influência dos tipos de câncer pediátrico e das fases do

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INFLUÊNCIA DOS TIPOS DE CÂNCER PEDIÁTRICO E DAS FASES DO
TRATAMENTO NA QUALIDADE DE VIDA DOS CUIDADORES
INFLUENCE OF TYPES OF PEDIATRIC CANCER TREATMENT AND PHASES OF
THE QUALITY OF LIFE OF CAREGIVERS
Cristiane Martins CUNHA1, Thaís Camargos FERREIRA2,
Nívea Macedo de Oliveira MORALES3, Rogério Rizo MORALES4,
Rogério Melo Costa PINTO5, Carlos Henrique Martins da SILVA6
1. Mestre em Ciências da Saúde. Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina – FAMED, Universidade
Federal de Uberlândia - UFU, Uberlândia, MG, Brasil; [email protected]; 2. Médica Residente em hematologia e Hemoterapia.
Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM, Uberaba, MG, Brasil; 3. Doutora em Neurologia.
Docente do Departamento de Pediatria, FAMED - UFU, Uberlândia, MG, Brasil; 4. Médico neurologista. Mestre em Ciências da Saúde,
Uberlândia, MG, Brasil; 5. Estatístico. Doutor em Genética e Melhoramento de Plantas. Docente da Faculdade de Matemática - UFU,
Uberlândia, MG, Brasil; 6. Doutor em Medicina. Docente do Departamento de Pediatria FAMED - UFU, Uberlândia-MG, Brasil.
RESUMO: O objetivo deste trabalho foi descrever a qualidade de vida relacionada à saúde dos cuidadores de
crianças e adolescentes com câncer e comparar seus escores com controles saudáveis, com os tipos de tumor e a fase de
tratamento. Entre setembro de 2005 a janeiro de 2007, 73 cuidadores de crianças e adolescentes com câncer (idade média=
34,8; DP=8,5) e 125 cuidadores de crianças e adolescentes saudáveis (idade média= 37,2; DP=9,1) participaram de um
estudo transversal e responderam a um questionário de qualidade de vida relacionada à saúde (SF-36). Os resultados
demonstraram que os escores de todos domínios do SF-36 dos cuidadores de crianças e adolescentes com câncer foram
menores que os dos controles. Não se observou diferença significativa dos escores segundo o tipo de tumor (leucemias, do
sistema nervoso central e sólidos) e a fase de tratamento (quimioterapia/radioterapia versus fora de tratamento). Conclui-se
que os cuidadores de crianças e adolescentes com câncer apresentam prejuízo multidimensional na qualidade de vida
relacionada à saúde, independentemente do tipo de câncer e da fase do tratamento. Esses resultados indicam que o
tratamento de crianças e adolescentes com câncer deve incluir estratégias específicas para o acompanhamento da saúde
física, mental e social dos seus cuidadores.
PALAVRAS-CHAVE: Cuidadores. Criança. Adolescente. Neoplasias. Qualidade de vida.
INTRODUÇÃO
O câncer é uma das doenças crônicas que
mais interfere nos aspectos físicos e psicossociais
dos pacientes e seus cuidadores. Fatores como
longos e frequentes períodos de internação,
complicações resultantes de seu tratamento e a
presença de transtorno de humor refletem de forma
negativa na qualidade de vida dos seus cuidadores
(ANDERS, 1999; HOEKSTRA-WEEBERS et al.,
2001; NASCIMENTO, 2003; YAMAZAKI et al.,
2005).
A Organização Mundial de Saúde (1994)
define qualidade de vida como “a percepção do
indivíduo de sua posição na vida, no contexto
cultural e no sistema de valores em que ele vive e
em relação a seus objetivos, expectativas,
preocupações e desejos” (WHOQOL GROUP,
1995). Qualidade de vida relacionada à saúde
(QVRS) é o termo que tem sido utilizado quando se
pretende enfocar os aspectos da qualidade de vida
que são influenciados pela doença e/ou tratamento
(FAYERS; MACHIN, 2007).
Received: 24/05/12
Accepted: 05/10/12
Estudos que tratam da qualidade de vida
relacionada à saúde (QVRS) dos cuidadores de
crianças e adolescentes com câncer identificaram o
impacto negativo nas funções física e psicossocial
de mães desses pacientes atribuído à doença
(YAMAZAKI et al., 2005; GOLDBECK, 2007;
EISER et al.,2005), situação exemplificada por
maior grau de tristeza e diminuição da auto-estima,
além da percepção de uma situação de vida menos
satisfatória (ENSKÄR et al., 2011). Nesse estudo
avaliamos o impacto do câncer de crianças e
adolescentes na QVRS de seus cuidadores por meio
do questionário SF-36 (36 - Item Short Form Health
Survey Questionnaire) e as repercussões na QVRS
dos cuidadores de acordo com o tipo de tumor e fase
de tratamento.
MATERIAL E MÉTODOS
Participantes
Entre setembro de 2005 a janeiro de 2007,
foram convidados a participar do estudo cuidadores
principais de crianças e adolescentes com câncer
com idade entre cinco a dezoito anos de idade em
Biosci. J., Uberlândia, v. 29, n. 3, p. 774-780, May/June 2013
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Influência dos tipos de câncer...
CUNHA, C. M. et al.
acompanhamento clínico no ambulatório de
Oncologia Pediátrica do Hospital do Câncer de
Uberlândia-MG. Foram excluídos cuidadores
analfabetos ou com déficit cognitivo que não
permitia a leitura e compreensão do questionário. O
Grupo controle foi composto por cuidadores de
crianças e adolescentes saudáveis, sem doenças
crônicas com idade entre 5 a 18 anos provenientes
de escolas públicas e privadas, pareados para idade
e sexo em relação ao grupo de estudo, na proporção
de 2:1.
Cuidadores principais foram definidos como
aqueles que se responsabilizavam por prover ou
coordenar os recursos dispensados às crianças e
adolescentes e que participavam diretamente do
processo de cuidado e assistência. O estudo foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
(parecer 107/2005), e foi realizado após a assinatura
do termo de consentimento livre e esclarecido pelos
participantes.
Procedimentos
Os sujeitos da pesquisa foram convidados a
responder, pela técnica de autoaplicação, um
questionário para caracterização sociodemográfica e
o questionário de avaliação da qualidade de vida
(SF-36). A presença de doença crônica no grupo de
estudo, caso presente, foi relatada pelo próprio
cuidador. A coleta de dados do grupo controle
ocorreu por meio de visita domiciliar, a partir de
contato prévio com os participantes.
Para obtenção de informações clínicas das
crianças e adolescentes com câncer, realizou-se
consulta aos prontuários. Para análise dos dados,
agruparam-se os achados segundo os tipos de tumor
(tumores sólidos, tumores de sistema nervoso
central e leucemias) e a fase do tratamento
(quimioterapia e/ou radioterapia ou fora de
tratamento).
Instrumento para avaliação da qualidade de vida
O
SF-36
é
um
instrumento
multidimensional, constituído por 36 itens dispostos
em oito domínios: Capacidade funcional, Aspectos
físicos, Dor, Estado geral de saúde, Vitalidade,
Aspectos sociais, Aspectos emocionais, Saúde
mental e uma questão de avaliação comparativa do
estado geral de saúde atual e de um ano atrás. O
instrumento aborda as últimas quatro semanas e
avalia
tanto
os
aspectos
negativos
(doença/enfermidade) quanto os positivos (bemestar) do indivíduo. Para a avaliação dos resultados,
as respostas aos seus itens são computadas em seus
respectivos componentes, e esses valores são
normatizados em uma escala de zero a 100.
Menores valores refletem uma percepção de saúde
ruim e dor (pior avaliação da QVRS), enquanto
altos valores refletem uma percepção de boa saúde,
ausência de déficits funcionais e de dor (melhor
avaliação da QVRS) (WARE; SHERBOURNE,
1992; CICONELLI, 1997).
Métodos estatísticos
A estatística descritiva foi utilizada para a
caracterização sócio-demográfica e clínica dos
participantes. Para a comparação entre os escores
obtidos por meio do SF-36, segundo o tipo de
câncer, foi utilizado o teste de Kruskal Wallis. O
teste U de Mann Whitney foi utilizado para
comparação dos escores segundo a presença de
doença crônica e fase de tratamento do paciente
(quimioterapia e/ou radioterapia ou fora de
tratamento). O nível de significância adotado foi de
p<0,05.
RESULTADOS
Características
sócio-demográficas
dos
cuidadores
Participaram do estudo 73 cuidadores de
crianças e adolescentes com câncer e 125
cuidadores do grupo controle. As crianças e
adolescentes
foram
representadas
predominantemente pelas mães em ambos os grupos
(84,9% no grupo de estudo e 81,6%, no controle).
Os dois grupos apresentaram características sócio
demográficas semelhantes, exceto quanto à presença
de doenças crônicas (Tabela 1).
Tabela 1. Características demográficas dos cuidadores e das crianças e adolescentes com câncer e grupo
controle, Hospital do câncer de Uberlândia, Uberlândia-MG, 2007.
Características dos Cuidadores
Grupo Estudo
Grupo Controle
p valor
Idade, média (DP) +
Escolaridade, n (%)*
Ensino fundamental incompleto
Ensino fundamental completo
Ensino médio
34,8 (8,5)
34,9 (5,5)
0,202
43 (58,9)
7 (9,6)
18 (24,7)
46 (31,3)
20 (12,1)
39 (40,4)
0,017
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Influência dos tipos de câncer...
Ensino superior
Situação conjugal, n(%)*
Vivem juntos
Vivem separados
Viúva (o)
Vínculo empregatício, n(%)‡
Renda familiar em salário mínimo †
Mediana (P25 – P75)
Doenças crônicas, n (%)‡
Número de filhos †
CUNHA, C. M. et al.
5 (6,8)
20 (16,3)
46 (63,0)
26 (35,6)
1 (1,4)
31 (42,5)
123 (74,1)
43 (22,9)
0 (0,0)
94 (56,6)
0,090
2 (1 - 3)
18 (24,7)
2 (1 - 3)
0 (0)
0,096
0,00
2 (2 - 3)
2 (2 - 3)
0,821
Mediana (P25 – P75)
0,043
*Teste Qui Quadrado; † Teste de Mann-Whitney; ‡ Teste da binomial para diferença de proporções
Características demográficas e clínicas das
crianças e adolescentes
A média de idade dos pacientes foi de 10,4
anos (DP=3,7 e mediana=10) e 53,4% eram do sexo
masculino. O número de irmãos variou de zero a
dez, sendo que 9,6% não tinham irmãos e 70,2%
tinham de um a dois irmãos. A maioria (56,4%)
frequentava o ensino fundamental, todavia 21,3%
dos pacientes não frequentavam escola.
Em comparação ao grupo controle, as
crianças e adolescentes com câncer estavam, com
maior frequência, fora do ensino regular. Não houve
diferença significativa quanto à idade, sexo e
número de irmãos.
Em relação às características clínicas das
crianças e adolescentes com câncer, grande parte
apresentava tumores sólidos (47,9%), seguidos de
leucemias (31,5%) e tumores de sistema nervoso
central (20,6%). O tempo de diagnóstico do câncer
variou entre 1 e 158 meses, com média de 47,4
meses (DP=38,7). A maioria dos pacientes
apresentou até cinco internações (74,0%), não
estavam mais em tratamento oncológico específico
(79,5%) e não tinha história de recidiva do câncer
(90,4%). A forma combinada de terapia foi a mais
frequente (61,6%), e a quimioterapia foi a terapia
antitumoral isolada mais utilizada (30,1%). Em
50,7% dos pacientes havia registro de sequelas ou
agravos à saúde decorrentes do câncer de acordo
com os prontuários médicos.
Qualidade de vida relacionada à saúde
A Tabela 2 demonstra o comparativo entre
os escores dos domínios do SF-36. Os cuidadores de
crianças e adolescentes com câncer obtiveram, em
todos domínios, escores significantemente menores
do que os do grupo controle (p<0,02).
Tabela 2. Comparação entre os escores do SF-36 obtidos pelos cuidadores de crianças e adolescentes com
câncer e o grupo controle, Hospital do Câncer de Uberlândia, Uberlândia-MG, 2007.
Domínios
CF
AF
DC
EGS
AE
AS
VT
SM
SCF
SCM
Grupo Estudo
mediana P75
85
95
75
100
62
72
77
87
60
75
75
100
66,7
100
68
80
50,1
54,8
45,2
53,8
p
*
Grupo Controle
P25
65
25
51
57
40
50
33,3
52
40,7
39
mediana
90
100
72
87
75
100
100
76
53,7
53
P75
100
100
84
92
80
100
100
84
56,5
56,2
P25
85
75
61
77
60
87,5
66,7
64
49,5
46,5
p valor
0,002
0,001
0,001
0,000
0,002
0,000
0,001
0,013
0,000
0,000
*Teste de Mann-Whitney; CF= capacidade funcional, AF= aspectos físicos, DC= dor, EGS= estado geral de saúde, AE= aspectos
emocionais, VT= vitalidade, SM=saúde mental, AS= aspectos sociais; SCF= componente físico; SCM= componente mental
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CUNHA, C. M. et al.
A presença de doença crônica nos
cuidadores de pacientes com câncer foi relatada por
18 (24,65%) cuidadores: hipertensão arterial
sistêmica (5), diabetes mellitus (3), lombalgia (2),
gastrite (2), epilepsia (2), cardiopatia chagásica (1),
cefaléia (1), bursite (1), comunicação interatrial (1),
osteodistrofia (1), litíase renal (2). Embora os
escores tenham sido menores para os indivíduos
com doenças crônicas, apenas no domínio
capacidade funcionais (CF) esta diferença foi
estatisticamente significativa (p<0,05).
Os cuidadores de pacientes que estavam
em fase de tratamento oncológico específico
apresentaram, em geral, escores menores do que os
de pacientes fora de tratamento, especialmente nos
domínios Vitalidade, Aspectos Sociais e Aspectos
Emocionais, todavia essa diferença não foi
estatisticamente significativa (p>0,08). Não se
observou diferença nos escores segundo o tipo de
tumor.
DISCUSSÃO
O presente estudo confirmou a hipótese de
que a QVRS de cuidadores de crianças e
adolescentes com câncer apresenta prejuízo tanto na
dimensão física quanto mental. Em geral,
cuidadores de indivíduos com câncer apresentam
impacto negativo na percepção de bem estar
(NORTHOUSE et al., 2002; GROV et al., 2002;
GRUNFELD et al., 2004; CHEN et al., 2004). Da
mesma forma, prejuízo global na QVRS é
identificado tanto nas crianças e adolescentes com
câncer (EISER et al., 2005; HINDS et al., 2004;
VARNI; LIMBERS et al., 2009; HOORNWEG,
2009) quanto nos seus cuidadores (YAMAZAKI et
al., 2005; GOLDBECK, 2006; EISER et al., 2005;
CHIEN et al., 2003; KLASSEN et al., 2008;
KLASSEN et al., 2010; LITZELMAN et al., 2011).
O prejuízo no construto mental do cuidador
pode estar relacionado às experiências de dor,
sofrimento, perdas e prognóstico incerto que se
estabelecem desde o diagnóstico e podem perdurar
por vários anos. Yamazaki et al. (2005) observaram
que mães de crianças japonesas com leucemia e com
necessidade de hospitalizações apresentaram maior
risco para depressão e maior impacto negativo na
QVRS, particularmente nos domínios saúde mental
e função social. Sintomas de depressão nos
cuidadores de crianças e adolescentes com câncer
são frequentes nos primeiros meses após o
diagnóstico, quando geralmente o tratamento
específico inicial é oferecido. No entanto, com
passar do tempo há uma redução desses índices, ao
passo que cresce a frequência de ansiedade
(MANNE et al., 1995; MANNE et al., 1996).
Litzelman et al. (2011) demonstraram que a
limitação nas atividades da criança e fase de
tratamento ativo foram associados com pior
qualidade de vida mental dos cuidadores, além da
grande sobrecarga do cuidador e ao estresse dos
mesmos.
Durante o período de tratamento oncológico
específico, o cuidador convive diretamente com a
incerteza da cura e com o risco de morte das
crianças e dos adolescentes com câncer. Entretanto,
logo surgem adaptações psicoemocionais em
resposta a essa nova situação. Goldbeck (2006)
verificou que pais de crianças com doenças crônicas
referem persistentemente melhores escores no
domínio “satisfação familiar” comparado a pais de
crianças saudáveis. O autor ressalta que a
manutenção da coesão familiar e da comunicação é
um efetivo mecanismo de adaptação e
enfrentamento
diante
da
nova
situação
(GOLDBECK, 2010). É indispensável a oferta de
apoio
psicológico
para
esses
indivíduos,
principalmente no período em que se inicia o
tratamento oncológico, com a finalidade de
minimizar o sofrimento e assim manter o cuidador
apto a desempenhar o seu papel e contribuir com o
tratamento.
A repercussão negativa no construto físico
pode refletir a sobrecarga imposta pela atribuição de
cuidar de uma criança ou adolescente enfermo.
Klassen et al. (2008) compararam a qualidade de
vida de cuidadores de crianças canadenses com a
população normal por meio do instrumento SF-36, e
verificaram que os escores dos domínios
psicossociais e a maioria dos domínios físicos
estavam prejudicados. Além disso, fatores
relacionados aos cuidadores (melhor alimentação,
prática de exercícios físicos, boa qualidade de sono,
cuidadores mais jovens e melhores salários) e às
crianças (melhor estado de saúde, menor intensidade
do tratamento e um período maior pós diagnóstico)
predizem melhor qualidade de vida para esses
cuidadores.
No presente estudo, a presença de doença
crônica no cuidador, tipo de tumor e a fase de
tratamento oncológico específico na criança e
adolescente com câncer não se relacionaram com
impacto negativo na QVRS de seus cuidadores. Esse
dado deve ser analisado com cautela devido ao
diagnóstico da doença crônica ter sido considerado
apenas por meio de relato do próprio cuidador.
Entretanto, o estudo de Yamazaki et al. (2005)
verificaram que o prejuízo na QVRS de mães de
crianças com leucemia independe da presença de
doença crônica.
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CUNHA, C. M. et al.
O fato do presente estudo não encontrar
diferença na QVRS entre os grupos de cuidadores
segundo o tipo de câncer, pode ser atribuído a
grande heterogeneidade da amostra, a qual foi
agrupada em três grandes grupos. Além disso, os
tumores encontrados tiveram uma distribuição
muito variada quanto ao tipo, gravidade, duração da
doença e fase de tratamento no próprio grupo de
classificação utilizado.
Diferentes formas clínicas de tumores
variam quanto à gravidade, ao prognóstico e às
formas
terapêuticas
e
podem
repercutir
diferentemente na QVRS da criança. Eiser et al.
(2003) observaram que crianças sobreviventes com
tumores de sistema nervoso central apresentaram
maior repercussão negativa na saúde física e
psicossocial que crianças com leucemia. Crianças
com tumores de sistema nervoso central são mais
propensos aos efeitos tardios do câncer, tanto físicos
(prejuízo na mobilidade e na coordenação motora)
como psicossociais e cognitivos, e têm maior chance
de se tornarem dependentes.
Na população estudada, cuidadores de
pacientes em tratamento oncológico específico
obtiveram escores menores, porém estatisticamente
não significantes comparados aos cuidadores de
pacientes que estavam sem tratamento específico.
Chien et al. (2003) verificaram que os escores dos
domínios da saúde física e psicossocial de
cuidadores de crianças com tumor cerebral foram
menores comparados com os da população
saudável, e que a fase de tratamento das crianças foi
associado com piores escores nos domínios de saúde
física e psicológica.
Em relação às limitações metodológicas do
trabalho, citam-se: o grupo de estudo foi muito
heterogêneo quanto aos tipos de câncer, fases e
modalidades de tratamento e tempo de diagnóstico.
Esses fatores podem interferir na magnitude do
impacto na QVRS do cuidador. Novos estudos
poderão ser realizados com uma amostra maior,
mais homogênea, com a participação de cuidadores
de crianças idade inferior a cinco anos e com
avaliações prospectivas e longitudinais a partir do
diagnóstico. O conhecimento obtido sobre a
influência desses fatores na QVRS do cuidador de
crianças e adolescentes com câncer possibilitará o
direcionamento de medidas e estratégias de saúde
específicas para essa população.
Nossos resultados confirmaram, na amostra
estudada, que cuidadores de crianças e adolescentes
com câncer apresentam prejuízo na saúde física e
mental quando comparados com cuidadores de
crianças e adolescentes saudáveis. A fase de
tratamento e tipo de câncer não influenciaram na
QVRS desses cuidadores. Outros estudos devem ser
realizados para verificar o impacto de propostas e
estratégias específicas ofertadas pelos serviços de
oncologia pediátrica para o acompanhamento da
saúde física, mental e social dos cuidadores de
crianças e adolescentes com câncer.
CONCLUSÕES
Cuidadores de crianças e adolescentes com
câncer da amostra estudada apresentaram prejuízo
na saúde física e mental quando comparados com
cuidadores de crianças e adolescentes saudáveis.
A fase de tratamento, tipo de câncer e a
presença de doença crônica no próprio cuidador não
influenciaram na QVRS desses cuidadores. Esses
resultados indicam a necessidade por parte da
equipe multidisciplinar dos serviços de oncologia
pediátrica de direcionar propostas e estratégias
específicas para o acompanhamento da saúde física,
mental e social dos cuidadores de crianças e
adolescentes com câncer.
ABSTRACT: To describe the health-related quality of life of caregivers of children and adolescents with cancer
and to compare their scores with healthy children´s caregivers as a control group, the tumor types and treatment phase.
Between September 2005 and January 2007, 73 caregivers of children and adolescents with cancer (average age = 34.8;
SD = 8.5) and 125 caregivers of healthy children and adolescents (average age = 37.2; SD = 9.1) participated in a crosssectional study and completed a health-related quality of life questionnaire (SF-36). The results showed scores in all
domains of the SF-36 of the caregivers of children and adolescents with cancer were lower than those of the control group.
There was no significant difference in scores according to tumor type (leukemia, of the central nervous system and solid
tumors) and phase of treatment (chemotherapy / radiotherapy versus off-treatment). It follows that caregivers of children
and adolescents with cancer have a disadvantage in multidimensional health-related quality of life, regardless of cancer
type and stage of treatment. These results indicate that treatment of children and adolescents with cancer should include
specific strategies for monitoring the physical, mental and social health of their caregivers.
KEYWORDS: Caregivers. Child. Adolescent. Neoplasms. Quality of life.
Biosci. J., Uberlândia, v. 29, n. 3, p. 774-780, May/June 2013
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CUNHA, C. M. et al.
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