ANÁLISE o custo ambiental. Desse pode concluir-se que a demolição e a substituição dos edifícios por outros novos apenas se justifica em dois casos: quando a condição física do mesmo está tão degradado que uma hipotética reabilitação energética não é viável e quando a reabilitação que não tem em conta parâmetros energéticos, seja necessária para atingir as mínimas condições de bem-estar. De um ponto de vista social, vários estudos mostram que o processo de demolição e construção nova têm uma grande oposição social e, por outro lado, a reabilitação de casas existentes têm uma maior aceitação. Isto deve-se a vários fatores. Em primeiro lugar, a reabilitação impede a deslocalização geográfica, que gera desintegração e estratificação social, mas também protege as comunidades existentes e evita os consequentes custos ambientais e económicos incorridos com a criação de novas infra-estruturas. Além disso, medidas de reabilitação normalmente são executadas em menor período de tempo, e evitam o realojamento temporário dos moradores. Finalmente, a reabilitação protege as comunidades mais desfavorecidas da segregação social. Estratégias para a reabilitação energética de edifícios residenciais Figura 1. Estado atual de um dos edifícios tipo dos anos 70. Por: i+i consulting www.iplusiconsulting. com Isabel Silvestre Arquiteta e consultora em arquitetura sustentável Ignacio Medina Arquiteto e consultor em arquitetura sustentável 58 A maior parte do parque residencial da Europa foi construído entre o fim da II Guerra Mundial (1945) e a primeira crise do petróleo em 1973. A necessidade de gerar novas habitações, a falta de normas de qualidade e uma mão de obra insuficientemente formada resultaram num um tipo de construção com pobres condições de bem-estar e, ao mesmo tempo, um elevado consumo de energia. Hoje em dia, estes edifícios encontram-se numa situação crítica. Há quem defenda a sua demolição e total substituição por novos edifícios residenciais que estejam de acordo com as normas vigentes e capazes de oferecer condições de conforto mais elevadas. Por outro lado, a opinião pública defende a reabilitação dos edifícios existentes, a fim de melhorar as condições de vida dos seus ocupantes, reduzir o consumo de energia e minimizar o impacto social e económico. Esta discussão define o ponto de partida deste artigo, e levanta uma questão fundamental: os edifícios obsoletos devem ser demolidos e substituídos por outros novos e melhores, ou devem ser reabilitados e equipados de forma a oferecer a qualidade que o mercado de hoje exige? Para responder a esta pergunta analisámos vários estudos sobre o assunto, e contextualizámos com um exemplo de aplicação na cidade de Madrid, em Espanha. REABILITAÇÃO VERSUS NOVA CONSTRUÇÃO A fim de reduzir o consumo de energia, têm havido numerosos estudos com conclusões bastante interessantes. Em primeiro lugar, os argumentos a favor da demolição desses edifícios são baseados no cálculo de uma redução de 60% do consumo total de energia, como explica Anne Power (2008), sem que os impactos ambientais sejam tidos em conta. No entanto, os programas de demolição em grande escala não garantem o cumprimento das metas ambientais de 2050 estabelecidas pela União Europeia. Além disso, esses programas apenas seriam capazes de substituir uma pequena parte do parque residencial. Por exemplo, no Reino Unido, tais programas substituiriam somente 10% destes QUAL O GRAU DE REABILITAÇÃO? edifícios. No entanto, o mesmo autor afirma que os programas de reabilitação energética realizados na Alemanha demonstraram que o consumo total de energia diminuiu 80%, ou seja, uma redução adicional de 20%, alcançando níveis de bem-estar equivalentes a uma construção nova. Este estudo demonstra as vantagens de reabilitação contra a substituição por novos edifícios. Do ponto de vista económico, tem sido demonstrado que a reabilitação envolve menos investimento que a demolição e posterior substituição destes edifícios e, os custos associados ao transporte de entulhos e materiais são substancialmente mais baixos. Na reabilitação é comum a reutilização de elementos de construção existentes. De um ponto de vista urbano, a reabilitação aproveita a infra-estrutura existente que é economicamente mais eficiente. Aliás, essas ações geralmente envolvem um impacto positivo sobre o desenvolvimento económico das regiões onde são realizadas. Outros estudos, como o realizado por Cornelis e Verbeeck (2011), relacionam o custo económico com A próxima pergunta está relacionada com o grau de intervenção na reabilitação. Alguns autores propõem dois níveis de intervenção: intensa e ligeira. Uma intervenção intensa na qual se modifica a configuração volumétrica dos edifícios. Desta forma, é possível incorporar intervenções mais vantajosas através de uma correta orientação dos espaços e da compacidade dos edifícios para otimizar a eficiência térmica e energética. Tais intervenções muitas vezes envolvem grandes orçamentos e incompatibilidades com os regulamentos urbanísticos. No entanto, geralmente envolvem grandes reduções no total consumo de energia das famílias atingindo elevados níveis de conforto. Por outro lado, uma intervenção ligeira é aquela em que somente a envolvente do edifício é transformada. Essas intervenções têm a vantagem de necessitarem de um investimento inferior, sem a necessidade de realojar os moradores durante as obras de reabilitação. Embora a eficiência energética de uma intervenção ligeira seja melhor que o estado original, será sempre pior do que a resultante de uma intervenção intensa. Portanto, um terceiro grau de intervenção intermediária é proposto, em que o volume do edifício permanece intacto enquanto a envolvente do mesmo e a configuração interior são melhoradas. Assim, os espaços interiores podem adaptar-se de forma a beneficiarem de uma boa 59 ANÁLISE Figura 3 - Imagem térmica do espaço exterior com as respetivas temperaturas superficiais dos materiais. Figura 2. Acesso solar às 12h na meia estação. orientação, enquanto as fachadas e coberturas são melhoradas termicamente. Como resultado, obtêm-se uma melhoria significativa na eficiência energética com um custo bastante inferior ao de uma reabilitação intensa. UM CASO PRÁTICO: MADRID Madrid, como a maioria das cidades europeias, sofreu um grande crescimento urbano nas décadas de 50 e 70 (figura 1). Este crescimento deveu-se à necessidade de dar abrigo ao grande fluxo migratório do campo para a cidade dos meados do século XX. Até essa altura, não existiam normas ou regulamentos urbanísticos e de bem estar dos ocupantes. Os princípios modernistas dos grandes arquitetos da altura, coincide com as preocupações e aplicação de normas de qualidade e higiene nas habitação, nomeadamente ventilação natural e orientação adequada dos edifícios. O clima de Figura 4Temperatura do ar e sensação térmica (physiological equivalent temperature) em zonas expostas ao sol e à sombra no Verão. 60 Madrid pode classificar-se como seco continental, com duas estações predominantes: invernos frios e verões quentes; e meias estações curtas. As temperaturas médias variam entre os 6,4°C em Janeiro e os 26,4ºC em Julho, apresentando amplitudes térmicas diárias de 15K. A humidade relativa é baixa, com uma média anual de 50% e radiação solar alta: 1,5 kW / m2 em Dezembro e 7,3 kW / m2, em Julho. Do ponto de vista energético, é importante notar que as temperaturas baixas de Inverno e bastante altas durante o longo período de Verão, fazem com que o consumo médio de energia em edifícios residenciais seja consideravelmente elevado. Em 2012, de acordo com CIEMAT (Centro de Estudios Energéticos, Medioambientales y Tecnológicos), o consumo médio total para habitação em Madrid foi de 270 kWh / m2 por ano. O objetivo é reduzir esse consumo até 75 kWh / m2 em 2020. Figura 5 - Estudo da iluminação natural no interior do apartamento orientado a Sul. Uma pesquisa feita por I. Medina para Architectural Association no programa de mestrado Sustainable Environmental Design (2013) analisa a construção de edifícios de habitação social dos anos 70, por ser uma tipologia que se repete várias vezes na cidade. Assim, as conclusões para a reabilitação energética definem um padrão de ação aplicáveis a numerosos edifícios com as mesmas características. No estudo foram analisados dois apartamentos com características idênticas e orientações opostas: um orientado a Sul e outro orientado a Norte (figura 2). Em ambos os casos, a distância entre edifícios é suficiente para não gerar obstruções ao acesso solar, e a existência de pátios interiores favorece a ventilação natural. Nas duas habitações foram instalados Data Loggers por quatro dias no Verão e ainda foram simuladas as condições térmicas internas ao longo de todo o ano. Além disso, foram tiradas fotografias térmicas das fachadas e analisadas as condições ambientais dos espaços exteriores adjacentes (figura 3). O estudo destes dados revelou que a pobre composição da envolvente do edifício fazia com que as habitações fossem altamente influenciadas pelas condições ambientais exteriores. O efeito da radiação solar sobre o edifício revelou ter uma grande influência sobre as condições internas e a ventilação natural mostrou ser insuficiente para moderar as temperaturas no interior. Em suma, os apartamentos apresentaram condições abaixo das condições desejadas de bem estar e conforto praticamente durante todo o ano. O apartamento orientado a Sul revelou beneficiar do efeito da radiação solar no Inverno, mas por outro lado as temperaturas de Verão atingiam os 33°C. A habitação orientada a Norte apresentou boas condições de Verão, mas durante o Inverno não beneficiou de aquecimento passivo para subir as temperaturas até níveis de conforto. No que diz respeito aos espaços exteriores, de ANÁLISE Figura 6 - Painéis de sombreamento com isolamento térmico para prevenir as perdas térmicas de Inverno. Inverno a influência da radiação solar provou ser o parâmetro mais influente sobre o bem-estar dos peões, ajudando a atingir sensações térmicas confortáveis. Por outro lado, de Verão as sensações térmicas eram desconfortáveis, com registos de cerca de 60°C. Inclusivamente as propriedades térmicas dos materiais que compõem os espaços exteriores mostrou grande influência, a existência de áreas com vegetação mostrou ser benéfica ao baixar as sensações térmicas, ao contrário de áreas com materiais de pedra escuros, que aumentavam a sensação térmica devido às temperaturas de superfície de cerca de 80ªC (figura 4). ESTRATÉGIAS PARA A REABILITAÇÃO ENERGÉTICA Depois de obtidas as conclusões da análise dos apartamentos, simularam-se digitalmente várias estratégias de desenho passivo a fim de alcançar resultados que garantam conforto dentro das unidades (figura 5). Relativamente a estas, as estratégias mais eficazes estão relacionadas com a melhoria térmica da envolvente do edifício e a flexibilidade das configurações dos espaços interiores. De Inverno, devido à grande influência da radiação solar e às grandes diferenças de temperatura diária, a combinação de bom acesso solar e uso de isolamento térmico durante a noite mostraram ser Figura 7 - Proposta de reabilitação do edifício e espaços exteriores para atingir níveis de conforto térmico na meia estação. 62 eficazes para manter as casas em conforto somente através de sistemas passivos (figura 6). No Verão, o envelope do edifício deve incorporar elementos de sombreamento para bloquear o excesso de radiação solar e deve ser feita ventilação natural cruzada para manter os níveis de conforto. Uma outra estratégia muito eficaz é uma configuração interna flexível. Devido às condições climáticas, a possibilidades de alterar a localização dos distintos espaços interiores dentro do próprio apartamento consoante a estação do ano, permite usufruir de ganhos solares no Inverno e maior proteção contra a radiação solar no Verão, ao mesmo tempo que se previne sobreaquecimentos pelos ganhos de calor internos. Com a combinação destas estratégias obtiveram-se demandas de energia anuais de cerca de 5 kW / m2 para a habitação orientada Sul, e 15 kW / m2 para a orientada a Norte, o que poderia ser coberto por energias renováveis a partir de painéis fotovoltaicos instalados na cobertura. Nos espaços exteriores, embora seja impossível controlar as condições ambientais, é possível oferecer uma ampla variedade de diferentes áreas com diferentes características (figura 7). Assim, os peões são capazes de encontrar condições de conforto em todos os momentos independentemente das condições atmosféricas. Para isso é fundamental ter espaços exteriores com alta exposição solar e proteção ao vento para os dias. A aplicação destas estratégias oferece a possibilidade de regenerar grandes áreas urbanas de Madrid, revitalizar as suas áreas ao ar livre, aumentar a sua atratividade e melhorar as condições de vida dos seus habitantes. Tudo isto com um custo económico, energético e social menor que o da demolição e posterior reconstrução.g Figura 8 - Proposta de reabilitação do edifício e espaços exteriores para atingir níveis de conforto térmico no Verão.