Uma breve abordagem histórica da classe dos adjetivos

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Estudos da Língua(gem)
Uma breve abordagem histórica da classe dos adjetivos
A brief historical approach of the class of adjectives
Roberto Santos de Carvalho*
Gessilene Silveira Kanthack*
Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC
RESUMO
Este artigo apresenta uma parte da história dos estudos
dos adjetivos, ao longo do pensamento ocidental, partindo
das reflexões gregas, passando pelas bases romanas e suas
ramificações. Descreve o contexto do pensamento filosófico
em que os adjetivos foram descritos por Platão e demonstra que,
em razão do seu comportamento sintático-semântico bastante
peculiar, ocorreram tentativas de agrupá-los em distintas
classes, visando melhor conhecer o seu comportamento. O
objetivo precípuo do artigo é, pois, apresentar um breve
panorama histórico da configuração dos adjetivos, com vistas
a demonstrar que o interesse por eles tem longa tradição na
investigação linguística ocidental.
Palavras-chave: Adjetivo. História. Semântica. Sintaxe.
*Sobre os autores ver página 125.
Estudos da Língua(gem) Vitória da Conquista
v. 9, n. 2
p. 107-125 dezembro de 2011
Roberto Santos de Carvalho e Gessilene Silveira Kanthack
108
ABSTRACT
This paper presents an historical overview of adjective study along the
western tradition, from the Greek reflections to the Roman roots and
their branches. We will describe the context of the philosophical thought
in which the adjective categories were described by Plato. Besides, we
will demonstrate that, due to the syntactic-semantic behaviour of this
grammatical class, many attempts were made in order to group the adjectives
in different classes, by aiming at knowing better the fluid behaviour of this
category. The main goal of this article is, therefore, to present a general
and historical overview of the configuration of the adjective category, and
to show that the interest for this grammatical topic follows a long tradition
in the western linguistics investigation.
KEYWORDS: Adjective. History. Semantics. Syntax.
1 Introdução
Neste artigo, apresentaremos uma parte da história dos estudos
sobre o adjetivo, ao longo do pensamento ocidental, partindo do
pensamento grego, passando pelas bases romanas e suas ramificações.
Descreveremos o contexto do pensamento filosófico em que os adjetivos
foram descritos por Platão, assim como a oscilação sofrida por eles,
ao longo dos séculos, ora incluídos na classe dos nomes, ora na classe
dos verbos. Na sequência, apresentaremos a descrição dos adjetivos
pelo prisma dos gramáticos de Port-Royal, que distinguiram acidente
(substantivo) de atributo (adjetivo), apontando a falta de liberdade sintática
desse último. Depois disso, apresentaremos a proposta de classificação
empreendida por Bolinger (1967). Por fim, nas considerações finais,
destacaremos outras investigações com o intuito de traçar um breve
panorama dos estudos empreendidos em torno da temática.
2 O Pensamento Greco-romano e Ramificações
Imersa em um contexto filosófico-especulativo, a história
registrada da linguística ocidental (cf. WEEDWOOD, 2002) iniciouse com o tratamento binário e antagônico da natureza da faculdade
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da linguagem: por um lado, a língua(gem) era compreendida como
uma fonte de conhecimento; por outro, como um simples meio de
comunicação. As visões dicotômicas1 acerca dessa matéria visavam
responder a um problema fundamental: “A língua tem algum vínculo
direto e essencial com a realidade, espiritual ou física, ou é puramente
arbitrária?”2
O problema da natureza da língua(gem) apareceu em Crátilo
de Platão e, sob esse “marco filosófico inaugural”, as propriedades
predicadoras dos adjetivos foram discutidas e passaram a ocupar a
agenda dos estudiosos gregos, seguindo longa tradição no pensamento
ocidental. Platão tratou acerca dos adjetivos e promoveu a divisão da
frase em duas unidades fundamentais: um componente verbal, rhêma,
e um componente nominal, ónoma. O termo ónoma, no contexto do
pensamento platônico, significava designação, sendo posteriormente
cunhado como um termo técnico equivalente a nome; rhêma,
primeiramente predicado, tornou-se equivalente a verbo, posteriormente.
Platão concebeu os adjetivos como pertencentes à classe dos
rhêma por serem representantes de um predicado. Para ele, um adjetivo
como leukós (branco), frequentemente, funcionava, em grego, como
predicado: Leukòs ho híppos (o cavalo é branco). Como a cópula “é” é
suscetível de inserção, Platão afirmava que os adjetivos seriam portadores,
também, de uma referência temporal – presente.
Mantendo a mesma divisão platônica entre ónoma e rhêma,
Aristóteles concebeu, também, os adjetivos como pertencentes à classe
dos rhêma, porém acrescentou mais um componente sintático, Sýndesmoi,
que não havia sido pensado por Platão. Sýndesmoi viria a ser chamado, nos
séculos posteriores, de conjunção, artigo e pronome (ROBINS, 1982).
O paradigma aristotélico foi retomado e mais bem articulado
pelos estóicos, que, segundo Robins (1982), ampliaram as classes
gramaticais inicialmente delineadas, introduzindo definições mais
1
Saussure (1995) retomará essa discussão no início do século XX, dando o tratamento científico
a esse problema. No Curso de Linguística Geral, ele explica a arbitrariedade do signo linguístico,
por meio da discussão das dicotomias significante x significado. É importante destacar, no entanto,
que algumas teorias pós-estruturalistas contestarão a visão saussuriana acerca dessa questão.
2
Ibid., p. 24.
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Roberto Santos de Carvalho e Gessilene Silveira Kanthack
precisas para dar conta da abrangência morfológica e sintática das classes
que surgiram como desdobramento progressivo do sistema gramatical
anterior. Os estóicos promoveram a separação do Sýndesmoi aristotélico
em elementos variáveis (pronomes e artigos) e invariáveis (preposições
e conjunções), restringindo o termo Sýndesmos aos elementos invariáveis
e árthra, aos elementos variáveis.
O ónoma aristotélico, herdado de Platão, foi dividido pelos
estóicos em nome próprio, mantendo a nomenclatura ónoma, e nome
comum, que passou a receber a designação de prosegoría. Desta última
classe (prosegoría), separaram-se os advérbios (mesótes), que significavam
aqueles que estão no meio, pois, morfologicamente, estavam mais
ligados a termos nominais, mesmo mantendo nítida vinculação
sintática com o verbo (cf. ROBINS, 1982). Conforme este autor, a
divisão estabelecida pelos estóicos foi aceita por escritores de épocas
posteriores, exceto a classe dos prosegoría, que foi reconhecida, apenas,
como subclasse de ónoma.
Os estóicos3, transitando na classe dos nomes e referindo-se
aos adjetivos, promoveram uma distinção semântica de fundamental
importância do ponto de vista lógico, a saber: opuseram uma qualidade
individual (ser Sócrates) a uma qualidade geral (ser cavalo). Nesse
contexto, os adjetivos permaneceram atrelados à classe dos verbos, tal
como alocados inicialmente pelo pensamento platônico e aristotélico.
As reflexões promovidas pelos estóicos foram retomadas e
ganharam continuidade com os filósofos de Alexandria, tendo, em
Dionísio da Trácia, seu maior expoente. Os alexandrinos, diferentemente
dos estóicos, debruçaram-se sobre questões linguísticas com vistas ao
interesse literário. Dionísio continuou o trabalho de ampliação das
classes até então existentes, distinguindo oito classes de palavras:
Dionísio da Trácia distinguiu oito classes de palavras, cujo
número, com uma alteração que se fez necessária por não
existir o artigo em latim, permaneceu constante até os fins da
3
A contribuição dos estóicos (334-262 a. C.), no cenário das reflexões linguísticas, segundo
Conteratto (2009), representou o marco dos estudos voltados para a regularidade da língua, não
se restringindo, apenas, ao problema filosófico, dominante nos séculos anteriores, que discutia a
origem da linguagem.
Uma breve abordagem histórica da classe dos adjetivos
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Idade Média na descrição do grego e do latim, e teve grande
influência na análise gramatical de diversas línguas modernas da
Europa. O sistema de classificação de Dionísio foi considerado
uma das suas mais importantes realizações. Os nomes próprios
e comuns, distinguidos pelos estóicos, foram reunidos na
classe única de ónoma; o particípio (metoche) foi separado do
verbo e passou a ser uma classe independente de palavras; as
classes estóicas de sýndesmos e árthron foram respectivamente
divididas em sýndesmos, “conjunção” e próthesis, “preposição”, e
em árthron, “artigo”, e antonymía, “pronome”. O advérbio foi
rebatizado com o nome de epirrhema, que substituiu o termo
mesótes dos estóicos [...]. (ROBINS, 1982, p. 26).
Nesse contexto, os adjetivos sofreram um radical deslocamento
da classe em que haviam sido alocados pelos antecessores de Dionísio.
Originalmente pensados como um tipo de rhêma por Platão, Aristóteles
e os estóicos, foram removidos, por Dionísio, para a classe dos ónoma,
uma vez que sua morfologia e sintaxe eram mais parecidas com as dos
nomes gregos e latinos.
Dionísio definiu ainda um tipo de “atributo consequente”,
denominado por ele de parepómena, que se referia a diferenças gramaticais
relevantes das formas das palavras em que se incluíam as categorias
flexionais e derivacionais. Os cinco parepómena aplicados à classe do
nome, segundo Dionísio da Trácia, eram:
Génos (gênero): masculino, feminino e neutro; Eîdos (tipo):
primitivo e derivado; Schema (forma): simples e composta –
Mémnon é simples, Philódemos é composto (Philo + demos);
Arithmós (número): singular, plural e dual; Ptôsis (caso):
nominativo, vocativo, acusativo, genitivo e dativo. (ROBINS,
1982, p. 27-28).
Sendo as propriedades dos parepómena inerentes aos nomes, não
é de se estranhar que os adjetivos também compartilhem das mesmas
prerrogativas. Robins (1982), comentando acerca do Eîdos do adjetivo
gaieios, afirmou:
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O adjetivo gaieios (terrestre) é apresentado como um nome
derivado, relacionando-se com o nome primitivo gê (também
gaîa), “terra”. Entre as subclasses de nomes derivados são
arroladas formas do adjetivo no grau comparativo e superlativo
(andreióteros, “mais valente”, e andreiótatos, “o mais valente”).
Desse modo, as formas que poderiam ter servido de critério
para distinguir os adjetivos como classe independente tiveram
apenas um lugar específico dentro da classe dos nomes. (p. 2728).
Conteratto (2009) acrescentou que Dionísio denominou o
adjetivo como epíteto, porque “o epíteto é tido por ele como um
atribuidor que pode indicar elogio ou censura como, por exemplo,
sábio, rápido, tímido etc.” (p. 27). Dionísio atrelou a tal definição
questões atinentes às diferentes relações representadas pelo adjetivo:
da alma (ser sábio), do corpo (ser rápido) e do extrínseco (ser rico) (cf.
NEVES, 1987).
É nítida a contribuição de Dionísio no aprimoramento das
classes de palavras, particularmente no que se refere aos adjetivos.
Nenhum dos pensadores que o precedeu havia tão bem refinado
conceitos e propriedades das “partes do discurso”, como eram
chamadas as classes de palavras. Embora a obra de Dionísio da Trácia
tenha recebido críticas por não ter reservado um capítulo específico
para tratar da sintaxe, mesmo empregando o termo sýntaxis ao longo
de sua obra, suas observações possibilitaram o amplo tratamento da
sintaxe por autores posteriores, como Apolônio Díscolo. Este autor
operacionalizou com as oito classes de palavras existentes e imprimiu
à sintaxe o tratamento que havia faltado na Téchne grammatike4. Assim
como fez Dionísio, Apolônio Díscolo atrelou os adjetivos à classe
dos nomes, ressalvando que eles indicavam, também, além de elogio e
censura, conforme defendia Dionísio, uma atribuição qualquer (ideia
de grandeza, de quantidade, de disposição da alma etc.).
Ao conceber os adjetivos como pertencentes à classe dos nomes,
Díscolo ressaltou que eles, sozinhos, não teriam sentido completo. Com
4
A obra gramatical de Dionísio da Trácia.
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isso, defendeu a falta de “liberdade sintática” do adjetivo, uma vez que,
para ter sentido completo, ele (o adjetivo) deveria estar atrelado ao
substantivo. Para sustentar a ideia da dependência sintática do adjetivo,
o autor valeu-se do argumento de que, à semelhança do advérbio – que
não tem sentido completo sem a presença de um verbo –, o adjetivo
também é desprovido de sentido completo, sem o substantivo para
acompanhá-lo.
Os gramáticos medievais, conhecidos como modistas,
compartilhavam da mesma noção de dependência do adjetivo. Foram
eles que separaram substantivos e adjetivos em duas classes distintas,
demonstrando a independência sintática do substantivo (portador
de sentido completo) e a dependência do adjetivo em relação ao
substantivo.
Os gramáticos romanos, inspirados nas gramáticas gregas,
sobretudo na Téchne de Dionísio, mantiveram as oito classes de palavras
existentes e não promoveram qualquer mudança em relação aos adjetivos.
Varrão concebia os adjetivos como pertencentes à classe dos nomes,
por terem a flexão de caso; Prisciano concebia a classe dos nomem como
“indicador de substância ou qualidade, atribuindo uma propriedade
comum ou particular a todo objeto corpóreo ou coisa” (ROBINS,
1982, p. 45). Logicamente, outras discussões atravessaram as obras de
Varrão e Prisciano, mas, para os adjetivos, foram mantidas as mesmas
propriedades descritas pelos gramáticos gregos.
3 A Descrição de Port-Royal
A noção de dependência dos adjetivos, como descrita inicialmente
em Díscolo, era compartilhada por Arnauld e Lancelot, na Gramática
Geral e Razoada ou, simplesmente, Gramática de Port-Royal. Os
autores dedicaram um capítulo para tratar dos substantivos e adjetivos,
pensados, por eles, como pertencentes à classe dos nomes. Inicialmente,
distinguiram substância (substantivo) e acidente (adjetivo) como os
objetos dos pensamentos humanos:
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Roberto Santos de Carvalho e Gessilene Silveira Kanthack
Os objetos de nossos pensamentos são ou coisas, como a terra,
o sol, a água, a madeira, o que comumente é chamado substância;
ou a maneira das coisas, como ser redondo, vermelho, sábio, etc. o
que é denominado acidente.
Existe a seguinte diferença entre as coisas e as substâncias, e a
maneira das coisas ou dos acidentes: as substâncias subsistem
por elas mesmas, enquanto os acidentes só existem pelas
substâncias.
É isso que fez a principal diferença entre as palavras que
significam os objetos dos pensamentos: pois, os que significam
as substâncias foram denominados nomes substantivos; e os que
significam os acidentes, designando o sujeito ao qual esses
acidentes convêm, nomes adjetivo. (ARNAULD; LANCELOT,
1992, p. 31).
A distinção entre substância e acidente consubstanciou-se como
uma dicotomia fundamental para os seguidos argumentos de que os
substantivos possuíam independência (sentido completo), o que não
ocorria com os adjetivos:
Já que a substância é aquilo que subsiste por si mesmo,
chamaram nomes substantivos todos aqueles que subsistem
por si mesmos no discurso, sem que tenham necessidade de
um outro nome, ainda que significam acidentes. E ao contrário,
foram chamados adjetivos mesmo aqueles que significam
substâncias, quando por sua maneira de significar devem estar
junto a outros nomes no discurso. (ARNAULD ; LANCELOT,
1992, p. 31).
Os sábios de Port-Royal observaram que o adjetivo não tinha
sentido completo, não subsistia por si só, quando apresentava, além
de sua significação denotativa (chamada por eles de distinta), uma
significação “confusa”, conotativa. O argumento foi ilustrado com a
palavra rouge (vermelho):
A significação distinta de rouge (vermelho) é rougeur
(vermelhidão); mas o termo significa, designando o sujeito
dessa qualidade de modo confuso, donde se vê que ele não
Uma breve abordagem histórica da classe dos adjetivos
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subsiste por si só no discurso, porque é preciso expressar ou
subentender a palavra que indica esse sujeito. (ARNAULD;
LANCELOT, 1992, p. 32).
A possibilidade de se criarem substantivos a partir de adjetivos, e
vice-versa, foi observada pelos gramáticos de Port-Royal. Para tanto, era
necessário operacionalizar com os conceitos de denotação e conotação.
A conotação, segundo eles, perfazia o adjetivo, e, ao se “retirar” o traço
conotativo dos acidentes, poder-se-iam criar substantivos. A operação
inversa, ou seja, acrescentar conotação às substâncias possibilitava a
criação de adjetivos:
Como, pois, a conotação perfaz o adjetivo, quando é retirado
dentre as palavras que significam os acidentes, deles se fazem
substantivos, como de coloré (colorido), couleur (cor); de rouge,
rougeur; de dur (duro), dureté (dureza); de prudent (prudente),
prudence (prudência), etc.
E, ao contrário, quando se acrescenta aos termos que significam
as substâncias essa conotação ou significação confusa de
uma coisa à qual essas substâncias se referem, deles se fazem
adjetivos, como de homme (homem), humain (humano), genre
humain (gênero humano), vertu humaine (virtude humana) etc.
(ARNAULD; LANCELOT, 1992, p. 32).
Os gramáticos de Port-Royal perceberam que muitas palavras
derivadas da relação substantivo/adjetivo, e vice-versa, eram abundantes
em grego e latim e chegaram a afirmar que o hebraico e o francês eram
pobres nesse aspecto5. Observaram, também, que algumas palavras que
designam profissão, como rei, filósofo, pintor e soldado, adjetivos, de fato, se
passavam por substantivos por terem, como sujeito implícito, o homem,
subentendido sem maiores esforços:
O que faz com que esses nomes passem por substantivos é o
fato de que, não podendo ter como sujeito senão o homem,
pelo menos ordinariamente e segundo a primeira imposição
5
Os gramáticos de Port-Royal inovaram ao comparar várias línguas, além do grego e latim, com
vistas a observar regularidades universais. Desse modo, demonstraram interesse em questões que
seriam retomadas futuramente pela teoria gerativa.
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dos nomes, não foi necessário acrescentar-lhe o substantivo,
que pode ser subentendido sem qualquer confusão, já que a
relação não pode ser estabelecida com nenhum outro. Por
isso, esses nomes assumiram no uso aquilo que é peculiar aos
substantivos, que é subsistir sozinhos no discurso. (ARNAULD;
LANCELOT, 1992, p. 33).
O adjetivo era tratado pelos gramáticos de Port-Royal como um
nome, encerrando, aparentemente, a discussão acerca da classe a que
deveria pertencer6.
Em Port-Royal nasceu, também, a ideia de que a sequência
NOME ADJETIVO (ex. Deus invisível) configurava-se como o resultado
de uma sequência anterior (implícita) da forma NOME É ADJETIVO
(ex. Deus é invisível). Para tanto, os estudiosos de Port-Royal apresentaram
o exemplo clássico, ilustrado em 1:
(1) Deus invisível criou o mundo visível.
Segundo eles, existiam implícitas em 1 três sequências, quais sejam:
(i) Deus é invisível.
(ii) O mundo é visível.
(iii) Deus criou o mundo.
Em 1, há os adjetivos em posição atributiva, ou seja, adjetivos ligados
ao nome sem intermédio de um verbo de ligação. O adjetivo em posição
de atributo era considerado, inicialmente, como fruto de transformações
generalizadas ou de transformações de orações relativas; tal noção, já
advogada em Port-Royal, dominou as reflexões chomskyanas iniciais.
Chomsky (1957) postulou que 1 era o resultado de uma
transformação generalizada que reunia as sequências (i), (ii) e (iii). Tais
explicações, no entanto, foram abandonadas posteriormente pelas
inadequações contidas frente aos exemplos que iam sendo estudados.
6
Conteratto (2009) afirma que, a partir do século XVIII, Harris (1751) voltou a incluir os adjetivos
na classe dos verbos e reiniciar as discussões em função do comportamento muito peculiar dessa
classe gramatical.
Uma breve abordagem histórica da classe dos adjetivos
117
Chomsky (1957) concebeu os adjetivos atributivos não mais como
fruto de transformações generalizadas, mas como o resultado de
transformações de orações relativas. Desse modo, 1 teria 2 como forma
implícita:
(2) Deus que é invisível criou o mundo que é visível.
A derivação via cláusula relativa encontrou diversas críticas pela
impossibilidade de muitos adjetivos atributos poderem ser gerados
a partir da relação predicativa ou atributiva (cf. TEYSSIER, 1968;
LUCAS, 1975; BOLINGER, 1967). Compartilhando da mesma opinião,
Borges Neto (1979) apresentou estes exemplos para demonstrar a
impossibilidade da derivação de um adjetivo predicativo (3b-c) e (4b-c)
a partir de um adjetivo atributivo (3a) e (4a):
(3)a. Um suposto comunista.
b. *Um comunista suposto.
c. *Um comunista que é suposto.
(4) a. O físico nuclear.
b. *O físico é nuclear.
c. *O físico que é nuclear.
As observações advindas desses fatos apontaram para a questão
fundamental de que os adjetivos apresentavam propriedades sintáticosemânticas distintas; sendo assim, os modos de derivação deveriam
obedecer, também, a diferentes regras. Decorreu dessa posição a
necessidade imediata de se estabelecerem classes de adjetivos, haja
vista o comportamento peculiar de palavras agrupadas sob esse rótulo
gramatical. Muitos estudos defluíram diretamente de tais observações,
dentre eles, destacamos a proposta clássica de Bolinger (1967), embora
outras também caminhem nesta direção7.
7
Além de Boliger, autores como Vendler (1967) e Zuber (1973) também propuseram
classes para os adjetivos. Por questões de espaço, não abordamos aqui tais propostas.
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118
4 A Classificação de Bolinger (1967)
Sob um viés semântico, analisando o inglês, Bolinger (1967)
objetivou criticar a ideia de que os adjetivos, em posição de atributo,
eram frutos de transformações via cláusula relativa, conforme propôs
Chomsky (1957). Segundo o autor, não se poderiam considerar atributos
como resultado de transformações de predicados e, para isso, ele se
valeu de exemplos como 5 e 68:
(5) a. A total stranger. (Um estranho total).
b. *The stranger is total. (O estranho é total).
(6) a. *An asleep man. (Um homem adormecido).
b. The man is asleep. (O homem está dormindo).
O que Bolinger queria demonstrar era que, em 5a, o adjetivo
total liga-se ao substantivo stranger diretamente, sem o auxílio de um
verbo de ligação (a chamada posição de atributo), e que jamais seria
possível derivar uma sentença predicativa (5b) a partir de um atributo,
pois, nesse caso, uma derivação como essa violaria alguma restrição
sintático-semântica, gerando uma sentença agramatical. Esse tipo de
restrição ocorria, segundo Bolinger, ao se derivar um adjetivo em posição
predicativa (6b) resultando numa sentença agramatical. Por meio desses
exemplos, Bolinger sustentou a ideia da impossibilidade de derivação
de atributo via cláusula relativa.
No entanto, existem adjetivos que parecem, a princípio, admitir
a derivação desses dois modos, ou seja, um predicado permitindo a
derivação a partir de um atributo, e vice-versa, como se pode observar
em 7:
(7) a. The jewels are stolen. (As jóias são roubadas).
b. The jewels stolen. (As jóias roubadas).
8
As sentenças traduzidas são, apenas, um recurso de auxílio ao leitor. As traduções para o português,
em alguns casos, alteram as propriedades discutidas.
Uma breve abordagem histórica da classe dos adjetivos
119
O adjetivo stolen poderia, desse modo, contrariar a tese inicial de
Bolinger (1967), de que não há possibilidade de adjetivos em posição
de atributo serem derivados via cláusula relativa; porém, o autor
destacou que, mesmo nesses casos, a passagem de um ao outro uso,
permeado por transformações, carecia de regularidade. Para ele, uma
sentença como 7a seria de natureza ambígua, isto é, apresenta duas
possibilidades de interpretação. Na primeira, denominada por Bolinger
de ação, estaríamos diante de um caso de sentença passiva; na segunda,
chamada de característica, teríamos não mais uma sentença passiva, mas
um adjetivo qualificativo.
Todavia, havendo a derivação The stolen jewels diretamente de The
jewels are (were) stolen, derivaríamos uma sentença não-ambígua de uma
sentença ambígua, como também estaríamos diante de uma sequência
ilógica, como indicam estes exemplos9:
The jewels are stolen
(+ característica)
The jewels stolen
(- característica)
The stolen jewels
(+ característica)
Para solucionar as restrições que impossibilitavam alguns adjetivos
aparecerem nas posições de atributo e predicativo, Bolinger (1967)
propôs dois tipos de be-predications10. Segundo ele, apenas os adjetivos bepredications seriam derivados de transformação de apagamento de oração
relativa. Com as investigações que promoveu, Bolinger demonstrou que
havia nítida diferença entre a modificação exercida pelo predicativo e a
modificação exercida pelo atributo.
O argumento usado por Bolinger para justificar o uso atributivo
de certos adjetivos e a impossibilidade de uso, nessa mesma posição,
por outros, estava fundamentada na noção de adjetivos temporários
(betemp) e não-temporários (bentemp), diferenciando, assim, dois tipos de be.
Para Bolinger, somente os adjetivos não-temporários (bentemp)
poderiam ser usados atributivamente e, na defesa dessa tese, ele
apresentou os seguintes exemplos:
O exemplo é esquematizado por Borges Neto (1979, p. 8).
Distintamente do inglês, o português apresenta duas marcas formais para o be-pedications de
Bolinger: ser e estar.
9
10
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(8) a. The girl is foolish. (A menina é tola).
b. The foolish girl. (A menina tola).
c. The girl is faint. (A menina está desmaiada).
d. *The faint girl11. (A menina desmaiada).
O be temporário (betemp) é responsável por indicar uma qualidade
passageira, conforme se observa em 8c-d, em que o adjetivo “faint”
apresenta o estado temporário em que a menina se encontra; já o be
não-temporário (bentemp) indica uma qualidade não-temporária da menina,
conforme ilustra o adjetivo “foolish” em 8(a-b).
Diante das constatações preliminares, Bolinger (1967) alertou
que, embora a noção de temporalidade desse conta de explicar um
grande número de restrições de uso dos adjetivos, outros tantos casos
fugiam a essa explicação. Apresentado o critério pelo qual seria possível
justificar o uso atributivo de certos adjetivos e a impossibilidade desse
mesmo uso em outros casos, Bolinger, após apresentar os dois tipos
de adjetivos, apontou dois tipos de modificações exercidas por eles, a
saber: modificação de referente e modificação de referência. Vejamos
os exemplos em 9, apresentados pelo autor:
(9) a. The boy is a student. (O menino é um estudante).
b. The student is eager. (O estudante é ansioso).
c. he boy is an eager student. (O menino é um estudante ansioso).
A discussão de Bolinger permeou a questão semântica que existe
entre “O estudante é ansioso” e “O menino é um estudante ansioso”.
Para o autor, em 9a há o destaque da impaciência de um indivíduo
que também é estudante; em 9b, centra-se em um indivíduo que só é
impaciente enquanto estudante.
Bolinger argumentou, então, que os adjetivos predicativos eram,
preferencialmente, modificadores de referente, enquanto os atributos
eram modificadores de referência, ou seja, a modificação de referente
estava para a leitura predicativa enquanto a modificação de referência
estava para a leitura atributiva.
11
Diferentemente do inglês, essa sentença é gramatical em português. Conteratto (2009) chama
atenção, no entanto, para o fato de que, tanto no inglês quanto no português, o adjetivo “desmaiada”
é incompatível com o verbo ser.
Uma breve abordagem histórica da classe dos adjetivos
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Diante dessa discussão, o autor apresentou a noção de
transferibilidade. De acordo com ele, adjetivos de referentes tendem a ser
transferíveis de um nome a outro, o que não acontece com os adjetivos de
referência. Para esclarecer tal noção, apresentou os seguintes exemplos:
(10) a. Henry is a drowsy policeman/ man / father
(Henry é um policial sonolento / um homem sonolento /
um pai sonolento)
b. Henry is a smart student. (Henry é um estudante esperto)
Para Bolinger, em 10, a ligação que se estabelece entre o adjetivo
drowsy e Henry é independente da ligação entre Henry e policeman. Desse
modo, policeman poderia ser substituído por qualquer outro nome sem
alterar a relação que se estabelece entre drowsy e Henry. Em 10b, nota-se
que Henry só é esperto na condição de estudante.
Em suma, vimos que Bolinger (1967) se ateve ao estudo dos
adjetivos, objetivando criticar a ideia de que eles, em posição de atributo,
seriam fruto de transformações via cláusula relativa. Para tanto, propôs
dois tipos de be-predications, fundamentado na noção de adjetivos
temporários (betemp) e não-temporários (bentemp).
5 Considerações Finais
Neste trabalho, problematizamos a fluidez dos adjetivos e os
desdobramentos que a classe gramatical em comento passou no decurso
do tempo. Para tanto, procuramos apresentar uma parte da história
dessa classe, ao longo do pensamento ocidental, partindo das reflexões
platônicas e aristotélicas, passando pelas bases romanas e ramificações.
Demonstramos que os adjetivos foram objeto de investigação
no quadro inicial das reflexões chomskyanas e apresentamos os
desdobramentos que se seguiram às noções iniciais de que o adjetivo
em posição de atributo era fruto de transformações generalizadas ou
de transformações de orações relativas. Tal desdobramento deu-se
no âmbito de várias propostas de classificação, visando ratificar ou
122
Roberto Santos de Carvalho e Gessilene Silveira Kanthack
refutar tais concepções. Das propostas que versaram sobre esse assunto,
destacamos a de Bolinger (1967).
A descrição a que nos detivemos, ao longo do trabalho, visou, tão
somente, apresentar as primeiras reflexões e propostas de classificação
para os adjetivos. Discutir mais profundamente as implicações de uma
ou outra classificação, associando a outros estudos posteriores que
procuraram, também, distribuir os adjetivos em classes, fugiria aos
nossos propósitos. É lícito, no entanto, destacar que um verdadeiro
exército de pesquisadores se debruçou em torno dessa temática.
Alguns autores trilharam caminhos paralelos, parcialmente opostos, ou
totalmente opostos às propostas de Bolinger.
Entre as muitas investigações, listamos algumas com o objetivo
de indicar um primeiro caminho de leituras para aqueles que vierem
a se interessar pela temática. Os trabalhos citados remetem a outras
investigações, estabelecendo, assim, uma teia de referências que
pode servir de base de pesquisa, o que poderá poupar o trabalho
de “arqueologia” àqueles que trilharem os caminhos dos estudos dos
adjetivos.
Analisando outras línguas, que não o português, encontramos
trabalhos como os de: Siegel (1976), que trata, entre outros aspectos,
da questão da ambiguidade; Carlson (1977), que retomou as reflexões
aristotélicas no que tange à noção de referência temporal dos adjetivos,
entre outros assuntos; Levi (1978), que continuou focado no emprego
das duas formas dos adjetivos: atributiva e predicativa; Dixon (1982),
que tratou da classificação dos adjetivos pelo viés da noção de campo
semântico.
Analisando o português, muitos estudos investigaram os
mais diversos aspectos dos adjetivos; questões como ergatividade,
gradação, categorias vazias, posição dos adjetivos no sintagma nominal,
Processamento Automático das Línguas Naturais (PLN) foram objeto
de investigação. Dos principais trabalhos que trataram dessas e outras
perspectivas, destacam-se os de Alkmin (1975), Vannucchi (1977), Pazini
(1978), Lemle (1979), Borges Neto (1979), Kato (1989, 1990), Boff
Uma breve abordagem histórica da classe dos adjetivos
123
(1991), Silva e Pria (2001, 2002), Di Felippo (2004), Rio-Torto (2006),
Silva (2008), Conteratto (2009).
O quadro que mostramos não conseguiria reunir todas as
investigações empreendidas em torno da temática. Esperamos que
o breve panorama apresentado possa demonstrar que as indagações
acerca dos adjetivos seguem longa trajetória no pensamento ocidental.
REFERÊNCIAS
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Recebido em agosto de 2011.
Aprovado novembro de 201
SOBRE OS AUTORES
Roberto Santos de Carvalho é graduado em Letras e mestre
em Letras: Linguagens e Representações, pela Universidade
Estadual de Santa Cruz.
Email: [email protected]
Gessilene Silveira Kanthack é mestre e doutora em
Linguística, pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Atualmente é professora titular da Universidade Estadual de
Santa Cruz, atuando na graduação e no Mestrado em Letras,
Linguagens e Representações.
Email: [email protected]
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