A estrela do mar é a mesma que a estrela do céu? - sinpro-sp

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Relato de experiência
A estrela do mar é a mesma que a estrela do céu?
Luciana Macedo Perez Gamero (Bacharel em Pedagogia)
Mauro Pontes Langhi Junior (Bacharel em Física e Mestre em Ciências)
(Colégio Equipe)
Resumo
Dada a importância do ensino de ciências nas séries iniciais do Ensino
Infantil [1], o trabalho de investigação e confronto de concepções descrito a
seguir foi desenvolvido com um grupo de crianças de 3 a 5 anos.
Durante rodas de conversas, foi possível perceber que os interesses e
concepções iniciais das crianças abordavam principalmente temas
relacionados aos animais. Foi selecionada como potencialmente
problematizadora a seguinte pergunta: “A estrela-do-mar é a mesma que a
estrela do céu?”. Informações levantadas em fontes bibliográficas, vídeos,
fotografias e relatos pessoais foram comparados e confrontados com o intuito
de produzir questionamentos e avanços na aprendizagem. Ao final do trabalho
as crianças produziram um livro relatando as etapas vividas a partir da questão
central até a elaboração de uma resposta e sumarizando os conceitos
aprendidos.
O principal resultado do trabalho foi a ampliação e reorganização da
definição de ser vivo, partindo de uma definição exclusivamente baseada em
características físicas, como ter braços, pernas, olhos, nariz e boca, para uma
definição também pautada em importantes funções metabólicas, como respirar,
comer, falar, se mexer, excretar(fazer coco e xixi), dormir e beber água.
Palavras Chaves- Estrela-do-mar, Estrela do céu, Seres Vivos.
Introdução
Quando decidimos trabalhar com projetos, temos como prioridades
construir com as crianças conhecimentos sobre o mundo que os cerca,
compartilhando coletivamente saberes e descobertas, expressando ideias e
reformulando novos conhecimentos a partir das novas hipóteses.
O tema para um projeto de pesquisa surge de decorrentes conversas
com um grupo de crianças. Num determinado momento uma questão central
pode nortear todo um estudo sobre o tema em questão e a partir dai gerar
aprendizagens extremamente significativas.
Acreditamos que os objetivos primordiais para se trabalhar com projetos
nesta faixa etária são:
Propiciar que as crianças agucem o espírito de investigação, de
observação e de pesquisa.
Que elas possam vivenciar, junto com o professor, o exercício do
pensamento científico, confrontando suas ideias com as de outras crianças;
Propiciando o contato com experiências ou informações que
questionem ou problematizem as hipóteses e explicações formuladas,
exercitando possíveis e sucessivas reformulações;
E estabeleçam relações entre hipóteses e informações
pesquisadas;
Realizem experimentos práticos com variação de parâmetros
experimentais e análise de resultados;
Acreditamos ainda, que é importante que a criança vivencie, junto com o
professor, alguns procedimentos de investigação científica, tais como:
o
a retomada da questão que motivou a pesquisa para uma revisão
dos conhecimentos, das hipóteses e das explicações iniciais, bem como para a
sistematização dos conteúdos e conceitos aprendidos (ou ampliados);
o
a formulação de novas hipóteses e explicações a partir das
experiências, observações ou estudos realizados;
o
a produção de registros sobre cada etapa de formulação do
estudo e de apropriação de novos conhecimentos utilizando-se de diferentes
formas (desenho, escrita, etc.).
o
a utilização dos registros produzidos como forma de retomar e
construir uma narrativa sobre o percurso realizado e de divulgar/socializar tanto
o conteúdo como o processo de estudo.
Metodologia
Pensando em todas as questões, desafios, conceitos e sistematizações
descritos na introdução, começamos em 2012, um projeto de pesquisa com um
grupo de crianças entre 3 e 5 anos, tentando contemplar estes pressupostos
teóricos com o objetivo de que avançassem no processo de aquisição do
pensamento científico identificando e superando obstáculos epistemológicos
[2].
Questão Central e Problematização
A partir de muita conversa entre as crianças, elas trouxeram como
questionamento: “A estrela do mar é a mesma que a estrela do céu?”.
Para instigar o grupo a pensar sobre está pergunta, a professora passou
a formular outras questões, possibilitando que as crianças exercitassem o
pensamento através da reformulação das suas hipóteses e explicações,
ampliando assim o pensamento. As questões apresentadas pela professora
estão apresentadas na tabela 1 abaixo.
Pergunta
Respostas
Como as estrelas do mar vão
As
estrelas-do-mar
saem
para o céu?”
voando do mar.
Elas vão para o céu quando
ninguém vê
Como as estrelas do céu
As estrelas do céu caem no
descem para o mar?
mar com a chuva.
Tabela 1: Perguntas problematizadoras formuladas pela professora a
partir da questão central “A estrela do mar é a mesma que a estrela do céu?” e
respostas das crianças.
Analisando as respostas das crianças a professora concluiu que as
mesmas permeavam o pensamento concreto das crianças, pois não possuíam,
sequer uma concepção formalizada do que era uma estrela-do-mar e do que
ela fazia.
Além disso, entre todas as hipóteses, permaneciam com a ideia de que
as estrelas do mar eram as mesmas que a do céu porque tinham o mesmo
número de pontas, a mesma cor e eram parecidas.
Pesquisas Bibliográficas e Experimentais.
Começamos então a pesquisar o que existia nos livros [3, 4, 5] sobre as
estrelas do mar, mas sem que as crianças perdessem o encantamento por
estes dois universos tão distintos e ao mesmo tempo tão desconhecidos.
Conforme as pesquisas foram acontecendo e as informações foram
sendo anotadas, as crianças começaram a perceber que a estrela-do-mar
poderia ser um bicho (animal), algo que se mexia.
Foi então, que o projeto passou a trazer para estas crianças uma
magnitude muito ampla de saberes até então nem imaginado por eles.
Passaram a buscar informações sobre os Seres Vivos em livros, vídeos
e fotografias [3, 4, 5, 6], e a discutir o que era preciso para estar vivo.
As primeiras hipóteses norteavam a ideia de pessoas e animais, seres
que se mexiam.
Questionados sobre o fato de as plantas serem seres vivos, houve certa
dúvida no grupo, pois muitos alunos afirmaram que plantas não se mexem e
que seres vivos sempre se mexem. Porém, alguns alunos replicaram dizendo
que as plantas eram sim seres vivos, pois elas se mexiam com o vento e
crescendo.
O próximo passo da professora foi plantar com as crianças alguns pés
de feijão para que pudessem perceber a planta crescendo e se desenvolvendo
e o quanto elas também precisam de água e alimento para permanecer vivas.
Os alunos colocaram sementes de feijão em copos com algodão e água.
Mantiveram os algodões úmidos e sob incidência de luz solar indireta até que o
primeiro par de folhas surgisse. Em seguida, retiraram as plantas dos copos e
plantaram as mudas de feijão em canteiros localizados na sacada da sala de
aula. A partir da observação diária do desenvolvimento das plantas, puderam
perceber que os pés de feijão se moviam em direção à região mais iluminada
da varanda e cresciam, aumentando de tamanho. Além disso aprenderam que,
para que as plantas se desenvolvessem plenamente, era necessário regá-las
diariamente e que elas não poderiam ter permanecido nos algodões, sem
contato com os nutrientes do solo.
Depois de muitas discussões, definiram algumas características
necessárias para que algo possa ser classificado como ser vivo concluindo que
eram as mesmas condições necessárias para que um ser vivo continuasse
vivo, e listaram as seguintes respostas: comer, dormir, beber água, falar, fazer
coco e xixi, se mexer e respirar.
A partir destas definições montaram um quadro comparativo entre os
três grupos: pessoas, animais e plantas contextualizando cada um.
Retomaram então, a pesquisa bibliográfica [3, 4, 5, 6] sobre estrelas-domar já com a ideia de que ela era um bicho e mergulharam neste tema para
aprender mais sobre este animal marinho.
Neste momento, o pensamento científico das crianças se reorganizou,
pois aprenderam algo novo, ampliaram os conhecimentos e isso gerou a
evolução na aprendizagem.
Com este novo pensamento, começaram a pesquisar as estrelas do céu
[7, 8, 9]. Observando as imagens das estrelas nos livros científicos,
perceberam que elas não tinham 5 pontas, que elas não se mexiam e
descobriram que o Sol é uma estrela. Mas, a maior surpresa foi descobrir que
as estrelas são bolas de fogo.
Mais uma vez o pensamento deste grupo de crianças se desestabiliza
para se reorganizar com a nova descoberta. O que gerou mais uma evolução
no aprendizado.
Finalizando o projeto a professora retoma a questão inicial e as crianças
demonstram o quanto o conhecimento ficou sistematizado.
Todo o percurso de trabalho resulta num livro compilado entre imagens e
registros das descobertas que é apresentado a seguir, de forma adaptada, no
tópico Produto Final.
A partir deste relato, fica muito claro todo o processo vivido por estas
crianças para que a aprendizagem ocorra de forma a incentivar o pensamento
e a elaboração de hipóteses e questionamentos, sem atropelar a riqueza de
cada passo que a criança dá durante sua aprendizagem.
Produto Final
A ESTRELA DO MAR É A MESMA QUE A ESTRELA DO CÉU?
GRUPO INTERIDADES - MANHÃ / 2012 – COLÉGIO EQUIPE
1.
O QUE AS CRIANÇAS SABIAM SOBRE AS ESTRELAS DO MAR
Elas têm 5 pontas.
Elas têm olhinhos, nariz e boca.
Elas são amarelas.
Elas boiam.
Elas ficam no fundo do mar.
2.
O QUE AS CRIANÇAS SABIAM SOBRE AS ESTRELAS DO CÉU
Elas têm 5 pontas.
Elas têm poderes
Elas são brancas e brilham.
A estrela cadente tem rabinho.
Elas voam.
Elas são pequenas e não dá para pegar a estrela, só de foguete.
3.
AS PRIMEIRAS ARGUMENTAÇÕES SOBRE A AFIRMAÇÃO: A
ESTRELA DO MAR É A MESMA QUE A DO CÉU
As estrelas do mar saem voando do mar à noite e vão para o céu;
quando fica de dia, elas voltam para o mar.
Quando chove, elas caem com a chuva e quando elas morrem, elas
voltam para a casa delas no céu.
4.
CONFRONTAÇÃO DE IDEIAS E DESESTABILIZAÇÃO DO
PENSAMENTO
Eu já acampei na praia e não vi as estrelas do mar indo para o céu à
noite, acho que elas vão muito rápido e não dá para ver.
Quando aqui fica de dia, a lua vai para o Japão, então eu acho que as
estrelas do céu também vão para o Japão.
Eu vou de submarino lá no fundo do mar à noite para ver se as estrelas
do mar ainda estão lá; se estiverem, então não são as mesmas que as do céu.
5.
IDEIAS SOBRE O QUE É UMA ESTRELA DO MAR A PARTIR
DA OBSERVAÇÃO DE IMAGENS
Elas ficam no mar, no fundo, no mar fundo e frio.
Elas não brilham.
Elas andam bem devagarinho e ficam grudadas na pedra.
Elas nadam e mexem os bracinhos.
Elas são vivas.
6.
VIVO?
PRIMEIRAS CONCEPÇÕES: O QUE É PRECISO PARA SER
Para ser vivo precisa se mexer, se não está morto.
Tem que ter nariz, olho e boca.
Tem que ter pernas para se mexer.
7.
DISCUSSÕES E SISTEMATIZAÇÕES POSTERIORES SOBRE
OS SERES VIVOS
O que conhecem que tem vida?
Pessoas e bichos.
As plantas têm vida, elas se mexem?
Se mexem com o vento e crescendo.
O que precisa para ser vivo?
Se mexer, comer, dormir, falar, respirar, fazer xixi e cocô, beber água.
8.
O QUE APRENDERAM SOBRE OS SERES VIVOS
Pessoas
Respiram
Comem bichos e plantas
Fazem xixi e cocô
Se mexem
Bebem água
Dormem
Falam
9.
Bichos
Respiram
Comem pessoas, bichos
plantas
Fazem xixi e cocô
Se mexem
Bebem água
Dormem
Falam a língua dos bichos
e
Plantas
Respiram
Comem terra
Não fazem xixi e cocô
Se mexem
Bebem água
Será que dormem?
Não falam
O QUE APRENDERAM SOBRE A ESTRELA DO MAR
É um bicho marinho.
Come marisco, molusco, o que tem dentro das conchas.
Come com o estômago, não com a boca.
Respira pelos “canudinhos” que são os mesmos que usa para se mexer.
Ela tem pezinhos com ventosas nos braços.
Ela tem um furinho para fazer cocô.
Se ela se machucar e perder um braço, nasce outro.
Existem muitos tipos de estrelas do mar e de muitas cores: azul,
amarela, laranja, vermelha, verde, colorida.
A maioria tem 5 braços, mas elas podem ter muitos braços dependendo
da espécie.
10.
IDEIAS SOBRE O QUE É UMA ESTRELA DO CÉU A PARTIR
DA OBSERVAÇÃO DE IMAGENS
Elas brilham.
Elas ficam paradas no céu.
Elas não têm nariz, olho e boca.
Elas são vivas?
Não, porque não respiram.
Mas elas se mexem, porque elas piscam.
11.
O QUE APRENDERAM SOBRE A ESTRELA DO CÉU
Ela é uma bola de fogo.
Fica parada no céu.
Ela nasce quando vai fazendo um rodamoinho e aí explode e nasce uma
estrela, de fogo.
Nasce grande e vai apagando até morrer, quando acaba o fogo.
12.
SERÁ QUE A ESTRELA DO MAR QUE CONHECEMOS É A
MESMA QUE A ESTRELA DO CÉU?
Não, a estrela do mar é um bicho e a estrela do céu é uma bola de fogo.
Não, porque a estrela do céu precisa de fogo para viver e a estrela do
mar precisa de água, porque se não ela morre.
Não, porque a estrela do mar se mexe e a estrela do céu fica sempre
parada.
Sim, a estrela do céu fica muito tempo no céu, aí quando o fogo apaga,
começa a crescer um bicho e vira a estrela do mar e aí cai direto no mar, mas
se não tiver mar ela morre.
Resultados e Conclusões
A partir das comparações entre suas concepções iniciais sobre seres
vivos e as informações obtidas em referências teóricas, as crianças ampliaram
e reorganizaram seus conhecimentos, partindo de uma definição
exclusivamente baseada em características físicas, como ter braços, pernas,
olhos, nariz e boca, para uma definição também pautada em importantes
funções metabólicas, como respirar, comer, falar, se mexer, excretar (fazer
coco e xixi), dormir e beber água.
Comparando a questão norteadora “A estrela-do-mar é a mesma que a
estrela do céu?” com as informações obtidas em livros e vídeos, os conceitos
trazidos pela professora e as discussões realizadas em sala de aula, as
crianças puderam evoluir. A partir de conhecimentos científicos deslocaram-se
das concepções do senso comum (estrelas com pontas, animais com
características humanas) incorporando conceitos de classificação e
generalização.
O processo acima descrito também possibilitou que as crianças
travassem contato com a metodologia de pesquisa bibliográfica e experimental
e foram autores de suas próprias descobertas.
Consideramos que tais resultados são importantes para que as crianças
se desenvolvam de forma plena, tanto emocional quanto cognitivamente, pois.
durante o trabalho os alunos foram autores do fazer científico crítico e
aprenderam que é possível construir o conhecimento através de pesquisas.
Bibliografia
1.
DRIVER, R. Children’s ideas in science. Milton Keynes, Open
University Press, 1985.
2.
BACHELARD, G. A formação do espírito científico. Rio de
Janeiro: Contraponto, 2008.
3.
BURNIE, D. A vida dos animais. São Paulo: Editora Abril, 2010.
4.
ENCICLOPÉDIA Delta Junior, Rio de Janeiro: Delta S.A., 5v.
5.
ENCICLOPÉDIA Ilustrada da Ciência, São Paulo: Editora Globo
S.A., 1993, 3 v.
6.
DUTRA, A. Estrelas do Mar – Filmado pela equipe do Instituto
Larus, Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=fN1VllN4-r4, acesso
em set de 2012.
7.
GUIA Prático de Ciências – Como o Universo Funciona, São
Paulo: Editora Globo S.A., 1994.
8.
SAGAN, C. Cosmos, São Paulo: Gradativa, 2010.
9.
GUIZZO, J.(Editor), MOURÃO, R.R.de FREITAS (Tradução). O
universo. São Paulo: Ática, 1996.
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