NOVO PLANETA MAIOR QUE A TERRA NO SISTEMA SOLAR? Por Hindemburg Melão Jr. www.saturnov.info Em 22/1/2016, Konstantin Batygin e Michael Brown, do California Institute of Technology, publicaram um Interessante estudo no qual analisam o agrupamento angular nas longitudes dos periélios de objetos no cinturão de Kuiper, e concluíram que: a. A probabilidade de que esse agrupamento seja casual é 0,007%. b. O agrupamento pode ser explicado pela existência de um planeta com cerca de 10 vezes a massa da Terra e período orbital em torno de 15.000 anos. O artigo original de Batygin e Brown: http://arxiv.org/pdf/1601.05438v1.pdf Alguns links com a notícia: https://www.caltech.edu/news/caltech-researchers-find-evidence-real-ninth-planet-49523 http://www.nature.com/news/evidence-grows-for-giant-planet-on-fringes-of-solar-system-1.19182 http://www.scientificamerican.com/article/strong-evidence-suggests-a-super-earth-lies-beyond-pluto1/ http://news.nationalgeographic.com/2016/01/150119-new-ninth-planet-solar-system-space/ A ideia é bastante interessante, porém há vários problemas. Se houvesse de fato um 9º planeta produzindo este efeito nas órbitas dos objetos transnetunianos, o mesmo efeito também deveria ser observado nos cometas. Chega a ser um pouco estranho que tenham realizado o estudo com apenas 6 objetos do cinturão de Küiper, mas não tenham verificado com um número muito maior de cometas, o que teria produzido um resultado mais confiável estatisticamente. Baixei a lista de 3396 cometas do site da NASA http://ssd.jpl.nasa.gov/dat/ELEMENTS.COMET e os agrupei em intervalos de 15° em 15°, de acordo com a longitude do periélio de cada um. O resultado é exibido no gráfico abaixo: Realmente existe uma concentração anormal de objetos cuja longitude do periélio se concentra entre 75° e 105°, em que 30% dos objetos estão num setor correspondente a 8% do círculo. Mas não é esta a região na qual os autores do artigo observaram a concentração. Os objetos de Küiper se agrupam num intervalo compreendido entre 270° e 360°. No artigo eles mostram que os efeitos devem ser mais sensíveis para objetos cujo semi-eixo maior de suas órbitas seja superior a 250 UA. Portanto removi os cometas com semi-eixo maior menor que 250 UA e o resultado passou a ser como no próximo gráfico: A concentração se acentua ainda mais, com 38% dos objetos num setor correspondente a 8% do círculo. Como a região da concentração está situada a cerca de 180° da que foi observada pelos autores do artigo, poderia parecer que há relação com o ponto lagrangeano L3 e, em princípio, isso poderia corroborar a hipótese que eles defendem, mas na verdade não é o que acontece. Entre 3396 cometas registrados, 2468 possuem órbitas com semi-eixo maior superior a 250 UA, porém quase todos estes possuem órbita aberta (hiperbólica), isto é, passam apenas uma vez pelas proximidades do Sol e depois se afastam indefinidamente, sem jamais retornar. Portanto eles não podem ser considerados como elementos associados a um fenômeno que decorre de um efeito cumulativo ao longo de sucessivas passagens pelas proximidades do Sol. Destes 2468 cometas com semi-eixo maior superior a 250 UA, apenas 309 são periódicos, ou seja, possuem órbita fechada. Entre estes com órbita fechada, o de período mais longo leva 127.000.000 de anos entre duas passagens periélicas consecutivas. Embora isso seja suficiente para que ele tenha feito 40 revoluções anomalísticas desde a origem do Sistema Solar, há que se considerar que seu afélio fica a mais de 2 parsecs do Sol, ou seja, ele fica mais distante do Sol do que a estrela Alfa Centauri. Nestas condições, durante o percurso do Sol em sua órbita em torno do centro da Via-Láctea, este cometa estaria em várias ocasiões mais próximo de outra estrela do que do Sol, e muito provavelmente em uma destas ocasiões teria sido capturado pela gravidade da outra estrela. Significa que na verdade ele não está numa órbita fechada em torno do Sol. Em vez disso, a interpretação correta é que a curva mais aderente para representar seu movimento na região interna do Sistema Solar se assemelha a um segmento de elipse, mas à medida que se afasta, e passa a sofrer influência gravitacional progressivamente menor do Sol e maior de outros objetos externos ao Sistema Solar, sua trajetória tende a mudar. Por isso provavelmente é um cometa que foi capturado (ou quase capturado) pelo Sol e provavelmente não terá outras passagens pelas regiões internas do Sistema Solar, nem teve outras passagens no passado pelas imediações do Sol. Por isso não deve ser tratado como um cometa periódico neste contexto. Só faz sentido que seja tratado como periódico enquanto se tenta determinar sua trajetória nas regiões internas do Sistema Solar, pois para isso os elementos orbitais estimados são operacionalmente úteis, mas para cômputo estatístico de várias passagens pelo periélio não faria sentido. Isso considerando que sua órbita não seja perturbada sensivelmente até que ele chegue em seu afélio. A excentricidade orbital deste cometa é 0,99998276. Ou melhor, a curva observada na órbita deste cometa nas imediações do Sol é aderente à de uma elipse que tenha o Sol num dos focos e cuja excentricidade seja 0,99998276. Isso é completamente diferente de presumir que a órbita do cometa seja esta elipse, como de fato não é. Se ao se afastar do foco a excentricidade mudar ligeiramente, digamos, diminuir em 0,0001, isso pode ser suficiente para que ele permaneça numa órbita fechada, pois seu semi-eixo maior se reduzirá em 7 vezes. Há 10 cometas cujas órbitas apresentam semi-eixo maior estimado em mais de 25.000 UA com base nos elementos orbitais calculados nas proximidades do periélio. Os outros 299 apresentam probabilidade relativamente baixa de “escapar” do Sistema Solar, se mantiverem suas trajetórias. E mesmo estes 10 que podem se afastar mais, também podem sofrer perturbações que os mantenham numa órbita fechada. Os dois gráficos a seguir mostram a distribuição dos cometas por longitude do periélio, no primeiro com inclusão destes 10 que podem assumir órbitas abertas e no segundo sem estes 10: Como a amostra tem mais de 300 elementos, não há grande alteração ao somar ou subtrair 10 deles, por isso nos dois casos se verifica uma suave concentração entre 270° e 285°, que está mais perto da região em que Batygin e Brown constataram predominância de OTNs. No entanto também se observa uma concentração na mesma região, e ainda mais acentuada, quando se considera os 929 objetos com semi-eixo maior menor que 250 UA: E nesta região mais interna do Sistema Solar a influência gravitacional de Júpiter é mais relevante. Quando verificamos a posição da longitude do periélio de Júpiter (273,56°), quase tudo se encaixa muito bem, pois coincide com a região de 270° a 285° na qual se observa a maior concentração. A excentricidade orbital de Júpiter é pequena, cerca de 4,8775%, e isso leva a supor, intuitivamente, que essa anomalia não seria suficiente para influenciar as órbitas de objetos muito afastados. Um cometa com semieixo maior de 250 UA, por exemplo, teria Júpiter 0,5077 UA mais distante no periélio de Júpiter do que no afélio de Júpiter, o que pode sugerir que quase não faria diferença se sua órbita se posicionasse de maneira a ter ou evitar qualquer tipo de ressonância com Júpiter. Mas o que os dados experimentais sugerem é que isso parece estar ocorrendo. Quando se estuda problemas com 2 corpos, ou alguns casos muito particulares com 3 corpos (caso solucionado por Poincaré), pode-se solucionar o problema analiticamente. Mas na grande maioria dos problemas com 3 corpos e todos os problemas com mais de 3 corpos, não existe solução analítica e a única maneira de resolver é por cálculo numérico. Isso é extremamente perigoso, porque há vários casos de sistemas estáveis que geram soluções numéricas como se fossem instáveis, levando a conclusões totalmente destoantes da realidade sensciente. Quando se lida com sistemas dinâmicos, o resultado obtido com cálculo numérico acaba sendo muito sensível aos parâmetros escolhidos para as escalas de discretização de tempo e de espaço. Quando se quer aproximações melhores, precisa-se discretizar em intervalos menores, e isso demanda mais poder de processamento. Como se está falando de escalas de tempo na ordem de milhões ou bilhões de anos e distâncias de bilhões ou trilhões de quilômetros, se estas forem discretizadas em intervalos de alguns metros e alguns segundos, já exigirá um volume de processamento que os maiores supercomputadores não darão conta de executar num horizonte de tempo razoável. Portanto, o que se acaba fazendo é discretizar em intervalos maiores, e essa maior granulosidade aumenta o erro e compromete a qualidade da investigação. Tenta-se estimar a ordem de grandeza do erro mediante várias repetições do método em condições ligeiramente diferentes, mas isso raras vezes é satisfatório, porque os erros cumulativos não vão se anular mutuamente nesse processo, e a finalidade das várias repetições seria justamente para promover essa compensação. Tais simulações são importantes e úteis em muitas situações nas quais não seria possível obter uma solução sequer aproximada, mas é importante ter em mente que estes resultados podem não ser boas representações da situação real. No mundo físico, o tempo é contínuo ou talvez seja dividido em intervalos de Planck (5,39 x 10^-43 s), e o espaço é contínuo ou dividido em intervalos de Planck (c x 5,39 x 10^-43 s). Portanto várias dezenas de ordens de grandeza menor que os intervalos adotados no modelo em que se faz as simulações. Isso significa que estas simulações podem ser adequadas em alguns casos, mas não em outros. E quando não são adequadas, a disparidade em relação à situação real pode ser imensa. Por isso é fundamental testar a qualidade das simulações, comparando-as com casos similares aos que se deseja investigar e cuja solução empírica seja conhecida, para verificar se a simulação está produzindo resultados válidos. Os autores do artigo não fizeram isso. Simplesmente assumiram como válida a hipótese temerária de que as simulações devem estar produzindo resultados confiáveis. Este é um erro frequentemente cometido em investimentos e em outros campos. No presente caso, o que se verifica é que a distribuição dos 299 cometas com órbitas fechadas e semi-eixo maior superior a 250 UA se concentram numa região predominantemente influenciada pela posição do periélio de Júpiter. Ao que tudo indica, a influência de Júpiter sobre a distribuição destes objetos se estende muito além de 250 UA, embora seja mais acentuada para objetos mais próximos. Para objetos a menos de 250 UA, observa-se 9% dos objetos num setor que representa 4% do círculo. Para objetos a mais de 250 UA a concentração cai para 14% dos objetos num setor que representa 8% do círculo, ou seja, 7/4 em vez de 9/4. Verifica-se também no extremo oposto (ponto langraneano L3, entre 90° a 120°) uma concentração um pouco maior que a média, mas um pouco menor do que no ponto L1. Portanto, diferentemente do que foi proposto por Konstantin Batygin e Michael E. Brown, a concentração de objetos nesta região parece ser suficientemente explicada pela influência gravitacional de Júpiter, não havendo necessidade de invocar a existência de um novo planeta para explicar essa anomalia. Por outro lado, mais interessante é o caso dos cometas não periódicos, cujas longitudes dos periélios se concentram mais nitidamente (38% num setor de 8%) e não parece haver uma explicação plausível baseada em objetos internos do Sistema Solar, já que eles só se aproximaram do Sol nesta ocasião. É possível que orbitassem outra estrela, e tenham passado por um processo análogo ao descrito anteriormente, porém saindo da órbita de outra estrela e sendo capturados pelo Sol. Não deveriam fazer parte da Nuvem de Öort de outra estrela, porque na nuvem de Öort teriam órbitas quase circulares e seria muito mais improvável que assumissem uma órbita excessivamente alongada. O mais provável é que fossem cometas rasantes com excentricidade muito alta em outra estrela e na extremidade oposta da órbita tenham chegado às imediações do Sol. Outro ponto que acho interessante analisar é sobre como chegaram aos 0,007% de probabilidade de que o agrupamento observado seja casual. Na página 3 do artigo está descrito da seguinte forma: “We estimate the statistical significance of the observed clustering by assuming that the detection biases for our clustered objects are similar to the detection biases for the collection of all objects with q > 30 AU and a > 50 AU. We then randomly select 6 objects from the sample 100,000 times and calculate the root-mean-square (RMS) of the angular distance between the perihelion position of each object and the average perihelion position of the selected bodies. Orbits as tightly clustered in perihelion position as the 6 observed KBOs occur only 0.7% of the time. Moreover, the objects with clustered perihelia also exhibit clustering in orbital pole position, as can be seen by the nearly identical direction of their projected pole orientations. We similarly calculated the RMS spread of the polar angles, and find that a cluster as tight as that observed in the data occurs only 1% of the time. The two measurements are statistically uncorrelated, and we can safely multiply the probabilities together to find that the joint probability of observing both the clustering in perihelion position and in pole orientation simultaneously is only 0.007%. Even with only 6 objects currently in the group, the significance level is about 3.8 σ. It is extremely unlikely that the objects are so tightly confined due purely to chance.” O que eu esperaria que fizessem é que se os 6 objetos estão agrupados num setor de 71°, então a probabilidade de que isso ocorra, supondo uma distribuição uniforme, equivale a sortear 6 pontos ao acaso dentro de um círculo, e a distância angular máxima entre os 2 pontos mais afastados seja menor ou igual a 71°. Ou seja (71/360)^6 = 0,0059%. Por um método mais trabalhoso, parece que chegaram a um resultado semelhante. Mas há 2 problemas tanto com esse método quanto com o método que ele adotou. Um deles é que a largura do setor foi definida a posteriori, de modo a tangenciar as regiões extremas dos pontos mais afastados. Seria mais apropriado adotar um intervalo tal que houvesse uma distância das bordas igual à metade da separação média entre dois elementos adjacentes. Nesse caso, em vez de um ângulo de 71° com os objetos extremos “espremidos” nas bordas do intervalo, o mais correto seria um ângulo de 85,2° em que a distância de cada objeto extremo até sua respectiva borda fosse igual à separação média entre 2 elementos adjacentes. Com isso, a probabilidade seria cerca de 0,018%. E pelo método que eles adotaram, a contagem também precisaria ser num intervalo de 85,2°, em vez de 71°, que resultaria em cerca de 0,021% em vez de 0,007%. O outro problema é que estão assumindo que a distribuição dos objetos dentro do intervalo seja uniforme, mas se há um fenômeno que está produzindo uma concentração anormal numa região estreita, espera-se que essa concentração tenha uma predominância central e diminua gradualmente conforme a distância à tendência central aumenta. Portanto se há de fato uma concentração, então a distribuição não é uniforme. Isso dá margem a várias interpretações, entre as quais a que me parece a mais adequada a este caso é a seguinte: Os 6 elementos observados se distribuem aproximadamente com desvio-padrão de 24°. Isso significa que no intervalo de 71°, cada extremo fica a cerca de 1,5 desvio-padrão do centro. Numa região com largura de 1,5 desvio-padrão para cada lado, deveria haver 93% dos elementos. Ou seja, estes 6 objetos deveriam representar 93% do total de objetos desta classe. Considerando os 6 objetos citados no artigo de Batygin e Brown, e aplicando testes de normalidade de Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk, verifica-se que para ambos os testes a hipótese nula (de normalidade) não deve ser rejeitada. Para K-S a probabilidade de Lilliefors é maior que 99,9% e o p-valor para Shapiro-Wilk é 0,889. Lembrando que estes testes são mais sensíveis a pequenas diferenças para amostras muito grandes, e menos sensíveis para amostras muito pequenas, como esta, de modo que até mesmo uma distribuição uniforme com 6 elementos não seria descartada a hipótese nula (de que a distribuição é normal), com probabilidade de Lilliefors também maior que 99,9% e o p-valor para Shapiro-Wilk é 0,960, ou seja, a diferença entre a distribuição observada e uma distribuição normal é maior do que a diferença entre uma distribuição uniforme e uma normal. Nesse contexto, pode-se considerar que a probabilidade de a amostra ser proveniente de uma distribuição uniforme é 2,997 vezes maior do que a probabilidade de vir de uma distribuição normal. Então a probabilidade combinada pode ser calculada por meio de 1/[1+(25,02%*99,982%)/(74,98%*0,018%)] = 0,054%. Como 0,018% é muito menor que 1, nem precisaria de tudo isso e seria possível fazer 3 x 0,018% ≈ 0,054% (com amparo no binômio de Newton). Logo, uma estimativa mais realizada e mais correta da probabilidade de que este agrupamento seja fruto do acaso é 0,054% em vez de 0,007%, quase 8 vezes maior. Ainda assim, é uma probabilidade suficientemente baixa para que se possa descartar a possibilidade de que seja um agrupamento casual e se interprete como uma anomalia. Porém não se deve supor que isso seja o mesmo que supor que a probabilidade de um 9º planeta seja de 99,946%. A hipótese de um 9º planeta é uma entre as infinitas alternativas possíveis para se tentar explicar a anomalia. Outra hipótese é que o efeito seja provocado por Júpiter, que, aliás, é uma hipótese bem respaldada pelo fato de que a região em que se concentram as longitudes dos periélios dos objetos é muita próxima à longitude do periélio de Júpiter. Conclusão: A amostra com 6 elementos é demasiado pequena para que se possa fazer inferências válidas. Seria desejável que fosse considerada uma amostra com maior quantidade de objetos, e nesse caso os cometas forneceriam os dados empíricos de que se precisa. Ao analisar 299 cometas periódicos cujas órbitas apresentam semi-eixo maior superior a 250 UA, constata-se que a distribuição das longitudes dos periélios de suas órbitas se concentra num intervalo angular com amplitude em torno de 15° (270° a 285°) que corresponde muito aproximadamente à posição da longitude do periélio de Júpiter (273,56°), de modo que a influência de Júpiter pode ser considerada uma explicação satisfatória para a anomalia observada, em vez de invocar a existência de um novo planeta.