O Comportamento de Acasalamento de Calyptommatus leiolepis

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Revista de Etologia 2002, Vol.4,
N°1, 11-15
Comportamento
de acasalamento de Calyptommatus leiolepis
O Comportamento de Acasalamento de Calyptommatus leiolepis
Rodrigues, 1991 em Cativeiro (Sauria, Gymnophthalmidae):
Observações Preliminares
CLAUDEMIR DURAN FILHO E FLÁVIO DE BARROS MOLINA
Fundação Parque Zoológico de São Paulo
O comportamento de acasalamento de Calyptommatus leiolepis, um lagarto ápodo, é aqui relatado pela primeira vez. Foi observado em maio de 2001, no Zoológico de São Paulo. Parecem ocorrer sete fases distintas: 1)
encontro do casal, 2) acompanhamento da fêmea pelo macho, 3) emparelhamento, 4) imobilização da fêmea,
5) pré-cópula, 6) cópula e 7) separação do casal. Interações físicas foram observadas apenas a partir da quarta
fase, quando o macho morde a fêmea na região pós-cefálica. Movimentos intensos da cauda foram observados
a partir da pré-cópula, quando também foi observado o uso das patas posteriores estiliformes para raspar o
corpo da fêmea. Durante a cópula, o macho deixa de morder a fêmea. Estímulos químicos devem ser importantes durante a segunda fase. Estímulos tácteis são importantes na quarta, quinta e sexta fase.
Descritores: Acasalamento. Lagarto. Calyptommatus leiolepis.
Mating behavior of Calyptommatus leiolepis Rodrigues, 1991 in captivity (Sauria, Gymnophthalmidae):
first description. Mating behavior of Calyptommatus leiolepis, a legless lizard, is described for the first time.
Observations were conducted at Sao Paulo Zoo during May 2001. Mating behavior can be divided in seven
phases: 1) pair meeting, 2) female’s attendance by male, 3) pairing, 4) female’s immobilization, 5) pre-copulation,
6) copulation and 7) pair separation. Physical contacts occurred only after the 3 rd phase when the male bit the
female at the pos- cephalic area. Intense tail movements were performed by the male after the 4th phase. At
the same time, it used the stiletto like rear legs to rub female’s body. During copulation the male stopped
biting the female. Chemical stimuli seemed to be important during the 2nd phase. Tactile stimuli were important
during the 4th, 5th, and 6th phases.
Index terms: Mating. Lizard. Calyptommatus leiolepis.
O gênero Calyptommatus foi descrito por
Rodrigues (1991) e apresenta quatro espécies
de pequenos lagartos ápodos, três das quais (C.
leiolepis, C. sinebrachiatus e C. nicterus) endêmicas
das dunas interiores do médio Rio São Francisco/BA (Rodrigues, 1991) e uma (C. confusionibus)
endêmica do Parque Nacional da Serra das
Confusões/PI (Rodrigues, Zaher, & Curcio,
2001).
sa xeromórfica (Rodrigues, 1996). Segundo o
autor, as três espécies de Calyptommatus possuem hábitos noturnos e fossoriais, estando altamente adaptadas à psamofilia. Sua reprodução
é pouco conhecida, o comportamento de corte
e cópula nunca foi observado. Os dados indicam que a reprodução ou é sazonal ou ocorre
durante o ano todo, com maior frequência na
época das chuvas, coincidindo com a grande
A região das dunas interiores do médio
Rio São Francisco apresenta dunas com até 100
metros de altura fixadas por vegetação espinho-
Trabalho apresentado na 14a Reunião Anual do Instituto Biológico (São Paulo/SP), em novembro de
2001. Agradecemos ao Prof. Dr. Miguel Trefaut
Rodrigues (IBUSP/MZUSP) pela doação dos exemplares estudados, pelo incentivo, pelas informações
compartilhadas e pela leitura crítica do manuscrito;
ao Felipe Curcio (IBUSP) pelo fornecimento inicial
de cupins.
Flavio de Barros Molina – Setor de Répteis da Fundação Parque Zoológico de São Paulo. Av. Miguel
Stefano, 4241, CEP 04301-905, São Paulo/SP, eMail:
[email protected]
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Claudemir Duran Filho e Flávio de Barros Molina
oferta de alimento (Moraes, 1993). O tamanho
das ninhadas é de dois ovos/postura, o que é
regra entre os Gymnophtalmidae (Rodrigues,
1996).
papel (Gillingham, 1987; Pough et al., 1998).
Em uma espécie fossorial, como C. leiolepis, é
de se esperar um papel fundamental para a
quimiorecepção.
Em maio de 2000, foram enviados para a
Fundação Parque Zoológico de São Paulo 210
espécimens de Calyptommatus leiolepis, procedentes de Alagoado e Ibiraba (BA), com o objetivo
básico de se desenvolver um manejo adequado
para a manutenção em cativeiro.
Aproximadamente três horas após as observações acima relatadas, os mesmos
espécimens foram vistos lado a lado (fig. 1B). O
macho passou então a imobilizar a fêmea
abocanhando-a na região pós-cefálica (fig. 1C),
de modo semelhante ao realizado frequentemente pelos machos de outras espécies de lagartos (Pough et al., 1996, 1998) e de algumas
espécies de serpentes da família Colubridae
(Gillingham, 1987). Mantendo-a presa, o macho posicionou sua região cloacal contra a região cloacal da fêmea, apresentando intensa vibração caudal (fig. 1D). Vibrações ou tremores
caudais são normalmente observados, durante
o acasalamento, nos machos de muitas espécies
de serpentes, resultando na justaposição das
aberturas cloacais (Gillingham, 1987).
A
Os lagartos foram agrupados em terrários
de vidro, de acordo com o local de origem.
Como substrato utilizou-se areia, com 10 cm de
profundidade. Como alimento receberam larvas de coleóptero, Tenebrio molitor e Alphitobius
diaperinus e, a partir de 20 de julho de 2000,
cupins (Isoptera).
?
A partir de 27 de junho de 2000, foram
mantidos em sala com ciclo claro-escuro invertido; das 8h00 às 17h00 apenas quatro lâmpadas azuis de 40W/200V foram mantidas ligadas. Dois aquecedores foram mantidos na sala
em regime de revezamento. No ciclo escuro, a
temperatura foi mantida entre aproximadamente 28 e 32°C; a umidade relativa do ar, entre aproximadamente 50 e 65%. No ciclo claro,
a temperatura foi mantida entre 26 e 29°C; a
umidade, entre 55 e 70%. De 21 de agosto de
2000 à 18 de abril de 2001, cerca de 100 ml de
água foram borrifados nas paredes de um
terrário, uma vez por semana, em simulação às
chuvas que caem na região de origem na mesma época (M. T. Rodrigues, comunicação pessoal, 29 de maio de 2000).
B
As patas estiliformes do macho de C.
leiolepis rasparam vigorosamente sobre o corpo
da fêmea, que em resposta, diminuiu os movimentos. Esse comportamento mostrou-se semelhante ao realizado pelos machos de espécies
da família Boidae, que raspam os esporões
pélvicos contra o corpo das fêmeas (Gillingham,
1987; Tolson, 1994). O casal de C. leiolepis permaneceu semi-enterrado. O macho passou a
pressionar sua região cloacal contra a região
cloacal da fêmea, mas não foi possível verificar
a introdução de hemipênis (fig. 2E). Ficaram
unidos por aproximadamente 10 minutos.
Ações de morder, raspar e atritar, realizadas
pelos machos de várias espécies de répteis, devem ter um efeito estimulador sobre as fêmeas,
que podem tornar-se mais receptivas para a
cópula (Carpenter, 1980).
?
No dia 7 de maio de 2001, aproximadamente às 8:30h, durante o início do ciclo escuro, foi observado comportamento de
acasalamento entre 2 exemplares do terrário
que era borrifado com água. O macho, menor
e mais esguio, seguiu a fêmea, acompanhandoa sem qualquer interação física. Os lagartos se
alternaram entre totalmente descobertos ou
totalmente encobertos pelo substrato, apresentando movimentos vagarosos (fig. 1A). Nas serpentes, e nos lagartos forrageadores ativos, o
macho geralmente exibe um comportamento
de procura pela fêmea (Pough et al., 1998).
Durante esta fase, mesmo nas espécies em que
os estímulos visuais estão presentes, estímulos
químicos (feromônios) podem ter importante
No dia 8 de maio de 2001, aproximadamente às 9:00h, durante a fase escura, foram
observados os mesmos espécimens de C. leiolepis,
semi-enterrados, em movimentação vagarosa,
o macho atrás da fêmea. Vez por outra, permaneceram emparelhados. Uma hora após, estavam alinhados, o macho não manteve a fêmea
imobilizada com as maxilas, seu corpo permaneceu em posição lateral, mas curvado (fig. 2F),
justapondo região cloacal contra região cloacal.
Os movimentos da cauda do macho foram mais
ou menos intensos. As patas estiliformes raspa-
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Comportamento de acasalamento de Calyptommatus leiolepis
A
B
C
D
Figura 1. Fases do comportamento de acasalamento de Calyptommatus
leiolepis. A. Segunda fase: o macho (exemplar menor) acompanha a
fêmea com movimentos vagarosos, sem contato físico. B. Terceira fase:
o macho se aproxima da fêmea, emparelhando-se com ela. C. Quarta
fase: o macho imobiliza a fêmea, mordendo-a na região pós-cefálica.
D. Quinta fase: o macho movimenta a cauda vigorosamente e inicia o
posicionamento de sua região cloacal contra a região cloacal da fêmea.
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Claudemir Duran Filho e Flávio de Barros Molina
E
F
G
H
Figura 2. Fases do comportamento de acasalamento de Calyptommatus
leiolepis. E. Quinta fase: o macho pressiona sua região cloacal contra a
região cloacal da fêmea; as patas estiliformes do macho raspam
vigorosamente o corpo da fêmea que, em resposta, diminui seus
movimentos. F. Sexta fase: o macho, mantendo a introdução de um
hemipênis na cloaca da fêmea, movimenta a cauda e raspa as patas
estiliformes contra o corpo da fêmea. G. Sexta fase: macho e fêmea
podem permanecer com as cabeças voltadas para direções opostas; o
macho continua movimentando a cauda e patas estiliformes. H. Sétima
fase: macho e fêmea separam-se, deslocando-se vagarosamente.
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Comportamento de acasalamento de Calyptommatus leiolepis
ram contra o corpo da fêmea, que permaneceu
imóvel. O macho já introduzira um dos
hemipênis na fêmea. Enquanto mantiveram-se
unidos, os animais permaneceram, várias vezes,
com a cabeça voltada para direções opostas (fig.
2G), até que se soltaram definitivamente e se
afastaram com movimentos vagarosos (fig. 2H).
Foi constatado que a fêmea em questão não
apresentava ovos oviducais, característica facilmente visualizada por transparência na região
do abdômen.
Duran Filho, C., Cano, R. Y., & Molina, F. B. (2001).
Os primeiros quinze meses de manutenção em
cativeiro de Calyptommatus spp. e Nothobachia
ablephara
(Sauria, Gymnophthalmidae) com
observações sobre as taxas de sobrevivência. Arquivos do Instituto Biológico, 68 (Supl. 1), 164.
Gillingham, J. C. (1987). Social behavior. In R. A.
Seigel, J. T. Collins, & S. S. Novak (Eds.), Snakes:
Ecology and evolutionary biology (pp. 184-209). New
York: MacMillan.
Moraes, R. C. (1993). Ecologia das espécies de
Calyptommatus (Sauria, Gymnophthalmidae) e partilha de recursos com outros dois microteídeos. Dissertação de Mestrado, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, São Paulo.
As observações realizadas, ainda que preliminares, sugerem que o comportamento de
acasalamento conste de sete fases sucessivas: 1)
encontro do casal (fase não observada), 2) acompanhamento da fêmea pelo macho (fig. 1A), 3)
emparelhamento (fig. 1B), 4) imobilização da
fêmea (fig. 1C), 5) pré-cópula (fig. 1D/2E), 6)
cópula (fig. 2F/2G) e 7) separação do casal (fig.
2H). Estímulos químicos devem ser importantes na segunda fase, estímulos tácteis são importantes na quarta, quinta e sexta fase do comportamento de acasalamento.
Pough, F. H., Andrews, R. M., Cadle, J. E., Crump,
M. L., Savitzky, A. H., & Wells, K. D. (1998).
Herpetology. Upper Saddle River, NJ: Prentice
Hall.
Pough, F. H., Heiser, J. B., & McFarland, W. N.
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Rodrigues, M. U. T. (1991). Herpetofauna das dunas interiores do Rio São Francisco, Bahia, Brasil. I. Introdução à área e descrição de um novo
gênero de microteiideos (Calyptommatus) com
notas sobre sua ecologia, distribuição e especiação
(Sauria, Teiidae). Papéis Avulsos de Zoologia, 37
(19), 285-320.
As observações sobre o comportamento e
o desenvolvimento de técnicas de manutenção
em cativeiro continuam, com três espécies de
Calyptommatus (e.g. Duran Filho, Cano, & Molina,
2001), para que se possa ter um melhor conhecimento principalmente do comportamento alimentar e reprodutivo e dos fatores estimulantes
do ciclo reprodutivo. Comparações interespecíficas do comportamento de acasalamento só
serão possíveis após a descrição desse comportamento para as demais espécies.
Rodrigues, M. U. T. (1996). Lizards, snakes, and
amphisbaenians from the quaternary sand dunes
of the middle Rio São Francisco, Bahia, Brazil.
Journal of Herpetology, 30 (4), 513-523.
Rodrigues, M. T., Zaher, H., & Curcio, F. (2001). A
new species of lizard, genus Calyptommatus, from
the caatingas of the state of Piauí, northeastern
Brazil (Squamata, Gymnophthalmidae). Papéis
Avulsos de Zoologia, 41 (28), 529-546.
Tolson, P. J. (1994). The reproductive management
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Boidae) in captivity. In J. B. Murphy, K. Adler,
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Ithaca, NY: Society for the Study of Amphibians
and Reptiles.
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& J. T. Collins (Eds.), Reproductive biology and
diseases of captive reptiles (pp. 33-48). Lawrence:
Society for the Study of Amphibians and Reptiles.
Recebido em 4 de julho de 2002
Revisão recebida em 11 de setembro de 2002
Aceito em 14 de novembro de 2003
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