomas. O comportamento de doença geralmente se inicia quando uma pessoa percebe uma mudança no funcionamento corporal passível de ser interpretada como sintoma de doença. Esta percepção implica em classificar, categorizar a experiência e lhe atribuir significados, o que ocorre tendo por base as experiências prévias como doenças próprias ou de terceiros. Percepções e interpretações interagem com valores e crenças culturais e se influenciam mutuamente. A dor é uma experiência que captura a atenção e gera um estado de alerta. De modo geral, todos aqueles que já a vivenciaram de maneira significativa, costumam temer seu retorno e manter uma vigilância constante a fim de detectar quaisquer sinais que possam estar associados à enfermidade ou ao trauma que a causaram. Este excesso de atenção pode, ao longo do tempo, transformar a dor no foco da vida de um indivíduo e parte integrante de sua identidade, pois a forma como os sintomas são percebidos e a atenção que lhes é dirigia influenciam diretamente o significado que lhes é atribuído. A atribuição de significados sobre o que causa e controla os sintomas dolorosos é influenciada pelas experiências e conhecimentos prévios de um indivíduo e por diversos fatores psicossociais e culturais. O conceito de locus de controle, por exemplo, se refere às percepções e crenças que cada indivíduo tem sobre a fonte que controla os eventos: a orientação interna de controle pressupõe que estes estariam condicionados às próprias ações do indivíduo, enquanto que a orientação externa implica que os eventos estariam 5 sob o controle de acontecimentos que independem das ações individuais (acaso, pessoas poderosas, forças sobrenaturais, etc.). Em situações conhecidas estas percepções costumam ser influenciadas pelas características da situação propriamente dita, e em situações novas ou ambíguas, costumam ser influenciadas pelas crenças individuais. A continuidade da dor, além do tempo razoável para a cura de uma possível lesão caracteriza a situação do doente como ambígua, facilitando o uso de crenças pessoais para interpretar o significado dos sintomas dolorosos. Independente de suas características, fatos ou crenças, os significados atribuídos à dor ajudam o indivíduo a organizar e compreender sua experiência de acordo com os recursos que possui, o que irá se refletir no grau de sofrimento associado. Dor e sofrimento são fenômenos relacionados, porém distintos, pois enquanto a dor envolve a percepção de impulsos transmitidos a partir de um estímulo nociceptivo, o sofrimento diz respeito aos muitos significados históricos, culturais e pessoais que o indivíduo irá atribuir a esta percepção, ou seja, o sofrimento pode ocorrer na ausência de qualquer indicador orgânico, por exemplo, quando a dor é antecipada. A interpretação dos sintomas e o significado atribuído a eles podem ter uma profunda influência no enfrentamento da dor, uma vez de alguns significados podem resultar em respostas variadas que podem afetar o potencial de reabilitação do paciente. Devido à sua associação primordial a danos teciduais a dor é geralmente interpretada como uma ameaça à integridade física do indivíduo e a seu bem estar. A percepção de ameaça possui um componente temporal importante: uma ameaça representa um sinal de que, no futuro, podem ocorrer danos e perdas efetivos. A antecipação envolvida na ameaça é um componente “educacional” importante da dor aguda uma vez que “ensina” o indivíduo evitar situações futuras semelhantes que possam implicar em dor e em risco. Avaliação dos Comportamentos de Dor Os comportamentos de dor se constituem em recursos referenciais para o diagnóstico e também para a avaliação da efetividade dos tratamentos para a dor. Como são reflexos da subjetividade da experiência dolorosa, sua mensagem pode ser discrepante dependendo da forma de comunicação, verbal ou não verbal, e sua expressão pode ser distorcida por receber influência de diferentes fatores. Sendo assim, é importante esclarecer que a avaliação dos comportamentos de dor é um recurso necessário, porém não suficiente para basear opiniões profissionais, deve, portanto ser sempre utilizada em conjunto com outros recursos de avaliação. Os comportamentos de dor podem ser acessados através de relatos obtidos por entrevista ou questionários, realizados com o paciente e/ou seu cuidador, onde as perguntas se voltam especialmente para as condutas cotidianas que caracterizam o estilo de vida, como alimentação, sono, prática de exercícios, hábitos, vícios, atividade sexual, atividades laborais, domésticas, sociais, de lazer, etc. e também procuram investigar os comportamentos que estão a serviço do enfrentamento da dor, como o uso de medicação, adesão às terapias, grau de atividade física, evitação de movimentos, uso de distração da atenção, técnicas e recursos de relaxamento, etc. A observação direta do comportamento geralmente ocorre em situação clínica e pode ser naturalística ou basear-se em sistemas de observação de comportamento. Integrando a maior parte dos procedimentos clínicos de diagnóstico a observação naturalística da dor pode ser também um poderoso recurso de aprendizagem para estudantes e jovens profissionais. Em nosso meio, ela tem sido utilizada de maneira mais dirigida para 6 treinar estudantes de psicologia que integram as equipes da Liga de Dor do Centro Acadêmico Osvaldo Cruz da Faculdade de Medicina da USP e do Centro Acadêmico 31 de Outubro da Escola de Enfermagem da USP. Os estudantes são orientados a observar comportamentos de comunicação como a proteção da área dolorida, fácies, suspiros, gemidos, alterações e mudança postural, etc. e também as interações sociais no momento da consulta, tais como as relações com cuidadores e acompanhantes e as relações com os membros da equipe de atendimento. Estas observações são compartilhadas com a equipe e têm se revelado úteis para indicar os progressos alcançados, para otimizar a relação profissional-paciente e para facilitar a adesão aos tratamentos propostos. O uso de sistemas de observação de comportamento é pouco utilizado no Brasil por ser demorado e dispendioso. Geralmente se solicita aos pacientes que executem uma série de tarefas que serão filmadas para gerar amostras de comportamentos a serem identificados e codificados. A partir daí se produz uma listagem de comportamentos que será utilizada por observadores devidamente treinados para avaliar a emissão e freqüência dos comportamentos de dor em diferentes situações clínicas. As observações diretas realizadas em situações clínicas ou experimentais tendem a não corresponder fielmente aos comportamentos emitidos pelos indivíduos em sua vida cotidiana, por isso tem-se utilizado uma forma indireta de observação conhecida como diário de dor. No diário de dor se solicita que o próprio doente, seus familiares e/ou cuidadores registrem uma série de informações, ao menos três vezes por dia ao longo de uma semana. Os dados a serem registrados podem variar de acordo com a necessidade de informações, por exemplo, podem-se solicitar registros da intensidade da dor, de fatores de piora ou melhora da sensação, do consumo de medicação, de atividades físicas, de mudanças no humor, de condutas de enfrentamento, etc. A estrutura do diário de dor minimiza os problemas relacionados à memória por permitir que se monitorem as mudanças no momento em que elas ocorrem. Dependendo das informações solicitadas, é possível produzir gráficos que evidenciem alguns padrões comportamentais, tais como o nível de tolerância à dor, a persistência na realização de determinadas tarefas, a evitação de certos movimentos por medo de agravar a dor, a dependência das medicações para controle da dor, etc. Embora seja um recurso de avaliação, o diário de dor pode ter um importante papel como recurso terapêutico, pois a análise das informações registradas pode ser realizada juntamente com o doente explorando as características dos dados obtidos, discutindo suas associações, desenvolvendo recursos e estratégias de enfrentamento, prevenindo crises dolorosas, orientando medidas mais eficazes no alívio da dor, etc. O emprego terapêutico do diário de dor aumenta a sensação de controle por parte do paciente e permite uma compreensão maior das relações entre a sensação dolorosa, os comportamentos emitidos e a situação social e ambiental em que ocorreram. 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