Revolver: A Revolução da Contracultura na Música dos

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PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
Revolver: A Revolução da Contracultura na Música dos Beatles1
Diogo Xavier Saes2
UEL – Universidade Estadual de Londrina
Ana Paula Silva Oliveira3
UEL – Universidade Estadual de Londrina
Resumo
O objetivo deste artigo é analisar o disco Revolver (1966) da banda britânica The Beatles a
partir de três esferas: a capa, as músicas, e o contexto social dos anos 60, e como a banda
estabeleceu uma relação de consumo com seus fãs. Para tal, num primeiro momento, será
necessário discutir os conceitos de cultura e contracultura a partir dos estudos de Geertz
(2008), Goffman; Joy (2007) e Pereira (1988). Num segundo momento tem-se um passeio
pelo universo dos Beatles com autores como Heylin (2012) e Derogatis; Kot (2011).
Pretende-se, desse modo, evidenciar o papel desse disco, que retratou uma geração inquieta e
atípica para as convenções daquela década, no contexto da contracultura, e introduziu a banda
no mercado do psicodelismo.
Palavras-chave: Cultura; Contracultura; The Beatles; Revolver; Consumo.
Introdução
A história do homem é construída ao longo de eras que desencadeiam
evoluções provenientes, também, das mudanças sociais que inevitavelmente ocorrem.
Cada período pode ser identificado por alguns acontecimentos mais marcantes que
pautaram determinadas condutas e estilos de vida. A década de 1960 não foi diferente
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 7 - Comunicação, Consumo e Memória: cenas culturais e
midiáticas, do 4º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 08, 09 e 10 de outubro de 2014.
2
Mestrando em Comunicação (UEL – Universidade Estadual de Londrina). MBA em Marketing,
Comunicação e Mercado (UniCesumar). Bacharel em Administração (UEM – Universidade Estadual
de Maringá). Bacharel em Publicidade e Propaganda (UniCesumar). Email: [email protected]
3
Pós-doutoranda, bolsista CAPES e investigadora do grupo de pesquisa Telejornalismo e linguagens
do programa de Mestrado em Comunicação da UEL. Doutora em Filosofia pela Universidade do Porto,
Portugal. Email: [email protected].
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e sediou alguns eventos de grande representatividade que a caracterizaram, dando
origem ao cenário que ficou conhecido como Contracultura.
Este movimento ganhou grande repercussão nos Estados Unidos, seu berço,
e no Reino Unido. Várias pessoas foram influenciadoras, como Bob Dylan, Stanley
Kubrick, Lichtenstein, o grupo musical Grateful Dead, entre outros. Cada uma delas
deu corpo para as bandeiras levantadas, tais como o desejo por mudanças, a
necessidade de viver um estilo de vida não condicionado à classe média e alta
burguesa, o diálogo entre os opostos, a autonomia dos jovens e outras causas que
foram aclamadas durante a revolução contracultural. Com isso, o movimento jovem
ganhou grande reforço no meio artístico, o que incluiu a indústria musical. Uma das
bandas que teve o apelo característico dos anos 60 representado em seu trabalho foi
The Beatles, a qual propagou mensagens que estavam inseridas em um plano maior e
aquém de seu controle: a própria contracultura.
Em meio ao movimento jovem, o estudo aqui empregado retoma o conceito
de cultura, o qual se mostra necessário para a assimilação e contextualização da
contracultura que, por sua vez, margeará o vislumbre das significações de seu
movimento eladas ao Revolver, disco dos Beatles lançado em 1966 e objeto de estudo
deste artigo. Uma vez mapeados estes enredos, é possível acessar de forma mais tácita
a compreensão de como uma geração se comportou e, consequentemente, consumiu.
A transposição das décadas, ainda, não apagou os vestígios sessentistas e reverbera
até nos dias de hoje.
Liberdade Cognitiva – A Contracultura em 1960
A abrangência epistemológica da cultura é pautada neste artigo pela obra A
Interpretação das Culturas, de Geertz (2008).
Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias
de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas
teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca
de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado
(GEERTZ, 2008, p. 4).
A cultura está relacionada às atribuições que o homem, enquanto ator social,
emaranha ao seu cotidiano. Os significados acoplados às diferentes objetos, coisas,
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gestos e outros, ajudam a tornar um modo de vida mais peculiar e/ou distinto que
outro. Ao imergir na trama de significações do próximo, o indivíduo pode ter a
chance de compreender de forma mais clara as suas próprias pertinências.
Deste modo, o comportamento é uma ação simbólica que expressa as crenças
do ser. Crenças estas que norteiam condutas e padrões dentro da esfera social e, em
seu entorno, funcionam como engrenagens do coletivo. Ou seja, a cultura é
compartilhada, manifesta, pública; isto porque a sua teia, conforme explica Geertz
(2008), é também coletivizada, atando as pessoas em um convívio mútuo que se
justifica por si só, como um plano de instruções que orientam o comportamento. Por
isso, a preocupação de análise de Geertz é o significado e a equivalência que uma
sociedade adere às coisas, fatos, rituais, celebrações, entre outros. O significado
define, molda, orienta, norteia, induz, conduz o vetor social na direção cultural mais
pertinente a uma determinada estrutura social estabelecida.
Não apenas em questões restritamente culturais, o significado acoplado a
algo é perceptível também nas relações de consumo, que além não pode ser
considerado apenas como gastos frívolos, mas também “inscrito como um dos
principais territórios de construção das relações sociais”, segundo Cintra (2009, p.
388).
A herança cultural pode estabelecer um perímetro de juízo e condicionar o
homem a lançar um olhar com perfídia àqueles que demonstram atitudes intangíveis
ao comportamento plural pré-estabelecido, aquilatando maneiras com base nas
crenças que lhe foram injetadas. Desta maneira, aqueles alheios ao contexto
majoritário, com atitudes avulsas e idiossincráticas em meio à padronização, com um
pensamento alternativo e não-conformista, podem representar a manifestação da
contracultura, que se alastra ao longo da história e possuiu características diferentes
em cada uma de suas eras. A pertinente ao tema aqui apurado está situada entre 1960
a 1970, sendo que suas raízes são encontradas na década precedente.
Segundo afirmações de Shuker (1999), o termo contracultura inicialmente
surgiu para designar determinados grupos dos anos 50 e, posteriormente, as
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subculturas da classe média da década de 60, que seriam, embora não haja um
consenso que delimite o termo “subcultura”, grupos sociais articulados com interesses
em comum, geralmente se opondo às culturas de origem. Ele ainda afirma (1999, p.
79, grifo do autor) que “o termo contracultura continua a ser usado para designar
diversos grupos e subculturas que não se integram ou se opõe ao mainstream social e
econômico”. No Reino Unido, onde a nomenclatura adotada para a contracultura foi o
termo underground, esta revolução também estabeleceu presença significativa com
características similares.
Dois fatos ocorridos nos Estados Unidos em 1962 são considerados como os
desencadeadores dos movimentos contraculturais daquela década, conforme mostram
Goffman e Joy (2007). Um deles foi a demissão, por pressão da CIA (Central
Intelligence Agency), de dois professores de Harvard, Richard Alpert e Timothy
Leary, que conduziam pesquisas sobre o uso e efeitos da droga que marcou a década
de 60, o LSD, acrônimo de Lysergsäurediethylamid. O segundo fato foi quando
alguns universitários se reuniram e escreveram um manifesto que recebeu o nome de
“Declaração de Port Huron”.
Ainda, o cenário inglês e, principalmente, o americano na década de 60 era
bastante conturbado. O presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, havia sido
assassinato nas ruas de Dallas em 1963; a guerra dos norte-americanos com o Vietnã
era polêmica e as ações bélicas chegaram a ser classificadas como um genocídio;
conflitos raciais se instalavam pelo país; os hippies, que eram vistos como os novos
beats – ou beatniks, como eram chamados os jovens com comportamentos marginais
que deram corpo à contracultura, ainda em seus primórdios nos anos 1950 –, se
reuniam pelas ruas em protesto.
Estes acontecimentos despertaram o interesse de muitos jovens estudantes
que criticavam o estilo de vida da classe média (mesmo sua maioria sendo pertencente
às classes média e alta) e que aspiravam por sua liberdade cognitiva. Em busca da
quebra das correntes que espremiam a suavidade de expressão do corpo e da mente, o
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LSD, que até então era lícito, foi um dos recursos mais utilizados pelos jovens e, por
isso, fortemente associado ao período aqui demarcado.
Os cabelos longos, as indumentárias coloridas, os estilos musicais diferentes,
um certo fetiche por misticismo, as representações artísticas saturadas em cores, as
atitudes de contramão, a insatisfação com a classe majoritária, a tentativa de
manifestar uma represália interiorizada, o pensamento de igualdade e nivelamento dos
homens e a procura por um caminho que possibilitasse mudanças, juntas com o LSD,
encorpavam a tônica de rebeldia que foi estereotipada naquela década. Contudo,
conforme afirma Pereira (1988), essas marcas superficiais se confirmaram apenas
como a ponta de um iceberg, que ocultava submerso um composto de novas formas
de pensar, de interagir com os outros, de amar, de enfrentar o mundo, uma cultura
diferente que aparentava ser contra aos rótulos convencionais e patriarcais da época e
que fazia as pessoas refletirem e indagarem a consenso coletivo ocidental. Seria como
uma migração da latência destinando a maturação do pensar. As inquietações acerca
dos fatos que menearam este período estimularam a sede e degusta dos jovens por
novos tônus de percepções.
Os protagonistas pertenciam a uma geração que poderia não saber
exatamente aonde iria, mas tinha conhecimento de suas origens e de como trilhar o
seu caminho. A contracultura pode, então, ao invés de ser observada como um
movimento antagônico e fastidioso, ser encarada, conforme expresso nas palavras de
Pereira (1988, p. 10), como um “antídoto, um anticorpo, necessário à preservação de
um mínimo de saúde existencial”, que veio para confrontar a ordem vigente com uma
roupagem assíncrona da cultura oficial, buscando ejetar-se do sistema instalado, seja
nos Estados Unidos ou na Inglaterra.
Este sentimento de mudança e, mais que isso, de acreditar em si mesmo e de
que cada um é capaz de mudar o mundo, impulsionou a contracultura e seus grupos
ao longo dos anos. Todavia, a virada da década veio como um compressor para
suprimir esse combustível que movimentava os beats. Este choque que regressou a
geração jovem dos anos 1960 ao estado latente, já conhecido de outrora, é comentado
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por Paul McCartney, baixista dos The Beatles, quando discorreu sobre um episódio
ocorrido em 1972. Na época, já em turnê com sua nova banda pós Beatles, os Wings,
um estudante o abordou e indagou “nós realmente pensávamos que ia mudar o
mundo. O que aconteceu?” (HEYLIN, 2012, p. 213), buscando entender como aquela
geração disposta e proativa se acomodou na decantação novamente. E foi com este
vazio dúbio que parte das forças contraculturais desaceleraram e esvaneceram em
meio a penumbra nostálgica que, hoje, integra o imaginário dos anos 1960 e ainda
movimenta o mercado.
Embora esta não seja uma síntese reducionista da contracultura, ela não
contempla toda tentacularização que as subculturas deixaram de legado para a
história. Este é um assunto que demanda (e possui) centenas de páginas voltadas para
a compreensão da totalidade do tema. Porém, para o estudo aqui proposto, a breve
contextualização e ambientação expostas possibilitarão um embasamento e
ancoragem que intersecciona com a esfera artística, a qual se tem na sequência.
A Arte Contra Cultura
O meio artístico também serviu como catalisador através, como já citado, do
cinema de Stanley Kubrick, das obras de Lichtenstein com seu efeito reticulado
característico e “com suas formas ousadas e cores brilhantes” (RAIMES e
BHASKARAN, 2007, p. 136) e da irreverência de Bob Dylan, que foi o primeiro
compositor a transparecer os vestígios contraculturais nas paradas de sucesso dos
Estados Unidos na década de 1960 com duras canções de protesto.
A arte colaborou com a exteriorização do pensar revolucionário dos anos 60,
possibilitou uma explosão de elementos que correspondia ao emaranhado mental dos
jovens e que traduzia, de forma lúdica, o que era presenciado no onírico dos
indivíduos participantes deste período histórico. A identificação com a bandeira
hasteada pelo movimento contracultural era como um combustível de adesão à causa,
uma vez que sua representação era verossímil com as condições as quais
atravessavam, criando elos fortes e sólidos entre os participantes. O Revolver foi a
engrenagem e a ponte que transportou os Beatles para esta esfera.
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A Música Contra Cultura
O rock, estilo musical que marcou grandes nomes dos anos 1950 como Elvis
Presley, Little Richard e Chuck Berry, começava a ganhar uma nova sonoridade. A
Inglaterra exportava os “rebeldes” The Rolling Stones para o mundo, que, embora
realmente impregnados pelo espírito da rebeldia, faziam questão de ressaltar a
imagem suja e surrada da banda, conforme contam Derogatis e Kot (2011). O traço
rebelde contracultural vendia e era embutido na indústria do rock.
Além dos Stones, outra banda britânica, agora da cidade de Liverppol, The
Beatles, que já era sucesso consolidado, faz sua primeira visita aos Estados Unidos
em 1964, fortalecendo a ligação musical dos outrora colonos com o Reino Unido.
Nessa época, mesmo em meio a protestos e gritos revolucionários, o mercado
continuava a movimentar as negritas cifras das gravadoras e bandas. E a onda
contracultural era uma oportunidade que poderia ser valorizada. Goffman e Joy (2007,
p. 286) abordam esta condição quando afirmam que “embora todos esses jovens
(Beatles and Stones) [...] partilhassem a incipiente sensação de insatisfação jovem que
permeava sua cultura, eles não estavam ali para ‘subverter o paradigma dominante’ ou
qualquer coisa assim”.
Até então isto apontava um envolvimento em níveis limitados dessas bandas
com os movimentos jovens que, conforme indicam os autores, seria insuficiente para
uma mudança radical. Contudo, este cenário começa a se portar de modo distinto a
partir da segunda turnê dos Beatles em terras americanas, em 1965. A amizade com
Bob Dylan crescia e o quarteto aproveitava o pouco tempo livre para relaxar junto a
um de seus ídolos. Dylan estabeleceu um relacionamento duradouro com Paul
McCartney, um dos líderes e compositores dos Beatles, que, assim como os demais
integrantes, fora influenciado nos trabalhos que estariam por vir, como o disco
Revolver, lançado em 1966 e recheado de sabores contraculturais que estão
explanados na sequência deste artigo.
Ainda em 1965 ficou claro nas estações de rádio o grito de insatisfação dos
jovens, principalmente propagado pela voz de Bob Dylan, mostrando que eles não
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apreciavam a sociedade adulta e que era, aos seus olhos, velha, desgastada e obsoleta.
As mensagens provocadoras que suplicavam pela ação dos dispostos passam a ser
clamadas com o acompanhamento de acordes, harmonia e arranjos. A arte
contracultural fica mais forte e explícita, contando com manifestações dos novos
beatniks coroadas com degustações públicas de LSD, com direito a convites
distribuídos na saída de um show dos Rolling Stones. Música, cores, jovens,
liberdade, arte, expressividade. Uma cacofonia que assinalava a viagem mental de
uma geração inquieta e que fez as condições favoráveis para o lançamento do disco
Revolver, de The Beatles.
Revolvendo o Revolver
5 de Agosto de 1966, Inglaterra. Eis a data de lançamento de Revolver
(figura 3), o sétimo disco do quarteto de Liverpool. Em um ambiente contracultural,
este trabalho se mostrou bastante pertinente ao clima daquela década e um prelúdio de
destaque para o Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, álbum dos Beatles ainda
mais psicodélico que seria lançado um ano depois.
Figura 3 – Capa do disco Revolver, The Beatles
Arte: Klaus Voormann
Fonte: TheBeatles.com
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Lembrando de toda contextualização já comentada, é possível lançar mão
deste embasamento e empregar um olhar analítico para este disco de Lennon,
McCartney, Harrison e Starr, compreendendo e identificando alguns pontos os quais
os traços de uma sociedade agitada se mostram aparentes, seja na composição visual,
nas condições de desenvolvimento do material ou no resultado sonoplástico de
Revolver, que marca a adesão dos Beatles ao psicodelismo. Estas três esferas são
comentadas na sequência.
Inicialmente este LP (Long Play) seria batizado como Abracadabra, um
termo que remete à ideia do misticismo contagiante dos anos 60 e da contracultura.
Todavia, a banda descobriu que o nome já havia sido utilizado e, por isso, optou por
Revolver. Entre as canções, pela primeira e única vez George Harrison, guitarrista,
conseguiria incluir três de suas composições. A predominância foi sempre de Lennon,
vocalista e guitarrista, e McCartney, baixista e vocalista.
Entre as músicas de Harrison está Taxman, primeira faixa do disco. Como
abre-alas para as demais composições, George traz de prontidão uma crítica direta aos
altos impostos cobrados na Inglaterra. Ainda hoje é possível perceber pelas ruas de
Liverpool a influência desta atitude governamental, que obrigou moradores a
fecharem com concreto algumas janelas de suas casas, pois havia tributação pela
quantidade de vidraças nas moradias. Harrison questiona com rigor os altos impostos
e faz referência direta a Harold Wilson, na época Primeiro Ministro Inglês do partido
Trabalhista, e Edward Heath, que era líder da oposição do Partido Conservador, ao
falar “Mr. Wilson” e “Mr. Heath” com um tom que pode ser interpretado como
sarcástico e irônico. Os Beatles mostraram já na primeira música que não estavam
contentes com a política dominante e que, assim como outros milhares, queriam
mudanças.
Ainda sobre as contribuições de Harrison, Love You Too conta com uma
sonoridade indiana, iniciando com o som cortante e característico da sitar
(instrumento de cordas) e seguido pela tabla (percussão). Ares orientais agregados aos
sucessos do ocidente. A influência de uma cultura diferente nas composições de uma
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banda do Reino Unido. Já I Want to Tell You fala sobre a dificuldade de expressão em
meio a um turbilhão de pensamentos, uma confusão na mente que é reforçada pela
sonoridade dos vocais um tanto arrastados na gravação e o piano que acompanha a
canção.
Outra
faixa
que
vale
ser
ressaltada
é
I’m
Only
Sleeping,
de
4
Lennon/McCartney . Com um desenrolar suave e vozes macias, a letra fala do gracejo
em permanecer na cama e relaxar. Mas, pode ser associada às viagens concebidas
com o combustível do LSD. O solo de guitarra, que fora gravado do lado contrário da
fita para atingir um som diferenciado e vertiginoso, reforça a sensação psicodélica
ritmada ao longo de seus três minutos.
A última canção do disco é Tomorrow Never Knows, composta por Lennon e
creditada a Lennon/McCartney, conforme costume da dupla. Ela reverbera como um
transe psicodélico, uma viagem sonoplástica alucinógena que funcionou de piloto
para trabalhos posteriores. Nesta faixa foram utilizados vários recursos e efeitos de
estúdio. A influência indiana também é notória e transmite uma sensação flutuante
reforçada pelos ecos nos vocais. No entanto, há outro fato que torna esta canção mais
significativa: ela foi inspirada no livro “A Experiência Psicodélica: um manual
baseado no livro tibetano dos mortos”, escrito por Timothy Leary, já supracitado.
Tomorrow Never Knows fala sobre meditação, como uma purificação mental.
A letra se apresenta um tanto confusa, e realmente o é, reafirmando a mensagem
sonora de um estado catártico sem a ponderação de tempo e espaço. George Martin,
produtor musical do quarteto, afirma que “foi no Revolver, claro, que tivemos a faixa
Tomorrow Never Knows, que foi uma grande inovação” (THE BEATLES, 2013b,
tradução livre). Ao finalizar o LP com esta canção é como se The Beatles estivesse
assinando a carta de alforria da era Yeah Yeah Yeah! e ingressassem em um cenário
musical mais politizado, maduro, com entrelinhas e conteúdo densificado. A prova
disso veio um ano mais tarde, com o Sgt. Pepper’s.
4
Canção suprimida da versão americana de Revolver por ter sido apresentada no single Yesterday...
and Today, lançado 45 dias antes do disco, contendo ainda outras duas músicas.
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Com os ouvidos sintonizados na frequência que Revolver impera, é
interessante e pertinente direcionar os olhares para a capa do disco, que é um teaser
do conteúdo que ela envolve. A banda utiliza um desenho para dar face ao seu
trabalho, estabelecendo um contraste visual perceptível em relação aos discos
precedentes, como pode ser observado na figura 4, que traz, da esquerda para a direita
e de cima para baixo, as capas de Please Please Me (1963), With The Beatles (1963),
A Hard Day’s Night (1964), Beatles For Sale (1964), Help! (1965) e Rubber Soul
(1965).
Figura 4 – Capas dos discos de The Beatles de 1963 até 1965
Fonte: TheBeatles.com (adaptado pelos autores)
Em Revolver, o responsável pelo trabalho da capa foi o alemão Klaus
Voormann, que já possuía um relacionamento com os garotos de Liverpool e aceitou
o convite de Lennon. Segundo informações da Klaus Voormann Company (2013), o
desenhista era um jovem que saiu da música clássica para o rock (aproximando-o das
ideias contraculturais) e que estava no meio artístico tanto através do desenho como
pela música. Voormann respirava o mesmo meio e entendia o que os garotos ingleses
queriam, chegando a morar com George e Ringo em Londres e, depois dos Beatles, a
tocar baixo com Lennon na Plastic Ono Band. Ou seja, não foi apenas uma
encomenda para um ilustrador qualquer, mas sim para uma pessoa que tinha uma
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história e elos com os Beatles e que teria tato para transpor imageticamente a essência
do disco e a mensagem que a banda desejava.
Brian Epstein, empresário do grupo, tinha uma preocupação com a transição
de estilo que a banda revelaria em Revolver e, ao ser apresentado à versão que
Voormann criara, aprovou considerando que seria uma excelente ponte para migrar o
público do Rubber Soul para o novo trabalho e um ótimo cartão de visitas para o
conteúdo sonoro que viria em seu interior. Naquele ano, Revolver ganhou um
Grammy Award5 de melhor capa, sendo a primeira vez que um disco levava o prêmio
com uma capa ilustrada (KLAUS VOORMANN COMPANY, 2013). Considerando a
evolução dos discos e sua cronologia, o Rubber Soul foi uma plataforma para levar a
música dos Beatles e seus fãs ao Revolver que, por sua vez, foi o caminho para o Sgt.
Pepper’s Lonely Hearts Club Band.
Na ilustração de Klaus percebe-se que os cabelos característicos dos quatro
Beatles permanecem em destaque, dando movimento à imagem. Os olhos também
recebem atenção especial na obra, intensificando a expressividade dos rostos dos
integrantes, com cada qual direcionando seu olhar para um ponto diferente, sem
contato visual entre si. Apenas Harrison olha diretamente para o receptor, o que pode
ser captado como uma adesão de seriedade para a mensagem que ele queria
compartilhar, afinal era a primeira vez que colocara três músicas suas em um trabalho
da banda e, finalmente, tinha uma chance de estabelecer um diálogo musical um
pouco mais longo com seus fãs.
Ao centro, onde as quatro cabeças se encontram, há uma colagem de
fotografias, que pode remeter a um emaranhado de pensamentos, uma fusão sinérgica
dos quatro integrantes que se mistura e exala na margem superior do desenho.
Considerando a influência da cultura da Índia que aos poucos se mostrava mais
intensa no trabalho dos Beatles, é plausível a interpretação desta combinação de
pensamentos tendo como escape o topo como uma alusão ao sétimo chackra indiano,
que, segundo Johari (2010), remete à sabedoria e realização e é localizado acima da
5
Grammy Award é o mais prestigioso prêmio da indústria musical internacional.
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cabeça, sendo o centro da espiritualidade. Ainda, esta colagem também pode ser
comparada à obra de Rotello, conforme exposto na figura 2.
Não obstante, a parte ilustrada da capa somada às fotografias sobrepostas,
quando observadas como um todo, transmitem uma sensação flutuante e vertiginosa
que pode ser captada pelo movimento dos cabelos e pelo posicionamento das
fotografias, que parecem dissipar-se rumo ao céu (topo). Essa leveza caracterizada
pode ser associada, também, ao uso de LSD que era comum nos anos 1960, além de
bastante caricata da contracultura, como uma tentativa de exteriorizar as experiências
que tocavam partes profundas dos músicos enquanto desfrutavam da viagem
proporcionada pelo ácido do momento.
Estas leituras pavimentam uma associação direta com a contracultura, com
os jovens que tinham muito a dizer sem saber como, que se perdiam em seus
pensamentos, seja em função dos alucinógenos ou da quantidade de informação que
passaram a processar. A capa de Revolver funciona como um espelho de uma geração
com olhares profundos, embora às vezes solitários, com uma preocupação em
entender o seu lugar e função no contexto social da época, ou, retomando os conceitos
já apresentados de Geertz (2008), na teia de significações que subsidiava as relações
sociais.
Ainda, a solitude inerente à capa dialoga com a faixa 2 do LP, Eleanor
Rigby, de Paul McCartney e creditada a Lennon/McCartney, que pode ser apresentada
como uma simples e pura história de solidão, reforçada pelo arranjo sonoro
orquestrado e ausência de guitarra, baixo ou bateria.
Considerações Finais
No decorrer deste estudo foram resgatados os conceitos de cultura aos olhos
da antropologia, que alicerçaram a construção do entendimento da contracultura dos
anos 1960. Portanto, com o entorno da época detalhado lançou-se mão de uma análise
do disco Revolver, da banda The Beatles, procurando identificar as principais
características presentes neste objeto de estudo que mais representassem o período o
qual fora concebido e como ele mesmo influenciou seu meio.
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Conforme apurado, a banda inglesa foi eivada pela contracultura e, mais que
isso, reforçou algumas de suas ideias através da capa do disco analisado e de suas
canções, frisando o descontentamento dos jovens daquela época e refletindo alguns
anseios compartilhados pelos demais colegas da mesma geração.
Com o levantamento realizado, é possível entender que a mensagem
principal dialogada em Revolver se aproxima de algo como “eu não gosto do que
estou vendo, estou incomodado com a situação atual, há muitas coisas e estilos de
vida diferentes do que estamos acostumados, quero mudanças e tenho muito mais a
dizer, mas ainda não sei como expressar”. Um discurso que se encaixa perfeitamente
no enredo contracultural de um jovem de classe média da segunda metade dos anos
60 procurando por sinais em meio a um limbo e tentando acrisolar a realidade que o
abraçava.
Assim, por ser um trabalho que traduz o sentimento e preocupações de
milhares, Revolver se tornou um item de consumo que atendeu as expectativas do
público e, além de ingressar os Beatles ao psicodelismo, também os colocou no
mercado do psicodelismo. A mesma cultura de mídia que opera na esfera massificada
também oferece, em um plural, mecanismos para os indivíduos se oporem às classes
dominantes. Esta relação entre oposição e consumo, entre controle e revolta, é
abordada por Gisela Castro (2009, p. 65, grifos da autora), que afirma tratar-se de
“oferecer multiplicidade controlada de modelos e perfis para possível identificação
assimilando, por exemplo, o novo que circula nas cenas underground e domesticando
sua rebeldia de modo a arejar e fecundar o mainstream, mantendo sua hegemonia”, o
que pode justificar o sentimento infrutífero e impotente, já comentado, daquela
geração na virada da década.
Referências
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Contemporâneo. In: CASTRO, Gisela Grangeiro da Silva; TONDATO, Marcia Perecin
(orgs.). Caleidoscópio Midiático: o consumo pelo prisma da comunicação. São Paulo:
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