Epidemiologia genética. Catarina Correia

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Epidemiologia genética
1-Epidemiologia genética
A Epidemiologia genética é o estudo da etiologia,
distribuição e controlo de uma doença em grupos de
fami­liares e dos determinantes genéticos de uma doença
nas populações (Kaprio et al, 2000). Esta disciplina
cobre uma área largada de investigação, que pode ir
desde a agregação familiar da doença até à sua origem
molecular. A identificação de factores genéticos de risco
envolvidos na patologia em estudo e a quantificação do
seu impacto na ocorrência da população em geral, são
duas das suas principais finalidades. Em paralelo com o
mapeamento do genoma humano e com os avanços das
tecnologias moleculares, a importância das aplicações da
epidemiologia genética tem-se tornado cada vez maior.
Apesar da maior parte dos seus sucessos terem sido nas
doenças monogénicas, nas quais a hereditariedade segue
as leis de Mendel, actualmente a epidemiologia genética
está cada vez mais focada nas doenças comple­xas como
a diabetes, asma, doenças cardíacas ou cancro, as quais
são causadas por vários factores genéticos e ambientais
interactuantes (Burton et al, 2005).
Neste artigo é apresentado o esquema geral para a
investigação do papel de factores familiares, nomea­
damente determinantes genéticos, na etiologia de doenças
complexas como é o caso das doenças cardiovasculares.
Catarina Correia
Licenciada em Biologia Microbiana e Genética pela
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Desde
Outubro de 2004 desenvolve o seu trabalho de investigação para doutoramento no Instituto Nacional de Saúde
Dr. Ricardo Jorge e no Instituto Gulbenkian de Ciência.
A sua investigação centra-se nos factores genéticos de
susceptibilidade para o autismo, com particular ênfase
nos genes que influenciam a variabilidade de resposta
a um medicamento específico observada nas crianças
com autismo.
Sumário
1- Epidemiologia genética
1.1- Doenças Mendelianas vs Doenças Complexas
1.2- Agregação Familiar
1.2.1- Estudos familiares
1.2.2- Estudos de gémeos
1.2.2.1- Heritabilidade
1.3- Mapeamento genético
1.3.1- Marcadores genéticos
1.3.2- Estudos de Linkage
1.3.2.1- Linkage paramétrico
1.3.2.2- Linkage não paramétrico
1.3.2.3- Rastreios do genoma
1.3.3- Estudos de associação
1.3.3.1- Estudos caso-controlo
1.3.3.2- Estudos baseados em famílias
1.3.3.3- Whole genome association
1.1- Doenças Mendelianas vs. Doenças
Complexas
Uma doença mendeliana é uma doença causada por
uma alteração num único gene e cuja transmissão segue
as razões descritas por Gregor Mendel (uma cópia de
um determinado gene é herdada do pai e outra da mãe,
independentemente e ao acaso com uma probabilidade
de ¼ para cada genótipo).
Existem vários padrões de hereditariedade mendeliana:
autossómica dominante, autossómica recessiva e ligada ao
sexo.
Autossómica dominante é um modo de hereditariedade
de caracteres genétios localizados num autossoma (um
dos 22 cromossomas que não determinam o sexo) e que
se manisfestam mesmo se só estiver presente uma cópia
do alelo defectivo. Uma doença com herediateriedade
autossómica dominante caracteriza-se por não saltar
gerações. Se um progenitor for homozigótico para o
alelo causador da doença, a descedência será sempre
afectada mesmo se o outro progenitor não for afectado.
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nos familiares de um probando (1º indivíduo afectado de
um pedigree) e o risco da doença na população em geral
(Burton et al, 2005; Maestrini et al, 1998).
O padrão de variação de λR nos diferentes pares de
familiares fornece informações acerca da do mecanismo
genético de uma doença. Risch (1990) sugeriu que
em qualquer doença causada por um gene único
preponderante, o risco para os familiares diminui em cerca
de metade com o aumento da distância genética.
Na maior parte das doenças complexas verifica-se
uma acentuada diminuição do risco para os familiares em
segundo e terceiro grau, o que aponta para o envolvimento
de múltiplos genes interactuantes na etiologia do autismo
(Maestrini et al, 1998; Szatmari et al, 1998).
λR reflecte o efeito conjunto de todas as causas de
agregação familiar, não apenas os determinantes genéticos.
Um elevado grau de agregação familiar pode reflectir
factores ambientais comuns, mas aponta sobretudo para
um envolvimento da factores genéticos (Maestrini et
al, 1998). Para distinguir o efeito dos factores genéticos
e ambientais que contribuem para a agregação familiar
são efectuados estudos com gémeos mono e dizigóticos e
estudos de adopção
Exemplos de doenças com este tipo de hereditariedade
são a hipercolesterolemia familiar, doença de Huntington
e neurofibromatose.
Um carácter recessivo, pelo contrário só se manisfesta
se existirem duas cópias do alelo defectivo, ou seja se o
indivíduo for homozigótico. Neste tipo de hereditariedade
pais não afectados podem ter descendentes afectados,
desde que ambos sejam portadores da doença. A fibrose
cística, talassémia, albinismo e fenilcetonúria são alguns
exemplos de doenças que apresentam este tipo de
hereditariedade.
Na hereditariedade ligada ao sexo, ao contrário da
autossómica cada sexo tem probabilidades diferentes
de expressar um carácter. O tipo de hereditariedade
mais comum é o recessivo ligado ao cromossoma X.
As doenças com este tipo de hereditariedade ocorrem
mais frequentemente em homens, dado que estes têm
apenas um cromossoma X, e são transmitidas através das
mães portadoras para o filho afectado. O daltonismo e a
hemofilia são dois exemplos bem conhecidos de doenças
com hereditariedade recessiva ligada ao cromossoma X.
Uma doença complexa é uma condição genética
cujo modo de transmissão não segue as leis de Mendel.
Estas doenças envolvem factores ambientais e múltiplos
genes de pequeno efeito no fenótipo, em que cada um
não é necessário nem suficiente para causar a doença
mas predispõem para a doença. A relação entre um gene
particular e a doença não é tão óbvia como nas doenças
mendelianas.
1.2.2- Estudos de gémeos e estudos de adopção
Os estudos de gémeos consistem na comparação da taxa
de concordância para uma determinada doença em gémeos
monozigóticos, os quais são geneticamente idênticos,
com a taxa em gémeos dizigóticos, os quais partilham
50% dos genes por descendência. A explicação para uma
maior concordância entre os gémeos monozigóticos que
entre os dizigóticos são os factores genéticos, já que é
assumido que os gémeos partilham factores ambientais
semelhantes (Maestrini et al, 1998; Szatmari et al, 1998).
Uma concordância entre gémeos monozigóticos
inferior a 100% e uma diminuição acentuada nas taxas
de concordância dos gémeos monozigóticos para as dos
dizigóticos é inconsistente com uma transmissão autos­
sómica e implica um modo de transmissão não mendeliano,
possivelmente envolvendo factores ambientais e vários
genes que interactuem entre si (Szatmari et al, 1998;
Maestrini et al, 1998).
Outra forma de distinguir os factores genéticos dos
não genéticos são os estudos de adopção nos quais é
comparada a incidência da doença nos pais biológicos e
afectivos e nos seus filhos biológicos e adoptivos (Kaprio
et al, 2000).
1.2-Agregação Familiar
O primeiro objectivo da epidemiologia genética
é determinar se uma doença tem uma componente
genética e qual a sua importância em relação aos factores
ambientais, que vão desde o ambiente intrauterino até aos
aspectos sociais.
Em epidemiologia genética agregação familiar signi­fica
a existência, em média, de uma maior frequência da doença
em familiares próximos de indivíduos doentes do que em
familiares de indivíduos que não tenham a doença. Para
determinar a agregação familiar e componente genética
de uma doença são necessários estudos familiares.
1.2.1- Estudos familiares
Estes estudos permitam estimar a razão dos riscos
de recorrência (λR) que é uma medida da agregação
familiar da doença. λR é a razão entre o risco de doença
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Epidemiologia genética
1.2.2.1- Heritabilidade
As diferenças entre as taxas de concordância nestes
estudos permitem estimar a heritabilidade. A heritabilidade
em sentido lato é a proporção da variância atribuída a
factores genéticos. A heritabilidade em sentido estrito
é a proporção da variância atribuída apenas a factores
genéticos aditivos (Burton et al, 2005).
Este é um conceito que é definido para uma população
particular num tempo determinado.
1.3- Mapeamento genético
Havendo evidências de um componente genético signi­
ficativo para uma determinada doença, o próximo passo é a
localização e identificação dos genes de susceptibilidade.
A identificação de genes e variantes genéticas res­
pon­sáveis por doenças complexas é difícil uma vez
que vários genes determinam um mesmo fenótipo. A
variação ambiental é difícil de controlar e os efeitos dos
genes individuais são reduzidos, o que requer amostras
populacionais muito grandes para detectar uma associação.
Portanto, a identificação dos genes de susceptibilidade
para as doenças complexas requer estratégias diferentes
das usadas no estudo nas doenças monogénicas.
Existem duas abordagens diferentes no mapeamento
genético: linkage e associação (Teare et al, 2005), que são
usadas em diferentes etapas do estudo genético.
Em doenças complexas uma vez que o mecanismo de
patogénese é desconhecido e existem muitos genes can­
didatos, é usada numa primeira abordagem uma rea­­lização
de rastreios sistemáticos do genoma para a detecção de
linkage, usando métodos estatísticos não paramétricos com
o objectivo de identificar as regiões do genoma que pos­
suam genes de susceptibilidade para a doença em causa.
A análise de linkage de doenças complexas permite
identificar apenas grandes regiões genómicas, mesmo
utilizando mapas de marcadores muito densos. Embora
possa existir um forte gene candidato na região de linkage
identificada, estas regiões possuem geralmente centenas
de genes, muitos dos quais são candidatos biológicos
plausíveis. Para fazer o mapeamento fino dessas regiões,
usam-se estudos de associação (Teare et al, 2005).
1.3.1- Marcadores genéticos
Uma vasta quantidade de informação relativa ao
genoma humano pode agora ser incluída nos estudos de
epidemiologia genética. O mapeamento genético tem por
base o estudo da cosegregação de marcadores polimór­
ficos do DNA com a doença. Um marcador genético é uma
sequência de DNA que apresenta duas ou mais variantes
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genéticas com uma frequência superior a 1% numa
população, tem uma localização cromossómica específica
e conhecida e é herdado segundo as leis de Mendel.
Existem vários tipos de marcadores genéticos, sendo os
mais importantes os microsatélites e os single nucleotide
polymorphisms (SNPs) (Burton et al, 2005).
Os microsatélites consistem em repetições múltiplas
de uma pequena sequência de 2 a 8 nucleótidos, sendo
os seus alelos distinguidos pelo diferente nº de repetições
que apresentam. Os microsatélites são altamente variáveis
numa população (Burton et al, 2005).
Os SNPs são variações num único par de bases. O
número de SNPs conhecidos no genoma humana ultrapassa
os 10 milhões, e embora a sua informação seja limitada,
a facilidade de genotipagem e o seu elevado número e
frequência (de 1000 em 1000pb) no genoma humano
fazem com que estes marcadores sejam muito vulgarmente
usados nos estudos de epidemiologia genética (Burton et
al, 2005, Morton et al, 2003).
Mais recentemente têm-se tornado populares outro
tipo de polimorfismos designados CNVs (copy number
variations) que são variações de número de cópias de se­
gmentos genómicos e que contribuem consideravelmente
para a diversidade do genoma humano. Estas variações
incluem deleções, inserções e duplicações que vão desde
1Kb a várias Mb, levando a que dois genomas humanos
possam diferir mais do que 20Mb. Cerca de 3000 genes
estão associados a CNVs, levando a que existam dife­renças
na expressão dos genes com deleções ou duplicações
(Kehrer-Sawatzki, 2007).
A variante específica de cada marcador que está
presente em cada indivíduo pode ser facilmente detectada
por técnicas moleculares. Em seguida, através da incor­
poração da biologia da formação dos gâmetas e da
recombinação cromossómica num modelo matemático, é
possível estimar se a variante causal de uma doença se
localiza na proximidade de um marcador genético.
1.3.2- Estudos de Linkage
O genoma humano é formado por 46 cromossomas, 22
pares homólogos de autossomas e 1 par de cromossomas
sexuais. Em cada par de cromossomas homólogos um é
derivado do pai e outro da mãe, e os dois têm a mesma
sequência de genes nas mesmas posições, embora exibam
pequenas variações em vários loci.
Na formação dos gâmetas, os cromossomas homólogos
emparelham e trocam segmentos entre si, um fenómeno
designado por crossing-over. Cada gâmeta recebe depois
ao acaso um cromossoma de cada par de cromossomas
homólogos.
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A análise de linkage baseia-se na ocorrrência de crossing
over ou recombinação durante a meiose. A frequência de
recombinação entre dois loci depende da distância física e
genética entre os dois. Quanto menos afastados estive­rem
dois loci num cromossoma, menor será a probabilidade
de serem separados por um crossing-over, pelo que alelos
num pequeno segmento cromos­sómico tendem a ser
transmitidos em bloco (diz-se que os dois loci estão em
linkage). A fracção de recombicação (teta) (proporção de
meioses em que ocorre recombinação) é uma indicação
da distância genética entre dois loci (Burton et al, 2005).
Se numa família um marcador segregar consistentemente
com a doença, isso implica a existência de um locus de
susceptibilidade para a doença na região do marcador
(Teare et al, 2005).
1.3.2.2- Linkage não paramétrico
Nas doenças complexas, nas quais vários genes contribuem para a doença, o modo de transmissão é geralmente desconhecido e pedigrees usados na análise de
linkage paramétrico não estão disponíveis. Deste modo,
são usados métodos de linkage não paramétricos, que
não requerem a especificação de um modelo de transmissão, baseando-se na partilha de alelos entre os membros afectados em múltiplas famílias nucleares. Existem
várias abordagens de linkage não paramétrico, a mais simples das quais é a análise de pares de irmãos afectados.
Num determinado locus, o nº de alelos idênticos por des­
cendência entre dois irmãos pode ser 0, 1 ou 2. A hipótese
nula é que um par de irmões partilhe num determinado
locus 0 ou 2 alelos com 25% de probabilidade e 1 alelo
“O primeiro objectivo da epidemiologia genética
é determinar se uma doença tem uma componente genética
e qual a sua importância em relação aos factores ambientais”
1.3.2.1- Linkage paramétrico
A análise de linkage paramétrico baseia-se na iden­
tificação de marcadores que cosegreguem com a doença
dentro de famílias, geralmente com várias gerações e
indíviduos afectados. A probabilidade de linkage é esti­
mada através do valor de LOD score (Z). Este é o loga­
ritmo da probabilidade de linkage, ou seja a razão entre
a probabilidade de linkage para uma dada fracção de
recombinação e a probabilidade esperada assumindo que
não existe linkage. Isto significa que o LOD score é diferente
consoante a fracção de recombinação considerada. O objec­
tivo final é determinar qual a fracção de recombinação
entre os marcadores individuais e o locus da doença ou a
posição desse mesmo locus relativamente aos marcadores
usados na análise. A fracção de recombinação ou posição
que maximiza o valor de LOD score é a escolhida (Teare et
al, 2005).
Quanto mais elevado for o valor de LODscore maior é
a evidência de linkage. Geralmente considera-se um Z≥3
como evidência significativa de linkage (Teare et al, 2005),
enquanto valores inferiores a -2 são rejeitados.
Para calcular o LOD score é necessário especificar um
modelo genético para a doença, modelo esse que inclui
a frequência do alelo causador da doença, frequências
alélicas do marcador genético, o modo de transmissão e
a penetrância.
com 50%. As proporções de pares de irmãos que partilham
0, 1 ou 2 alelos num locus candidato podem ser compa­
radas com as probabilidades esperadas, com o objectivo
de identificar marcadores para os quais os pares de irmãos
afectados partilhem alelos idênticos por descendência
mais frequentemente que o esperado.
No entanto, estes métodos são pouco robustos e têm
pouco poder para detectar genes de efeito menor (Teare
et al, 2005, Maestrini et al, 2000; Elston and Thompson,
2000; Ott, 1999).
1.3.2.3- Rastreios do genoma
Na ausência de fortes genes candidatos e anomalias cromossómicas que apontem regiões específicas do
genoma, a estratégia de análise genética mais correcta nas
doenças complexas é a realização de rastreios sistemáticos
do genoma para a detecção de linkage, usando métodos
estatísticos não paramétricos.
Estes rastreios são possíveis graças à disponibilidade
de mapas genéticos densos de microsatélites altamente
informativos, ao desenvolvimento de tecnologia de genotipagem semi-automática e à elaboração de abordagens
estatísticas especializadas.
Para a detecção de loci de susceptibilidade num típico
rastreio do genoma, a pesquisa decorre em duas fases.
Numa primeira fase de rastreio deveriam ser, idealmente,
63
Epidemiologia genética
analisadas pelo menos cerca de 100 famílias e é geralmente utilizada uma colecção de cerca de 300 microsatélites com uma separação de 10-20 centimorgans (cM).
Toda a informação é usada para calcular valores de LOD
scores máximos (MLS) (Maximum Lod Score) em cada
ponto do genoma. Na segunda fase, cada área de interesse com um MLS> 1 é investigada recorrendo a mais
marcadores (idealmente dois marcadores a flanquear o
marcador de interesse). Um aumento do número de famílias é necessário para a replicação dos resultados sugestivos de linkage (MLS>3 ) na primeira fase (Maestrini et
al, 1998).
1.3.3- Estudos de associação
Os estudos de associação examinam a co-ocorrência
de um marcador e de uma doença a nível populacional.
A associação difere do linkage no sentido em que o
mesmo alelo está associado com a doença de forma semelhante em toda a população, enquanto no linkage
diferentes alelos podem estar associados com a doença
em diferentes famílias (Cordell & Clayton, 2005).
Os estudos de associação baseiam-se no desequilíbrio
de linkage. Dois loci dizem-se em equilíbrio de linkage
quando numa população estão presentes igualmente todas
as combinações possíveis dos alelos desses loci. Quando
umas dessas combinações está presente mais frequen­
temente do que seria de esperar por associação aleatória,
significa que os loci estão em desequilíbrio de linkage.
Em geral dois loci em desequilíbrio de linkage estão em
linkage, mas o contrário nem sempre é válido. Dois loci
dizem-se em linkage se durante a meiose, a recombinação entre eles ocorre com uma probabilidade inferior a
50%. Por outro lado, de cada vez que ocorre uma recombinação entre dois loci, o desequilíbrio de linkage entre eles
enfraquece e só se mantém se os dois estiverem muito
próximos. Desta forma, o linkage estende-se por regiões
muito maiores do que o desequilíbrio de linkage (Teare et
al, 2005; Cordell & Clayton, 2005), daí que os estudos de
associação sejam usados para fazer o mapeamento fino
de regiões previamente identificadas por linkage ou para
testar genes candidatos.
O poder dos estudos de associação para detectar genes
de pequeno efeito é maior do que o da análise de, no
en­­tanto requer a genotipagem de um maior número de
marcadores.
Numa população a associação entre um marcador
genético e um dado carácter pode ocorrer por três razões:
a) o marcador é a variante causal na doença (associação
directa); b) o marcador está em desequilíbrio de linkage
com a variante causal da doença ou c) a associação é
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devida a um fenómeno de estratificação populacional
(Cordell & Clayton, 2005). A estratificação populacional
é a existência numa população de diferentes subgrupos
com diferentes frequências alélicas do marcador e dife­
rente incidência da doença em estudo, pelo que qualquer
locus que apresente frequências alélicas diferentes entre
as subpopulações estará associado à doença, quer esteja
ou não próximo de uma variante causal (Donahue et al,
2005; Cordell & Clayton, 2005).
1.3.3.1- Estudos caso-controlo
As estratégias de associação comparam indivíduos
afectados não relacionados e indivíduos não afectados de
uma população e testam se um determinado alelo ocorre
numa frequência significativamente diferente nos dois
grupos.
Um dos principais problemas dos estudos de associação caso-controlo é a estratificação populacional. (Donahue et al, 2005).
Desta forma é fundamental que a amostra de controlos reflita a composição étnica e genética da amostra de
pacientes. Deve ser feito o matching entre os pacientes e
controlos em relação a factores como a idade, sexo, etnia,
etc.
Uma forma de ultrapassar o problema da estratificação populacional é usar populações geneticamente homogéneas, como isolados. Outra alternativa é o chamado
controlo genómico, que permite controlar o número de
falsos positivos aumentando o treshold necessário para se
considerar uma associação significativa, através da genotipagem de um elevado número de marcadores espaçados
ao longo do genoma (Cordell & Clayton 2005; Donahue et
al, 2005).
1.3.3.2- Estudos baseados em famílias
Para ultrapassar o problema da estratificação populacional, podem-se ainda recorrer a testes de associação
baseados em famílias, os quais utilizam como um controlo
interno os alelos dos pais que não foram transmitidos para
a descendência afectada. Um desses testes é o TDT (transmission desequilibrium test) que verifica se um alelo de
um marcador é transmitido por um pai heterozigótico para
um filho afectado um número de vezes significativamente
mais elevado do que o número de vezes que não é transmitido (Dean, 2003; Maestrini et al, 1998).
1.3.3.3- Whole genome association
Uma extensão lógica dos estudos de associação de
genes candidatos são os estudos de associação do genoma
inteiro. Uma vez que existe desequilíbrio de linkage subs­
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tancial ao longo de todo o genoma humano, muitos genes
podem ser representados por um pequeno número de
haplótipos. Se um conjunto de marcadores espalhados
ao longo do genoma for genotipado, podem ser identificadas associações alélicas sem o conhecimento prévio da
biologia da doença ou da função dos genes relevantes.
Estima-se que estes estudos utilizem mais de 500 000
SNPs e milhares de indivíduos, tornando o seu custo proi­
bitivo. O desenvolvimento das tecnologias de genotipagem
permitirá diminuir o custo destes estudos, mas até lá os
rastreios de linkage continuam a ser economicamente
mais vantajosos.
Referências
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22(4):261-74.
Conclusão
Para o mapeamento de doenças complexas nenhum
método por si só é suficiente ou ideal. Uma análise conjunta de linkage e associação terá uma eficiência maior
que qualquer dos métodos isoladamente. O pooling de
DNA, tecnologias de chips de DNA e tecnologias de genotipagem em larga escala permitirão uma cobertura mais
densa de marcadores e uma maior eficiência em relação
ao custo. O desenvolvimento de novas técnicas de análise estatística, como estratégias de linkage multilocus que
examinem o risco conferido por múltiplos genes ao longo
do genoma simultaneamente, bem como modelos que incorporem a interacção dos efeitos de factores genéticos e
não genéticos, serão uma ajuda crucial no mapeamento
destas doenças. O estabelecimento de colaborações que
permitam aumentar o tamanho das amostras e uma
caracterização clínica mais eficaz da população através de
procedimentos standard serão necessários para o sucesso
destes estudos.
Depois de encontradas as variantes genéticas associadas à doença haverá ainda um longo caminho a percorrer. A caracterização de todas as proteínas e das suas
variantes irá fornecer uma ajuda preciosa para a compreensão das variantes genéticas que forem encontradas
e serão necessários ensaios funcionais para compreender
o papel dessas variantes genéticas.
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