Luís da Câmara Cascudo (Patrono da Biblioteca e do Memorial) Nasceu em Natal (bairro da Ribeira), a 30.12.1898, filho do Coronel da Guarda Nacional Francisco Justino de Oliveira Cascudo e Ana Maria Câmara Cascudo. Teve uma infância atípica, com a perda de três irmãos vitimados pela difteria: temendo perdê-lo também, seus pais o protegeram com excessivos cuidados, negando-lhe acesso a praticamente tudo aquilo que compõe o universo sensorial infantil (correr, saltar, andar descalço, levar sol, chuva, vento da tarde ou sereno; brincar naturalmente com outras (43) crianças, comer bolo de tabuleiro ou, mesmo, ter contato com a água da maré, etc.). Restou-lhe o direito de ver livro de figuras, colecionar estampas de santos e ouvir estórias de Trancoso (...), comenta Zila Mamede (LUÍS DA CÂMARA CASCUDO: 50 Anos de Vida Intelectual1918/1968, Vol. I, Parte 1, p. 11). Lia aos seis anos de idade. Vivia cercado por impressos – coleções, revistas, álbuns. Foi o primeiro menino, em Natal, a possuir um quarto para a biblioteca que era visitada, gabada, aludida nos jornais por gente grande (op. cit., p. 12). Estudou em colégios religiosos e cursou humanidades no Atheneu Norte-rio-grandense. Iniciou-se no jornalismo (1918) escrevendo uma coluna no jornal “A Imprensa”, mantido por seu pai; posteriormente, colaboraria em todos os demais de Natal. Fez medicina na Bahia até o 4º. ano, desistindo e optando pelo bacharelato em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito do Recife (1924-1928). Além de jornalista – na prática diária – e advogado, seus conhecimentos, acumulados na leitura e pesquisa incessantes, fizeram-no, no transcurso de décadas, antropólogo, etnógrafo, folclorista, historiador, sociólogo e professor, possuidor de vasta erudição. Para Zila, embora escrevendo sobre variados assuntos, (...) é evidente a sua especialização na etnografia e no folclore e a sua predileção pela história, pela geografia e pela biografia (ib., p. 16). Seu primeiro livro publicado foi Alma Patrícia, crítica literária (1921), seguindo-se muitos outros, tais como: Histórias Que o Tempo Leva (1924), O Mais Antigo Marco Colonial do Brasil (1934, 1940, 1965), O Brasão Holandês do Rio Grande do Norte (1936, 1949, 1955), O Marquês de Olinda e Seu Tempo (1938), Informação de História e Etnografia (1940, 1944), Contos Tradicionais do Brasil (1946, 1955, 1967), Geografia dos Mitos Brasileiros e História da Cidade do Natal (1947), Os Holandeses no Rio Grande do Norte (1949), Geografia do Brasil Holandês (1949, 1956), Dicionário do Folclore Brasileiro (1954, 1962), História do Rio Grande do Norte (1955, 1984), Paróquias do Rio Grande do Norte (1955), Vida de Pedro Velho (1956), A Cozinha Africana no Brasil (1964), Flor dos Romances Trágicos (1966), Folclore do Brasil (1967), História da Alimentação no Brasil (v. 1, 1967; v. 2, 1968), Civilização e Cultura (1973) e, em seis volumes, O Livro das Velhas Figuras (entre 1974 e 1989), este baseado em suas crônicas no jornal “A República” (coluna Acta Diurna), entre dezenas de outros. Sua obra compreende mais de 150 títulos, muitos dos quais foram traduzidos e reeditados no exterior. A maior parte desse trabalho foi produzida no seu gabinete - casarão da Rua Junqueira Aires, 377, onde residia, hoje tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional. A extensão de temas sobre os quais pesquisou e escreveu é, segundo seus biógrafos, “prodigiosa”, sobretudo ao considerar-se a particularidade de que trabalhava só (críticos experientes se surpreenderam ao constatar tratar-se de trabalho individual obra cuja dimensão, em circunstâncias normais, sugere a intervenção de uma equipe): É ele o conhecedor dos problemas em todos os campos da expressão literária e artística, especialmente no que se entende com as tradições populares que integram a ciência que estuda mitos, contos, fábulas, adivinhas, música, poesia, provérbios, sabedoria tradicional e anônima (João Medeiros Filho, Contribuição à História Intelectual do Rio Grande do Norte, p. 31). Para Veríssimo de Melo, o seu desempenho foi singular no país: Sobre cada setor da nossa cultura popular – contos, literatura de cordel, superstições, mitos, rede de dormir, jangadas, etc. – ele escreveu um volume. Além da coleta pessoal, foi às raízes de cada manifestação, comparando, interpretando, procurando as origens, num esforço de exegese, compreensão e amor pelas tradições do nosso povo, que, em amplitude e profundidade, não tem paralelo no Brasil (Patronos e Acadêmicos, Vol. II, p. 122). Zila Mamede, menos emocional e mais técnica, corrobora: (...) povo e gente, municípios, cidades, vilas, fazendas, engenhos; mares, praias, rios, serras, cavernas; economia e produção; igrejas, casas, ruas, becos, festas populares, santos, artistas. Quem quer que seja que deseje escrever sobre o Rio Grande do Norte, sobre a cidade do Natal, terá, evidentemente, que partir de Luís da Câmara Cascudo. Sua obra é a fonte inicial (ib., p. 16). Em 1941 fundou a Sociedade Brasileira de Folclore; em 1948 foi nomeado pelo então Prefeito de Natal, Sílvio Pedroza, “Historiador da Cidade”, e, em 1955, a rua em que nascera, das Virgens, passou a ter o seu nome, por iniciativa do prefeito à época, Wilson Miranda. Ensinou História do Brasil e Etnografia Geral no Atheneu, na Escola Normal e no Instituto de Música, e Direito Público Internacional na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Exerceu os cargos de Secretário do Tribunal de Justiça, Consultor Jurídico do Estado, Diretor do Arquivo Público Estadual e do Museu do Rio Grande do Norte, Presidente do Conselho Municipal de Turismo e Membro do Conselho Federal de Cultura. Foi sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e, segundo Veríssimo, de todos os Institutos Históricos dos Estados; sócio-fundador da Academia Norte-riograndense de Letras (1936) e integrante das academias de letras do Pará, Piauí, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Acre; pertencia à Academia Nacional de Filologia; à Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia, e ao Centro de Ciências, Artes e Letras de Campinas-SP. No plano internacional pertencia a várias instituições dedicadas ao estudo da arqueologia, antropologia, etnologia, história, geografia, folclore, filosofia e sociologia, como sejam: Instituto Português de Arqueologia, História e Etnologia; Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia da Universidade do Porto (Portugal); Academia Nacional de História e Geografia, do México; Sociedade de Geografia de Lisboa; American Folk-lore Society (honorário); International Society for Folk-Narrative Research (Gottingen, Alemanha); Comission Internacional des Arts et Traditiones Populaires (Paris, França); Associación Española de Etnologia y Folk-lore; Sociedade de Folk-lore do México; Societé des Americanistes de Paris; Societé Suisse des Americanistes; Academia de Ciências de Lisboa; Instituto de Coimbra (Portugal); Real Academia Galega (Galiza, Espanha); Honorary Life Membership of the American International Academy (New York, Estados Unidos), além de outras localizadas na Inglaterra, Irlanda, Argentina, Chile, Uruguai, Peru e Bolívia. Era do Lyons Club Natal-centro desde sua fundação e o primeiro sócio honorário do Lyons Club Internacional. Recebeu dezenas de condecorações e títulos honoríficos, a saber: Grande Oficial da Ordem do Mérito Naval, Comendador da Ordem do Rio Branco, Comendador da Ordem de Cristo (Portugal), Comendador da Ordem dos Cisneiros (Espanha), Comendador da Ordem de São Gregório (Vaticano) e Oficial da Ordem da Coroa (Itália), entre outras no grau de comendador; recebeu, ainda, a Medalha de Guerra do Brasil, a Star and Cross of the Academy Honor (da The American International Academy of New York), as Medalhas Culturais Pacificador, Tamandaré, Atlântico Sul (Aeronáutica), Guararapes, Sílvio Romero, Alberto Maranhão, Pirajá da Silva, Vital Brasil, Nina Rodrigues, Alexandre de Gusmão e do Mérito (esta, de Recife), etc. Entre os prêmios de literatura, constam: “João Ribeiro” (1948), “Machado de Assis” (1956), “Brasília”, pelo conjunto de sua obra, e “Henning Albert Boileesen”, por sua luta em favor do desenvolvimento cultural do País. No centro da capital potiguar o Memorial Câmara Cascudo guarda o fabuloso acervo por ele construído, admirável obra individual a surpreender os contemporâneos e exemplificar os pósteros. Sua efígie estampou papel-moeda (1991) e seu nome está em biblioteca, escola, museu, concurso literário, etc. Faleceu em Natal, a 30 de julho de 1986. _________________________ (43) Compensando, talvez, aqueles tempos em que se via compelido à permanência numa redoma, por questões de saúde, na sua mocidade, em Natal, Cascudo teve existência de príncipe. Andava de polainas, monóculo e bengala do Egito, guiando um ‘Ford bigode’, dos primeiros chegados à cidade. A Vila Cascudo, no Tirol, era centro permanente de reuniões literárias, jantares festivos, recitais de músicos famosos que transitavam por Natal (...) (Veríssimo de Melo, op. cit., p. 125). __________________ Fonte: texto e foto, Arquivos da FJA/CEPEJUL