O CÂNCER DE MAMA E SUAS IMPLICAÇÕES BIOPSICOSSOCIAIS

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PSICOLOGIA
O CÂNCER DE MAMA E SUAS IMPLICAÇÕES BIOPSICOSSOCIAIS:
UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO.
BOA VISTA - RR
2016.
ELIZABETH VIEIRA ALVES
O CÂNCER DE MAMA E SUAS IMPLICAÇÕES BIOPSICOSSOCIAIS:
UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO.
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado
a
Universidade
Federal de Roraima - UFRR
como requisito para conclusão do
curso de Psicologia.
Orientadora: Profª. Mscª Talitha
Lúcia Macêdo da Silva.
BOA VISTA - RR
2016.
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Título: O CÂNCER DE MAMA E SUAS IMPLICAÇÕES
BIOPSICOSSOCIAIS: UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO.
Autora: Elizabeth Vieira Alves
Orientadora: Profª. Mscª Talitha Lúcia Macêdo da Silva.
Declaramos que o trabalho acima referido foi apresentado e aprovado.
MEMBROS DA BANCA
____________________________________________
Profª. Mscª Talitha Lúcia Macêdo da Silva.
1º Membro
_____________________________________________
Profº Msc Lázaro Batista da Fonseca
2º Membro
_____________________________________________
Profª Mscª Ana Paula da Rosa Deon
3º Membro
4
À minha família, mãe, irmãos e
esposo, pelo apoio diário, por
acreditarem nessa conquista, por
compreenderem a minha ausência e
por me auxiliarem na realização de
um projeto de vida.
5
AGRADECIMENTOS
Ao meu Deus que com sua misericórdia me deu forças para continuar esta
caminhada e me honrou com esta grande conquista.
A minha mãe, Ivanira, que não mediu esforços em garantir uma boa educação
e proporcionar meios para que eu seguisse rumo à busca pelo conhecimento.
Ao meus irmãos Felipe e Flávia, meus fiéis companheiros, por me ampararem
nos momentos mais difíceis, por guiarem e me ajudarem a perseguir os meus
sonhos.
Ao meu esposo Hislan, pelo amor e paciência nos momentos mais distantes e
difíceis de realização deste trabalho, também pelo incentivo diário, cumplicidade, por
estar ao meu lado e por acreditar no meu sonho e pelo apoio para que essa vitória
fosse da nossa família.
A todos os amigos que me ajudaram com palavras de incentivo e pelo carinho
a mim dispensado.
À Profª. Talitha Lúcia Macedo da Silva pelos conhecimentos compartilhados,
pelo seu acompanhamento, incentivo, disponibilidade e apoio, determinantes na
elaboração deste estudo.
6
"De tudo, ficam três coisas:
A certeza de que estamos sempre
começando,
A certeza de que é preciso continuar
E a certeza de que podemos ser
interrompidos, antes de terminarmos.
Fazer da interrupção um caminho novo,
da queda um passo de dança,
do medo uma escada,
do sonho uma ponte,
da procura um encontro..."
Fernando Pessoa
7
RESUMO
Este estudo tem por objetivo a partir das bibliografias consultadas compreender o
câncer de mama e suas implicações biopsicossociais na vida da mulher. Deste
modo, através da pesquisa bibliográfica, o presente estudo pretende compreender
como a mulher vivenciou o diagnóstico do câncer de mama, investigar como
significou a experiência de ser mastectomizada, verificar as mudanças que ocorrem
após a mastectomia e compreender como lidam com essa nova realidade. Foi
utilizado o método de pesquisa bibliográfica, o procedimento metodológico foi
realizado em duas fases, primeiro foi realizada a coleta de fontes bibliográficas, na
qual foi feita o levantamento da bibliografia existente. A coleta de dados foi realizada
a partir de critérios que delimitavam o campo de estudo, orientando assim a seleção
do material a ser pesquisado. Partindo dessa premissa, foi verificado se obras
relacionavam-se ao objeto de estudo, de acordo com os temas que lhe são
correlatos. Para essa fase de levantamento da bibliografia, foram selecionados os
recursos de livros, artigos científicos da base de dados SCIELO (Scientific Electronic
Library Online), LILACS (Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da
Saúde), BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), Google acadêmico, bem como, em
monografias e dissertações. A partir da apreciação da literatura, foi possível verificar
que dois momentos são marcantes na vida da mulher acometida pelo câncer de
mama. O primeiro se inicia no momento da descoberta do câncer, pois desde o
diagnóstico do câncer a mulher pode apresentar diversos sentimentos e mudanças
em sua vida pessoal, familiar e social. Já o segundo momento relaciona-se ao
período pós-mastectomia, quando a mulher se depara com a perda do seio, um
órgão que representa socialmente a feminilidade, a sensualidade, a maternidade e a
fonte de vida. Embora seja um procedimento ainda considerado o melhor para o
tratamento do câncer deixa profundas cicatrizes no corpo e na subjetividade da
mulher, o que pode acarretar alterações na imagem corporal, nas relações familiar e
sociais, e ainda no relacionamento conjugal e na sexualidade da mulher. Verificouse que as repercussões da mastectomia acarretam vários tipos de enfrentamento
que variam do contexto em que a mulher se encontra, é uma experiência ampla e
distinta para cada mulher, e envolve implicações na vida diária.
Palavras-chave:
biopsicossociais.
mulher,
câncer
de
mama,
mastectomia,
repercussões
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ABSTRACT
This study aims from the bibliographies consulted understand breast cancer and its
biopsychosocial implications in women's lives. In this way, through bibliographical
research, this study aims to understand how the woman experienced breast cancer
diagnosis, investigate how meant the experience of being mastectomizada, check
the changes that occur after mastectomy and understand how to deal with this new
reality. It was used the method of bibliographic research, the methodological
procedure was carried out in two stages, the first collection was performed
bibliographical sources, in which was made the lifting of existing bibliography. The
data collection was performed from criteria that delimited the field of study, thus
guiding the selection of material to be searched. Starting from this premise, it was
verified that the works were related to the object of study according to the themes
that you are correlates. For this phase of the survey were selected resources
bibliography of books, scientific articles from the database SCIELO (Scientific
Electronic Library Online), LILACS (Latin American literature and the Caribbean
Health Sciences), the VHL (Virtual Health Library), as well as in monographs and
dissertations. From the assessment of the literature, it was possible to verify that two
are striking moments in the lives of women affected by breast cancer. The first starts
at the time of discovery of cancer, since the cancer diagnosis, the woman can
present various negative feelings and changes in their personal, family and social
life. The second point relates to the period when the woman post-mastectomy is
faced with the loss of the breast, a body representing socially femininity, sensuality,
motherhood and the source of life. Although it is still considered the best procedure
for cancer treatment leaves deep scars on body and subjectivity of women, which
can lead to changes in body image, family and social relations, and the marital
relationship and sexuality of women. It was found that the impact of mastectomy
entail various types of engagement ranging from the context in which the woman is,
is a large and distinctive experience for every woman, and involves implications for
daily life.
Keywords: breast cancer, mastectomy, biopsychosocial repercussions.
9
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................10
2. REVISÃO DE LITERATURA .................................................................................15
2.1. BREVE HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO SOCIAL DO CÂNCER......................15
2.2. O CÂNCER DE MAMA.......................................................................................19
2.2.1. Aspectos Clínicos e Gerais do Câncer de Mama. ...........................................19
2.2.2. As Repercussões Psicológicas do Câncer de Mama. .....................................22
2.3. MASTECTOMIA E SEUS IMPACTOS PSICOSSOCIAIS NA VIDA DA MULHER.
..................................................................................................................................25
2.4. ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO E VIVÊNCIA DA SUPERAÇÃO..........35
3. METODOLOGIA....................................................................................................40
3.1. Caracterização da Pesquisa...............................................................................40
3.2. Procedimento Metodológico ...............................................................................42
4. DISCUSSÃO .........................................................................................................40
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................48
REFERÊNCIAS.........................................................................................................49
10
1. INTRODUÇÃO
O câncer não é uma doença recente, uma vez que já foi descrita em 1.600
a.C. nos papiros egípcios. Nos dias atuais representa, em todo o mundo, a segunda
causa de morbidade e mortalidade (PIGNATARI, 1992). Nesse sentido, é possível
considerá-la uma doença de origem milenar e social, que vem atravessando a
história da humanidade, carregando consigo a conotação de doença fatal (TREZZA;
SOARES; LEITE, 2009).
Desde seu surgimento na história da humanidade a doença traz o estigma da
morte e carrega consigo metáforas que se relacionam com a sua origem e as suas
consequências, tais como mutilação e desconfiguração de alguma parte do corpo
(SONTAG, 2002). Ter câncer significava uma sentença de morte, era temível por ser
considerada uma doença que se inicia em silêncio e induzir a um final doloroso. No
aspecto da convivência social, tornou-se uma doença a ser ocultada em meio a
sentimentos de vergonha e medo (ZECCHIN, 2004).
O câncer de mama traz consigo o tabu de uma doença considerada “maldita”,
uma vez que pode ser a causadora de desfiguração de partes do corpo, além de ser
uma enfermidade que pode acarretar sofrimentos durante o tratamento, pois atinge a
unidade corpo-mente. É considerada também como potencial estressor por provocar
diversas mudanças, tanto na vida da mulher, quanto de seus familiares (ALMEIDA,
2015).
Atualmente tem sido considerada uma das maiores causas de morte nos
países ocidentais, tornando-se uma das maiores preocupações atuais em Saúde
Pública. No Brasil é um dos maiores responsáveis por óbito feminino, é o segundo
tipo mais frequente no mundo e o mais comum entre as mulheres. As taxas de
mortalidade no país por causa desse tipo de câncer continuam elevadas, muito
provavelmente porque a doença ainda é diagnosticada em estágios avançados
(INCA, 2015).
Entretanto, na atualidade, a doença oncológica não significa terminalidade,
uma vez que os índices de cura vêm se tornando cada vez mais ampliados.
Diversos são os tratamentos que contribuem para a cura do câncer de mama, dentre
11
eles, a mastectomia, que ainda é uma das alternativas terapêuticas das mais
indicadas e realizadas para o tratamento.
A mastectomia é um procedimento cirúrgico, que tem por objetivo promover o
controle local com a remoção de todas as células malignas, e assim proporcionar
maior sobrevida ao paciente (ALVES et. al., 2010). É uma cirurgia de retirada total
ou parcial da mama (INCA, 2015). As intervenções cirúrgicas podem variar de
acordo com extensão da mama que sofre a mutilação (CESNIK; SANTOS, 2012).
Embora seja necessária, a realização da mastectomia pode gerar
repercussões físicas e psicossociais que interferem na vida da mulher. Uma vez que
as
alterações
advindas
desse
processo
de
tratamento
podem
acarretar
preocupações e angústias, já que o seio é repleto de simbolismo e feminilidade não
só para a mulher, como também para a sociedade.
Cantinelli et. al. (2006) afirmam que a mama é a metonímia do feminino e seu
comprometimento expõe a mulher a uma série de questões como a sua posição
enquanto ser atraente e feminina ou mãe que amamenta, além de questões
existenciais relacionada à finitude e à morte. Carvalho (2003), afirma que a mama é
considerada um símbolo corpóreo cheio de sensualidade, e a sua perda pode gerar
sentimentos de inferioridade e medo da rejeição tanto da família, do companheiro,
como da sociedade em geral, devido a esses aspectos a auto-imagem da mulher
pode ficar alterada.
Ao perder o seio a mulher pode apresentar uma série de alterações no seu
modelo postural e perceber comprometimento na beleza física. A partir da cirurgia
tomam consciência da posição que a mama tem na sociedade. E quanto maior a
importância atribuída às mamas pela mulher, maior o sentimento de perda após a
cirurgia (FERREIRA; MAMEDE, 2003). Essa tomada de consciência acontece
porque o corpo é socialmente construído, cada sociedade produz determinado tipo
de corpo que servirá como insígnia da identidade grupal (PAIN; STRAY, 2004 apud
BARBOSA; MATOS; COSTA, 2011).
Desse modo, o corpo é um ente que reproduz uma estrutura social, de forma
a dar-lhe um sentido peculiar, o que vai variar conforme os mais diferentes sistemas
sociais. Assim, por meio da interação com o ambiente e o contato com outras
12
pessoas o indivíduo aprende a avaliar o seu corpo (BARBOSA; MATOS; COSTA,
2011).
Então o conhecimento e as concepções de corpo variam conforme a
sociedade pela qual o sujeito é constituído. Desta maneira, através do processo de
constituição da subjetividade a mulher sofre influência dos modelos de beleza
socialmente construídos. Atualmente nas sociedades contemporâneas observa-se
que o corpo se apresenta em consonância com os padrões de beleza estabelecidos,
que associam o corpo magro, modelado e jovem a uma ideia de felicidade e de
sucesso. A valorização de um corpo escultural vem se tornando imperativo,
inúmeros são os recursos e fontes de informações que salientam a importância de
um padrão corporal com medidas ideais. São os mais diversos produtos e recursos
estéticos que vem se multiplicando cada vez mais como formas de instrumentos que
auxiliam nessa busca incessante para se atingir esse padrão de beleza corporal
socialmente imposto (CLASTRES, 1998 apud BERGGER, 2006).
Diante do exposto, presencia-se na contemporaneidade uma espécie de
reinvenção do ser humano, onde se modifica o corpo a fim de reduzir os supostos
desvios, e as ditas imperfeições condenadas pelos imperativos da bela aparência e
da juventude. Vivenciamos a era dos seios cheios de silicones, alterados por
próteses ou remodelados, das lipoaspirações, dos implantes, e das inúmeras
modificações em outras partes do corpo, com o intuito de induzir as proporções
físicas desejadas (LE BRETON, 2003 apud BRUGGER; 2006).
Clastres (1998, apud BERGGER, 2006), afirma que esse culto ao corpo
existente nas sociedades contemporâneas, dentre elas a sociedade brasileira, onde
a busca para moldar o corpo a determinados padrões pré-estabelecidos, ocorre para
se obter reconhecimento social e sentimentos de pertencimento social.
Desta maneira, observa-se que ter um corpo moldado a um padrão de beleza
socialmente desejado, vem se tornando uma exigência social, em uma cultura que
apresenta o corpo como um verdadeiro objeto de idealização, regidos por padrões
estéticos estabelecidos. Não possuir esse corpo implica não ser reconhecido
socialmente, assim a mulher que sofreu a perda da mama encontra-se à margem
deste padrão corporal de beleza, podendo desta maneira comprometer a sua saúde
psicoemocional.
13
Nessa nova realidade, onde a mulher passa a enfrentar problemas ligados à
mutilação de seu corpo, surgem inquietações enquanto profissional sobre como
prestar uma assistência de forma integral, não só focada nos aspectos biológicos da
doença, mas compreendendo essa mulher em todo o seu contexto. Especialmente
na necessidade de uma assistência no retorno ao seu lar, ao seu cotidiano, pois
ainda não há clareza como esse processo é vivenciado e interpretado pela mulher.
Portanto, o conhecimento do significado atribuído à perda do seio pelas mulheres
que a vivenciam, necessitará ficar claro para os profissionais da saúde, para que
eles possam reconhecer a representação desses aspectos no contexto de vida das
mulheres, agora mastectomizadas (FERREIRA; MAMEDE, 2003).
O sofrimento psicológico da mulher que passa pela circunstância de ser
portadora de um câncer de mama e de ter de acolher um tratamento difícil, como a
mastectomia, transcende ao sofrimento configurado pela doença em si. É um
sofrimento que comporta representações e significados atribuídos à doença ao longo
da história e da cultura e adentra as dimensões das propriedades do ser feminino,
interferindo nas relações interpessoais, principalmente nas mais íntimas e básicas
da mulher. Considerar estes aspectos nas propostas de atenção à mulher com
câncer de mama é mais que necessário, é indispensável (SILVA, 2008).
Sendo assim, a perda do seio, favorece o surgimento de muitas questões na
vida das mulheres. Como a mulher percebe e lida com essa nova imagem, e como
isso afeta a sua existência, apresentam-se como forma de inquietações para os
profissionais de Psicologia, que se propõem prestar uma assistência integral,
preocupada não só com efeitos orgânicos da doença, mas também com as
repercussões psicossociais.
Portanto, partindo desse pressuposto surge a necessidade de melhor
compreender a mulher portadora de câncer, para que seja possível proporcionar
uma assistência e suporte sensível e adequado. Para isso, faz-se necessário que
um maior conhecimento pelos profissionais de saúde dos sentidos da mastectomia
para mulher que vivencia tal experiência. A partir da tomada desse conhecimento
poder enquanto profissional proporcionar o desenvolvimento de estratégias de
intervenção que possam oferecer um melhor suporte psicoemocional para essa
mulher.
14
Esse é o contexto que fez surgir a questão central dessa pesquisa, a qual se
apresenta nos seguintes termos: Quais os sentidos que a mulher atribui ao seio e a
possibilidade de perda? Quais as mudanças que ocorrem na vida dessas mulheres
após a mastectomia? Quais as repercussões psicossociais que a mastectomia traz
na vida da mulher? Como lidam com essa nova realidade?
Sob a luz desta problemática, este estudo tem como objetivo geral a partir das
bibliografias consultadas compreender o câncer de mama e suas implicações
biopsicossociais na vida da mulher. Deste modo, o presente estudo pretende
compreender como a mulher vivenciou o diagnóstico do câncer de mama, investigar
como significou a experiência de ser mastectomizada, verificar as mudanças que
ocorrem após a mastectomia e compreender como lidam com essa nova realidade.
15
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1. BREVE HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO SOCIAL DO CÂNCER.
Ao investigar a construção social do câncer, observamos que sua origem está
repleta de metáforas e significados construídos em torno da doença. A necessidade
de uma melhor compreensão da enfermidade ocorreu tanto em virtude das
modificações da doença no decorrer do tempo, quanto das reinterpretações dos
atores sociais envolvidos, pois a cada época da história e a cada nova fase da
doença foram surgindo novos significados atribuídos ao câncer. A trajetória da
enfermidade está envolta de um conteúdo simbólico que atrela à sua representação
no
imaginário
social
significados
como:
preconceitos,
vergonha,
castigo,
estigamatização, discriminação e exclusão social.
Nesse sentido, o presente capítulo faz uma breve incursão sobre as
metáforas e significados construídos em torno do câncer ao longo da história.
Verifica-se que os significados apreendidos, tem um caráter dinâmico e são
interpretações de conhecimentos continuamente reformulados e reestruturados em
cada época da história, que se transformavam no decorrer da trajetória da
enfermidade.
Nesse sentido, o câncer foi descoberto na Alta Antiguidade, encontrado em
múmias egípcias e pré-colombianas. Em 3.500 a.C., escritos babilônicos, indianos e
papiros egípcios já discorriam sobre o câncer. Mas foi no século V a.C., na Grécia de
Hipócrates, pai da medicina, que começaram a surgir descrições sistemáticas a
respeito da doença. É ainda nessa época que surgiu a sua comparação ao
comportamento de um caranguejo, onde o termo Karcinos, cujo significado quer
dizer caranguejo, passou a ser usado para se fazer uma analogia da doença ao
comportamento do crustáceo. Foram desenvolvidas duas teoria para explicar essa
comparação: a primeira, que o nome se origine das dores que a enfermidade causa,
semelhante às ferroadas do crustáceo. Já a segunda, ao fato de que a dilatação dos
vasos sanguíneos que alimentam o tumor traça um desenho que lembra as patas do
caranguejo (ZECCHIN, 2004).
Para Ferrari e Herberg (2007), a analogia ao comportamento do crustáceo se
dava pelo fato de que algumas feridas pareciam penetrar profundamente na pele,
agarrado a superfície, e devido a semelhança entre as veias intumescidas de um
16
tumor às pernas do animal que, com agressividade, imprevisibilidade e
invulnerabilidade, aprisiona a sua vítima, consumindo-a até a morte.
A construção histórico-social do câncer é, segundo Gimenes (2000), envolta
de preconceitos e vergonha, pois ser portador de câncer equivalia a uma sentença
sociocultural que representava a falta de glória. Ter câncer representava ser
responsável por seus sofrimentos e até mesmo pela enfermidade, o que levava a
pessoa a acomodar- se ao seu destino e aceitar seu castigo divino. Desde sua
origem na humanidade configurou-se como uma doença terrível que amedrontava a
todos que dela sucumbiam ou aqueles que temiam contaminar-se.
Acreditava-se que o câncer resultava de um desequilíbrio humoral, de
excesso de bile negra ou melancólica. Essa noção de doença generalizada com
manifestações em locais específicos perdurou por quase vinte séculos até a
descrição do sistema linfático no início do século XVII, quando se atribuiu o câncer a
diversos distúrbios da linfa. A partir de então, suspeitou-se também de que o mal
pudesse ser contagioso, levando a exclusão e a discriminação dos pacientes que
eram recusados em vários hospitais (ZECCHIN, 2004).
Desta maneira, pessoas acometidas pela enfermidade se calavam e o silêncio
era a única condição admissível socialmente. Não compartilhar esse segredo
garantia a participação em sociedade, uma vez que existia a crença de ser uma
doença contagiosa e também por estar associado à corrosão, a aspectos
desumanizantes e fétidos (SANT’ ANNA, 2000).
Nos séculos XIX e XX o câncer estaria associado à falta de higiene e a
comportamentos imorais, no imaginário popular seu surgimento servia como uma
oportunidade de remissão para os pecados e excessos cometidos (PEREIRA, 2008).
Tavares (2005) afirma que nesse período a patologia relacionava-se à pobreza,
denotando sujeira física e moral, principalmente nas mulheres. O adoecimento era
considerado resultado de pecados e vícios, em especial as relacionadas às práticas
sexuais. Existia ainda o caráter libertador, onde o câncer era compreendido como
sendo um castigo por meio do qual o doente poderia conseguir redenção e elevação
espiritual.
Predominava nessa época o modelo biomédico para a saúde e a doença, em
que se pressupunha a doença como um mal do corpo, independente dos processos
17
psicológicos e sociais. Essa dicotomia mente-corpo permaneceu inabalável durante
a Idade Média e o Renascimento, assim as condições de saúde e doenças estariam
associadas a processos fisiológicos, e o que aconteceria com esse corpo não
afetaria o emocional da pessoa (SARAFINO, 1991 apud GIMENES 2000).
No final do século XX e início do XXI outros fatores começaram a ser
considerados importantes no estudo do câncer, tais como os aspectos e as
influências do comportamento e das emoções do indivíduo frente aos processos de
saúde e doença. Nessa perspectiva, passou-se a admitir a possibilidade de
participação de fatores psicológicos no desenvolvimento do câncer, a partir dessas
considerações surgiu o modelo biopsicossocial da doença (ENGEL, 1977 apud
MORAIS, 2010).
À medida que se desenvolveram estudos na área, uma nova explicação para
o surgimento do câncer foi proposta, onde os aspectos psíquicos começaram a ser
considerados na etiologia da doença. Desta maneira acreditava-se que sobrecargas
de emoções constantemente reprimidas poderiam desencadeá-la. A causa estaria
relacionada à contenção dos desejos e a não expressividade das emoções
(PEREIRA, 2008).
Segundo Tavares (2005) o candidato ideal ao câncer teria a personalidade
marcada pela passividade, pouca emotividade, baixa agressividade, negação da
hostilidade, depressão e dificuldade na formação de vínculos afetivos. Sendo assim
um tipo de personalidade específica do próprio homem seria responsável pelo
desenvolvimento da doença.
A doença estaria associada também ao estresse e à depressão. Indivíduos
expostos a essas situações teriam maior facilidade de baixar a imunidade de seus
corpos, principalmente, ao surgimento de tumores malignos (RAMOS, 2006). As
situações de estresse normalmente acionam o sistema imunológico como forma de
evitar doenças que possam advir dos efeitos negativos desse estresse. Contudo,
quando essas situações ocorrem em um nível elevado, respostas emocionais muito
fortes são despertadas. O que poderia desencadear efeitos capazes de suprimir o
sistema imunológico, enfraquecendo as defesas naturais do corpo contra as
enfermidades, dentre elas o câncer (SIMONTON et. al., 1987).
18
Atualmente, as
causas
atribuídas ao câncer, apresentam etiologias
multifatoriais, tais como aspectos genéticos, ambientais, relacionados ao estilo de
vida, e as condições socioeconômicas das populações (MELO et. al., 2009).
Nessa breve exposição histórica verifica-se que múltiplos são os fatores de
riscos e possíveis agentes que podem contribuir para o desenvolvimento do câncer.
Verifica-se que a sua construção histórico-social está permeada de uma série de
representações e interpretações. Desde seu surgimento na história tem sido
associado à dor, à morte, ao medo, à culpa, a sofrimento e principalmente a
estigmatização social. A sua alta incidência, as repercussões psicossociais, as
incertezas quanto à etiologia e ao tratamento revestem o câncer de valor simbólico
especial. O que justifica a desestruturação que esse diagnóstico provoca na vida do
paciente e de seus familiares, bem como o silêncio e segredo que existe em torno
do assunto.
19
2.2. O CÂNCER DE MAMA.
2.2.1. Aspectos Clínicos e Gerais do Câncer de Mama.
O câncer de mama vem assumindo um papel cada vez mais importante entre
as doenças que acometem a população feminina, pois em nível mundial e nacional,
representa relevante causa de morte entre mulheres. A doença é mais comum entre
as mulheres, a estimativa é de 12,5%, ou seja, uma em cada oito casos, isso aponta
que cerca de 31% dos casos são de câncer feminino. A doença é relativamente rara
antes dos 35 anos de idade, mas acima dessa faixa etária sua incidência cresce
rápida e progressivamente (INCA, 2015).
Apresenta-se como uma enfermidade complexa uma vez que, a pessoa
portadora de câncer vivencia em sua trajetória inúmeras situações, que referem-se a
sua integridade biopsicossocial. Sendo, considerada uma preocupação de saúde
pública, é necessária a atenção por parte dos profissionais de saúde, em especial da
Psicologia, pois a assistência a mulher com câncer de mama é repleta de desafios
cotidianos, conforme vimos anteriormente, a própria palavra câncer é carregada de
significados que remetem a dor e a morte. Nesse sentido, é de fundamental
importância que os profissionais de saúde conheçam os aspectos gerais da doença,
para uma melhor compreensão dos tratamentos e suas possíveis consequências,
visto que proporcionará ao profissional uma visão holística acerca dos cuidados
prestados a essas mulheres. Dessa forma, esse capítulo aborda os aspectos clínicos
e gerais do câncer de mama, desde conceito, como possíveis causas e seus
tratamentos em busca da cura.
Nesse sentido, o câncer é termo genérico usado para classificar a um
conjunto de mais de 100 doenças que tem em comum o crescimento desordenado
(maligno) de células que invadem os tecidos e órgãos; podendo espalhar-se
(metástase) para outras regiões do corpo. Dividindo-se rapidamente, estas células
tendem a ser muito agressivas e incontroláveis, determinando a formação de
tumores, consideradas células cancerosas (INCA, 2015).
Sua etiologia envolve a interação de múltiplos fatores de risco, abrangendo
diversos determinantes biológicos, psicossociais e ambientais. Os principais fatores
causais estão ligados a agentes internos e externos ao sujeito, que podem agir em
20
conjunto para iniciar ou promover o desenvolvimento do câncer em um terreno
propício, afirma Moraes (1994).
As causas específicas ainda são desconhecidas. Contudo, existem fatores de
risco que influenciam no surgimento da doença, como a exposição a hormônios,
histórico menstrual, uso de anticoncepcionais orais, ingestão de álcool, alimentação
e sedentarismo. A história da doença no meio familiar também é um aspecto que
requer atenção, tendo em vista que grande parte dos cânceres de mama possui
origem genética e/ou hereditária, o que sinaliza um grau do risco para o seu
surgimento (BARROS; BARBOSA; GEBRIM, 2001).
O câncer de mama caracteriza-se por uma neoplasia que afeta uma das
mamas e por vezes as axilas, apresentando-se no início como um nódulo
consistente que pode ser indolor ou não (GOLDMAN; AUSIELLO, 2005). Pode
manifestar-se por meio de secreção mamilar, alterações na pele da mama ou dor
intensa na mama (PEREIRA, 2008).
O câncer de mama pode ser dividido em duas categorias, em não-invasivo
caracterizado pelo fato de não ser capaz de se expandir para outras partes do corpo,
e em invasivo é caracterizado por se expandir para outras camadas celulares do
órgão, e pela capacidade de se disseminar para outras partes do corpo (PIMENTEL;
LIMA; MONNERAT, 2009).
Quanto às formas de tratamento, as principais conforme o INCA (2015) são: a
cirurgia, a mais antiga das formas de tratamento do câncer, ainda ocupa uma
posição de destaque no controle desta doença. Uma cirurgia oncológica definitiva
que visa a remoção mecânica de todas as células malignas presentes junto ao
câncer primário. A Radioterapia, que é um tratamento no qual se utilizam radiações
para destruir um tumor ou impedir que suas células aumentem visando a cura do
paciente, ou para diminuir os sintomas da doença, evitando as possíveis
complicações decorrentes da presença e crescimento do tumor. A Quimioterapia,
que é a utilização de medicamentos específicos para o tratamento de tumores, com
o objetivo de destruir células cancerosas. Ingeridas ou injetadas na veia, músculo ou
sob a pele, os quimioterápicos distribuem-se para todas as partes do corpo. E a
hormonioterapia, que consiste na manipulação de hormônios corporais, já que se
sabe que alguns tipos de câncer de mama são dependentes dos hormônios
femininos. Esses tratamentos podem ser realizados isoladamente ou em
21
combinações e é de extrema importância seu segmento até o fim para evitar o
retorno da doença.
A escolha do método terapêutico vai depender de diversos fatores, como
idade, localização e tamanho do tumor, análise da mamografia, disponibilidade
financeira e do modo da paciente em lidar com a mama afetada (MOURA et. al,
2010).
Atualmente, a detecção precoce do nódulo mamário ainda é muito
significativa para a obtenção de tratamento e prognóstico satisfatórios. A prática do
auto-exame é essencial para a detecção, sendo de fácil compreensão e acessível a
mulher, mostra-se muitas vezes, como um forte método contra a doença, impedindo
a mutilação das mamas por meio da mastectomia e até mesmo a morte da paciente
(SILVA et. al., 2010).
Sendo assim, o câncer de mama é uma doença crônica grave, mas se tratado
adequadamente pode ter cura, permitindo que a paciente tenha uma vida normal.
Aliado aos esforços contínuos nas descobertas de tratamentos menos dolorosos e
técnicas cirúrgicas menos mutiladoras é importante que se criem políticas sérias e
constantes de prevenção e combate ao câncer de mama. Sendo assim, cabe aos
profissionais de saúde a tarefa de proporcionar um atendimento integral a esta
clientela, em que o aspecto biopsicossocial prevaleça.
22
2.2.2. As Repercussões Psicológicas do Câncer de Mama.
Ao longo da vida, as pessoas passam por diversas situações problemas que
podem contemplar desde grandes crises, dentre elas uma grave doença e suas
consequências, e até mesmo pequenas dificuldades encontradas no dia a dia do ser
humano; e o impacto causado pela descoberta da doença vai depender da relação
entre o problema e o sujeito que o vivencia dentro do contexto psicossocialcultural
na qual está inserido (RZEZNIK; 2000).
A partir do momento em que se pensa em doença, independente do órgão
que é acometido e dos efeitos gerados no organismo pela enfermidade, verifica-se a
presença de um conjunto de emoções que se encontram associadas. Receber um
diagnóstico em geral é um momento decisivo na vida da pessoa, pois a partir de
então ela tem a possibilidade de reformular aspectos importantes de sua vida
(RZEZNIK, 2000).
Quando se vivencia uma situação de adoecimento a mulher se depara com
um misto sentimento, o mais comum é a angústia, porque a morte se faz presente.
Adoecer é sempre uma ameaça à auto-estima e à existência do homem. Conforme
aumenta as consultas médicas o sentimento de ansiedade aumenta, e alguns
pacientes tendem a usar os mecanismos de defesa para lidar com a situação. A
princípio, negam a doença e acreditam que a resolução dos seus conflitos se
encontra na cirurgia. Contudo, cada pessoa precisa de tempo particular e subjetivo
para lidar com as repercussões do diagnóstico (MICELI, 1998).
Nesse sentido, ao receber um diagnóstico de câncer o ser humano submerge
em sua temporalidade existencial e visualiza a morte como algo próximo em sua
vida. Essa nova realidade estimula no íntimo de seu ser emoções e sentimentos
que, ao seres expressos, transmitem seu estado de derrota do mundo (SALCI et. al.,
2009).
Ao constatar a doença, a mulher pode inicialmente adotar o mecanismo de
defesa de negação da realidade, mas isso é fase que permite ao sujeito
compreender gradativamente a sua situação e enfrentar a realidade (KUBLER,
1998). A negação da enfermidade, dentro dos estágios psicológicos no
enfrentamento do câncer representa a fase em que a mulher não acredita na
informação que está recebendo, sendo uma fase temporária, com o tempo ela é
23
substituída pela aceitação parcial. Nessa fase, é bem comum uma transição em falar
sobre a realidade do assunto, em um determinado momento, e negá-lo
completamente de repente. Já na fase de aceitação os fatos começam a se
enfrentados com consciência das possibilidades e das limitações (ALMEIDA et. al,
2015). Em outros casos a mulher pode apresentar sentimentos de revolta, e faz
questionamentos sobre o motivo desse evento está ocorrendo em sua vida (SALCI
et. al, 2009).
A vivência do câncer é uma das experiências mais desestruturantes para o
paciente e sua família, pois os procedimentos, as condutas e rotinas terapêuticas,
ainda que sejam métodos usados para restabelecer e promover o bem-estar do
paciente são percebidos como ameaçadores e agressivos, o que aumenta os
sentimentos de impotência, vulnerabilidade e fragilidade. A pessoa vê-se limitada em
seus recursos internos para controlar a situação (MORAES, 1994).
O momento do diagnóstico é acompanhado de sofrimento, por estabelecer
uma relação íntima e direta com a morte (SALCI et. al., 2009). A morte de acordo
Brandt (2004), tem sido um tema bastante abordado sob vários aspectos, quanto
aos aspectos psicológicos, tem sido observada nos problemas que surgem durante
a vida, como por exemplo, a descoberta de uma doença oncológica. A autora afirma
que no mundo ocidental a morte parece ser o maior tabu a ser enfrentado. A morte é
vista como uma situação de separação, como um fracasso, perda de status, e que,
portanto, deverá ser evitada. Surgem então, a partir da preocupação com a morte
problemas psicológicos como a depressão, insônia, agressividade, raiva, medo,
sentimento de perda e culpa.
Além de deparar-se com o medo da morte o paciente com câncer se depara
com o sentimento de incerteza de um futuro, e mesmo encontrando-se bem, sem
sinais e sintomas iminentes da enfermidade, ou tendo a consciência dos avanços
tecnológicos e dos tratamentos existentes, o impacto da nova realidade se revela
como sendo difícil a elaboração e aceitação da nova situação (SALCI, 2009).
Outras preocupações mais específicas também se tornam mais comum, como
o medo de recidiva, da dor, da mutilação do corpo, da interferência da doença com
as atividades de rotina, discriminação no trabalho, dificuldades práticas, problemas
nas relações sociais, e problemas de comunicação com a família (BRANDT, 2004).
24
Entretanto, a situação de adoecer de câncer pode, apesar das adversidades,
trazer experiências positivas. Para muitas pessoas a doença e a ameaça de morte a
ele associada transformam-se em uma oportunidade para refletirem sobre a vida,
como a vivenciaram até o momento do diagnóstico e como devem vivê-la a partir
desse momento (BELEC, 1992 apud SILVA, 2006).
Bizzarri (2001 apud SILVA, 2006) considera essas questões relevantes e
enfatiza que ainda não conhecemos a imprevisível capacidade de resposta que o
homem pode evocar em situações limites, quando a ameaça à sua integridade e
identidade psicofísica exerce uma pressão psicológica intensa.
Observa-se que o diagnóstico de câncer e todo o processo da doença trazem
diversas fantasias e preocupações para a mulher. O câncer de mama acarreta na
vida da mulher efeitos traumáticos para além da própria enfermidade, pois o
tratamento mais indicado é a realização da cirurgia de retirada da mama, a
mastectomia, gerando a partir dela a perda de órgão repleto de significado e
simbolismo. Assim a mulher se depara com a iminência da perda de um órgão
altamente investido de representações, pode apresentar diversas dificuldades
psicológicas no decorrer dos tratamentos, necessitando de um suporte pelos
profissionais que a acompanham e por parte da família. Todavia, pode também
apresentar aspectos positivos que a auxiliam no combate e enfretamento da nova
realidade.
25
2.3. MASTECTOMIA E SEUS IMPACTOS PSICOSSOCIAIS NA VIDA
DA MULHER.
A mastectomia é um dos procedimentos mais usados para o tratamento do
câncer de mama, é uma cirurgia que visa remover todo o tumor. Em geral é um
método radical, mutilador e é indicado quando o câncer encontra- se em um estágio
avançado. Muitas mulheres optam pela cirurgia, pois acreditam que por meio dela
colocam limites na doença e evitam o seu avanço, e também porque a remoção do
tumor traz a segurança de não ter mais que se preocupar com a enfermidade. Tais
conceitos podem levar a mulher a visualizar a cirurgia como a possibilidade de cura
(PEREIRA, 2008).
Nesse sentido, embora a cirurgia traga grande alívio, esse sentimento tem um
curto período de duração. Quando a mulher se conscientiza cognitivo e
emocionalmente se inicia um período de luto diante as perdas consecutivas (ÁRAN
et. al., 1996). Nesse processo surge uma série de fantasias, angústias e medos que
não cessam com a retirada do tumor. Há um misto de emoções que envolve a
imagem corporal, a sexualidade, o relacionamento familiar e social (PEREIRA,
2008).
Desse modo, a consequência desse método pode acarretar para a mulher
prejuízos de ordem física, emocional e social (SAMPAIO, 2006). Isso porque a
mama representa o corpo feminino, sendo ainda considerada um símbolo cheio de
sensualidade, com papel importante na vivência e na demonstração da feminilidade.
Além de ser órgão que produz e carrega o leite, ou seja, é considerado um órgão
que representa uma fonte simbólica da vida e da maternidade (FERREIRA;
MAMEDE, 2003).
A mastectomia, mesmo sendo parte de um procedimento ainda considerado o
melhor para o tratamento do câncer de mama, deixa cicatrizes profundas no corpo e
na subjetividade da mulher. E cicatrizes são marcas características de uma alteração
na imagem corporal e uma rotulação que pode afetar a auto-imagem. A falta da
mama agride o olhar e pode levar à adaptação ineficaz severa e ao afastamento
social (ZECCHIN, 2004).
Nesse sentido, a primeira grande dificuldade a ser enfrentada pela mulher
após a mastectomia, é a sua própria aceitação, de olhar-se no espelho e aceitar que
26
o seu corpo está diferente, sem uma parte, que culturalmente se apresenta cheia de
significados. A identificação da mutilação se dá pela percepção da assimetria do
corpo e pela visualidade da cirurgia, o que para muitas mulheres significa um
momento agressivo à auto-imagem (PEREIRA et. al, 2006).
Pedrolo (2000, apud MORAIS, 2010) define imagem corporal como o modo
de sentirmos e pensarmos sobre o nosso corpo e a nossa aparência corporal. Os
sentimentos e as ações relativas à imagem corporal formam um conceito de corpo,
fundamental para uma vida social mais adequada.
Assim a imagem corporal é compreendida como a representação mental que
possuímos do próprio corpo, e está relacionada à percepção e composta dos
aspectos fisiológicos, psicoafetivos, cognitivos e relacionais. Desta maneira, a
imagem que fazemos do nosso corpo é construída e desconstruída ao longo de
nossa vivência, das experiências com o mundo exterior. Portanto, se a perda da
mama provoca demasiado dano a mulher, significa que há uma outra realidade onde
ela tem um outro valor. Não se trata mais da mama, mas do seio que o recobre.
Perdê-lo para muitas mulheres representa perder a vida, implica um dor que
ultrapassa as questões médicas (AZEVEDO; LOPES, 2010).
Nessa perspectiva, a imagem corporal é construída nas relações e nos
vínculos estabelecidos desde a infância, essas relações são referências para a
maneira de ser e para a aceitação do corpo (GIMENES, 1998). A construção da
imagem corporal é marcada por fatores sócio-culturais como moda e padrão de
beleza (SANTOS; VIEIRA, 2011). O ideal de corpo é um aspecto avaliado em
relação a uma imagem ideal regida por normas e valores socioculturais. Desse
modo, alterações na imagem corporal podem alterar a auto-imagem e o autorespeito, limitando as relações sociais (PEDROLO, 2000, apud MORAIS, 2010).
Logo, a eminência da perda do seio e os tratamentos que a mulher passa a
ser submetida afetam consideravelmente sua auto-estima, diminuindo seu apreço
em relação à sua feminilidade e à sua capacidade de atração, gerando desta
maneira uma diminuição significativa do desejo sexual e da vontade de relacionar-se
com os outros (VENÂNCIO, 2004).
Após a cirurgia a mulher em geral, sente dificuldade em lidar com o próprio
corpo, se recusa olhar sua imagem no espelho, esconde o corpo dela mesma e da
sociedade, pois se vê mutilada (RIBEIRO, 2006). A percepção de que a mama não
está mais presente causa demasiado sofrimento, podendo revelar uma insatisfação
27
e não aceitação dessa perda, o que pode ocasionar auto-depreciação (DUARTE;
ANDRADE, 2002).
Essa dificuldade em lidar com essa nova imagem corporal, possivelmente
pode estar relacionado aos parâmetros que a sociedade brasileira contemporânea
impõe para identificação de um suposto corpo ideal. Pois vivemos em uma
sociedade que valoriza o corpo e incentiva a busca incessante para adquirir esse
padrão de beleza específico. E isso pode ser verificado nas mais diversificadas
fontes de informações que salientam a importância de se atingir um padrão de
beleza social desejado. Além dos diversos anúncios no qual são expostos os corpos
esculturais para a venda dos mais variados produtos, onde o corpo se torna uma
vitrine. E do aumento das academias, dos produtos e recursos das clínicas estéticas
usados como instrumento para se alcançar esse padrão.
Segundo Le Breton (2003, apud BRUGGER; VASCONCELOS, 2012),
presenciamos nos dias atuais uma espécie de reinvenção do homem, onde se altera
o corpo com o intuito de reduzir os desvios, as imperfeições desaprovadas pelo
mister da bela aparência e juventude. O autor ressalta ainda que vivenciamos a era
dos seios cheios de silicones, modificados por próteses ou remodelados, bem como
das inúmeras alterações realizadas em outras partes do corpo, com o objetivo de se
alcançar as proporções físicas desejadas socialmente.
Ter um corpo considerado escultural, magro e jovem vem se tornando uma
exigência social, numa sociedade que apresenta esse corpo como um verdadeiro
elemento de idealização que correspondem a padrões de beleza estabelecidos, e
não possuir esse corpo significa não ser reconhecido socialmente.
Portanto, nessa sociedade de consumo, o corpo é por um lado objeto de
idealização, mas por outra perspectiva alvo de estigmatização, caso esse corpo não
corresponda aos padrões de beleza sociais. E a mulher que teve seu seio extirpado
em função do câncer de mama encontra-se a margem desse padrão de beleza, e
pode ser alvo de preconceitos por parte de seus pares, levando-a a evitar
participações em de atividades que a exponham a julgamentos coletivos
(TARRICONE, 1992).
Pois conforme podemos observar nos dias atuais, o corpo vem se tornando
um instrumento, uma vitrine a ser exibido, desejado e invejado. A mídia divulga uma
infinidade de produtos, fórmulas e receitas para se ter um corpo considerado belo,
28
inúmeras são as propagandas e promessas tecnológicas e publicitárias da conquista
desse suposto corpo ideal tão desejado.
Barros (2012), afirma que na era do consumismo, sob a ótica do mercado,
presenciamos o espetáculo da exaltação do corpo. A cultura voltada para a
celebração do eu e a realização imediata dos desejos, investe na reciclagem
permanente do corpo. Sob o individualismo contemporâneo, o corpo é objeto de
culto e é alvo de atenção e de cuidado.
Construir um corpo não é apenas um exercício de disciplina, mas provoca
também, o prazer e a exposição daquilo que foi construído, colocando este corpo no
cenário dos espetáculos, da cultura narcísica e do consumo de massa que os
alimenta (BERGER, 2006).
O corpo é um produto, uma construção, um resultado de investimentos de
poder, de práticas discursivas e de saber sobre ele e para ele elaborados. Na
contemporaneidade, as exigências feitas ao corpo para que ele se torne mais jovem,
saudável, produtor infatigável de prazer, acabam por torná-lo o centro das atenções
e do desejo humano, um ente a ser cuidado, adulado, protegido, ganhado (SANT’
ANNA, 2005 apud BRUGGE; VASCONCELOS, 2012).
O físico e a estética, no Brasil, nunca foram tão cultuados e admirados. Hoje a
realização do indivíduo e a sua própria existência são transferidas para a idealização
física, numa forma de mudança e reconstrução do indivíduo contemporâneo. Isso
pode ser traduzido pela preocupação que os indivíduos têm de satisfazer-se em
relação ao olhar do outro (CORRÊA, 2011).
Nesse caso de acordo com pesquisa realizada por Duarte e Andrade (2002) a
vestimenta desempenha relevante papel no momento pós-cirúrgico, pois é por meio
de alguma roupa que a mulher oculta a cicatriz e a falta do seio.
A perda desse órgão representa ainda um luto, o qual “é vivenciado pelo
corpo perdido, pela feminilidade roubada, pelos sentimentos de ser menos
valorizada, por ser menos mulher que as demais que possuem seios”. (MALUF;
MORI; BARROS, 2005, p.152).
A paciente submetida a este método apresenta um padrão definido de
comunicação em níveis diferentes, segundo suas necessidades, defesas e fantasias.
No estágio inicial da doença a paciente precisa e consegue falar sobre o câncer com
facilidade e franqueza, pois acredita que ao dividir os sentimentos acaba obtendo
parcerias no tratamento. Já em um estágio mais avançado, o medo prevalece e as
29
informações e os sentimentos passam a ser guardados pelo receio do abandono,
tornando o comportamento da mulher mais passivo e menos esperançoso em
relação à enfermidade. No estágio final, o que predomina é o silêncio e a
necessidade de apoio da família e amigos se faz importante. Assim, o isolamento
que advém da doença é gradativo, uma vez que a mulher se vê em uma situação
que traz muitas incertezas e especialmente, traz medo e vergonha (WANDERLEY,
1994 apud SILVA, 2008).
A depressão após a cirurgia também é uma resposta emocional comum.
Estudos realizados por Lasry (apud ARÁN et. al., 1996), demonstraram que as
pacientes apresentam um nível elevado de depressão maior que em uma população
normal. Cerca de 35% das pacientes demonstraram a presença da depressão. A
alteração física decorrente da cirurgia seria uma das causas mais frequentes, além
do medo de não ser mais atraente sexualmente e a sensação de diminuição da
feminilidade. Algumas variáveis também parecem ter relação significativa com a
depressão, são elas: situação conjugal, faixa etária, antecedentes pessoais, histórico
familiar, atividade profissional, complicações pós-mastectomia, quimioterapia,
contribuição com a renda familiar, atividade sexual, conhecimento do diagnóstico da
doença, percepção de perda e prática religiosa.
Portanto, entende-se que a mulher que é submetida a mastectomia passa por
crises e diversas mudanças externas e internas, durante todo o processo de
adoecimento e adaptação a uma nova etapa de vida. Nesse aspecto, a mastectomia
pode provocar consequências importantes em sua vida, evidencia-se, assim, a
importância do psicólogo durante todo esse processo, de maneira que possa acolher
e dar um suporte para esta mulher, objetivando uma vivência menos sofrida
possível, além de incentivar a promoção de mudanças internas necessárias ao
processo de re-significação do corpo, bem como de adaptação a essa nova etapa de
vida e conseqüentemente minimização dos sofrimentos.
A mulher pode ainda apresentar outras dificuldades durante o processo pósoperatório, as alterações físicas advindas do câncer e do tratamento cirúrgico, como
a mastectomia, se interligam as emocionais, onde a mulher sofre um forte impacto,
ocorrendo modificações na vida pessoal que se estendem as pessoas de convívio
familiar e social.
A mastectomia causa um impacto que afeta não só a mulher, mas estende-se
30
ao contexto familiar e social. A situação da doença e da mastectomia afeta os
relacionamentos interpessoais na família visto que todo o processo e as
modificações a níveis psicológicas, físicas e sociais na vida da mulher podem se
estender aos membros da família (MELO; SILVA; FERNANDES, 2005).
Esse momento afeta a vida familiar como um todo e é capaz de produzir
alterações na estrutura e funcionamento da família, ocasionando em ajustes e
mecanismos de enfrentamento dessa nova situação (CUNHA, 2004).
Todo esse processo pode desencadear um desequilíbrio nas relações entre
familiares, e pode ocorrer uma desestruturação da família. O que vai depender de
aspectos anteriores a doença, como proximidade, cumplicidade, expectativas dos
familiares às respostas da paciente frente ao tratamento e da forma como ela
expressa a sua dor. Nesse ponto, o significado que a enfermidade adquire para a
mulher implicará também em seus relacionamentos sociais, e na forma dela dar ou
receber afeto. Contudo, é possível que os laços entre os membros se fortaleçam,
tornando-se um fator movimentador na dinâmica da família, unindo os familiares e
mobilizando toda a família em torno do problema (PEREIRA, 2008).
Assim verifica-se que as mudanças na rotina das pessoas envolvidas podem
promover um estado de equilíbrio ou desequilíbrio, o que vai depender da
compressão da família a acerca da situação, além dos meios de apoio e auxílio
usados pelos familiares. Dessa forma, o diagnóstico e os tratamentos, embora
causem um impacto inicial, pode representar ou não conflito no contexto familiar
(MELO; FERNANDES; SILVA, 2005). Então as vivências em relação à família podem
ser são tanto positivas, como aumento da atenção e de cuidados sentidos por partes
de outras pessoas, quanto negativas, depressão, isolamento e vergonha (VIEIRA et.
al., 2007).
Observa-se então, que a família tem um papel fundamental para esse
processo de saúde e doença. O apoio e cuidado familiar oferecido a paciente são
recurso para que esta consiga desenvolver estratégias de enfrentamento saudáveis
(DOUSSET, 1999). O carinho da família permite a mulher a adquirir uma certa
estabilidade para conseguir lutar contra a enfermidade, auxiliando-a a suprir suas
carências emocionais e a alcançar uma melhor aceitação do diagnóstico (BERVIAN;
GIRARDON-PERLINI, 2006).
31
As mudanças também podem ocorrer em nível de relação conjugal. Lim (apud
DUARTE; ANDRADE, 2002), observou que em alguns casos podem ocorrer
problemas no relacionamento com o parceiro, como diminuição na frequência de
relações sexuais. Há ainda mudanças no comportamento sexual da mulher, onde a
mesma evita se despir na frente do companheiro ou mesmo serem tocadas por eles.
O uso de camisa durante as relações sexuais passa a ser comum e o receio de
rejeição se torna freqüente.
Sabe-se que o momento pós-operatório é caracterizado com intensas
mudanças na vida da mulher.
Nesse período há a retomada progressiva das
atividades de rotina, no entanto, devido à doença e a mastectomia, esses hábitos
provavelmente tenham sofrido momentaneamente alterações, dentre elas as
repercussões no plano afetivo-sexual. Conforme com o estudo de revisão de
literatura, o câncer de mama e a mastectomia interferem na sexualidade da mulher
gerando por vezes sentimentos negativos e dificuldade de adaptação com a nova
situação.
Os seios entre outros meios e linguagens corporais usados na conquista de
relacionamentos são considerados socialmente um símbolo ligado à sexualidade, ao
erotismo e a capacidade de atrair o parceiro. Deste modo, algumas mulheres podem
sentir-se incomodadas pela ausência da mama, e podem passam por algumas
mudanças relacionadas à intimidade com o companheiro, sentindo-se até
constrangidas em ficarem nuas na frente deles (GASPERELO et. al, 2010).
Por ser um órgão externo, a mama constitui uma identidade específica da
mulher, e sua perda pode ser compreendida como uma desfiguração e induzir a
mulher a não gostar de si e percebe-se desinteressante, esse fato pode fazer ela
acreditar que a sociedade também a visualiza da mesma maneira, a impelindo a
fechar –se no seu mundo, com medo de encarar a si e aos outros (RZEZNIK, 2000).
Arán (1996) afirma que a mulher mastectomizada pode se sentir sexualmente
repulsiva, podendo até evitar manter contatos sexuais. Dentre os sentimentos que
podem surgir destacam-se o medo de não ser mais atraente sexualmente e a
sensação de diminuição da feminilidade, o que pode acarretar prejuízo na autoestima.
32
O receio em expor o local da cirurgia faz com que algumas mulheres
busquem alternativas para se portar diante do companheiro, como por exemplo, não
permanecer nua na presença dele, passar a dormir de sutiã ou uma camisa, de
modo que a cicatriz permaneça coberta. Mudanças como essas e outras que a
mulher pode apresentar na vida sexual podem em muitos casos provocar um
impacto negativo na relação amorosa e consequentemente problemas sexuais
(GASPARELO et. al, 2010). O medo de rejeição, a vergonha, somados ao incômodo
de expor o local da cirurgia ao companheiro nos momentos de maior intimidade,
muitas vezes podem fazer com que a mulher esconda as cicatrizes pelo uso de
vestimentas (BITTENCOURT; CADETE, 2002).
Então a vida a dois passa por momentos de mudanças na atividade sexual,
em especial na mulher, pois já não se sente mais desejada como antes. Essas
angústias aliadas a outras, deixam-na preocupadas na possibilidade de perder o
companheiro, gerando na mulher o sentimento de inferioridade e baixa auto-estima
(OLIVEIRA; MONTEIRO, 2004).
A diminuição da auto-estima é um dos principais problemas encontrados
depois de realizada a mastectomia, pois essa sensação de descontrole que provoca
impotência diante da mutilação física e do medo de não ser aceita fisicamente pode
levar a mulher a perder a capacidade em retomar a sua vida normalmente (MOURA
et. al, 2010)
A baixa auto-estima pode ainda dificultar o tratamento da enfermidade, pois o
câncer de mama carrega um estigma com forte repercussão psicológica, que traz
consigo
um misto de
sentimentos
e sobrecarga
emocional.
Mediante
a
vulnerabilidade a que estão expostos os envolvidos nessa situação de estresse
favorece a desestruturação do seu aspecto biopsicossocial (MARCON; SALCI,
2009).
A reciprocidade da relação sexual depende muito da mulher, se ela se torna
mais receptiva, o parceiro tende a se aproximar e o relacionamento se torna melhor
(DUARTE; ANDRADE, 2002). Essa atitude depende muito de como era o
relacionamento antes do diagnóstico da doença. Mulheres com bom relacionamento
sexual com o companheiro, a tendência é que se permaneça da mesma forma, já as
33
que não tinham uma boa relação tendem a piorar (SAMPAIO, 2006).
Em consequência da doença, muitos relacionamentos conjugais se desfazem
pela falta de um diálogo aberto entre o casal. Aqueles relacionamentos que já eram
frágeis antes da enfermidade dificilmente sobrevivem depois uma situação
traumática. Contudo, existem aqueles que estavam frágeis e se fortaleceram após o
diagnóstico da doença (SILVA; MARINHO, 2013).
Sendo assim, a mastectomia passa a ser um desafio na relação homemmulher. E nesse momento em que a mulher pode se sentir inferior na sua
feminilidade, sexualidade e atratividade, a presença do companheiro se torna
indispensável para sua reabilitação (ARÁN et. al., 1996). A relação conjugal também
é primordial para reestruturação da auto-estima da mulher (SILVA; MARINHO,
2013).
Nesse sentido, o câncer de mama e a mastectomia não afetam apenas as
relações familiares, mas as relações sociais, visto que a doença ainda possui uma
representação de doença fatal, causando grande preconceito. Aliado a esse aspecto
a paciente envergonhada se afasta do convívio social, sendo essa vergonha
caracterizada por uma série de fantasias e medos despertados pelo contato com o
mundo externo (MELO; SILVA; FERNANDES, 2005). A vergonha não é da doença
em si, mas do sentimento de não se considerar mais uma mulher completa, como se
todas as pessoas estivessem vendo que ali naquele corpo falta algo. Devido a esses
fatores ocorre mudança no comportamento da mulher, onde mesmo aquelas mais
sociáveis se tornam mais reservadas (SILVA; MARINHO, 2013).
Isso ocorre porque os relacionamentos interpessoais são em geral,
influenciados pela imagem que as pessoas fazem de si mesmas e pela preocupação
com a visão da sociedade. Esse sentimento de estranheza em relação ao próprio
corpo faz com que a mulher se isole socialmente, por vergonha, medo, rejeição e a
própria dificuldade em se aceitar (GASPERELO et. al, 2010).
Pesquisas realizadas por Duarte e Andrade (2002) revelam que o mundo
externo e as pessoas do convívio social da paciente, nem sempre reagem ou
causam algum tipo de impressão que a leve a se afastar. A maioria das vezes surge
fantasias em torno do comportamento das outras pessoas, levando a crença de que
sua percepção é verdadeira.
34
Sendo assim, a partir da análise dos estudos acima citados, verifica-se que a
mastectomia pode gerar alterações na vida pessoal da mulher, refletindo
sobremaneira nas relações familiares e sociais. Diversos são os sentimentos que a
mulher pode apresentar nesse processo pós-operatório, sentimentos negativos que
interferem na rotina da mulher e no seu comportamento com próximo, fazendo com
que essa mulher sofra. É importante então um suporte familiar, como um aliado na
luta contra a doença e na recuperação, é necessário um ponto de apoio, segurança,
conforto e ajuda da família. Pois sentir a família mais próxima, transmitindo
confiança, afeto, e valorizando aos aspectos positivos é imprescindível para que a
mulher se sinta forte, protegida e mais confiante para enfrentar a doença e as
dificuldades por ela imposta.
35
2.4.
ESTRATÉGIAS
DE
ENFRENTAMENTO
E
VIVÊNCIA
DA
SUPERAÇÃO.
Depois da descoberta do câncer, a mulher vivencia os tratamentos, dentre
eles a mastectomia, um procedimento que provoca alterações na vida da mulher e
das pessoas que estão a sua volta. Embora o medo seja sempre presente durante a
longa trajetória da doença, durante a sua jornada a mulher procura vencer as
limitações, aceitando a mastectomia e o câncer de mama em suas várias fases,
alcançando deste modo a superação na busca da reabilitação (ALMEIDA et. al.,
2015).
Percebe-se que a mulher busca algo em que se sustentar, ela procura uma
confiança interior que vai ajudá-la a superar essa etapa da vida. Algumas mulheres
descobrem-se fortes, utilizando estratégias como a fé e a esperança. Apesar do
impacto elas buscam novos propósitos de vida, apoiadas em novas expectativas.
Moura et. al. (2010), afirmam que o amparo espiritual em geral é responsável
por gerar sentimentos positivos para a mulher, fazendo com que ela possa lidar com
a situação de maneira que amenize seu sofrimento. Sentimentos de força e coragem
para superar as dificuldades que o câncer impõe, além de confiança, apoio e
consolo, são comuns e refletem como um auxílio para a mulher lidar com essa nova
situação.
A religiosidade é considerada como uma fonte de apoio para o enfrentamento
da vivência do câncer, uma vez que, no encontro com a fé é possível uma
aproximação com a subjetividade, o que pode ajudar a mulher a compreender-se e a
enfrentar positivamente a enfermidade (TAROUCO et. al., 2009).
Acredita-se que a fé ou a crença religiosa proporciona à mulher com câncer
de mama conforto e alívio, devido à confiança em Deus, pois para ela a fé ajuda a
reestruturar a sua vida, a aceitar a sua nova condição, enfrentar as dificuldades e
ainda a manterem uma visão positiva das coisas (MOURA et. al., 2010). O apego à
fé e a religiosidade traz para as mulheres a esperança como um recurso de
sustentação, possibilitando a elas esquivar-se, momentaneamente, da angústia de
possibilidade prematura da sua finitude (ALMEIDA et. al., 2015).
Nesse sentido, é fundamental o entendimento dessa teia de significados
religiosos por todos os envolvidos neste processo de adoecimento, pois essa
percepção pode indicar uma promoção em saúde que contribua na desconstrução
36
de acontecimentos geradores de sentimentos negativos na mulher, proporcionando
a ela mais coragem para lidar com o câncer como algo suscetível de controle,
possibilitando assim uma maior estabilidade emocional (MOURA et. al., 2010).
Conforme Cavalcanti e Coelho (2007), a crença ajuda no combate de
ocasiões de angústia, depressão e medo, que, por sua vez, oferece apoio e
proteção. A descoberta do câncer favorece sofrimento psíquico, entretanto, em
paralelo a isso, podem surgir à esperança e a fé, como meios de auxiliarem no
enfrentamento da doença. Sendo assim, devemos estar cientes dos impactos das
crenças religiosas sobre o câncer, pois muitas vezes a espiritualidade faz parte da
saúde de uma pessoa.
O apoio da família também é um relevante recurso como estratégia de
enfrentamento, uma vez que a família tem o papel de apoiar e oferecer cuidado e
suporte para a mulher (DOUSSET, 1999).
Os familiares oferecem cuidados diretos ou mesmo apoio indireto. A família
proporciona suporte emocional, e também fornece ajuda em sua prática cotidiana,
auxiliando em tarefas diárias. O apoio familiar tem contribuição significante diante do
enfrentamento das situações vivenciadas e oferece assistência a mulher a exercer
recursos para habituar-se de maneira positiva a aceitação de sua nova condição
(ALMEIDA et. al., 2015).
Nesse sentido, a família se apresenta de grande importância para a mulher
em todos os aspectos emocional, social e psicológico. É a família que proporciona
os aportes afetivos, materiais necessários ao desenvolvimento e bem-estar dos seus
componentes. Ela desempenha a função determinante na educação formal e
informal, é em seu ambiente onde se aprofundam os laços de solidariedade (SALCI;
MARCON, 2008).
Os familiares ocupam um importante papel tanto na saúde física quanto na
emocional, pois os membros da família são interconectados e interdependentes.
Desta maneira, na ocorrência de mudanças na saúde de um dos integrantes, todos
os demais são afetados e a família sofre transformações. A família afeta a saúde
dos membros e a saúde dos membros afeta a família (ANGELO; BOUSSO, 2001).
Outra situação que também pode contribuir para o restabelecimento
psicológico da mulher, bem como trazer uma melhoria na adaptação da autoimagem corporal é a reconstrução mamária. A reconstrução mamária trata-se de um
procedimento cirúrgico, que permite ao cirurgião plástico através das mais variadas
37
técnicas, criar uma mama similar em forma, textura e características de mama
extraída, que pode ser realizado no mesmo ato cirúrgico da mastectomia ou
tardiamente (AZEVEDO; LOPES, 2010).
Reconstruir o seio pode simbolizar a preservação da auto-imagem da mulher,
uma melhor qualidade de vida, podendo amenizar os sentimentos pela alteração
física provocada pela mastectomia, e até um processo de reabilitação menos
traumático (MESSA; PRADO, 2002).
Esse processo de reconstrução mamária talvez se torne um aspecto
relevante na vida da mulher, uma vez que vivemos em uma sociedade de consumo,
onde o corpo é por um lado objeto de idealização, mas por outra perspectiva alvo de
estigmatização, caso esse corpo não corresponda aos padrões de beleza sociais.
No caso da mulher que teve seu seio extirpado em função do câncer de mama esta
pode sentir-se a margem desse padrão de beleza, desta maneira, a perda da mama,
pode comprometer a saúde psicoemocional da mulher, pois ela vive numa
sociedade que valoriza o corpo “bonito” como atributo essencial na atração sexual.
Nesse sentido, é importante salientar que, os conflitos gerados pela
mastectomia e sua repercussão psicossocial podem ser amenizados através da
cirurgia de reconstrução da mama. Azevedo e Lopes (2005), explicam que a
reconstrução da mama é vivenciada como uma satisfação simbólica, onde a prótese
representa uma possibilidade de se sentir completa de novo, uma forma de resgatar
a feminilidade e de ter uma vida sexual ativa.
Embora a satisfação reacenda a esperança de vida na mulher, esse
sentimento não é compartilhado entres todas as que passam pela cirurgia. Existem
mulheres que mesmo após o implante não se sentem satisfeitas, tanto por questões
estéticas, como também pela sensação da prótese como um corpo estranho.
Resultando um conflito interno e aumentando as repercussões psicológicas e
gerando uma distância de relações íntimas e sociais.
Segundo Melo (2002), a maioria das mulheres que buscaram a reconstrução
sentiu-se feliz com os resultados estéticos, superando suas expectativas. Sendo que
o índice de morbidade psicológica é significativamente inferior em mulheres
submetidas à reconstrução imediata em relação a aquelas que foram submetidas à
mastectomia somente, ou ainda em relação as que tiveram a reconstrução tardia. As
pacientes que passaram pelo processo de reconstrução imediata demonstraram-se
38
menos deprimidas e sofreram menor impacto quanto a sua feminilidade, auto-estima
e atratividade sexual (ROWLAND; MASSIE apud MELO, 2002).
Tal dado reflete a dimensão psicológica que a retirada do seio alcança na
mulher. A reconstrução mamária por sua vez devolve de certa forma a algumas
mulheres o sentido da vida e o desejo de assumir sua feminilidade e os aspectos
envolvidos com esta (ALMEIDA, 2006). As mulheres que se submeteram a cirurgia
reparadora tendem a expressar atitudes positivas e maior satisfação com a
aparência, além de menor temor da recidiva com a remoção da cicatriz (VIANNA,
2004).
Dessa forma, atualmente a reconstrução mamária é um recurso indispensável
para mulheres que necessitam realizar a mastectomia, visto que ajuda nos aspectos
acima relacionados. Assim é de fundamental importância a compreensão da
realidade e do contexto em que a mulher está inserida, levando-se em consideração
os significados e valores da doença atribuídos por ela, seus receios e expectativas.
Essa é uma tarefa que deve ser realizada por toda equipe multidisciplinar, bem
como pelos familiares, uma rede de apoio para tornar esse processo menos pesado
para a paciente e para as partes envolvidas.
A atuação do psicólogo dentro desse processo também surge como um
importante suporte para paciente oncológica e sua família. Zavarize et. al. (2014)
afirmam que o psicólogo pode fazer uma grande diferença uma vez que trabalhará a
subjetividade da dor tanto com o paciente quanto com a família.
Conforme Bergerot (2013), diante o cenário em que o câncer se apresenta
torna-se evidente a atuação de um profissional da saúde mental, que contribuirá no
enfrentamento da doença. Para Teixeira e Pires (2013) o psicólogo deve defender
várias propostas, que visem atender as necessidades da paciente sendo que estas
são fundamentais. Este profissional pode auxiliar na manutenção do bem estar
psicológico, identificando e compreendendo os fatores emocionais que intervém na
sua saúde. Assim, a atuação do psicólogo tem como funções a prevenção, a
minimização dos sofrimentos decorrentes do câncer e seus tratamentos, além de
conduzir o paciente à compreensão dos aspectos simbólicos da doença e a
experiência do adoecer, possibilitando ressignificações desse processo. Desta
forma, a paciente terá o suporte psicológico para enfrentamento e elaboração da
doença.
39
Nesse sentido, o atendimento psicológico visa auxiliar a paciente a fim de
conscientizá-la da sua condição atual e fornecer subsídios para uma compreensão
melhor da doença. Assim, para que o psicólogo possa ajudá-la a dar novos
significados à sua doença e melhore sua qualidade de vida, enquanto profissional
deve considerá-la como um sujeito em situação peculiar e compreendê-la enquanto
um ser que adoece, considerando seu sofrimento físico e psíquico, para que essa
mulher possa lidar com suas limitações, angústias e conflitos, visando sua
reabilitação de acordo com sua nova condição de vida. O apoio emocional e social é
relevante para a paciente atribuir significados a seu estado, reinterpretar sua
patologia e diminuir emoções negativas acerca de tal situação.
40
3. METODOLOGIA
3.1. Caracterização da Pesquisa
Para realizar este estudo o método foi utilizado o método de pesquisa
bibliográfica, o qual segundo Ruiz (1992), consiste no exame da bibliografia, para
levantamento e análise do que já foi produzido sobre o assunto que assumimos
como tema de pesquisa científica.
A pesquisa bibliográfica busca a resolução de um problema/hipótese por meio
de referenciais teóricos publicados, através do qual se analisa e discute as diversas
contribuições científicas. Esse tipo de pesquisa oferecerá subsídios para o
conhecimento sobre o que foi pesquisado, como e sob que enfoque foi discorrido o
assunto apresentado na literatura científica (ARAÚJO, 2003).
Conforme Gil (1994), pesquisa bibliográfica possibilita um amplo alcance de
informações, além de permitir o uso de dados dispersos em inúmeras publicações,
auxiliando também na construção, ou na melhor definição, do quadro conceitual que
envolve o objeto de estudo proposto.
Marconi (2010), afirma que a pesquisa bibliográfica abrange toda bibliografia
já tornada pública ao que faz referência ao assunto do estudo, desde publicações
avulsas, jornais, boletins, pesquisas, livros, monografias, teses, material cartográfico
dentre outros. Os meios de comunicação oral também compõem o acervo de
materiais para pesquisa, desde gravações em fitas magnéticas e audiovisuais, rádio,
filmes e televisão. Então, sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto
com tudo que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto, inclusive
conferências seguidas de debates que tenham sido transcritas.
A bibliografia apropriada proporciona subsídios para definir e resolver, não
apenas a problemáticas já conhecidas, como também investigar novas áreas onde
os problemas não se cristalizaram o suficiente. Seu objetivo é permitir ao
pesquisador o reforço paralelo na análise de suas pesquisas ou manipulação de
suas informações (MANZO apud MARCONI, 2010).
Desta maneira, a pesquisa bibliográfica não é mera repetição do que já foi dito
ou escrito sobre determinado tema, mas favorece o exame sobre um assunto sob
41
novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras (MARCONI, 2010).
A pesquisa bibliográfica enquanto estudo teórico elaborado a partir da reflexão
pessoal e da análise de documentos escritos, originais primários denominados
fontes, segue uma sequência ordenada de procedimentos (SALVADOR, 1986).
Entretanto, não significa que os procedimentos a serem adotados são
delimitados de uma vez por todas, pois mesmo que o pesquisador tenha
determinado o objeto de estudo e o vínculo com uma linha de investigação, ele
sempre poderá retomar ao objeto de estudo à medida que os dados forem
coletados, de maneira a defini-los mais cristalinamente ou reformulá-los.
Como
consequência esse movimento poderá gerar novas mudanças, ou novas escolhas
quanto ao procedimentos metodológicos (LIMA; MIOTO, 2007).
Essa flexibilidade, todavia, não quer dizer falta de compromisso com a
organização racional e eficiente diante o estudo, pois a pesquisa bibliográfica requer
do pesquisador constante atenção aos objetivos propostos e aos pressupostos que
envolvem o estudo para que a diligência epistemológica ocorra (SALVADOR, 1986).
Nesse sentido, para alcançar o objetivo proposto, existe uma sequência de
procedimentos a ser seguidas e compreende os seguintes passos metodológicos
preconizados por Salvador (1986): a) elaboração do projeto de pesquisa: consiste na
escolha do tema, na formulação da problemática, e na elaboração e planejamento
que objetiva investigar e alcançar as respostas às questões formuladas; b)
investigação das soluções: essa fase é destinada a coleta de material bibliográfico e
documentação, essa etapa envolve o levantamento da pesquisa bibliográfica e
levantamento das informações contidas na bibliografia. É nessa fase que os dados
serão estudados. Cabe ressaltar que os resultados da pesquisa dependem da
quantidade e qualidade do material coletado; c) análise explicativa das soluções:
nessa fase as informações serão analisadas, e é constituída pela capacidade crítica
do pesquisador para explicar ou justificar os dados coletados; d) síntese integradora:
consiste no produto final do processo de investigação, resultante da análise e
reflexão das informações apresentadas nos documentos. Essa fase compreende as
atividades
relacionadas
à
apreensão
do
problema,
investigação
rigorosa,
visualização de soluções e síntese. Cuja finalidade consiste na reflexão e na
proposição de soluções.
42
3.2. Procedimento Metodológico
O procedimento metodológico foi realizado em duas fases, primeiro foi
realizada a coleta de fontes bibliográficas, na qual foi feita o levantamento da
bibliografia existente. A coleta de dados foi realizada a partir de critérios que
delimitavam o campo de estudo, orientando assim a seleção do material a ser
pesquisado. Partindo dessa premissa, foi verificado se obras relacionavam-se ao
objeto de estudo, de acordo com os temas que lhe são correlatos.
Para essa fase de levantamento da bibliografia realizada de outubro de 2015
a março de 2016, através de artigos científicos indexados e publicados em base de
dados na plataforma da SCIELO (Scientific Electronic Library Online), LILACS
(Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde), BVS (Biblioteca
Virtual em Saúde), Google acadêmico em artigos científicos, livros e monografias e
dissertações. Utilizou-se como Descritores: câncer de mama, mulher, mastectomia,
repercussões psicossociais, publicados de 2002 a 2015, disponibilizados na íntegra,
em língua portuguesa, e que abordassem a temática proposta. Já os critérios de
exclusão consistiam em referências que não obedeciam ao delineamento temporal
de publicação, que estivessem incompletos, em outro idioma e não fossem
coerentes com o tema pesquisado. Os descritores utilizados como critérios para a
pesquisa incluíram combinações entre câncer de mama, mulher, mastectomia e
repercussões biopsicossociais.
Após a pesquisa nas bases de dados mencionadas anteriormente, foram
selecionados 39 artigos, além de 6 monografias, 5 dissertações, 19 livros específicos
sobre o tema abordado, além de 1 site de renome no cenário brasileiro no que se
refere à prevenção e tratamento do câncer, o Instituto Nacional do Câncer – INCA.
Depois de delimitada as fontes para pesquisa definiu-se a técnica a ser
utilizada para a investigação das soluções do objeto do estudo. Para Lima e Mioto
(2007), no caso da pesquisa bibliográfica, a leitura apresenta-se como a principal
técnica, pois é por meio dela que se pode identificar as informações e os dados
contidos no material selecionado, bem como verificar as relações existentes entre
eles de modo a analisar a sua consistência. Salvador (1986) orienta que sejam
realizadas leituras sucessivas do material em cada momento da pesquisa.
43
Sendo assim, a partir do proposto por Salvador (1986), foi realizada a leitura
exploratória, verificando se existiam ou não informações a respeito do tema proposto
e de acordo com os objetivos do estudo. Logo após realizada a leitura seletiva, a
partir do qual foi determinado o material que seria utilizado na pesquisa,
selecionando as informações pertinentes de acordo, novamente com os objetivos do
estudo. Nessa fase foram selecionados bibliografias que abordavam o tema da
pesquisa.
Do material selecionado, foi realizada uma leitura crítica, com a necessária
imparcialidade e objetividade, buscando respostas aos objetivos do estudo e, em
seguida, uma leitura interpretativa, na qual foram relacionadas as informações e
ideias dos autores com os problemas para os quais se buscava soluções. Depois a
realização das leituras, foi elaborado, um texto de análise das informações
apresentadas a partir dos objetivos propostos.
44
4. DISCUSSÃO
O presente estudo através da literatura buscou compreender a subjetividade
da mulher com câncer de mama, e foi submetida à mastectomia, buscou
compreender como essa mulher ressignificou seu corpo após cirurgia, como ela
vivenciou o diagnóstico do câncer, quais as mudanças que ocorreram e como ela
passou a lidar com essa nova realidade.
A partir da apreciação feita da literatura, foi possível verificar que há dois
momentos considerados relevantes e marcantes para a mulher portadora de câncer,
o primeiro refere-se à descoberta da doença, o recebimento do diagnóstico, a busca
pelo tratamento adequado, e a luta pela manutenção da vida.
Desde o momento da descoberta do câncer a mulher passa a conviver com a
possibilidade de morte, e ainda tem que lidar com as representações e simbolismos
acerca da doença enraizados no imaginário social, onde seu conteúdo simbólico se
remete a dor, morte, medo, culpa, sofrimento, vergonha e estigmatização social. A
começar do diagnóstico, a mulher ver a sua tomar uma outra direção, observa-se as
mudanças que ocorrem em sua vida e das pessoas próximas a ela. É evidente que
esse impacto causado e a forma como a paciente vai reagir frente à doença vai
depender da sua história de vida, do contexto social, econômico e familiar de cada
uma.
O diagnóstico em geral é um momento decisivo na vida da mulher, pois a
partir de então ela tem a possibilidade de reformular aspectos importantes de sua
vida. Essa nova realidade estimula no íntimo da paciente emoções e sentimentos
como angústia, raiva, agressividade, medo, negação, revolta e ansiedade; além de
ser acompanhado pelo sofrimento de possibilidade de finitude. Todos sabem que
desde o nascimento a única certeza que se tem é da morte, no entanto, vivemos em
geral, como se esse dia estivesse bem distante. E estar diante um diagnóstico de
câncer aproxima a morte. Assim, ela se depara com o medo da morte e o sentimento
de incerteza de futuro, e a nova situação se revela como um momento difícil de
elaboração e aceitação da nova realidade.
Outras preocupações também se tornam comum, estas se referem ao
tratamento em busca da cura. O procedimento terapêutico mais usado é a
45
mastectomia, onde surgem preocupações sobre a mutilação do corpo, da dor, do
medo da recidiva, e fantasias que não cessam com a retirada do tumor. Essas
fantasias e emoções envolvem a imagem corporal, sexualidade e relacionamento
familiar e social.
Já o segundo momento relaciona-se ao período pós-mastectomia, quando a
mulher se depara com a perda do seio, um órgão que representa socialmente a
feminilidade, a sensualidade, a maternidade e a fonte de vida. Embora seja um
procedimento ainda considerado o melhor para o tratamento do câncer deixa
profundas cicatrizes no corpo e na subjetividade da mulher.
As consequências da mastectomia podem acarretar prejuízos na imagem
corporal da mulher, gerando alteração na auto-imagem, no auto-respeito, podendo
também limitar relações sociais. A perda do seio afeta consideravelmente a auto
estima diminuindo seu apreço em relação a feminilidade e à capacidade de atração.
A mulher passa a sentir dificuldades em se olhar no espelho e aceitar a nova
imagem, essa dificuldade pode trazer mudanças de comportamento, a mulher pode
começar a esconder o seu corpo, e por meio da vestimenta oculta a cicatriz e a falta
do seio.
As repercussões da mastectomia acarretam vários tipos de enfrentamento
que variam do contexto em que a mulher se encontra, é uma experiência ampla e
distinta para cada mulher, e envolve implicações na vida diária, e nas relações
familiares e sociais. Assim esse procedimento pode desencadear um equilíbrio ou
desequilíbrio nas relações das pessoas de sua convivência, isso vai depender da
compreensão e suporte da família. As mudanças podem ser tanto positivas, quanto
negativas.
As mudanças podem também ocorrer em nível de relacionamento conjugal e
na sexualidade. Se o casal mantinha uma boa relação conjugal antes da descoberta
da doença, a tendência é que se permaneça da mesma forma, caso contrário,
tendem a piorar. Podem surgir sentimentos de inferioridade, pois a mulher pode não
se sentir mais desejada, junto a isso vem o medo da rejeição e da possível perda do
companheiro, vergonha e incômodo em expor o corpo ao parceiro.
Ficou evidente que todas essas repercussões e mudanças provocadas pelo
câncer e pela mastectomia, bem como a forma que a mulher lida com o próprio
46
corpo e as relações sociais, vai depender de cada mulher, pelas particularidades de
cada uma em relação à doença, ao tratamento e também pela influência do contexto
sócio-cultural e familiar. Assim, ao defrontar-se com a nova realidade, cada uma vai
demonstrar uma forma diferenciada de ressignificar o seu corpo, de lidar com as
mudanças que se tornam tão frequentes, e encontram uma maneira peculiar de
enfrentar a doença e as consequências que mastectomia pode acarretar, aprendem
a seu modo a lidar com seus sentimentos, expectativas e com suas estratégias de
ajustamento.
Sendo assim, a partir de tais considerações fica cristalino a importância dos
profissionais de saúde, em especial do psicólogo, na tarefa de acolher e ajudar essa
mulher a compreender e lidar com seus sentimentos. É necessário que o psicólogo
compreenda as implicações que o câncer e a mastectomia para a mulher, pois cada
mulher é diferente, cada uma está sob um contexto, imersa em uma rede de
sentidos e significados construídos ao longo de um estilo de vida, história familiar,
valores e crenças. Portanto, fazer uma intervenção junto a essa mulher exige de
cada profissional uma visão holística, incluindo seu contexto social, seus papéis e
relação, até mesmo compreender o tratamento clínico e suas intercorrências. Há de
se considerar a mulher em sua totalidade.
Enquanto profissionais há que se buscar um atendimento sensível e
humanizado, visto que muitas vezes desempenhamos o papel profissional de forma
mecanizada e sem vínculo, justificado pela grande demanda de pacientes,
esquecendo-nos do significado da promoção de saúde em seu sentido mais pleno.
Por isso é de fundamental relevância que possamos ser profissionais capazes de
estender a mão para a mulher, escutar suas queixas e necessidades, visualizando-a
em sua globalidade e integridade biopsicossocial, considerando-a essencialmente
como ser humano.
Verificou-se que o conhecimento dos aspectos biopsicossociais envolvidos no
processo do câncer de mama e da mastectomia. Bem como as repercussões
psicossociais, as mudanças que a mastectomia pode provocar, e a forma como a
mulher lida com o seu corpo e com essa realidade, são essenciais para os cuidados
psicológicos dessa mulher, a fim de se estabelecer vínculos entre paciente e
psicólogo visando a ressignificação da dor e do sofrimento gerados pela
mastectomia. Constatou-se que tal ressignificação torna-se possível à medida que
47
se respeita a singularidade do sujeito e incorpora-se os sentidos, crenças, valores e
outros contextos da mulher no processo terapêutico como referências da pessoa.
O presente trabalho me enriqueceu enquanto estudante de Psicologia e me
ofereceu subsídios futuros enquanto profissional, me remeteu a uma grande
responsabilidade ao ir em busca de conhecimentos para melhor compreender a
mulher portadora de câncer que foi submetida à mastectomia. Ter um olhar
diferenciado para essa mulher, vê-la como um ser humano em sua totalidade, como
um ser que sofre, que precisa ser acolhida e ouvida, que necessita nesse momento
tão difícil de sua vida de orientações para melhor compreender e lidar com seus
sentimentos e com as mudanças, e que necessita ainda de um suporte e de uma
assistência mais sensível e humanizada.
48
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme aponta a literatura a respeito dos aspectos biopsicossociais de
mulheres com câncer de mama, várias são as esferas citas como relevantes, ora
apontando as dificuldades, ora demonstrando os aspectos positivos e as estratégias
de enfrentamento usadas para minimizar as mudanças advindas da enfermidade, da
cirurgia e suas consequências.
O câncer de mama e a mastectomia podem acarretar diversas repercussões
biopsicossociais e desencadear uma série de mudanças na vida da mulher e das
pessoas que estão a sua volta. Nesse sentido, é possível perceber o apoio da
família e um suporte psicossocial pelos profissionais de saúde para superação da
doença. A proposta terapêutica junto à paciente oncológica deve ter como principal
objetivo a manutenção da qualidade de vida, no sentido de trabalhar as angústias e
demandas apresentadas pelas mulheres. O psicólogo deverá estar consciente das
estratégias utilizadas pelas pacientes e ensiná-las a lidar com as emoções
apresentadas, além de proporcionar apoio psicológico aos familiares.
Portanto, o momento de escuta é muito importante no período de assistência,
uma vez que diversas mudanças ocorrem, e a mulher percebe as limitações,
fragilidade e sentem-se estranha devido à nova imagem corporal que se apresenta.
É necessário uma assistência integral a essas mulheres que aborde todos os
aspectos envolvidos nessa temática, sejam eles orgânicos, psicológicos e sociais.
Concluímos então, que é de fundamental importância um trabalho integrado
entre os profissionais de saúde, na assistência a paciente oncológica, pois se
encontram fragilizadas, e necessitam não apenas de cuidados médicos, mas
também de um suporte mais amplo que lhe dará condições de superar a doença.
Ressaltamos também a importância de um acompanhamento aos familiares que
devido ao processo de adoecimento também encontram-se emocionalmente
abalados. Sendo assim, o câncer de mama pode ser percebido como um fenômeno
amplo e complexo, que não deve ser esgotados as reflexões acerca do mesmo, mas
reforçamos a relevância do suporte enquanto profissionais como cuidadores e
educadores.
49
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