ANAMORFOSE – REVISTA DE ESTUDOS MODERNOS • VOL III • Nº 1 • 2015 • RidEM Dossiê Melothesia, I Marsilio Ficino De Vita Triplici III, 9-10 Tradução: Rafael Viegas, Gustavo Olivieri e Angélica Ferroni Nascido em Florença, Marsilio Ficino (1433-1499) teve papel importantíssimo na retomada e no desenvolvimento da filosofia neoplatônica no Renascimento italiano. Texto latino: O De vita libri tres [Os Três Livros da Vida] – que compreende o De Vita Sana [Da Vida Saudável], o De Vita Longa [Da Vida Longa], e o De Vita Coelitus Comparanda [Da Vida obtida pelo Céu], redigidos entre 1482 e 1489 – começou a circular na forma de códices manuscritos. O mais antigo deles, com o texto completo, é o códice L (Pluteo 73,39) da Biblioteca Laurenziana, de Florença. O De Vita Coelitus Comparanda, encadernado com obras de Plotino, aparece sozinho no códice P (Pluteo 82,11), também da Biblioteca Laurenziana – em ambos os casos, os códices podem ser lidos e baixados pelo portal http://www.internetculturale.it. As primeiras edições impressas importantes, por sua vez, já reuniam os três livros. São elas a de Antonius Mischominus [w] (Florença, 1489), que é a editio princeps; a edição de Veneza [x] (com versos de Amerigus Corsinu, 1498); a de Joannes de Amerbach [y] (Basileia, 1497). O material traduzido aqui são os capítulos IX e X do Livro III (De Vita Coelitus Comparanda). Tomamos por base o códice L (Pluteo 73,39, pp. 102v-112v), cotejado com os fac-símiles das edições de Mischominus (1489) e de Veneza (1498) – ambos na base Gallica (Biblioteca nacional da França) –; com as Obras editadas por Henricus Petri [z]: Marsilii Ficini... Opera & quæ hactenus extitere... in duos Tomos digesta..., Basileia, 1576, Tomus Primus, pp. 542543 (exemplar da biblioteca digital da Universidad de Granada: http://digibug.ugr.es); e com a edição crítica de Kaske & Clark (ver abaixo), pp. 282-289. A tradução francesa de Guy Le Fèvre de La Boderie, Les trois livres de la 87 ANAMORFOSE – REVISTA DE ESTUDOS MODERNOS • VOL III • Nº 1 • 2015 • RidEM vie. Paris: Abel L’Angelier, 1581 (os capítulos IX e X impressos nas pp. 119r-128r), exemplar da base Gallica, é muito fiel ao latim e nos foi extremamente útil. Edição moderna: FICINO, Marsilio. Three Books on Life. A Critical Edition and Translation with Introduction and Notes by Carol KASKE and John CLARK. New York & Tempe (Arizona): Medieval & Renaissance Texts & Studies in conjunction with The Renaissance Society of America, 1998. Na introdução, os autores fazem um longo resumo a respeito das famílias de códices, edições e variantes do texto do De Vita. Nota introdutória A nomenclatura de Ficino é, em essência, a nomenclatura corrente da Astrologia tropical (a mais comumente praticada hoje). A estruturação, em linhas gerais, não é muito complexa. Importa notar, antes de tudo, que “planetas”, na definição astrológica da Antiguidade e do Renascimento, são os sete corpos celestes vagantes (do verbo grego πλανάω, “vagar”), e visíveis a olho nu, que se movem sobre o fundo das estrelas fixas: Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. Os signos do Zodíaco, na Astrologia (tropical), por sua vez, não correspondem ao que se vê no céu noturno: se observamos um atlas celeste, veremos que o tamanho astronômico de cada constelação varia enormemente um em relação ao outro, mas a Astrologia tropical convencionou atribuir porções regulares e idênticas do céu (mais precisamente da eclíptica, a rota que eles percorrem na esfera celeste) a cada um dos doze signos – divisões regulares que, desde muito cedo, foram denominadas “signos” pelos astrólogos ocidentais. Trata-se, portanto, de uma convenção. Cada um desses doze signos zodiacais convencionais ocupa 30° de porção da eclíptica (que, por fazer parte de uma esfera perfeita, tem um total de 360°). Cada signo possui um planeta afim com o qual partilha suas características mais próprias, seu temperamento mais específico: esse planeta (a lista inclui o Sol e a Lua) é o regente do signo. De modo inverso, cada planeta, incluindo-se neste caso sempre o Sol e a Lua, possui ao menos um signo que lhe é inerente (onde as características próprias do planeta e do signo se correspondem de modo natural e FICINO – DE VITA TRIPLICE, III, 9-10 88 ANAMORFOSE – REVISTA DE ESTUDOS MODERNOS • VOL III • Nº 1 • 2015 • RidEM direto) e também um signo complementar (onde as características de ambos se correspondem de modo menos direto mas ainda de maneira harmoniosa): se o planeta que corresponde a cada signo zodiacal se chama regente desse signo, o signo que é próprio ou inerente a cada planeta chama-se dignidade; e o signo harmonioso complementar chama-se exaltação. Donde a nomenclatura usada por Ficino no texto. Os capítulos traduzidos aqui concentram-se em aspectos astrológicos planetários e não propriamente zodiacais. Bom lembrar também que, na Astrologia antiga e renascentista, evidentemente, não se contavam os chamados “planetas exteriores”, Urano, Netuno e Plutão, descobertos apenas a partir do final do século XVIII (Urano em 1781; Netuno em 1848; e Plutão, em 1930). Por esse motivo, havia ainda menos planetas para corresponder biunivocamente aos signos: em outras palavras, antes da incorporação astrológica dos planetas exteriores, havia apenas sete regentes para doze casas zodiacais, contra os dez planetas regentes da Astrologia atual. Com exceção apenas do Sol e da Lua (que sempre guardaram a regência específica de uma única casa zodiacal, Leão e Câncer, respectivamente) todos os outros planetas eram regentes de duas casas zodiacais ao mesmo tempo. Um exemplo: atualmente, a casa da qual Urano é o regente é Aquário. Mas, como na época do De Vita não se sabia da existência de Urano, Aquário é regido por Saturno – que, por sua vez, é também o regente de Capricórnio (regência esta ainda válida na Astrologia de hoje). 89 ANAMORFOSE – REVISTA DE ESTUDOS MODERNOS • VOL III • Nº 1 • 2015 • RidEM III, 9. As dignidades [dignitates] dos Planetas nos Signos que devem ser observadas para o uso dos tratamentos [medicinarum]1 O domicílio [domus] de Saturno é Aquário e Capricórnio; sua exaltação [exaltatio] é Libra. O domicílio [domus] de Júpiter é Sagitário e Peixes; sua exaltação ou reino [regnum], é Câncer. O domicílio [domicilium]2 de Marte é Escorpião e Áries; sua exaltação, Capricórnio. O domicílio [sedes] do Sol é Leão; seu reino [regnum], Áries3. O domicílio [habitaculum] de Vênus é Touro e Libra; sua exaltação, Peixes. O domicílio [aedes] de Mercúrio é Virgem e Gêmeos; seu reino [regnum], Virgem4. O domicílio [domus] da Lua é Câncer; sua exaltação, Touro. Saturno e Júpiter têm seu elemento [triplicitatem] nos signos de fogo e de ar5; o Sol apenas em [signos de] fogo; Mercúrio somente em [signos de] ar; Marte, Vênus, Lua em [signos de] água e terra. Cada um dos planetas, excetuando-se o Sol e a Lua, guarda para si, em cada signo, certos limites [fines], que chamamos de termos [terminos]6. Desta maneira, em Áries, Júpiter tem os primeiros seis termos; Vênus tem os seis subsequentes; Mercúrio, os oito posteriores; Marte, os cinco seguintes; e Saturno, os últimos cinco. Em Touro, então, por conseguinte, Vênus tem oito termos; Mercúrio, seis; Júpiter, oito; Saturno, cinco; e Marte, finalmente, três. Em Gêmeos, Mercúrio tem Optamos por “tratamentos” ao traduzir o termo latino medicina (literalmente, “medicamento”). Embora Ficino, às vezes, claramente o utilize como sinônimo de “remédio”, o termo diz respeito ao cuidado geral (clínico e profilático) com o corpo, sem necessariamente implicar na manipulação de “compostos medicinais” – podendo, por exemplo, envolver o uso de algum objeto simpatético. 2 Domus, domicilium, sedes, habitaculum, aedes são todos sinônimos em latim e significam, nos exemplos acima, “casa” (quer dizer, casa zodiacal) – ou, para seguir a nomenclatura astrológica usual em língua portuguesa, “domicílio” (tradução que seguimos aqui). Ficino, ao que parece, usa esses diversos sinônimos apenas para fins de estilo. 3 Note-se aqui o uso do termo regnum como sinônimo de exaltação. No caso da Astrologia atual, usa-se apenas exaltação. 4 Segundo a Astrologia atual, a exaltação de Mercúrio seria, na verdade, Aquário. 5 Triplicidade é a correspondência dos 12 signos com os quatro elementos fundamentais (fogo, terra, ar e água), elementos aos quais a Física antiga atribuía a formação da matéria. Essa correspondência se estende às casas porque cada um dos 12 signos é natural de uma das doze casas (e, portanto, está domiciliado quando nela se encontra). Signos de fogo: Áries, Leão e Sagitário; signos de terra: Touro, Virgem e Capricórnio; signos de ar: Gêmeos, Libra e Aquário; signos de água: Câncer, Escorpião e Peixes. 6 Os termos são a divisão dos 30º de cada signo em 5 partes irregulares, variando de 4 a 8 graus cada. Cada um dos 5 termos é regido por um planeta (com exceção do Sol e da Lua, que não regem nenhum termo). Ficino usa indistintamente “termos [terminos]” e “limites [fines]” para designar essa divisão: guardamos “termos” para ambos os casos, mas apontamos essa diferença no texto. Seja como for, na prática astrológica atual, o conceito de termo raramente é usado. 1 FICINO – DE VITA TRIPLICE, III, 9-10 90 ANAMORFOSE – REVISTA DE ESTUDOS MODERNOS • VOL III • Nº 1 • 2015 • RidEM seis; Júpiter, seis; Vênus, cinco; Marte, sete; e Saturno, seis. Em Câncer, Marte tem sete; Vênus, seis; Mercúrio, a mesma quantidade; Júpiter, sete; e Saturno, quatro. Em Leão, Júpiter tem seis; Vênus, cinco; Saturno, sete; Mercúrio, seis; e Marte, a mesma quantidade. Em Virgem, Mercúrio tem sete; Vênus, dez; Júpiter tem quatro; Marte, sete; Saturno, dois. Em Libra, Saturno tem seis; Mercúrio, oito; Júpiter, sete; Vênus, a mesma quantidade; Marte, dois. Em Escorpião, Marte tem sete; Vênus tem quatro; Mercúrio, oito; Júpiter, cinco; Saturno, seis. Em Sagitário, Júpiter tem doze; Vênus, cinco; Mercúrio, quatro; Saturno, cinco; Marte, quatro. Em Capricórnio, Mercúrio tem sete; Júpiter, sete; Vênus, oito; Saturno, quatro; Marte, a mesma quantidade. Em Aquário, Mercúrio tem sete; Vênus, seis; Júpiter, sete; Marte, cinco; Saturno, a mesma quantidade. Em Peixes, Vênus tem doze; Júpiter, quatro; Mercúrio, três; Marte, nove; Saturno, por fim, dois. O Sol e a Lua, entretanto, segundo outra regra [ratio], tem seus próprios termos [fines]. Pois o Sol tem por termos [pro finibus] seis signos: Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário e Capricórnio. A Lua, o restante: Aquário, Peixes, Áries, Touro, Gêmeos e Câncer. Eles [os astrólogos], portanto, pensam que o Sol e a Lua tem, nestes signos, o mesmo princípio [principatum] e efeito [efectum] que o resto dos planetas têm em seus termos [finibus]. Nos signos, além dos termos [fines], os planetas têm faces [facies], que os gregos chamam decanos [decanos], que ocupam dez graus do signo. Em Áries, a primeira face é a de Marte, a segunda é a do Sol, que segue Marte no céu. Segundo a ordem dos caldeus, a terceira seria a de Vênus, porque sucede o Sol no céu. Em Touro, a primeira face é a de Mercúrio, que segue Vênus; a segunda face é da Lua, que sucede Mercúrio; a terceira é a de Saturno. Pois devemos voltar a ele, tendo eu enumerado todos os planetas. Em Gêmeos, a primeira [face] é a de Júpiter, que obviamente segue Saturno; a segunda é a de Marte; a terceira é a do Sol na mesma ordem e, similarmente, assim por diante. 91 ANAMORFOSE – REVISTA DE ESTUDOS MODERNOS • VOL III • Nº 1 • 2015 • RidEM III, 10. Como devemos utilizar os Planetas nos tratamentos [medicinis] Rememoramos, por outro lado, as dignidades que os planetas têm nos signos a fim de que, todas as vezes que fizermos ou compusermos coisas que se atenham a algum planeta, possamos saber situá-lo em suas dignidades. Especialmente quando [o planeta] tiver o lugar principal [principatum] na nossa revolução de nascimento. Como também, Saturno e Marte – ainda que, em outra ocasião, tenhamos de rebaixa-los [deprimendi] – devem ser elevados [erigendi] se eles forem significadores [significatores] de nosso nascimento [genituræ]7. Teremos realizado algo de grande valor com esta rememoração se atentarmos, quando estivermos para usar o benefício da Lua, de Vênus e de Júpiter na confecção de tratamentos [medicinis], tomarmos cuidado para que eles não estejam nos termos [finibus] de Saturno ou Marte; a não ser onde somos compelidos ou a coibir a dissolução e a reprimir o calor, por meio de Saturno; ou aquecer as coisas muito frias e suscitar as entorpecidas, por meio de Marte. De outro modo, escolheremos os termos [fines] de Júpiter e Vênus. Escolheremos também os termos [fines] de Mercúrio, quando quisermos ajudar os homens que são especialmente mercurianos [mercurialibus]. Não deve escapar à nossa atenção que os homens muito mercurianos, aqueles dotados de engenho, artifício e eloquência, não sejam medianamente solares. Pois Mercúrio está sempre pleno de Apolo. Mas a fim de que todos possam compreender como distribuímos as figuras no céu por zonas [oras], chamamos “primeira casa” [primam] e “casa da vida” [vitae domum] o signo que está nascendo no horizonte no lado do Levante. Aquela que sucede no Oriente, nós a chamamos “segunda casa”, e a terceira, e assim as outras seguintes, de maneira que a sétima casa seja o signo que agora se põe no Oeste e que está oposto ao ascendente. A esta, sucede a oitava casa. Mas a nona, na verdade, é a cadente do meio do céu, que forma a décima casa, à qual sucede a décima primeira. Mas a décima segunda casa é cadente do ascendente 8. Logo, a fim de que os planetas sejam potentes, devemos tê-los nos ângulos ou do Oriente ou do As edições latinas mais antigas do De Vita pontuam de modo diverso as três primeiras frases deste parágrafo, gerando muita ambiguidade de leitura – o que a edição crítica de Kaske e Clark, a nosso ver, não conseguiu dirimir. Resolvemos, então, seguir a pontuação do texto mais antigo, a do códice L (Pluteo 73,39), pp. 104r e 104v. 8 A casa nove sendo a cadente do meio do céu, a doze será a cadente do ascendente. 7 FICINO – DE VITA TRIPLICE, III, 9-10 92 ANAMORFOSE – REVISTA DE ESTUDOS MODERNOS • VOL III • Nº 1 • 2015 • RidEM Ocidente, ou das duas partes do meio do céu. E, sobretudo, no ângulo do ascendente ou da décima casa que ocupa o meio do céu sobre a cabeça, ou ao menos nos locais que sucedem imediatamente aos ângulos. Ainda que eles [os astrólogos] estimem que o Sol exulte [gaudere] na nona casa, que tomba do meio do céu, e a Lua na terceira também cadente. Entre estas coisas, os Astrólogos querem que se retenham duas regras. Uma em relação com aquele que está doente, e outra em relação ao médico. Pois quando a sétima casa do doente é importunada por Saturno ou Marte, ou que seu senhor é infeliz, separem-se o médico do doente – a se crer no que diz Ptolomeu. Antes de mais nada, ao se escolher um médico, eles ordenam que se evite o saturnino e o marcial e que se procure aquele na genitura do qual a casa sexta – pelo aspecto do Sol, ou por Vênus ou por Júpiter – for de alguma forma afortunada. Ora, dizemos estar o signo ou o planeta infortunado por Saturno ou Marte se não se tratam de casas próprias ou reinos [regna] – a saber, quando eles estão lá ou quando concernem a um aspecto oposto ou quadratura. E dizemos o aspecto estar oposto entre os signos ou planetas quando distam por um longuíssimo intervalo. E o aspecto “quadrado” é quando um difere do outro de uma quarta parte do céu – quer dizer, do espaço de três signos. Entretanto, Saturno e Marte incomodam menos os outros planetas pela conjunção, oposição e quadratura – quando, como hóspedes, eles os recebem em sua casa, ou reino ou termo. Nem mais nem menos o que os planetas benéficos [felices] aproveitam, quando pelo aspecto sextil, pelo trígono ou pela conjunção, eles recebem como dissemos. Entretanto, os planetas reverenciam a conjunção do Sol, e se rejubilam, evidentemente, com um aspecto trígono ou sextil. A isto é preciso lembrar que Áries comanda [praeesse] a cabeça; Touro, o pescoço; Gêmeos, os braços e espáduas; Câncer, o peito, os pulmões, o estômago e os bíceps; Leão, o coração, o estômago, o fígado, o dorso e as costas; Virgem, os intestinos e o final do estômago; Libra, os rins, as coxas e as nádegas; Escorpião, as genitálias, a vulva e o útero; Sagitário, a coxa e a virilha; Capricórnio, os joelhos; Aquário, as pernas e as canelas; Peixes, os pés. Lembrando, pois, dessa ordem, resguardem-se de tocar o membro com ferro, fogo ou ventosas quando a Lua percorre sob seu 93 ANAMORFOSE – REVISTA DE ESTUDOS MODERNOS • VOL III • Nº 1 • 2015 • RidEM signo. Pois nesse momento a Lua aumenta os humores no membro, do quais a afluência proíbe a consolidação, e agrava a virtude do membro. E observem, porém, que o membro é oportuna e felizmente esquentado por certos remédios favoráveis [remediis...amicis], assim aplicados por fora ou por dentro. Ora, é preciso que se conheça qual signo era o ascendente em seu nascimento. Pois além de Áries, este outro significa também a cabeça, e a Lua aí estando observa-lhe a cabeça. Assim, quando a Lua entra em Áries, é quando oportunamente tentar-se-á os banhos e lavatórios. Quando ela entra em Câncer, diminua-se o sangue favoravelmente [feliciter], tome-se o remédio, sobretudo na forma de electuário [electuarii]9. Quando ela está em Leão, que não se provoque vômito. Quando está em Libra, ela está propícia aos clisteres. Estando em Escorpião, não tente os banhos. Há aqueles que não proíbem nem recomendam dar remédios para dissolver. É nocivo tomar remédio com a Lua estando em Capricórnio, do mesmo modo quando em Aquário. Mas em Peixes, ela é favorável. Por outro lado, sobre que membro tem, em cada signo, cada um dos planetas – ainda que isso seja necessário saber –, é demorado explicar. E quanto à purgação do ventre não devemos deixar passar o preceito de Ptolomeu. Que se tome remédio purgatório quando a Lua está em Câncer, em Peixes, em Escorpião – o que nós aprovamos, principalmente se o regente do signo [dominus signi] então ascendente, se aplique ao planeta corrente sob a terra. Mas se, no entanto, o regente do ascendente [ascendentis dominus] está em conjunção sobre a cabeça com o planeta que tem o meio do céu, logo incitará a náusea e o vômito. Em suma, concluiremos, com Galeno, que a Astrologia é necessária ao médico. Pois, discutindo os dias críticos10, ele diz: a sentença dos egípcios é correta, ou seja, que a Lua significa, dia a dia, a afecção do doente e do são, de maneira que se os raios de Júpiter e de Vênus se misturam com a Lua, um e outro se portam bem. Mas se os de Saturno ou de Marte se misturam, tem-se o efeito contrário. Mas agora, tendo divagado tão amplamente, voltemos enfim ao espírito, à vida e às Graças. Submetido em 29/06/2015 Aceito em 08/07/2015 Beberagem medicinal em que se usa mel, xarope, ou outra substância doce. A obra de Galeno a qual Ficino se refere é Sobre os Dias Críticos, texto seminal da astrologia médica. 9 10 FICINO – DE VITA TRIPLICE, III, 9-10 94