Avaliação da Troca de Regimes em Ecossistemas

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Avaliação da Troca de Regimes em Ecossistemas Subtropicais usando o Modelo IPH-ECO
Fragoso Jr., C.R.; Ferreira, T.F. Motta Marques, D.
Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Palavras-chave – modelagem ecológica, restauração de ecossistemas, estados alternativos de estabilidade.
Resumo – O aumento da carga de nutrientes levaram ecossistemas aquáticos, tais como lagos, reservatórios e estuários, a
fortes mudanças caracterizadas por altos níveis de nutrientes e um estado de águas túrbidas dominado por algas. Medidas
corretivas no intuito de revitalizar estes ecossistemas podem produzir efeitos indesejáveis ou serem insuficientes para levar
o sistema ao retorno de seu estado natural. Desta forma, foi desenvolvido um modelo ecológico que leva em consideração
processos limnológicos integrados (i.e. hidrodinâmicos, de qualidade da água e biológicos) buscando entendimento dos
processos de degradação e restauração em ambientes aquáticos submetidos a distúrbios. Foi mostrado que quando um
ecossistema aquático é estressado, podem ocorrer profundas implicações para o ecossistema, tal como um inesperado
colapso do sistema e uma grande resistência para que o ecossistema retorne ao seu estado de referência. Além disso, foi
proposto que todo conjunto de medidas corretivas de caráter interno aplicado nas bacias de contribuição e no ecossistema
aquático sejam previamente testadas e verificadas visando promover a recuperação destes ecossistemas maximizando os
benefícios sócio-ambientais, econômicos de uma maneira integradora.
Abstract – The increase of nutrient loading has led water bodies, such as lakes, reservoirs and estuaries, to high trophic
levels of nutrients with phytoplankton dominance and turbid water. Those impacts are reflected on water quality and aquatic
communities through cascading trophic effects. Aiming to evaluate the effects those alteration on whole ecosystem, we
developed a three-dimensional hydrodynamic model, accomplished with water quality and biological modules. Ecological
simulations showed that a stressed ecosystem can change its reference state and present a large resilience to return for an
initial condition. Finally, we purpose the use of the model before to apply corrective measures on the watersheds and on the
aquatic ecosystem in order to promote the restoration of those ecosystems maximizing the socio-economic benefits in an
integrator way. The model showed to be not only a predictive tool but rather for the purpose of gaining insight and
generating hypothesis, such as the minimal models work, besides a promises management platform to take decisions for
subtropical and tropical aquatic ecosystems.
INTRODUÇÃO
Lagos, estuários e reservatórios são importantes ecossistemas aquáticos os quais suportam
diversos usos múltiplos das águas, tais como irrigação, consumo humano e animal, atividades
industriais, diluição de poluentes, geração de energia, transporte, recreação, pesca, entre outros. Ao
mesmo tempo em que a diversidade física e a produtividade biológica são características destes
sistemas, também é reconhecida sua fragilidade às agressões antrópicas (e.g. despejos de efluentes,
captação de água para abastecimento, irrigação, pesca, biomanipulação, etc). Estas ações são
fundamentais para o desenvolvimento sócio-econômico, entretanto, elas provocam fortes alterações na
fauna e flora aquática, nos padrões de qualidade da água, e conseqüentemente, nos usos das águas
(NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1993).
Uma progressiva deterioração da qualidade da água nesses ecossistemas, decorrente do aumento
dos níveis de matéria orgânica e carga de nutrientes, pode resultar em fortes mudanças caracterizadas
geralmente por: (a) florações de cianobactérias, diatomáceas e clorofíceas (fitoplâncton); (b)
desaparecimento da vegetação aquática submersa e emergente (macrófitas aquáticas); (c)
predominância de peixes planctívoros e piscívoros; e (d) redução da transparência da água (MOSS,
1990; SCHEFFER, 1998).
Uma vez que o ecossistema passou de uma condição de águas claras (mesotrófica ou
oligotrófica) com o domínio de vegetação aquática submersa, para uma condição de águas túrbidas
(eutrófica) com dominância de algas, medidas físicas, químicas ou biológicas podem ser empregadas
na tentativa de reverter o estado do ecossistema aquático para uma nova condição de referência1 (e.g.
redução da carga de nutrientes proveniente da bacia, dragagem do sedimento de fundo, reabilitação da
vegetação ripária, biomanipulação, etc) (JEPPESEN et al., 2005; SØNDERGAARD, et al., 2005).
Entretanto, de acordo com o U.S. NATIONAL RESEARCH COUNCIL (1993), muitas destas medidas
serviram apenas para mitigar alguns problemas nestes ecossistemas. Nunca se soube ao certo quais os
verdadeiros impactos ou benefícios na estrutura trófica que tais alterações acarretariam ao ecossistema.
Embora os processos físicos, químicos e biológicos em lagos, estuários e reservatórios e em
suas bacias de contribuição sejam bem entendidos, ainda existe uma grande lacuna no que diz respeito
a compreensão e a avaliação dos impactos gerados pela bacia, pelo manejo ou por medidas de
restauração em ecossistemas aquáticos. De tal forma que questões intrigantes ainda não são tão bem
esclarecidas, como por exemplo: (a) Até que ponto um ecossistema aquático é capaz de absorver os
impactos causados pelas as atividades sociais e econômicas atuais? (b) Que medida de restauração pode
ser mais adequada visando minimizar custos e maximizar benefícios sócio-ambientais? (c) Quais são os
verdadeiros impactos da poluição gerada pela bacia na estrutura aquática e na qualidade da água do
corpo d’água em questão? (d) Qual seria o prejuízo desses impactos para população?
Desta forma, um modelo ecológico foi desenvolvido considerando a integração de processos
hidrodinâmicos, de qualidade da água e biológicos, o qual pode auxiliar os entendimentos das
alterações induzidas por usos da bacia, manejo e medidas de restauração em lagos, estuários e
reservatórios tropicais e subtropicais. Neste artigo nós apresentamos uma curta descrição do modelo,
bem como uma aplicação em um lago raso com características subtropicais no intuito de promover um
maior entendimento dos processos de degradação e restauração nestes ecossistemas. Uma vez
calibrado, o modelo pode ser uma excelente ferramenta para investigar pontos de troca de estados (i.e.
o limiar da passagem de uma condição oligotrófica para uma condição eutrófica, e vice-versa) e avaliar
estados alternativos de estabilidade no ecossistema.
MATERIAIS E MÉTODOS
Descrição do modelo ecológico
O modelo IPH-ECO é um sistema computacional desenvolvido no Instituto de Pesquisas
Hidráulicas (IPH) for Windows, voltado especialmente para entendimento dos processos físicos,
químicos e biológicos de corpos d’água rasos e profundos, tais como, lagos, reservatórios e estuários de
uma maneira integradora. Este modelo possui um módulo hidrodinâmico acoplado com módulos de
qualidade da água e biológico. As diferenças espaciais dentro do corpo d’água são levadas em conta
(e.g. lago ou banhado), podendo ser definida uma discretização tridimensional para o módulo
hidrodinâmico e uma discretização bidimensional na horizontal para os módulos de qualidade da água e
biológico. Este modelo descreve as mais importantes interações hidrodinâmicas e abióticas, além dos
principais processos biológicos, com a finalidade de auxiliar o entendimento comportamental de um
determinado ecossistema aquático (Figura 1). Uma descrição detalhada do modelo pode ser encontrada
em FRAGOSO JR. (2007).
Procurando estados alternativos com IPH-ECO
A presença de vegetação aquática submersa caracteriza um ambiente de águas claras com
baixos índices de nutrientes (i.e. um estado oligotrófico). Por outro lado, a presença de algas indica um
ambiente eutrofizado com altos níveis de nutrientes. No modelo IPH-ECO, a turbidez da água é
avaliada através de um coeficiente, o qual representa a atenuação da luz na coluna d’água devido à
substâncias dissolvidas na água e coloração.
Simulando ciclos sazonais para uma faixa de valores do parâmetro de turbidez da água é
possível avaliar troca de regimes e os caminhos de degradação e restauração tomados pelo ecossistema
aquático com a mudança do valor de turbidez da água. O modelo foi configurado para trabalhar de
forma misturada, considerando todos os módulos ativos (i.e. hidrodinâmico, de qualidade da água e
biológico). Foram impostas condições climatológicas subtropicais de temperatura, luz, radiação solar,
vento, precipitação e evaporação (latitude 33S) para um lago raso com 4 metros de profundidade média
e 10 km2 de dimensão.
Para avaliar uma possível histerese, o parâmetro de turbidez da água foi mudado sobre uma
certa faixa de valores (de 0 a 1,5 m-1) em um número de passos pequenos (0,02 m-1) no sentido
ascendente e, em seguida, descendente. O estado final da simulação anterior foi usado como condição
inicial da simulação seguinte. Em cada passo do parâmetro, o modelo simulava 15 anos, considerando
um período de estabilização para representação dos ciclos sazonais de 5 anos. Analisamos a biomassa
de vegetação aquática submersa para avaliação da mudança das condições no ecossistema. Em cada
ano, fora do período de estabilização (5 anos), era gravado o valor da biomassa de vegetação aquática
submersa em um dia no verão (15 de janeiro).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As simulações identificaram claramente dois estados alternativos de biomassa de macrófitas
aquáticas submersas para diferentes valores de turbidez (Figura 2). O primeiro estado alternativo é
caracterizado por baixos valores de turbidez (i.e. baixo níveis de nutrientes e alta transparência da
água), elevados índices vegetação submersa e pouco fitoplâncton. No segundo estado alternativo,
encontram-se altos valores de turbidez com dominância de algas e pouca vegetação aquática submersa.
Observe que os estados alternativos podem variar de acordo com as condições estabelecidas no
sistema, isto é, dependendo dos valores de turbidez no ecossistema. Por exemplo, para valores de
turbidez entre 0,4 e 1,1 m-1, podemos observar uma faixa bem definida onde ocorrem estados
alternativos de estabilidade. Quando o ecossistema está em um estado de águas claras, ele não passa
para o outro estado através de uma transição suave. Ao contrário, quando as condições mudam
suficientemente para ultrapassar um limiar (F2), uma transição brusca para outro estado ocorre.
Entretanto, para induzir o ecossistema a uma troca para o estado inicial de águas claras dominado pela
vegetação (sentido da restauração), não é suficiente estabelecer condições semelhantes daquelas
anteriores ao colapso (F2). Ao invés disso, é necessário ir um pouco mais além até um novo ponto de
troca (F3), onde o sistema se recupera e retorna ao seu estado inicial de águas claras. No sentido
progressivo, o modelo representou duas mudanças bruscas da concentração de macrófitas aquáticas (F1
e F2). A primeira quebra (ponto F1), para turbidez ≈ 0,4 m-1, ocorreu devido as interações entre as
comunidades aquáticas com uma combinação de efeitos negativos sobre a comunidade de algas (e.g.
consumo pelo zooplâncton, peixes onívoros e planctívoros e limitação de luz). Sem a presença do
fitoplâncton na água o coeficiente de atenuação da luz é reduzido bruscamente, propiciando mais luz
nas camadas mais profundas para o crescimento da vegetação aquática submersa. A segunda quebra
(F2) é decorrente ao efeito físico produzido pelo alto valor de turbidez, gerando falta de luz no fundo.
Com o colapso da vegetação submersa o sistema passa a ser dominado pela comunidade
fitoplanctônica. O sistema vai perdendo sua resiliência (i.e. resistência a mudança de seu estado atual)
com o aumento da turbidez. O ponto F3 representa o nível de transparência e qualidade da água a ser
atingido pelo ecossistema para sua revitalização e retorno para um estado de referência. O
conhecimento deste ponto é fundamental para aplicação e escolha da medida de restauração mais
apropriada para um determinado ecossistema.
CONCLUSÕES
O modelo ecológico proposto mostrou ser uma ferramenta promissora podendo auxiliar o
tomador de decisão na seleção de uma alternativa mais apropriada para a restauração de ecossistemas
aquáticos, tais como, lagos, reservatórios e estuários degradados. Ao contrário de modelos simples, este
modelo considera processos importantes (e.g. hidrodinâmica, transporte de nutrientes e plâncton),
interações entre comunidades aquáticas e efeitos indiretos que permitem explorar questões mais
realísticas, e seu design flexível possibilita o usuário analisar muitas questões ecológicas, tais como os
efeitos e implicações de distúrbios no ecossistema aquático.
Foi mostrado que quando um ecossistema aquático é estressado (distúrbio), podem ocorrer
profundas implicações para o ecossistema, tal como um inesperado colapso do sistema e uma grande
resistência para seu estado de referência. Desta forma é indispensável que toda medida no sentido de
restaurar o sistema seja cuidadosamente planejada, estudada, simulada e monitorada. Isso sugere um
conjunto de medidas corretivas de caráter interno aplicado nas bacias de contribuição e no ecossistema
aquático visando promover a recuperação destes ecossistemas maximizando os benefícios sócioambientais, econômicos. As simulações ecológicas determinaram pontos de trocas de estados
(passagem de um estado de águas claras para um estado de águas túrbidas, ou vice-versa). O modelo
poderia ser utilizado para prever o tempo necessário e os níveis de qualidade atingidos pelo
ecossistema após a aplicação de um conjunto de medidas corretivas. Cada medida corretiva poderia ser
previamente testada pelo modelo e assim verificada sua eficiência para a troca de um estado de águas
túrbidas para um estado de águas claras.
REFERÊNCIAS
FRAGOSO JR., C.R. (2007). Modelagem do Efeito Trófico em Cascata em um Lago Raso Subtropical:
Distúrbios na Cadeia Alimentar. Qualificação de doutorado. Instituto de Pesquisas Hidráulicas. Porto
Alegre. 124p.
JANSE, J.H. (1998). “Model studies on the eutrophication of shallow lakes and ditches”. Tese de
doutorado. Universidade de Wageningen, Holanda. pp. 376.
JEPPESEN, E.; SØNDERGAARD, M.; MAZZEO, N.; MEERHOFF, M.; BRANCO, C.; HUSZAR,
V.; SCASSO, F. (2005): Lake restoration and biomanipulation in temperate lakes: relevance for
subtropical and tropical lakes. Chapter 11 in: (Ed. M.V. Reddy), Tropical eutrophic lakes: their
restoration and management, 331-359.
MOSS, B. (1990). Engineering and biological approaches to the restoration from eutrophication of
shallow lakes in which aquatic plant communities are importants components. Hydrobiologia, 275/276:
1-14.
NATIONAL RESEARCH COUNCIL. (1992). Restoration of aquatic ecosystems: science, technology,
and public policy. National Academy Press, Washington, D.C., USA.
SCHEFFER, M. (1998). Ecology of shallow lakes. Chapman and Hall, London.
SONDERGAARD, M.; JENSEN, J. P.; JEPPESEN, E. (2005). Seasonal response of nutrients to
reduced phosphorus loading in 12 Danish lakes. Freshwater Biology, 50: 1605-1615.
ANEXO – Figuras
Figura 1 – Estrutura simplificada do modelo IPH-ECO (fração do lago). As setas sólidas representam
os fluxos de massa e as setas tracejadas denotam relações empíricas (o sinal de menos indica uma
influência negativa na transparência da água, caso contrário positiva) (Modificado de Janse, 1998).
Figura 2 – Efeito da mudança do coeficiente de extinção da luz devido a substâncias dissolvidas na
água na biomassa de vegetação aquática submersa (em 15 de janeiro). Os caminhos de degradação e
restauração ficam evidenciados de forma distinta. Um esforço maior é necessário no sentido de
revitalizar o sistema. Os pontos F1, F2 e F3 representam pontos de troca de estados alternativos.
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