O uso dos verbos dicendi na notícia como recurso argumentativo Quézia Cavalheiro Mingorance Ramos(ICV/Unioeste/PRPPG), Alcione Tereza Corbari(Orientadora), e-mail: [email protected] Universidade Estadual do Oeste do Paraná/Centro de Educação, Comunicação e Artes/Cascavel, PR Linguística, Letras e Artes - Linguística. Palavras-chave: argumentação, intertextualidade, verbos dicendi. Resumo Objetivamos, com este trabalho, observar o funcionamento dos verbos dicendi em textos jornalísticos, reconhecendo esses expedientes linguísticos como estratégias que revelam escolhas operadas pelo produtor do texto. A utilização de tais verbos imprimem sentidos no interior do gênero textual notícia, apresentando direções argumentativas nem sempre explicitadas. Esta pesquisa é de natureza qualitativa, tendo como base estudo bibliográfico e análise de corpus, este constituído por uma notícia publicada, no site PT no Senado, a respeito de um confronto entre a Polícia Militar Ambiental do Paraná e os integrantes do Movimento dos Trabalhadores SemTerra, em Quedas do Iguaçu, no sudoeste do Paraná. Serão consideradas as escolhas dos verbos dicendi que introduzem o discurso de entrevistados e o perfil argumentativo desses verbos. Introdução São apresentados, neste trabalho, os resultados iniciais de uma pesquisa que toma como corpus de análise a notícia intitulada “Emboscada a acampamento do MST no Paraná deixa dois mortos e vários feridos”, publicada no site “PT no Senado”, no mês de abril de 2016. Nosso propósito reside em observar o funcionamento dos verbos dicendi na construção de um texto da esfera jornalística. O produtor do texto recorre a tais elementos linguísticos para apresentar e demarcar o discurso relatado (a fala de outrem). Esses verbos podem, dependo da seleção feita pelo produtor do texto, agregar julgamentos de valor sobre a fala de outrem. Ademais, põem à vista as escolhas operadas pelo produtor do texto, com o objetivo de orientar, argumentativamente, o interlocutor para a construção de determinados sentidos. Visamos, com esta pesquisa, a aprofundar nossos conhecimentos teóricos do campo da Linguística Textual, especialmente, no que concerne à argumentação e à intertextualidade. Para realizarmos esta pesquisa, sustentamo-nos teoricamente em Bakhtin (2014), Garcia (1986), Koch (2002, 2003 e 2011) e Marcuschi (2008) e Nascimento (2009). Revisão de literatura Empregamos, neste trabalho, o modelo teórico-metodológico qualitativo, dado que a pesquisa revela traços subjetivos, com viés descritivo-analítico. A pesquisa bibliográfica, que contempla os conceitos teóricos acerca de linguagem, argumentação, intertextualidade e textos jornalísticos, subsidiará o tecer de nossa análise e nos direcionará a uma conclusão bem fundamentada. O trabalho aqui descrito parte da perspectiva sociointeracionista de linguagem, que a compreende como um conjunto de atividades e uma forma de ação, por intermédio da que são reveladas as condições sócio-históricas dos sujeitos (MARCUSCHI, 2008; KOCH, 2011; BAKHTIN, 2014). Compreender e interpretar um enunciado exige, destarte, que miremos criticamente para um texto, analisando as escolhas linguísticas, a fim de compreender como o produtor do texto lida com as possibilidades da língua para alcançar êxito na interação proposta, considerando as intencionalidades envolvidas. Os textos jornalísticos, em sua grande maioria, caracterizam-se pela função de divulgar informações, isto é, de levar ao leitor o conhecimento de algum acontecimento. Contudo, conforme aponta Charaudeau (2006), relatar um acontecimento traz como consequência a construção midiática e, portanto, há de se ter em conta que o produtor de textos jornalísticos, muito frequentemente, ao apresentar as informações, organizará o seu texto a fim de direcionar o leitor a determinado entendimento, levando-o a compreender o que é enunciado e a assumir uma postura favorável frente ao posicionamento que está sendo defendido (este perceptível nas entrelinhas do texto). É valido apontar, tomando como referência Koch (2003), que “não há texto neutro, objetivo, imparcial: os índices de subjetividade se introjetam no discurso, permitindo que se capte a sua orientação argumentativa” (KOCH, 2003, p. 65, grifos da autora). O produtor do texto pode introduzir discursos citados ao longo de seu enunciado, demarcando-o com o uso de aspas ou de outro recurso linguístico, e mencionar a fonte produtora desse discurso, recorrendo, desse modo, à intertextualidade explícita. O discurso citado, de acordo com Bakhtin (2014), “é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas é, ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a enunciação” (BAKHTIN, 2014, p. 150). Pode-se destacar a fala de outrem por intermédio dos verbos dicendi – também denominados verbos de elocução – referem-se à maneira pela qual alguém se expressa: dizer, perguntar, contestar, pedir, concordar etc. (GARCIA, 1986). Estes deixam pistas que explicitam o engajamento do enunciador, ainda que este pretenda ser imparcial, e são um recurso bastante significativo, porque podem imprimir sentidos no interior do gênero textual notícia (NASCIMENTO, 2009; TOMÁS, 2011). Embora, em geral, o produtor do texto jornalístico tente desprender-se de qualquer responsabilidade sobre aquilo que escreve, o emprego de certos verbos ou expressões constituintes do enunciado pode indicar a apreciação feita acerca do que cita ou relata, revelando diferentes traços de sentido. Em atenção a tais considerações, propomo-nos a refletir sobre a presença dos verbos dicendi na notícia que constitui o corpus de análise, buscando verificar como os elementos em foco podem expressar, ainda que implicitamente, o posicionamento do produtor. Resultados e Discussão Tomamos como objeto de análise deste trabalho a notícia “Emboscada a acampamento do MST no Paraná deixa dois mortos e vários feridos”, publicada no site PT no Senado, em de abril de 2016. Visamos a verificar se os pressupostos teóricos dos quais partimos se fazem visíveis ao longo do corpus, objetivando aplicar as hipóteses levantadas. Observaremos, pois, se há maior ou menor engajamento do produtor do texto em relação ao que enuncia e como se posiciona frente aos discursos citados, observando, para tanto, os verbos dicendi empregados para introduzir a fala de outrem, em conformidade com o explicitado por Garcia (1986), Nascimento (2009) e Tomás (2011). Leem-se, na notícia analisada, discursos relatados, apresentados no estilo direto e indireto. Foram selecionados, para compor textualmente a notícia, determinados verbos dicendi para assinalar ou introduzir o discurso de outrem, e, conforme exposto nas seções teóricas deste trabalho, o produtor do texto recorre, propositadamente, a alguns verbos e não a outros para introduzir os discursos relatados, retratando uma estratégia que orienta argumentativamente o leitor/interlocutor para determinados sentidos. Grande parte das ocorrências de discurso relatado no texto é introduzida por verbos dicendi que indicam maior envolvimento do produtor do texto com os discursos relatados, como assinalam Nascimento (2009) e Tomás (2011). Há, contudo, o emprego de verbos como “afirmar” e “citar”, que não apresentam uma avaliação explícita do discurso de outrem. Embora apontem nuances de sentido que os diferenciam de outros verbos, caracterizam-se por serem menos marcados argumentativamente. Utiliza-se, todavia, também no último parágrafo, o verbo “refutar”, ao iniciar a fala dos líderes sem-terra em relação à versão da Secretaria Estadual de Segurança Pública, relatada no período anterior. O emprego de tal verbo, para marcar um discurso indireto, atribui um ato ilocutório à fala líderes sem-terra, revelando ou, talvez, criando uma intenção comunicativa ao discurso daquele que concedeu a entrevista. Há, no segundo parágrafo, o emprego do verbo “denunciar”, utilizado para citar a fala dos representantes dos acampados. Outra vez o produtor do texto, ao utilizar tal verbo, assinala, sobre o discurso de outrem, um ato ilocutório, por enunciar que os entrevistados fazem uma denúncia a respeito do acontecimento relatado. Nos parágrafos seguintes, para relatar o discurso da senadora Gleisi Hoffmann, o produtor do texto recorre aos verbos “solicitar”, “lembrar”, “citar” e “declarar”. Verificamos, pois, que, quando lança mão do verbo “solicitar”, produtor da notícia responsabiliza o autor dessa fala pelo discurso citado, comprometendo-o. Assinalar o discurso de outrem com o verbo “lembrar” pressupõe que se está advertindo ou trazendo à memória algo que já foi dito e está sendo reafirmado como uma verdade. No que concerne ao verbo “declarar”, o sentido expressado traz um teor de voz de autoridade, uma vez que aponta o posicionamento da senadora a respeito do acontecimento relatado, colocando-a na posição de quem tem autoridade para fazer uma declaração sobre o assunto em pauta. Tal verbo é, por exemplo, mais argumentativo que o verbo “dizer”. Em relação ao verbo “citar”, observa-se que, embora esse verbo esteja mais próximo da transcrição do que da asseveração, ele é utilizado no texto com o propósito de apresentar provas que confirmem a direção argumentativa proposta no pelo produtor do texto. Nesse sentido, o teor argumentativo do texto acaba reforçado também por esse expediente linguístico. O corpus analisado é constituído, também, de discursos concedidos pela Polícia Militar, cuja apresentação é introduzida pelo verbo “reconhecer”. Destarte, entende-se, com o emprego deste, que os representantes da Polícia Militar, os que concederam a entrevista, admitem algo, que foi dito anteriormente por outrem como certo, conforme lemos no seguinte excerto da notícia: “Além disso, a Polícia Militar (PM) reconhece que seis pessoas ficaram feridas [...]”. O emprego de outros verbos e, também, dos operadores argumentativos, além do uso das aspas, para sinalizar o discurso direto, podem denotar os posicionamentos do produtor da notícia e direcionar a interpretação do leitor/interlocutor. Tais elementos linguísticos não foram, porém, apreciados nesta pesquisa. Conclusões Ter em conta a natureza argumentativa da língua (KOCH, 2011) implica compreender a não neutralidade de alguns gêneros textuais, como a notícia jornalística, que se apresenta como um gênero que preza pela objetividade e a imparcialidade. Outrossim, há de se considerar que as escolhas linguísticas feitas pelo produtor do texto e as estratégias de construção textual utilizadas objetivam, sobretudo, direcionar interpretações em relação ao fato noticiado. É válido assinalar que a notícia tomada como corpus não foi publicada em um jornal de noticias diário, mas em um site que segue uma orientação ideológica bem demarcada, conforme se pode verificar no próprio título do texto. À vista disso, verificamos que a grande maioria dos verbos que assinalam os discursos daqueles que, de alguma forma, são associados ao partido do site em questão ou defendem propósitos afins são bastante marcados argumentativamente e desvelam o posicionamento favorável aos integrantes do Movimento dos Trabalhadores SemTerra, defendido pelo produtor do texto quanto ao acontecimento relatado. Agradecimentos À Universidade Estadual do Oeste do Paraná, pela oportunidade de desenvolver essa Iniciação Científica Voluntária. Referências BAKHTIN, M. (2014). O “discurso de outrem”. In BAHTIN, M. M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais de método sociológico da linguagem (pp. 150-160). São Paulo: Hucitec. CHARAUDEAU, P. (2006). Relatar o acontecimento. In CHARAUDEAU, P. Discurso das mídias (pp. 152-174). São Paulo: Contexto. GARCIA, O. M. (1986). Comunicação em prosa moderna: aprenda a escrever, aprendendo a pensar. Rio de Janeiro: FGV. KOCH, I. V. (2002). Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez. KOCH, I. V. (2003). A inter-ação pela Linguagem. São Paulo: Contexto. KOCH, I. V. (2011) Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez. MASCUSCHI, L. A. (2008). Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola. NASCIMENTO, E. P. (2009). Jogando com as vozes do outro: argumentação na notícia jornalística. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB. TOMÁS, R. N. (2011). Efeito argumentativo dos verbos dicendi no discurso relatado do twitter. http://www.ileel2.ufu.br/anaisdosilel/wp-content/uploads/2014/ 04/silel2011_873.pdf. Acesso em 08 de junho de 2015.