TRATAMENTO ÁCIDO DO RESÍDUO DA PRODUÇÃO DE CERVEJA VISANDO À OBTENÇÃO DE PRODUTOS J. H. S. OLIVEIRA1, L. M. O. da SILVA1, C. E. F. SILVA1, A. K. S. ABUD2 e R. M. R. G. ALMEIDA1 1 Universidade Federal de Alagoas, Centro de Tecnologia, Departamento de Engenharia Química. 2 Universidade Federal de Sergipe, Centro de Ciências Exatas e Tecnologia, Departamento de Tecnologia de Alimentos. E-mail para contato: [email protected] RESUMO – O aproveitamento de resíduos agroindustriais na produção de substâncias de valor energético ou químicos de valor agregado é uma conveniente alternativa pois, além do incremento na produção, sem expandir a área plantada, acrescenta valor a um produto antes subutilizado. No entanto, é necessário o aperfeiçoamento de técnicas que objetivem a desorganização estrutural da biomassa para a liberação dos açúcares presentes, principais compostos usados nos processos de fermentação. O bagaço de cevada, devido à abundância e o teor de carboidratos, torna-se uma promissora biomassa. O presente trabalho estudou a aplicação do tratamento ácido, empregando ácido sulfúrico (H2SO4) em concentrações entre 0,02 e 3,0%, por 15 min a 121 °C e 1 atm, em casca de cevada com 5 de carga de sólidos. Nas condições de estudo, percebeuse crescente solubilização dos açúcares presentes na biomassa, alcançando um máximo de 16% de ART (açúcares redutores totais) no ensaio usando 1,5% de ácido, 5% de carga de sólidos e 15 min de pré-tratamento. Nessas condições houve sacarificação de grande parte dos carboidratos presentes na biomassa, cerca de 30 dos 60% observados na caracterização do resíduo. 1. INTRODUÇÃO A crescente busca pelo aproveitamento total de subprodutos oriundos da agroindústria tem o propósito de reduzir a carga poluente no meio ambiente, agregando valor a subprodutos antes descartados, os quais podem ser utilizados através de tratamentos químicos, termoquímicos ou rotas bioquímicas para obter o produto-alvo, melhorando o processo de eficiência, bem como reduzir os impactos ambientais (Dias, 2010). Ferreira-Leitão et al. (2010) citam o aproveitamento de resíduos agroindustriais e florestais na produção de combustíveis renováveis, de produtos químicos e de energia, solucionando o problema do acúmulo de resíduos e evitando a contaminação de solos e rios. Devido ao progressivo consumo de bebidas alcoólicas, em particular a produção de cerveja, observa-se um consequente aumento na quantidade de resíduos. O setor cervejeiro brasileiro é o mais importante do mercado sul-americano e um dos maiores do mundo, ocupando a terceira posição mundial em produção de cerveja (13,8 bilhões de litros) e gerando uma expressiva quantidade de resíduo, principalmente bagaço de cevada. A região Nordeste é destaque na produção de cerveja, ocupando a segunda posição no ranking brasileiro, com 23,4% do share de produção (CervBrasil, 2016). O bagaço da cevada, oriundo do processamento de grãos na indústria cervejeira, é considerado o principal resíduo, sendo o seu volume estimado entre 14 e 20 kg/hL de cerveja ou 125 e 140 kg/100 kg de malte, salientando-se que este resíduo é descartado do processo altamente úmido (Santos, 2005). Composto principalmente pela casca de cevada, é um produto rico em fibras (20% em média) e formado por hemicelulose, lignina, celulose, proteínas, além de extrativos e cinzas, em menores proporções (Gomes et al., 2004), podendo ser caracterizado como biomassa lignocelulósica. Em geral, a composição da biomassa lignocelulósica tem como principais componentes a celulose (36-61%), a hemicelulose (13-39%) e a lignina (6-29%) (Brethauer & Wyman, 2010). Segundo Candido (2011), um dos grandes desafios para a obtenção de celulose a partir de materiais lignocelulósicos é o fracionamento dos componentes químicos que compõem a estrutura da biomassa vegetal, de forma que a celulose não seja degradada durante esse processo. Entre as tecnologias estudadas para melhorar a digestibilidade da biomassa lignocelulósica, destaca-se o pré-tratamento termoquímico, necessário para desconstrução da estrutura lignocelulósica e solubilização dos açúcares presentes na biomassa (Silva, 2009; Nunes et al., 2013). Cada pré-tratamento tem um efeito específico sobre a fração de celulose, hemicelulose e lignina, além de outros componentes, como proteínas, pectina e resíduo mineral fixo (cinzas). Assim, os métodos de pré-tratamento devem ser escolhidos de acordo com a configuração do processo e as características da biomassa (Alvira et al., 2010). O pré-tratamento ácido tem recebido considerável atenção ao longo dos anos. O ácido sulfúrico diluído é adicionado à biomassa para produção comercial de furfural, quando ácido sulfúrico diluído é misturado com a biomassa para hidrolisar a hemicelulose em xilose (e outros açúcares) e, então, continuar a quebrar a xilose até a formação de furfural, que é recuperado por destilação. A fração volátil contém furfural, que é purificado e vendido. O ácido sulfúrico também é utilizado no processo de conversão de celulose em glicose (hidrólise ácida da celulose), sendo um dos ácidos mais empregados no tratamento da biomassa (Moiser et al., 2005). Este trabalho estudou a aplicação de tratamento ácido (ácido sulfúrico em baixas concentrações) no resíduo da indústria cervejeira para a solubilização dos açúcares presentes na biomassa, visando uma prospecção de uso desse resíduo em processos biotecnológicos. 2. MATERIAIS E MÉTODOS O resíduo utilizado nos experimentos foi obtido do descarte da produção caseira de cerveja, sendo sanitizado em solução hipoclorito de sódio 100 ppm por 15 min e, em seguida, levado a estufa a 60°C até obtenção de peso constante. Após a secagem o material foi triturado em moinho de facas tipo Wyllie, utilizando peneira com granulometria de 30 mesh, e armazenados em recipientes plásticos à temperatura ambiente. Para a caracterização físico-química realizaram-se análises de carboidratos, umidade, cinzas, lipídios, fibra e pectina (IAL, 2005), bem como de poder calorífico, determinado pelo método da bomba calorimétrica, segundo a norma ABNT NBR 8633/84. O pré-tratamento teve como variáveis diferentes concentrações de ácido sulfúrico (H2SO4) [0,02; 0,1; 0,2; 0,8; 1,6; 2,0 e 3,0%], carga de sólidos de 5% e tempo de reação de 15 min. As reações foram realizadas em autoclave a 121 °C e 1 atm. Após o pré-tratamento as amostras foram filtradas para separação das frações líquida e sólida. Após secagem da fração sólida, em estufa a 37-40 °C por 24 horas, foram obtidos os valores de rendimento mássico (%RM) através da Equação 1. % RM m final minicial (1) A partir da fração líquida, determinou-se o teor de açúcares redutores totais (ART) pelo método de DNS (ácido-3,5-dinitrosalicílico), conforme Miller et al. (1959), utilizando-se uma curva padrão de glicose, e a partir dos resultados dessas análises pode-se determinar o %ART no licor, por meio da Equação 2. % ART 100 C ( g / L).V ( L) m( g ) (2) onde C é concentração de açúcar medido pelo método de DNS, V é o volume do caldo filtrado após o pré-tratamento e m é a quantidade de biomassa usada no experimento. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Na Tabela 1 encontram-se os resultados obtidos da caracterização físico-química do resíduo utilizado nos experimentos, apresentados pela média ± desvio padrão da análise em triplicata, além de dados obtidos na literatura para o bagaço de cevada. Obteve-se uma elevada quantidade de carboidratos e de proteínas, ambos nutrientes necessários a aplicações fermentativas. Tabela 1 – Caracterização físico-química do resíduo. Componente Resultado Literatura sobre bagaço de cevada Umidade (%) 8,27 ± 0,06 - Cinzas (%) 1,70 ± 0,03 2,5 – 5,7 (Santos et al.,2008) Fibra Bruta (%) 13,96 ± 0,71 - Fibra Real (%) 11,73 ± 0,51 - Lipídios (%) 1,50 ± 0,22 - Proteínas (%) 16,95 20,00 (Pereira & Santos, 2014) Carboidratos (%) 57,62 59,62 (Pereira & Santos, 2014) Pectina (%) 2,36 ± 0,01 - Poder Calorífico (J/g) 18.227 ± 275 - O teor de cinzas obtido foi inferior aos valores encontrados na literatura, assim como, o percentual de proteínas, obtido por Pereira & Santos (2014), que obteve em média 20% de proteína em suas análises. Entretanto, o teor de carboidratos da casca de cevada assemelha-se aos valores encontrados na literatura. Outro fator a ser considerado foi o poder calorífico, situando-se em 18,23 MJ/kg, assemelhando-se a resíduos como fibra da casca de coco (18,79 MJ/kg) e bagaço de cana (19,25 MJ/kg) (Esteves et al., 2015), podendo ser usado na geração de energia térmica e elétrica. No pré-tratamento ácido com 15 minutos de reação houve significativa solubilização dos açúcares presentes no resíduo, indicado pelo elevado valor de %ART, indicando que as condições experimentais não foram tão severas a ponto de degradar os açúcares presentes na biomassa (Moiser, et al., 2005). O tratamento ácido da casca de cevada (resíduo da indústria cervejeira), nas condições estudadas, 15 min e concentração de ácido entre 0,02 e 3,00 (%v/v), mostrou-se eficaz, pois, nessas condições, houve sacarificação de grande parte dos carboidratos presentes na biomassa, cerca de 30% dos 60% observados na caracterização do resíduo. A Figura 1 ilustra os resultados obtidos. Pode-se observar que a tendência dos resultados indica que, com o aumento da concentração das soluções de ácido sulfúrico, maior é a conversão dos carboidratos em açúcares redutores totais (ART), e maior é a solubilização dos componentes da biomassa, resultando no decaimento do rendimento mássico à medida que aumenta a diluição do ácido. Figura 1 - Resultados obtidos do tratamento ácido da casca de cevada Considerando que a biomassa tem em torno de 55% de carboidratos e que se conseguiu um máximo de 30% de sacarificação usando ácido diluido, obtendo-se um ótimo rendimento. Resultados semelhantes foram obtidos por Cabral et al. (2014) que, utilizando fibra da casca de coco verde com 5% de carga mássica (mesmo desse trabalho), obteve em torno de 35% (%ART) e 50% de perda em massa após o pré-tratamento da biomassa com H2SO4 5% (%v/v) por 40 min, embora o tempo e concentração de ácido maiores que os usados para o tratamento da casca da cevada (15 min e 3 %v/v). Utilizando o resíduo de graviola, com 5% (%m/v) de carga mássica, Silva et al. (2014) obteviveram cerca de 30% de açúcares liberados no pré-tratamento com ácido sulfúrico a 3% (%v/v), e tempo reacional de 67,5 min. Silva et al (2015) utilizando resíduo cítrico, usando carga mássica de 5% (%m/m) e H2SO4 3% (%v/v) por 67,5 min conseguiram em torno de 30% (%ART) e rendimento mássico em torno de 35% (%m/m), se assemelhando aos resultados obtidos. No entanto ressalta-se que esses trabalhos usaram tempo de pré-tratamento maior (40-67,5 min) que o utilizado nesse estudo (15 min), e embora às condições sejam específicas para cada tipo de biomassa, podem ter sido usadas condições mais severas que a necessária para se obter a melhor sacarificação do resíduo. Sendo assim, estudos considerando o tipo de açúcar sacarificado (pentose ou hexose) e, também, o restante presente na biomassa (amido, celulose, hemicelulose e pectina) ajudarão a obter uma sacarificação máxima do resíduo, assim como a possibilidade de seu uso em aplicações biotecnológicas, como enzimas, biomassa, etanol de segunda geração, entre outros. 4. CONCLUSÕES O tratamento ácido da casca de cevada (resíduo da indústria cervejeira) nas condições estudadas: 15 min e concentração de ácido entre 0,02 – 3,00 (%v/v) mostrou-se eficaz pois, nessas condições houve sacarificação de grande parte dos carboidratos presentes na biomassa, cerca de 30 dos 60% observados na caracterização da biomassa. 5. AGRADECIMENTOS Ao CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – pela bolsa PIBITI e apoio financeiro referente ao projeto “casadinho”/PROCAD, CNPq/ CAPES (nº06/2011) – Processo n. 552595/2011-0, uma cooperação entre a UFAL, UFSCar e UFRJ. 6. REFERÊNCIAS ALVIRA, P. 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