Análise dos falsos aumentativos no Português do Brasil

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Análise dos falsos aumentativos no Português do Brasil
Roana Rodrigues1, Oto Araújo Vale1
1
Departamento de Letras – Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
Caixa Postal 676 – 13.565-905 – São Carlos – SP – Brasil
[email protected], [email protected]
Abstract. This study analyzes the suffix -ão and -ona on nouns, adjectives,
adverbs and numeral in order to establish a typology of false augmentative in
Brazilian Portuguese. Despite being a known phenomenon often mentioned in
literature, it never was described in details. In addition to descriptive interest
in itself, we intend to conduct a direct application in the creation of resources
for Natural Language Processing (NLP).
Resumo. O presente trabalho analisa o comportamento morfológico dos
sufixos -ão e -ona em substantivos, adjetivos, advérbios e numeral com a
finalidade de se estabelecer uma tipologia dos falsos aumentativos no
português do Brasil. Apesar de ser um fenômeno conhecido e muitas vezes
mencionado na literatura, nunca apresentou nenhum estudo minucioso,
tampouco, uma descrição de toda a sua amplitude. Além do interesse
descritivo em si, pretende-se realizar uma aplicação direta na constituição de
recursos para o Processamento de Linguagem Natural (PLN).
9
Anais da III Jornada de Descrição do Português, páginas 9–14, Fortaleza, CE, Brasil, Outubro 21–23, 2013.
c
2013
Sociedade Brasileira de Computação
1. Uma tipologia dos falsos aumentativos no Português do Brasil
O fenômeno dos falsos aumentativos no português do Brasil, assim como dos falsos
diminutivos, é sempre retomado em livros didáticos e mencionado por alguns linguistas,
dentre os quais pode-se citar Bechara, 1970; Cunha, 1982; Celso e Cunha, 1985;
Mattoso Camara Jr., 1986; Laroca, 2005; Azeredo, 2008. Suas análises, em geral,
buscam demonstrar a importante diferenciação entre flexão (fenômeno marcado pela
obrigatoriedade e sistematização) e derivação – onde se enquadram os morfemas aqui
tratados –, que é o processo de criação de novas palavras, cuja implantação não é
obrigatória e regular.
Constatamos que é comum em língua portuguesa encontrarmos mesmas
construções morfêmicas com distintos significados e é a partir dessas construções que
nos deparamos com os falsos aumentativos e falsos diminutivos. Dessa maneira, o
sufixo -ão em portão não alude ao aumentativo dos lexemas porto ou porta, da mesma
maneira que -inha em camisinha não se refere, única e exclusivamente, ao diminutivo
de camisa.
ATabela 1 nos mostra o número de lexemas analisados para a criação das
tipologias aqui propostas. O estudo baseou-se nas palavras terminadas em -ão e -ona
encontradas, primeiramente, nos dicionários de língua protuguesa Aurélio (2009) e
Houaiss (2009) e, em seguida, no corpus do NILC/São Carlos (Núcleo Interinstitucional
de Linguística Computacional) sediado no Instituto de Ciências Matemáticas e de
Computação da Universidade de São Paulo em São Carlos e disponibilizado no site da
Linguateca.
Dicionários Aurélio e Houaiss
Corpus do NILC
Lexemas terminados em -ão
5906
833
Lexemas terminados em -ona
397
132
Total
6303
965
Tabela 1. Lexemas analisados nos dicionários Aurélio e Houaiss e no Corpus do NILC
2. Análise dos dicionários Aurélio e Houaiss
Inicialmente, pretendia-se constatar – através da observação das entradas terminadas em
-ão e -ona nos dicionários Aurélio (2009) e Houaiss (2009)– se os morfemas em pauta
se referiam ao aumentativo do lexema e/ou se tratava-se de um falso aumentativo.
Entretanto, no decorrer do trabalho, foi possível verificar diversos elementos recorrentes
nas diferentes classes gramaticais analisadas (substantivo (N), adjetivo (Adj), advérbio
(Adv) e numeral) e, por isso, optou-se por ampliar o estudo e realizar uma classificação
mais detalhada.
Como são poucos os estudos no português do Brasil sobre o tema, houve certa
dificuldade para realizar esta classificação, que conta, além das classes gramaticais, com
10
Orig
Aum
FAum
Sin.
N
Adj
Adv
Numeral
Química
Física
Botânica
Ato/efeito
Intensidade
+
+
+
+
+
+
Forma Orig.
Houaiss
+
+
+
+
+
+
Forma Aum.
Aurélio
as seguintes entradas: a) forma aumentativa (Forma Aum.); Forma Original (Forma
Orig.); Original (Orig.); Aumentativo (Aum.); Falso Aumentativo (FAum.); Sinônimo
(Sin.); Substantivo (N); Adjetivo (Adj.); Advérbio (Adv.); Numeral; Ato/Efeito;
Intensidade e Apreciação. Também listamos os campos semânticos mais recorrentes
(química, física e botânica). A classificação supracitada pode ser observada na Tabela 2.
+
+
+
-
+
+
-
+
+
+
+
-
+
+
+
+
+
+
-
-
-
+
-
-
-
+
-
+
-
acetona
acetona
administração administração
amazona
amazona
bonzão
bom
capona
capa
pontilhão
ponte
Tabela 2. Lexemas terminados em -ão e -ona dos dicionários Aurélio e Houaiss
Lexemas que se referem a elementos e processos químicos foram classificados
como falso aumentativo e se enquadram no campo semântico da química, como é o caso
acetona, dipirona. Palavras analisadas como ato/efeito geralmente são derivadas de
verbos e consideradas no presente trabalho como falso aumentativo: administração: ato,
processo ou efeito de administrar. Falso aumentativo também são os casos em que a
forma original (Orig) coincide com a forma aumentativa (Aum): amazona > amazona
ou situações em que o sufixo -ão ou -ona não possuem valor de aumentativo, mas de
diminutivo: pontilhão > ponte: pequena ponte. Bonzão > bom: muito bom e capona >
capa: capa grande são exemplos de aumentativos reais que representam intensidade e
algo de grande dimensão, respectivamente.
3. Análise do Corpus do NILC
Com o intuito de aprofundar o tema, o segundo passo foi sistematizar como tais
morfemas se apresentam em uso. Para isso, analisamos o Corpus do NILC/São Carlos
que contém textos brasileiros do registro jornalístico, didático, epistolar e redações de
alunos; disponibilizado no site da Linguateca (Centro de recursos – distribuído – para o
processamento computacional da língua portuguesa).
É válido ressaltar que, mesmo encontrando uma significativa quantidade de
ocorrências, não classificamos os verbos (pois todos os verbos terminados em -onar,
quando conjugados na terceira pessoa do singular do presente do indicativo, terão a
terminação -ona), tampouco analisamos nomes próprios.
Como o sufixo -ão aparece em muitas palavras pelo seu caráter de ato/efeito e/ou
por derivar de verbos, viu-se a necessidade de extrair do corpus apenas as mil primeiras
ocorrências dos lexemas terminados com este sufixo. Alguns casos, tidos como
interessantes na análise dos dicionários, não foram computados nesta primeira busca,
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então realizamos uma nova tabela para acrescentá-los. Na primeira análise das mil
palavras estudadas, sistematizamos 777 e na busca realizada posteriormente, agregamos
56 entradas ao nosso trabalho.
FAum.
Sin
N
Adj
Adv
Numeral
Ato/efeito
Intensidade
Apreciação
+
-
+
-
+
-
-
-
-
-
-
bolona
bola
-
+
-
-
+
-
-
-
-
-
-
bolão
bola
-
+
+
-
+
-
-
-
-
-
-
calorão
calor
-
+
-
-
+
-
-
-
-
+
-
carona
carona
+
-
+
-
+
-
-
-
-
-
-
carrão
carro
-
+
-
-
+
-
-
-
-
-
+
Exemplo
Aum.
batalhão batalhão
Orig.
Forma Orig.
Forma Aum.
A classificação nesta segunda etapa deu ênfase na questão do uso, por isso as
principais características analisadas foram: a) forma aumentativa (Forma Aum.); Forma
Original (Forma Orig.); Original (Orig.); Aumentativo (Aum.); Falso Aumentativo
(FAum.); Sinônimo (Sin.); Substantivo (N); Adjetivo (Adj.); Advérbio (Adv.);
Numeral; Ato/Efeito; Intensidade (por exemplo: grande > grandão, muito grande);
Apreciação (por exemplo: novela > novelão, uma novela muito boa); e Exemplos
retirados do corpus. A Tabela 3 nos mostra algumas ocorrências.
No batalhão selecionado, há
representantes de várias
gerações
Ou descer numa bolona como
a Madonna
Já há um bolão de apostas
entre parlamentares
dá sede e calorão
Ciro deu carona a seu colega
até o restaurante
Tem muita gente que passa
de carrão importado e
estaciona para observar os
outros
Tabela 3. Lexemas terminados em -ão e -ona do Corpus NILC
Assim como observado na análise dos dicionários, lexemas como batalhão e
carona nos mostram que alguns falsos aumentativos assim o são por possuírem a forma
original (Orig) idêntica à forma aumentativa (FAum). Bolona e Bolão podem ser
entendidos com o aumentativo de bola, no entanto, bolão também significa um grande
prêmio em dinheiro o que lhe dá a classificação de falso aumentativo. Já calorão >
muito calor e carrão > carro bom, novo, moderno são palavras entendidas como
aumentativas por denotarem intensidade e apreciação, respectivamente.
4. Considerações Finais
Pode-se afirmar que os resultados obtidos foram satisfatórios, pois as listas geradas
conseguiram aprofundar o problema dos falsos aumentativos no português do Brasil,
evidenciando a amplitude de tal fenômeno.
Afirmamos, portanto, que entendemos por aumentativo não apenas algo de
tamanho grande, mas também aquilo que pode denotar intensidade (bonzão: muito
bom; chuvão: chuva forte) e apreciação (mãezona: mãe boa). Assim, anotamos como
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aumentativos lexemas como: capona: capa grande; cestão: cesto ou cesta de grandes
proporções; assim como caladona: muito calada; tardão: muito tarde; etc.
Já os falsos aumentativos podem ocorrer, sobretudo, nas seguintes situações:
i) quando os sufixos -ão e -ona não denotam apenas algo de tamanho grande,
intensidade ou apreciação: bandejão > bandeja: restaurante que serve refeição à preço
popular; macacão > macaco: roupa, traje informal; orelhão > orelha: espécie de cabine
telefônica; quentão > quente: bebida preparada com aguardente.
ii) quando os sufixos -ão e -ona são inerentes ao lexema, ou seja, a forma
aumentativa é igual à forma original: almeirão, avião, batalhão, poltrona, vulcão;
iii) quando a forma original e a forma aumentativa possuem uma relação de
sinonímia: purona > pura (cachaça). Tal classificação, no entanto, não se aplica à
análise do corpus, pois em uso os sufixos aumentativos, mesmo possuindo um
significado similar à sua forma original, tendem a transmitir um juízo de valor.
iv) quando o acréscimo dos sufixos aumentativo (-ão/-ona) tem valor de
diminutivo: caravelão > caravela: caravela pequena; escotilhão > escotilha: escotilha
de pequenas dimensões;
A análise dos dados do corpus do NILC foi fundamental para constatar como tais
morfemas se apresentam em uso e, desse modo, evidenciar que o acréscimo dos
morfemas -ão e -ona às palavras possuem uma intenção, mesmo que seja a de enfatizar,
ironizar e/ou demonstrar carinho.
Desse modo, constatamos que os aumentativos, em uso, apresentam uma grande
quantidade de acepções que se fazem claramente compreendidas de acordo com o
contexto em que são expressas. Já a questão dos falsos aumentativos, em número
bastante elevado, se associa a campos semânticos mais específicos (listados,
principalmente, nos dicionários).
Com os resultados das listagens, procura-se contribuir para enriquecer os
dicionários eletrônicos do software Unitex (PAUMIER, 2002; MUNIZ, 2004),
permitindo um maior refinamento nas buscas e evitando ambiguidades desnecessárias.
Além dessa aplicação específica, o resultado da pesquisa também poderá vir a ser
utilizado por pesquisadores – colaborando com a descrição de outros fenômenos da
língua em níveis superiores, como a sintaxe e o discurso.
5. Referências Bibliográficas
AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo:
Publifolha, 2008.
BECHARA, E. Moderna Gramática Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 1970.
CAMARA Jr., J. M. Problemas de linguística descritiva. Petrópolis, RJ: Vozes, 1971.
CUNHA, C. Gramática de base. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura,
1982.
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CUNHA, C. e CINTRA, L. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
FERREIRA, A. Novo dicionário Aurélio da língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Positivo, 2009.
HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. São Paulo: Editora Objetiva,
2009.
LAROCA, M. N. C. Manual da morfologia do português. Campinas, SP: Pontes, 2005.
MUNIZ, M. 2004. A construção de recursos lingüístico-computacionais para o
português do Brasil: o projeto de Unitex-PB. Dissertação (Mestrado) USP - São
Carlos, 2004.
PAUMIER, S.. Unitex Manual. Université Marne-la-Vallée, 2002.
SANTOS, P. B. Um estudo sobre a produtividade dos sufixos aumentativos. Disponível em:
<http://www.filologia.org.br/vcnlf/anais%20v/civ6_18.htm>. Acesso em: 22 ago. 2012.
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