E ISSO É COISA DE HOMEM? Uma Análise sobre as

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E ISSO É COISA DE HOMEM? Uma Análise sobre as Masculinidades no
Campo da Moda em Maceió
Milane Costa1
RESUMO
Gênero, como categoria de análise, nos remete a processos de diferenciação
social entre os dois sexos. Nesse processo, é possível perceber que os papeis
sexuais tem sido tradicionalmente concebidos como resultado de uma divisão
natural do trabalho que atribui responsabilidades que demandam investimentos
racionais, físicos, estéticos e emocionais diferenciados para homens e
mulheres. Quando se pensa no campo da moda, dada a demanda de
sensibilidade, criatividade e refinamento, na distribuição de papeis específicos
desse campo, com frequência se pensa em mulheres ou homossexuais.
Mediante o uso de um instrumental metodológico de ordem qualitativo e
partindo dessa constatação, nesta pesquisa assumo o desafio de problematizar
o conceito de habitus do campo da moda para perceber a vivência de valores
atribuídos à masculinidade por homens heterossexuais que atuam nesse
campo.
Palavras-chave: masculinidades; trabalho; moda; gênero.
INTRODUÇÃO:
Essa pesquisa de mestrado tem por objetivo geral construir uma representação
da auto percepção de homens que trabalham no setor de moda quanto ao
exercício de sua masculinidade. A relação moda/exercício das masculinidades
suscita uma série de inquietações. Entre outras, nesta pesquisa procuro
responder as seguintes questões: Como homens que trabalham no mercado da
moda em Maceió pensam, sentem e exercem sua masculinidade? Quais os
desdobramentos que são gerados a partir do Grande “confronto” entre modelos
de
“masculinidades
alternativas”2
com
o
modelo
de
“masculinidade
1
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em ciências Sociais da Universidade Federal de
Campina Grande – PPGCS/UFCG. Financiadora Capes. [email protected]
2
Ver: Kimmel, Michael. A produção Simultânea das masculinidades Hegemônica e Subalterna
(1998). Kimmel propõe a existência de masculinidades múltiplas, onde numa sociedade há
múltiplas significações do que é ser homem.
2771
hegemônico” ainda tão forte no contexto nordestino e especialmente em
Maceió-AL?
A transformação de mercado de trabalho, tão característica da sociedade
moderna, criou demandas profissionais que levaram a uma reconfiguração dos
papeis de gênero nos mercados de trabalho em vários setores. No campo da
moda não foi diferente, um espaço entendido como tipicamente feminino vem
paulatinamente sendo transformado por homens nas mais diversas atividades.
No processo de atribuições e formas de subjetivação segundo os sexos, o
conceito de patriarcado é fundamental para a construção e reconstrução das
demandas dos papeis sociais. Nesse sentido, o sociólogo espanhol Manuel
Castells irá assim definir o patriarcado e sua função nas sociedades
contemporâneas:
O patriarcalismo é uma das estruturas sobre as quais se assentam
todas as sociedades contemporâneas. Caracteriza-se pela
autoridade, imposta institucionalmente, do homem sobre a mulher e
filhos no âmbito familiar. Para que essa autoridade possa ser
exercida, é necessário que o patriarcalismo permeie toda a
organização da sociedade, da produção e do consumo à política, à
legislação e à cultura. Os relacionamentos interpessoais, também são
marcados pela dominação e violência que tem sua origem na cultura
e instituições do patriarcalismo (CASTELLS, 1999: 169).
O patriarcalismo, conforme apontado por Castells, é afetado pelo
enfraquecimento da heteronormatividade, por isso elegi a moda como um
campo fértil para se pensar masculinidades a partir dos mercados de moda,
desse espaço de sociabilidade onde circulam não apenas tendências, mas
também formas de subjetividade e identificação, além de repensar a mudança
dos papeis atribuídos ao gênero que vem se desenvolvendo mais
acentuadamente nos últimos anos.
As interfaces que surgem na realização de atividades por homens
heterossexuais num campo socialmente demarcado pelo feminino - como é o
campo de produção de moda - são de fato relevantes por suscitar questões de
2772
gênero mais específicas, tais como as da divisão sexual do trabalho e os
modelos de masculinidades alternativos e suas representações.
Pensar o exercício das masculinidades nos convida a pensar também os
estudos feministas, os temas da homossexualidade e homofobia, além das
práticas e reprodução dessas práticas heterossexuais masculinas para a
compreensão de como homens e mulheres se relacionam e como essa prática
produz sentido em torno da sexualidade. No campo das ciências sociais, mais
especificamente na antropologia, esses estudos também estão ligados às
discussões sobre corpo, sexualidade e, mais recentemente, aos temas da
moda e do consumo.
Os estudos sobre homens e masculinidades surgem como subgrupo dos
estudos feministas emergidos a partir dos anos 90, das provocações iniciadas
pelos estudos sobre diversidade sexual. As mudanças no conceito de
masculinidades são provocadas pelo movimento feminista. O primeiro deles foi
organizado em meados do século XIX, como um instrumento de debate que
busca pautar a revisão cultural estabelecida no modelo falocêntrico, na luta
pela quebra do padrão cultural predominante. No período de 1970, a recusa
feminista pela participação dos homens na discussão justifica o fato de a
maioria dos trabalhos sobre gênero ser realizada por mulheres pesquisadoras.
A entrada de homens nos debates no campo do gênero foi significativa
visto que foram introduzidos na discussão os problemas dos homens e também
pôr à discussão o preço que estes têm a pagar por historicamente estarem na
posição de dominadores. É nesse bojo que o tema da masculinidade vai se
ampliando.
Por outro lado, os movimentos gay e lésbico, na luta por visibilidade,
também contribuíram para a reflexão sobre as identidades sexuais. Nesse
sentido, esses movimentos propõem repensar o modelo de masculinidade
hegemônica: branca, heterossexual e dominante. Essa reflexão serviu de
influência para a construção do debate em torno das masculinidades ao longo
2773
das últimas décadas. A Teoria Queer também deu grande contribuição para os
estudos de gênero e sexualidade.
Desenvolvida a partir dos anos oitenta por pesquisadores e militantes da
causa gay, em especial nos Estados Unidos, a Teoria Queer busca resignificar
o termo (que em sua tradução pode ser entendido por estranho, excêntrico ou
mesmo ridículo) usado num sentido pejorativo nos insultos aos homossexuais,
de modo a positivá-lo. Judith Butler, filósofa estadunidense, vista como uma
das percussoras da Teoria Queer, em Problemas de Gênero: Feminismo e
Subversão da Identidade (1990) desenvolveu a teoria de performatividade.
Nessa obra, Butler afirma:
O gênero é performativo por que é resultante de um regime que
regula as diferenças de gênero. Neste regime os gêneros se dividem
e se hierarquizam de forma coercitiva (Apud COLLING, p. 01).
Isto significa dizer que a repetição de normas, na maioria das vezes feita
de forma ritual, produz sujeitos resultantes dessa repetição e quem se
comporta em desacordo com as normas estabelecidas está sujeito a sofrer
determinadas consequências. Butler historiciza o corpo e o sexo ao procurar o
que há de ontológico nessas categorias, rompendo com a dicotomia entre sexo
e gênero. Sua proposta é a da subversão da ordem e assim abrir espaço para
outras formas de ser, dado o dinamismo do ser humano. Sua crítica recai sobre
toda e qualquer singularidade, essencialismo do feminino e a noção de
identidade3. Segundo Butler:
A noção binária de masculino/feminino constitui não só a estrutura
exclusiva em que essa especificidade pode ser reconhecida, mas de
todo modo a ‘especificidade’ do feminino é mais uma vez totalmente
descontextualizada, analítica e politicamente separada da
constituição de classe, raça, etnia e outros eixos de relações de
poder, os quais tanto constituem a ‘identidade’ como tornam equívoca
a noção singular de identidade (BUTLER, 2008: 21).
Só após a inserção do gênero como objeto de análise surge o tema das
masculinidades como campo de investigação. Ao criar a categoria gênero
3
Sobre a superação do essencialismo feminino Butler afirma: “Se alguém ‘é’ uma mulher, isso
certamente não é tudo que esse alguém é (BUTLER, 2008:21)”.
2774
como campo de estudo, amplia-se o leque e possibilita-se a inserção dos
homens na problemática da condição feminina. Propor a categoria gênero
implica romper com o binarismo masculino-feminino, criticado tanto pelo
feminismo quanto pelas Teorias Queer. A grande contribuição dos primeiros
trabalhos neste campo é a tentativa de desconstrução crítica dos elementos
constitutivos dos papeis masculino e feminino.
Partindo da perspectiva sociológica, a abordagem das masculinidades e
sua relação com a moda possibilita a problematização da relação entre
natureza e cultura nas representações dos papeis de gênero e, no caso
específico desta pesquisa, das masculinidades. Pensar a produção teórica
sobre o tema, desde a perspectiva sociológica, auxilia a problematizar um tipo
de masculinidade específico: aquele produzido no nordeste brasileiro, mais
especificamente na cidade de Maceió-AL, fortemente marcado pelo modelo de
“masculinidade hegemônica”4.
Nessa introdução do gênero como categoria analítica, são importantes
as reflexões de Joan Scott, apresentadas em Gênero: uma Categoria Útil de
Análise Histórica (1990). Nessa obra, Scott propõe a eliminação do binarismo
sexual, que tem o sexo biológico como determinante na construção das
relações de gênero. Ao romper com essa ordem binária, Scott dá ênfase à
cultura como elemento que engendra essas relações. Dessa forma, a autora irá
superar a ideia de que o estudo de gênero é um estudo apenas sobre
mulheres:
4
“O conceito de masculinidade hegemônica foi primeiro proposto em relatórios de um estudo
de campo sobre desigualdade social nas escolas australianas, em uma discussão conceitual
relacionada à construção das masculinidades e à experiência dos corpos dos homens; e em
um debate sobre o papel dos homens na política sindical australiana. Os estudos pioneiros
foram sistematizados no artigo ‘Towards a New Sociology of Masculinity’, que criticou
extensivamente a literatura sobre o ‘papel sexual masculino’ e propôs um modelo de
masculinidades em múltiplas relações de poder. Por sua vez, o modelo foi sistematicamente
integrado a uma teoria de gênero sociológica. As seis páginas resultantes em Gender and
Power sobre ‘masculinidade hegemônica e feminilidade enfatizada’ se tornaram a fonte mais
citada para o conceito de masculinidade hegemônica” (CONNELL, 2013: 242-243).
2775
O termo “gênero”, além de um substituto para o termo mulheres, é
também utilizado para sugerir qualquer informação sobre as mulheres
é necessariamente informação sobre os homens, que um implica o
estudo do outro [...]. Além disso, o termo “gênero” também é utilizado
para designar as relações sociais entre os sexos. Seu uso rejeita
explicitamente explicações biológicas, como aquelas que encontram
um denominador comum, para as diversas formas de subordinação
feminina, nos fatos de que as mulheres tem a capacidade de dar à luz
e de que os homens tem uma força muscular superior. Em vez disso,
o termo “gênero” torna-se uma forma de indicar “construções
culturais” – a criação inteiramente social de ideias sobre os papeis
adequados aos homens e às mulheres. Trata-se de uma forma de se
referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas
de homens e de mulheres. “Gênero” é, segundo esta definição, uma
categoria social imposta sobre um corpo sexuado. Com a proliferação
de estudos sobre sexo e sexualidade, “gênero” tornou-se uma palavra
particularmente útil, pois oferece um meio de distinguir a prática
sexual dos papeis sexuais atribuídos às mulheres e aos homens
(SCOTT, 1990: 75).
A entrada dos estudos sobre homens no campo do gênero foi
significativa visto que foram introduzidos na discussão os problemas e o preço
que estes têm a pagar por historicamente estarem na posição de dominadores.
É nesse bojo que o tema da masculinidade vai se ampliando.
Partindo da perspectiva sociológica, a abordagem das masculinidades e
sua relação com a moda possibilita a problematização da relação entre
natureza e cultura nas representações dos papeis de gênero e, no caso
específico desta pesquisa, das masculinidades. Pensar a produção teórica
sobre o tema, desde a perspectiva sociológica, auxilia a problematizar um tipo
de masculinidade específico: aquele produzido no nordeste brasileiro, mais
especificamente na cidade de Maceió-AL, fortemente marcado pelo modelo de
“masculinidade hegemônica”5.
5
“O conceito de masculinidade hegemônica foi primeiro proposto em relatórios de um estudo
de campo sobre desigualdade social nas escolas australianas, em uma discussão conceitual
relacionada à construção das masculinidades e à experiência dos corpos dos homens; e em
um debate sobre o papel dos homens na política sindical australiana. Os estudos pioneiros
foram sistematizados no artigo ‘Towards a New Sociology of Masculinity’, que criticou
extensivamente a literatura sobre o ‘papel sexual masculino’ e propôs um modelo de
masculinidades em múltiplas relações de poder. Por sua vez, o modelo foi sistematicamente
integrado a uma teoria de gênero sociológica. As seis páginas resultantes em Gender and
Power sobre ‘masculinidade hegemônica e feminilidade enfatizada’ se tornaram a fonte mais
citada para o conceito de masculinidade hegemônica” (CONNELL, 2013: 242-243).
2776
Nessa introdução do gênero como categoria analítica, são importantes
as reflexões de Joan Scott, apresentadas em Gênero: uma Categoria Útil de
Análise Histórica (1990). Nessa obra, Scott propõe a eliminação do binarismo
sexual, que tem o sexo biológico como determinante na construção das
relações de gênero. Ao romper com essa ordem binária, Scott dá ênfase à
cultura como elemento que engendra essas 5 relações. Dessa forma, a autora
irá superar a ideia de que o estudo de gênero é um estudo apenas sobre
mulheres.
Para compreender o exercício das masculinidades, recorro ao
pensamento de Giddens (2003), mediante o uso do conceito de agência. Na
Teoria da Estruturação, Giddens desenvolveu todo um raciocínio orientado a
facilitar uma melhor compreensão do desenvolvimento da constituição da
sociedade e da dinâmica internas dos atores, e se concentrou nas formas
profundas, mas sutis pelas quais o mundo exterior afeta os indivíduos ou
agentes sociais.
Segundo Giddens, todo agente social possui uma “consciência prática”
que emerge de uma “dualidade” social constituída pela tensão entre estrutura e
agência. Nesse sentido, “dualidade” significa que a constituição interna dos
próprios atores já envolve a marca, fenomenologicamente mediada, das
estruturas sociais externas. Em outras palavras, todo o processo de interação
social produz e demanda um estoque de conhecimentos que habilita os
agentes para executar suas ações em sintonia com a estrutura social onde
estão inseridos.
Dessa sorte, esse estoque de conhecimentos tem sua origem na
dimensão social e fornece instruções e disposições gerais aos atores sociais,
recursos esses que Giddens os expressa sob o conceito de agência. Esses
recursos são tudo aquilo que o indivíduo dispõe para agir livremente dentro dos
diferentes tipos de contextos dentro do processo de interação, funcionando
como elemento sine qua non a ação dos indivíduos. Segundo Giddens:
2777
“Agência” não se refere às intenções que as pessoas tem ao fazer as
coisas, mas à capacidade delas para realizar essa coisas em primeiro
lugar (sendo por isso que “agência” subentende poder: cf. uma
definição de agente do Oxford English Dictionary como ‘alguém que
exerce poder ou produz um efeito’). ‘Agência’ diz respeito a eventos
dos quais um indivíduo é o perpetrador, no sentido de que ele
poderia, em qualquer fase de uma dada sequência de conduta, ter
atuado de modo diferente (GIDDENS, 2003: 10-11).
Assim, Giddens está integrando o conhecimento das subjetividades
através do conceito da agência. O indivíduo, segundo ele, estará em sintonia
com o conhecimento estabelecido dentro da estrutura que ele identifica como
agência. Podemos dizer, então, que a agência é uma matriz de conhecimento
que habilita o indivíduo para agir em sintonia com a estrutura social onde ele
está inserido. A partir de Giddens será possível verificar como se processa a
masculinidade dentro e fora desses espaços (de moda), onde é mais fluida a
circulação de masculinidades várias, se elas mudam conforme o local,
alternando entre “masculinidades alternativas” e “masculinidade hegemônica”.
Nesse tocante, a pesquisa perpassa a discussão acerca dos papeis
sociais e da essencialização do feminino e do masculino. Esse tema é central
nesse debate também suscitado em Butler. Nessa linha de pensamento,
Bourdieu afirma:
É, sem dúvida, a família que cabe o papel principal na reprodução da
dominação e da visão masculinas; é na família que se impõe a
experiência precoce da divisão sexual do trabalho e da representação
legítima dessa divisão, garantida pelo direito e inscrita na linguagem
(BOURDIEU, 2009).
Bourdieu, ao problematizar a dominação masculina dirá que o saber
social incorporado pelos indivíduos funciona como sistema de percepção,
pensamento e ação, dados no plano das estruturas cognitivas e objetivas
verificadas, assentadas e realizadas no mundo social e suas divisões, sendo a
principal delas a divisão dos sexos, que é socialmente construída, reconhecida
e legitimada.
Partindo
das
ideias
de
Bourdieu
identificamos
duas
matrizes
explicativas, as quais serão apontadas para a conformação da condição social
da mulher. A primeira é de ordem cosmológica ou mítica. Indica que o corpo
2778
feminino é quase sacralizado e, portanto, deve ser resguardado, intocado,
proibido e domesticado. A segunda é de ordem biológica, pautada nas
diferenciações biológicas dos corpos feminino e masculino. Ela define a função
que socialmente é atribuída aos órgãos sexuais – e com isso transfere as
imposições sociais para o espaço das necessidades físicas - e retoma os
discursos dos anatomistas do século XIX sobre a disposição dos órgãos (o
feminino posto de maneira inversa ao masculino) que explicaria o interior
feminino (sensibilidade, passividade etc.) e o exterior masculino (razão, ação,
força etc.).
Esse discurso coloca o princípio masculino como medida para todas as
coisas, tomando-o por natural e, portanto, comum, conferindo um status de
superioridade em relação ao que é feminino, que é visto por incomum, o
avesso e inferior, e é base para corroborar a distribuição de papeis conforme
os sexos. Podemos dizer a partir das discussões trazidas por Bourdieu sobre a
centralidade do corpo para a dominação, que a relação entre os sexos em suas
práticas e representações aparece de forma assimétrica e hierarquizada, tendo
o homem por superior e a mulher por inferior.
Essa centralidade do corpo para a dominação é refletida nas atividades
do mundo social, inclusive no mundo do trabalho, que conforme amplamente
discutido por Bourdieu, é distribuída segundo a condição sexual, que
essencializa homens e mulheres e que acaba por naturalizar a estrutura da
dominação
masculina.
Essa
estrutura
é
cotidianamente
produzida
e
reproduzida nas instituições da família, Igreja, escola e Estado.
Essa essencialização também aparece na discussão de Scott sobre os
papeis sociais que assim como Bourdieu vai situar essa discussão no campo
das relações sociais sobre o sexo, porém, de forma particular, Scott está
problematizando o gênero enquanto categoria analítica, e como exposto em
Bourdieu, desloca o discurso do campo biológico para o campo social,
definindo gênero como categoria para análise das relações entre os sexos que
reverberam nas distribuições e atribuições dos papeis sociais.
2779
Ligada a essa discussão, a reorganização do mundo do trabalho e a
nova configuração de sua divisão sexual, é imprescindível para se pensar o
campo da moda, demarcado pela ordem dos gêneros como espaço
essencialmente feminino, sendo cada vez mais constituído por homens no
exercício de diversas funções próprias desse campo. A participação do homem
no campo da moda demanda esforço analítico em razão da complexidade que
esse campo apresenta.
Na tentativa de problematizar esse fenômeno é pertinente começar
dizendo que com a ascensão do neoliberalismo houve estagnação do emprego
masculino em relação ao feminino, que cada vez mais tem ocupado as vagas
de emprego formal e sobretudo como mão de obra especializada. Isso tende a
reconfigurar os locais de gênero nos postos de trabalho anteriormente ocupado
majoritariamente por homens, “forçando” os homens a ocupar cargos
anteriormente atribuídos ao universo feminino, de acordo com a ordem dos
gêneros estabelecida socialmente.
Esse quadro de forma geral corrobora a ideia de essencialização na
abordagem do ser feminino e do ser masculino. A problemática a ser pensada
a partir dessas colocações é refletir como se dá essa relação do homem (que
por sua essência é forte, desprovido de qualquer delicadeza) no campo da
moda, onde são constantemente priorizadas essas qualidades, ditas femininas,
e que, no entanto faltam ao homem devido à sua essência, como é socialmente
marcado e reproduzido socialmente.
A discussão sobre moda na realização desta pesquisa estará apoiada
nas obras de alguns autores, entre os quais destacamos Georg Simmel e Gilles
Lipovetsky. Simmel ao problematizar os temas da modernidade e da
individualização toma a moda como pano de fundo explicativo. O aspecto
importante para esse entendimento é a dualidade que atravessa a vida humana
e na moda encontra sua representação de forma mais clara, pois ela concatena
o efêmero, o transitório e fugidio ao eterno e imutável, ou seja, o movimento e a
fixidez. Sendo a vida humana composta por dualismos, o ser humano é
2780
também um ser dualista e numa sociedade cada vez mais complexa a moda
serve como dispositivo de diferenciação ou homogeneização social.
No momento em que o indivíduo se distancia do grupo, ela opera
processos de individualização com a negação da imitação, promovendo a
invenção; e ao passo que o indivíduo busca assemelhar-se ao grupo, a moda
opera processos de homogeneização, de inserção e assimilação do indivíduo
ao grupo, inclusive como forma subjetiva de pertencimento a ele, a
conformação de uma identidade coletiva. Como bem aponta Waizbort:
A imitação é ‘uma das direções básicas de nossa essência’ e
possibilita a ‘fusão do singular na universidade’, ou seja, ‘enfatiza em
meio à mudança aquilo que permanece’. Mas se fizermos o contrário
e, em meio ao que permanece, enfatizamos a mudança, o que aflora
são as tendências individualizantes, que procuram a diferenciação do
individualizantes, que procuram a diferenciação do indivíduo ante o
grupo, a emersão do singular em meio à universalidade (WAIZBORT,
2008: 09).
Fica claro que o caráter duplo da moda de inclusão/exclusão,
aproximação/afastamento, fixidez/movimento é a condição sine qua non para a
existência da moda. Lipovetsky (2009) elabora uma reflexão que vai além da
diferenciação social. A moda é antes de tudo signo das transformações que
antecedem o surgimento das sociedades modernas, conferindo-lhe dessa
forma um caráter libertário.
Foi o autor que melhor analisou o fenômeno da moda, desde seu
surgimento, descrevendo seu desenvolvimento até seu estabelecimento
enquanto um sistema. Essa problematização servirá de base para pensar a
relação homem/moda, onde as representações de gênero sofrem modificações
no vestuário tendo por fator determinante dessa mudança o capitalismo
nascente.
Nesse
sentido,
o
vestuário
é
tomado
como
dispositivo
explicativo/demonstrativo de configurações de ordem comportamental e que
demarcam territórios de classe e gênero de acordo com os papeis socialmente
marcados.
2781
Algumas considerações:
Essa pesquisa de mestrado tem por proposta de investigação tem por
objetivo geral construir uma representação da auto percepção de homens que
trabalham no setor de moda quanto ao exercício de sua masculinidade. O
recorte a ser trabalhado é o de homens heterossexuais de camadas médias
urbanas que constroem (trabalham) esses nichos de moda na cidade de
Maceió, exercendo atividades de modelos, produtores, estilistas, scouters,
designers de moda, costureiros, cabelereiros e outras tantas práticas próprias
do campo da moda. Procuro identificar como homens que trabalham nesses
setores
se
auto
percebem
enquanto
homens
no
exercício
de
sua
masculinidade. A pesquisa ainda está em processo de incursão a campo e
levantamento de dados, portanto ainda não apresenta resultados finais.
Essa problematização servirá de base para pensar a relação
homem/moda, onde as representações de gênero sofrem modificações no
vestuário tendo por fator determinante dessa mudança o capitalismo nascente.
Nesse sentido, o vestuário é tomado como dispositivo explicativo/demonstrativo
de configurações de ordem comportamental e que demarcam territórios de
classe e gênero de acordo com os papeis socialmente marcados.
O texto que trago aqui se dá no sentido de apresentar o aporte teórico
em que se ampara a pesquisa para a abordagem do objeto e de como pode ser
instrumentalizado nos diferentes aspectos em que essa pesquisa gira em torno
– trabalho, moda, masculinidades e gênero. Aspectos esses que serão
atravessados ainda por outras discussões acerca do corpo, imagem e
identidade, por exemplo, importantes dentro das ciências sociais e que
aparecem aqui como elementos subsidiários para uma análise mais ampla nas
discussões que compõem os quatro aspectos fundamentais da pesquisa.
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