A ESPACIALIDADE ASHKENAZI EM PORTO VELHO/RO Paula

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A ESPACIALIDADE ASHKENAZI EM PORTO VELHO/RO
Paula Stolerman – Mestranda em Geografia; Membro do grupo de Pesquisa GEPCULTURA/UNIR [email protected]
Josué da Costa Silva – Doutor em Geografia; Docente do Departamento de
Geografia e do PPGG/UNIR - [email protected]
Sheila Castro –Doutoranda em Geografia da Universidade Federal de
Rondônia- PPGG/UNIR - [email protected]
RESUMO:
Este artigo parte primeiramente de questionamentos que surgiram no decorrer da pesquisa que
fora concluída, a pesquisa em questão teve por base a interpretação dos rituais judaicos
Askenazim, percebemos qual tipo de sentimento é manifesto em relação aos lugares e onde suas
experiências religiosas ocorrem. A presença judaica na região amazônica é percebida com
provas documentais a mais de duzentos anos, dentre todo esse período os relatos de migrações
de judeus europeus, os Askenazim, que tem seus registros de migração para a região, na época
do 1º ciclo da borracha, esta que se deu de maneira esparsa. Com suas famílias ou
individualmente migraram para o município de Porto Velho, formando com sua permanência
uma comunidade que já foi mais forte e agora encontra em fase de reestruturação de seus
encontros.
Palavras-Chave: Judeus, Lugar, Experiência, Geografia
Neste trabalho buscamos compartilhar as experiências decorrentes de uma
pesquisa realizada no âmbito da comunidade judaica da cidade de Porto Velho,
Rondônia, reportando-nos aos autores que nos inspiraram e guiaram no processo de
compreender, ao menos preliminarmente, as espacialidades geradas pelas práticas
religiosas judaicas.
A pertinência deste trabalho surgiu com a verificação da presença judaica no
contexto amazônico, onde encontramos documentada sua presença extensivamente a
partir do século XIX e tendo mantido suas tradições imersa neste contexto.
Concomitantemente, foi verificado que os rituais judaicos absorveram aspectos da
cultura local amazônica, da cultura “ribeirinha”.
Outra questão é a importância de manter o interesse acadêmico na busca da
compreensão da diversidade cultural, pois em vista do atual fenômeno da globalização,
observa-se uma tendência em interpretar a diversidade das manifestações do fenômeno
humano como negativo exaltando-se a “corrida ao desenvolvimento econômico” e
estabelecimento do pensamento único.
Ao buscarmos compreender os rituais judaicos e entender a comunidade
judaica com suas singularidades, em Porto Velho enquanto seu lugar, nos deparamos
com a peculiaridade de um povo, que perdurou por séculos e séculos atrelado a uma
identidade apesar da ausência de um território.
Esta pesquisa se iniciou no momento em que passamos a frequentar as reuniões
de sexta-feira realizadas no CEJURON, onde são feitas as orações para receber o
Shabat, o dia de sábado no idioma hebraico, o dia santificado da semana para os judeus
que inicia na sexta-feira ao anoitecer e estende-se até o anoitecer de sábado, e também
outras reuniões para celebração de festas tradicionais judaicas.
A comunidade judaica em Rondônia, assim como as espacialidades criadas por
suas atividades culturais e religiosas, ainda não havia despertado o interesse da
academia de forma expressiva e específica. Sugerimos que a ausência de uma Sinagoga
(a casa de oração para os judeus, que muitas vezes atende à função de escola e casa de
reuniões), assim como de uma escola judaica ou cemitério exclusivo, invisibilizaram
este grupo de especificidades culturais que busca manter suas tradições.
O povo judeu e descendentes, tradicionalmente autoreferem-se com as
seguintes denominações: Ashkenazi e Sefaradi. Primariamente trata-se de uma
denominação que reporta às localidades de suas comunidades. Sefarad, a palavra de
onde é derivado o termo Sefaradi é Espanha em hebraico, portanto Sefaradim são os
judeus originários da Espanha. O termo Ashkenazi deriva da palavra ashkenaz, alemão
em hebraico, referindo-se aos judeus que ocuparam a Europa.
Ambas as denominações caracterizam a identidade religiosa judaica. São
ambas faces da construção histórico-cultural religiosa (GIL FILHO, 2008) do povo
judeu, que devido às atribulações de sua história migraram e dispersaram-se pelos
continentes. A saber:
Após a destruição do primeiro Templo, aproximadamente em 450 a.c., os
judeus foram exilados para a Babilônia. Depois de 70 anos deste exílio, muitos
retornaram à Israel. Contudo, a maioria dos judeus permaneceu na Babilônia e os que
haviam retornado para Israel foram novamente exilados, sendo desta vez pelos romanos
em 70 d.c.. Este exílio gerou comunidades na Europa e no Norte da África.
Os judeus da França e Alemanha ficaram conhecidos como "Ashkenazim", e os
judeus da Espanha ficaram conhecidos como "Sefaradim". Os judeus da Espanha, que
permaneceram sob o Império árabe por centenas de anos, se comunicavam com os
judeus do norte da África e no Oriente Médio, e assim os judeus destas regiões
acabaram sendo também chamados de Sefaradim (EBAN, 1975). A concentração de
comunidades judaicas nestas diferentes áreas acabou gerando uma série de pequenas
diferenciações em seus costumes
A construção destas identidades específicas relacionadas aos lugares onde se
produziu e reproduziu a cultura judaica, sem que esta comunidade abdicasse a
identidade judaica de uma forma ampla, pode se identificar com a descrição proposta
por Castells e referendada por Gil Filho (2008). Nesta perspectiva, a construção de uma
identidade religiosa Sefaradi e outra Ashkrnazi são propiciadas devido à simultaneidade
da formação de dois tipos de identidade: a identidade de resistência e a identidade
projetada.
Para Castells (apud GIL FILHO 2008), a construção do tipo identidade de
resistência deve-se à oposição dos atores sociais ao que é imposto elas instituições
dominantes da sociedade e a construção do tipo identidade projetada ocorre quando os
atores sociais redefinem suas posições na sociedade, possibilitando uma ruptura com as
estruturas sociais anteriores.
Ora, reportando-nos aos tipos de identidades judaicas Sefaradi e Ashkenazi,
podemos propor que a edificação dois tipos judaicos seguem a estas proposições, no
sentido em que foi no embate para a manutenção das tradições que as identidades se
formaram, mesmo com a dispersão da comunidade judaica pelo mundo e da mesma
forma, devido ao estabelecimento das comunidades em lugares diversos, teve-se que
reformular todo um ordenamento social advindo da sociedade onde os judeus viviam.
Para exemplificar as diferenças entre estas tipificações de identidades judaicas:
as comunidades sefaraditas têm o hábito de darem nomes de parentes ainda vivos às
crianças, enquanto os asquenazitas geralmente homenageiam parentes já falecidos.
Outro exemplo é a festividade chamada "Mimona", onde se crê ser um dia
favorável para ter as preces atendidas, por seu um dia "onde se abrem as portas do céu"
e consequentemente Deus estaria mais "apto" a atender. Neste dia, os judeus sefaraditas
comem alimentos que aludem à abundância como leite, o trigo. A festa ocorre logo ao
término de outra festividade, a páscoa judaica. Os judeus asquenazitas não festejam a
"Mimona".
A comunidade judaica em Porto Velho, conta majoritariamente com membros
que descendem de judeus oriundos do Marrocos, desta maneira sendo denominados os
Sefaradim. Segundo Benchimol (1998), este grupo de judeus veio para a Amazônia em
busca da “Terra da promissão” a “Eretz Amazônia”, uma região de acolhimento para
estes indivíduos, muitos tendo testemunhado perseguição e pobreza. Há relatos de
migrações também de judeus europeus , os Askenazim, para a região, na época do 1º
ciclo da borracha, no entanto, as migrações foram esparsas, e as famílias que
individualmente ou por motivos específicos migraram para o município de Porto Velho.
Cabe uma breve explicação sobre as diferenças entre a corrente Ashkenazi e a
Sefaradi, pertencentes ao Judaísmo e que se originam da dispersão do povo judaico por
vários países: após a destruição do primeiro Templo, aproximadamente em 450 a.c. os
judeus foram exilados para a Babilônia. Depois de 70 anos deste exílio, muitos
retornaram à Israel. Contudo, a maioria dos judeus permaneceu na Babilônia e os que
haviam retornado para Israel foram novamente exilados, sendo desta vez pólos romanos
em 70 d.c. Este exílio gerou comunidades na Europa e no Norte da África.
Os judeus da França e Alemanha ficaram conhecidos como "Ashkenazim"
(palavra hebraica para "alemão"), e os judeus da Espanha ficaram conhecidos como
"Sefaradim" (palavra hebraica para "espanhol"). Os judeus da Espanha, que
permaneceram sob o Império árabe por centenas de anos, se comunicavam com os
judeus do norte da África e no Oriente Médio, e assim os judeus destas regiões
acabaram sendo também chamados de Sefaradim (EBAN, 1975).
Por se tratar de número reduzido de pessoas, comparando-se ao número do
Sefaradim, em Porto Velho, os Askenazim quando reunidos para alguma festividade no
âmbito da CEJURON [entidade de congregação e reunião dos judeus locais, o Centro
Judaico de Rondônia], celebram os rituais nos moldes dos Sefaradim, ficando as
características rituais Askenazim relegadas ao âmbito doméstico de cada família ou
indivíduo.
Conforme Halbwachs (1990, p. 131), “quando um grupo está inserido numa
parte do espaço, ele a transforma à sua imagem, ao mesmo tempo em que se sujeita e se
adapta às coisas materiais que a ele resistem”. Desta maneira, depreende-se que está em
voga a criação e recriação da espacialidade judaica em seu âmbito religioso.
Isto posto, procedemos à pesquisa participante, onde pudemos verificar os
rituais “in loco”. Utilizamos também as narrativas de membros da comunidade seguindo
o trajeto da Cápsula Narrativa em Geografia Oral. A utilização da cápsula Narrativa em
Geografia Oral nos permitiu interpretar as espacialidades, a forma particular destes
indivíduos de relacionar-se dentro do espaço.
As experiências vividas, advindo do espaço simbólico se confundem com o
próprio lugar, e devem ser compreendidas através de uma rede teórica que busca,
através das narrativas, nos textos, através dos sentidos e do corpo, apreender aquela
experiência viva dos narradores e seu lugar.
De uma perspectiva Cultural na Geografia buscamos entender, com o auxílio
de Paul Claval (2007), como as relações entre o homem e seu ambiente, a construção de
seus espaços, lugares de vivência, é mediada pela cultura. Pois na perspectiva da
Geografia Cultural o que é mediado/construído pelas representações é o que dá
significado às múltiplas significações que um indivíduo pode assumir em determinado
lugar.
Como tratamos da experiência da comunidade em Porto Velho e seus ritos, a
abordagem de Sylvio Fausto Gil Filho (2007) é pertinente, pois este autor aborda a
questão religiosa de uma perspectiva geográfica, onde o fenômeno religioso é o espaço
das relações humanas permeadas pelas formas simbólicas que se manifestam através da
religião.
Para Yi Fu Tuan (1977), o lugar é o espaço humanizado, onde ocorrem as
relações e interações entre os indivíduos. Desta maneira, buscamos observar como o
judeu se relaciona com o espaço onde ocorre a sua apreensão do mundo, onde é possível
exprimir sua subjetividade enquanto membro da comunidade judaica. Além disso,
pudemos perceber características conectivas entre o indivíduo e o lugar, a Topofilia, que
“é o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico” (TUAN, 1980, p. 5).
Relacionar-se num espaço, reconhecer e atribuir significado a lugares, não se
restringe meramente uma verificação das sensações propiciadas pelo mundo físico.
Segundo Cassirer (1994), é por meio do mundo simbólico que o homem tem a
possibilidade de conhecer e ver o mundo e é por meio das representações que o homem
tem a possibilidade de conhecer/construir seu lugar de vida, atribuir-lhe especificidade.
Travamos contato com os indivíduos da comunidade judaica de Porto Velho
através de suas falas. É através da leitura de suas entrevistas e interpretação que
entramos em contato com suas subjetividades. Utilizaremos a metodologia de Alberto
Lins Caldas (1999b), a Cápsula Narrativa, concebia como uma forma de apreender
aspectos geográficos na oralidade, para auxiliarmo-nos no processo de interpretação das
falas dos judeus.
I
Observamos que as necessidades para serem alcançadas perante os múltiplos
objetivos deveriam ser traçadas por uma linha na área de geografia cultural, oralidade e
interpretações simbólicas. Desse modo usamos autores que nos referendaram em cada
estágio da pesquisa. Ao constatar que a comunidade judaica sofreu as influências e
influenciaram o espaço e o lugar ao buscarem produzir e reproduzir seus ritos e
costumes.
No judaísmo estão presentes rituais diários que devem ser executados pelo
judeu zeloso das leis da Torá [o Pentateuco, compilação de leis que regem a vida do
judeu e que são atribuídas à Deus, tendo este as entregado diretamente a Moisés no
Monte Sinai]. Assim como estes, ainda existem as festividades que fazem parte do
calendário do ano judaico e que também são manifestações de sua religiosidade. As
formas das práticas religiosas do judaísmo, acontecendo em rituais coletivos, tornam-se
foco de análise através da perspectiva da geografia cultural (CLAVAL in KOZEL et.
al., 2007).
Para nosso trabalho também observamos apontamentos de Cassirer (2006),
referentes à seu entendimento das formas míticas, simbólicas e religiosas. Para este
autor, estas formas mesmas, constituem mecanismos de geração de “seu próprio mundo
significativo”. Desta maneira, o autor busca uma forma de compreensão do pensamento
através das próprias manifestações míticas e religiosas.
A Geografia da Religião, como abordada por Sylvio Fausto Gil Filho (in
KOZEL et. al., 2007), se propõe a investigar o fenômeno religioso enquanto espaço
onde ocorrem as relações de simbolização e significação humanas, que emergem pelas
práticas religiosas. Desta maneira, destaca-se a religiosidade por sua importância
enquanto fenômeno cultural.
As relações entre os membros da comunidade, seus sentimentos e impressões
que perpassam os lugares onde seus rituais acontecem, onde exercem seu judaísmo
congregando com os seus, muitas vezes fornecem pistas de um sentimento que Yi Fu
Tuan (1980) denomina Topofilia, “é o elo afetivo entre a pessoa e o lugar...”. Verificar
estas relações foi também pertinente, pois em muito difere o sentimento decorrente de
estar em seu lugar de congregação e outro qualquer, onde não é evidenciada sua
condição de judeu.
Além disso, nos reportamos a Ernst Cassirer (1994), para quem é necessário o
conhecimento da cultura para que dele surja o conhecimento do espaço. A forma pela
qual experienciamos o mundo é mediada pelo “sistema simbólico”.
Desta maneira pretendemos a partir do conhecimento e interpretação dos rituais
judaicos, travar contato com o espaço de interação das formas simbólicas da sua cultura,
além de perceber que tipo de sentimento é manifesto em relação aos lugares onde suas
experiências religiosas ocorrem. O lugar aqui é entendido como espaço das relações de
simbolização e espaço das relações sociais onde encontramos os sentimentos e
significações da comunidade judaica de Porto Velho, Rondônia.
Algumas das entrevistas foram efetuadas na sede da CEJURON (Centro
Judaico de Rondônia). Concomitantemente observamos alguns de seus festejos.
Enquanto procedimento para transcrição e pontuação das entrevistas usamos como
aporte teórico Caldas (1999b).
A Cápsula Narrativa proposta por Caldas (1999b) tem sua própria
temporalidade, que é produzida pelo narrador. O processo inicia com um diálogo não
gravado, depois a cápsula narrativa, que é o momento em que o narrador constrói o
discurso sobre si e o mundo no momento mesmo da narração, sem que haja influência
de pré-concepções ou informações pré-concebidas por parte do pesquisador.
Posteriormente a narrativa é transcrita, pontuada [onde busca-se a interferência mínima
nas falas] e por último a interpretação.
A utilização da Cápsula Narrativa em pesquisas que envolvam geografia e os
fenômenos humanos e suas espacialidades torna-se especialmente e espacialmente
reveladora, pois a partir do momento que abandona-se a necessidade de uma cronologia,
parte-se da idéia de que as relações do homem com seu espaço de relações emergirá. E,
é a própria fala que vai conectando-nos aos lugares aos quais nos remetem nossos
narradores.
Exemplificamos com a transcrição do início das narrativas dos colaboradores
que utilizamos nesta pesquisa, que não necessariamente implicam na disposição dos
fatos da vida do narrador em ordem cronológica:
Pra mim, ser judeu é ser realista!…A religião judaica é uma religião
realista, não significa estar nas nuvens. Eu na verdade recebi a
formação de ser judeu da minha avó, fui ensinado por minha avó já
velhinha (NARRADOR 1, 2010).
Eu e minha esposa temos nome judaico. Já nasci em família de origem
judaica, até mesmo minha esposa tem origem judaica só que a família
dela não pratica, mesmo assim ela nasceu num lar judaico
(NARRADOR 2, 2010).
Um problema sério, é o do kasher [Alimentação segundo as Leis
Judaicas], eu estudei kashrut [as leis que regem a alimentação] em
Israel e na Itália, fiz uma espécie de intensivão de kashrut lá na
Yeshivá [local de estudo], que eu morava. Justamente pra quando eu
voltasse pra cá saber como fazer, saber como preparar comida
(NARRADOR 3, 2011).
A vida dele é sempre um desafio [do judeu]. Então é um povo que não
se aquieta muito. Posso imaginar ser judeu em Rondônia, que tipo de
situação! Estar aqui em Porto Velho, Rondônia (NARRADOR 4,
2011).
Partindo-se das falas, encontramo-nos com o momento em que o narrador
cria/recria a espacialidade dos ritos e significados de sua religião e transita nas relações
que implicam em uma espacialidade judaica e uma espacialidade "ribeirinha".
II
Uma das causas apontadas para esta diferenciação de costumes entre as
comunidades Ashkenazi e Sefaradi tem origem nas discussões de Halachá, que é o
conjunto de leis que regem a conduta dentro do judaísmo entre os rabinos das diferentes
regiões, que discordavam em alguns pontos, algumas interpretações. Além disso, a
alocação destas comunidades permitiu a estas estabelecer relações com distintos grupos
e culturas, das quais recebeu influência e também as influenciou.
Outra vertente do judaísmo Ashkenazi surgida anteriormente e que permanece
tendo e cativando bastante adeptos, apesar da assimilação é o chamado movimento
Chassídico. Este movimento surgiu na Polônia no século XVIII e primeiramente foi
rejeitado por judeus de outras partes da Europa, mas logo arrebatou milhares de
seguidores com sua pregação que dava “ênfase às emoções em contra-posição ao
intelecto” (EBAN, 1975, p. 206).
O movimento Chassídico representou, no momento de seu aparecimento, o
somatório de experiências vividas pelo grupo de judeus poloneses marcados pela
discriminação e pobreza. Este movimento permitiu dar materialidade aos sentimentos
dos judeus que mantinham-se conectados com sua fé e no entanto não possuíam a
erudição suficiente para lerem os livros sagrados em seus originais em hebraico.
Desta maneira, entendemos que a experiência dos ritos é atravessada pela
experiência dos lugares onde estes ocorrem e no caso do judaísmo, o judeu mantém-se
em constante busca de manutenção de seus significados, em constante interação com a
experiência vivida no lugar.
Como pontua Gil Filho (2008):
A espacialidade do pensamento religioso é uma desconstrução do
espaço das expressões empíricas e torna-se, assim, o espaço das
representações simbólicas. Trata-se, pois, de um espaço sintético que
articula o plano sensível ao das representações galvanizadas pelo
conhecimento religioso (GIL FILHO, 2008, p. 73).
O contato que as comunidades judaicas, durante os séculos de sua vivência e
sobrevivência, travou com outros povos, nos múltiplos lugares onde se desenrolou sua
socialização, provocou a anexação de costumes peculiares a estes determinados lugares
por onde passou. Para Yi Fu Tuan, “quando o espaço nos é inteiramente familiar, tornase lugar.” (TUAN, 1977, p. 83)
No caso desta pesquisa, verificamos através da falas de nossos narradores, que
os judeus na Amazônia, no caso de nosso estudo especificamente em Porto Velho,
Rondônia, ergueram e erguem seu lugar específico, sem, no entanto, excluírem-se da
cultura amazônica de forma maior. As manifestações culturais mesclam-se, gerando
representações para esta comunidade e criando o seu lugar.
Já aqui em porto velho, a CEJURON tem uns quatro anos ou cinco
anos que está funcionando. Antes não tínhamos aonde praticar os
ritos, quando agente arranjou este lugar arranjamos um meio de nos
encontrarmos de maneira informal, num tinha uma associação
organizada. Antes da CEJURON tínhamos criado a CIRO, mas nós
descobrimos que tinha pessoas com crenças diferenciadas do judaísmo
né. Daí que a CIRO não prosperou e aí foi criada essa daqui a
CEJURON, que é do segmento das doutrinas judaica, essencialmente
judaica né, não é fora do judaísmo (NARRADOR 1).
Fiz muitos cursos lá em Israel, aquela coisa assim, bem voltada pra ser
rabino, e aí, eu acho que aprendi o suficiente pra poder fazer, o que eu
acho, que é certo. Eu voltei pra cá, mas os rabinos insistem, que eu
volte o mais rápido possível [...], ou nem, que seja pra São Paulo que é
mais próximo. Só que, quando tem pessoas, que a gente ama no local,
que a gente tá fica difícil está se deslocando (NARRADOR 3).
A constante readaptação do judeu, partindo do espaço ao lugar, é atravessada
pelo sistema simbólico em que está imerso, na medida em que as representações que
medeiam relações sociais, materializam-se no lugar. Através do mecanismo da
simbolização, o homem atribui significado às diferentes experiências vividas e no caso
os judeus, atribuem aos lugares a essencial relação de intercâmbio entre sua experiência
material e religiosa, por isso o pensar no lugar do judeu em Porto Velho, pois é a
materialização de sua experiência religiosa. O espaço simbólico é buscado como
mecanismo de entendimento da espacialidade da comunidade judaica em Porto Velho.
A comunidade judaica em Porto Velho, Rondônia, abarca membros que
descendem tanto de Ashkenazim quanto de Sefaradim, porém o número de descendentes
de Sefaradim é substancialmente maior, inclusive por historicamente, a região
amazônica ter sido o destino da migração de muitas famílias de judeus marroquinos.
As tradições, práticas e costumes ligados à religião judaica dos grupos
Askenazim e Sefaradim não são tão díspares a ponto de resultarem em uma fissão, mas
cada um destes grupos conta com seus líderes, suas referências religiosas e para
algumas atividades, algumas recomendações e leis, há interpretações diferenciadas.
No caso do observado na população judaica de Porto Velho, as conseqüências
desta diferenciação entre o grupo ashkenazi e sefaradi resulta em um certo isolamento
dos ashkenazim, que quando em encontros em festividades comuns, devem seguir os
costumes religiosos sefaradim. Este isolamento resultou no afastamento de alguns
membros da comunidade judaica do âmbito da CEJURON, que atualmente preferem
realizar os rituais separadamente, no ambiente doméstico. A geografia cultural nos
permite compreender como as práticas culturais da comunidade judaica em Porto Velho
provocam ou podem sugerir modificações nos espaços onde esta comunidade se reúne.
A espacialidade da comunidade judaica apresenta-se nas relações sociais que ficam
evidenciadas nas falas de nossos narradores e são continuamente reconstruídas para a
continuação e re-criação da cultura judaica em âmbito amazônico.
As práticas judaicas, ocorrendo no âmbito da região Amazônica, receberam
influências, como exemplifica um de nossos narradores:
Eu lembro, que a minha vó falava, que o avô dela ele trabalhava muito
com isso, comércio do regatões, aquelas coisas todas, ela contou, que
uma tia dela morreu numa dessas viagens, que eles saiam, eles vinham
de Belém, vinham até a região de Santo Antônio e faziam comércio,
eles andavam em muitos lugares de regatão, e ela disse, que uma das
tia dela morreu, e eles foram obrigados a enterrar ela assim na beira do
rio, eles enterraram ali mesmo na beira. Inclusive é até interessante,
que a gente vê, que tem pra todo lado aqui na Amazônia se tem
túmulo de judeu espalhado, num tem tudo juntinho assim, é judeu
espalhado pra tudo quanto é lado, se for analisar bem de vez em
quando descobrem aí túmulos de judeus aí pela floresta, porque era
muito comum, até porque, muita das vezes tem judeu, que fala assim:
eu prefiro, que me enterrem dentro do mato isolado do que, me
enterrar num lugar todo amontoado cheio de idolatria, tem judeu, que
fala né! (NARRADOR 3)
Isto, no entanto, não evidenciou uma modificação na funcionalidade simbólica
das práticas do judaísmo, pois os significados, as representações presentes nos rituais
judaicos permanecem, e continuamente mantém a dialogicidade com a cultura local pois
na medida em que há necessidade de adaptações pela impossibilidade da manutenção de
alguma prática religiosa, como um alimento especial por exemplo, o judeu mantém a
perpetuação da lembrança.
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