Trabalhando Matemática: percepções contemporâneas 18, 19 e 20 de Outubro João Pessoa, Paraíba. 2012 CONHECENDO OS NÚMEROS COMPLEXOS E ANALISANDO A SUA FORMA DE INSERÇÃO NO LIVRO DIDÁTICO DO ENSINO MÉDIO Raquel PRISCILA Ibiapino Universidade Estadual da Paraíba [email protected] Valéria JULIANA Raposo Universidade Estadual da Paraíba [email protected] RESUMO Neste trabalho faremos uma apresentação dos Números Complexos e um estudo epistemológico do mesmos, além de analisarmos a forma como este conteúdo está inserido nos livros didáticos de Matemática. Para tal, analisamos livros do 3º ano do Ensino Médio, publicados entre 2002 e 2005. A nossa pesquisa têm em seu referencial teórico as orientações dadas pelo PCNEM e OCN, além de textos sobre a história dos Números Complexos, evolução do conceito de número e contribuições adquiridas em reflexões na sala de aula. Nosso estudo revela que os Números Complexos devem ser vistos não apenas como necessidade para se resolver equações do 3º grau, mas também os mesmos devem ser reconhecidos como necessários à resolução de outras questões presentes no cotidiano dos alunos. Palavras-chaves: Números Complexos, livro didático, epistemologia. 1. Introdução É possível observar que o surgimento dos números aconteceu de forma ordenada, sendo que todos os números sempre estiveram postados no universo, uns óbvios, outros ocultos, como os irracionais, mas coube ao ser humano descobri-los de acordo com a necessidade de cada época. O nosso objetivo nesse documento é conhecer os Números Complexos, investigando o porquê do seu surgimento, qual sua necessidade, além de analisarmos nos livros de Matemática para o Ensino Médio, publicados entre 2002 e 2005, a forma como esse conteúdo está apresentado. Na análise dos livros didáticos serão observadas as seguintes questões: qual a necessidade de abordagem dos Números Complexos e se é feito um estudo epistemológico, como é abordado, além de observar se é feita relação entre os Números Complexos e o cotidiano. A partir daí observaremos se é valorizada a reflexão por parte dos professores antes de apresentarem o conteúdo, reflexão essa que deve ser feita de modo que valorize a aprendizagem, procurando meios para inseri-lo no contexto Trabalhando Matemática: percepções contemporâneas 18, 19 e 20 de Outubro João Pessoa, Paraíba. 2012 escolar, dando sentido ao que se está estudando através da apresentação de aplicações no cotidiano. De acordo com leituras feitas do livro Matemática cujo autor é Paiva (2009), observa-se que a descoberta do número como abstração de quantidades observadas no cotidiano foi o primeiro, e talvez o mais importante feito matemático da humanidade. Houve uma longa e árdua caminhada desde os números naturais até os complexos (Paiva, 2009). Tomaremos como base para os nossos estudos textos sobre a História dos Números Complexos, o PCNEM (2002) e o PCN+ (2002), além de textos que tratam da evolução do conceito de número e da insuficiência dos reais, descoberta de um novo número e análise de livros didáticos do Ensino Médio, publicados entre 2002 e 2005, dando-se ênfase as questões citadas anteriormente. 2. Epistemologia dos Números Complexos Buscaremos nesta seção discutir e apresentar o surgimento dos Números Complexos, a necessidade de se trabalhar com eles, além de apresentar a forma como ele é abordado nos livros didáticos de matemática, observando se são feitas relações com o cotidiano. Os Números Complexos surgiram no Renascimento (1400-1600), quando houve um grande desenvolvimento da Matemática na Europa, sendo estimulados pelo desenvolvimento comercial e pelo crescimento das cidades européias. Não foram aceitos espontaneamente como números, pois não existia um sentido físico e nem tampouco um significado geométrico em uma raiz de um número negativo. Só que para se resolver equações cúbicas os matemáticos utilizavam a fórmula de CardanoTartaglia, e foi aí que o matemático Bombeli notou que havia uma necessidade de se trabalhar com os números imaginários. O desenvolvimento de regras para se trabalhar com esses números proporcionou um avanço na área da matemática e ciências afins (EVES, 2004). Trabalhando Matemática: percepções contemporâneas 18, 19 e 20 de Outubro João Pessoa, Paraíba. 2012 No início do século XVI, os matemáticos pesquisaram a obtenção de fórmulas para se resolver equações com grau maior que dois. Em particular, tomou-se a equação y³ + py + q = 0, em que a e b são números reais. Conduzindo o matemático Gerolamo Cardano a apresentar a fórmula que permitia resolver tal equação: Y= 2 √∆ 2 √∆, ∆ 4 27 3 3 Por que surgiram os Números Complexos e qual a necessidade? De acordo com (AMORIM; SEIMITZ; SCHMITT, 2006) a percepção numérica é uma aptidão inata que permite até mesmo a uma criança que nunca teve contato com os números, perceber que foram retirados alguns objetos de um determinado conjunto. Já a habilidade para contar não é inata. Uma das evidências para se afirmar isso é o fato de ainda hoje existirem tribos cujas possibilidades numéricas se resumem à percepção e cujos indivíduos são incapazes de formalizar a idéia abstrata de número. Muitas dessas tribos antigamente estabeleciam parâmetros e utilizavam símbolos para medir quantidades, de acordo com o cotidiano de cada um. A numeração escrita surgiu na pré-história, por causa da necessidade que o homem sentia em medir os seus bens. Bastante tempo se passou, até que os homens sentiram a necessidade de criar um símbolo para registrar o nada. O uso do símbolo para o zero revolucionou a escrita dos números, facilitando muito a linguagem matemática. Até o século XVII, os matemáticos estavam limitados ao campo dos números naturais, de forma que até as operações mais simples nem sempre eram possíveis. Sentiu-se então a necessidade de ampliar o campo dos operandos, momento em que se juntaram aos naturais o zero e os números negativos, surgindo os números inteiros representados por: Z= {..., -2, -1, 0, 1, 2,...} (AMORIM; SEIMTZ; SCHMITT, 2006). As operações diretas (adição e multiplicação) eram sempre possíveis, enquanto as operações inversas (subtração e divisão) só eram possíveis sobre certas restrições. Hoje se diz que o conjunto dos números naturais é fechado em relação às operações de adição e multiplicação e em relação à subtração e divisão não o é. Superou-se o Trabalhando Matemática: percepções contemporâneas 18, 19 e 20 de Outubro João Pessoa, Paraíba. 2012 problema da subtração, mas da divisão não, pois Z não é fechado em relação à divisão (AMORIM; SEIMTZ; SCHMITT, 2006). Surgiu então, novamente, a necessidade de ampliação e foram criados as frações ou números racionais representados por: Q= {a/b; a, bєZ, com b≠0}. Logo, descobriuse que os racionais não eram suficientes para representar todos os números. Era certo que a medida de um segmento representava um número, mas a diagonal de um quadrado de lado um cm não podia ser representada como quociente de dois inteiros (AMORIM; SEIMTZ; SCHMITT, 2006). Atualmente, dizemos que a raiz quadrada de dois não é um racional. Esses números não racionais foram chamados de irracionais. Foi definido, então, um conjunto mais amplo em relação biunívoca com a reta numérica, chamado de números reais e representado pelo símbolo R. Diz-se que os reais completam a reta. Sendo que por algum tempo os matemáticos pareciam satisfeitos, só que ainda existiam problemas práticos cuja solução passava pela resolução de equações polinomiais. Apesar de terem certeza da solução real, esbarravam em ocasiões com números diferentes. O matemático Nicolau Fontana (Tartaglia) desenvolveu a fórmula para encontrar uma das raízes de equações polinomiais de grau 3, do tipo x³+px+q=0, publicada por Cardano e recebendo injustamente o seu nome: 2 2 3 2 2 3 Vamos ver como funciona. Considere a equação x³-6x+9=0. Assim: 9 2 9 2 6 3 9 2 9 2 6 3 3 3 9 2 √49 4 9 2 √49 4 √8 √1 2 1 3. 3 Parece simples de se resolver, mas na maioria das vezes nos deparamos com números negativos dentro da raiz quadrada, mesmo sabendo que devem existir três raízes reais. Por exemplo, y=x²-15 com a hipérbole de equação y=4÷x. Se analisarmos geometricamente, veremos que devem existir três soluções reais. Trabalhando Matemática: percepções contemporâneas 18, 19 e 20 de Outubro João Pessoa, Paraíba. 2012 Já, algebricamente, igualando as duas equações para y, temos: x-15=4÷xx³15x-4=0, isto é, nos deparamos com o problema de encontrar raízes de um polinômio de grau 3. Vamos ver o que acontece quando usamos a fórmula de Cardano, aliás, de Tartaglia. 4 2 4 2 15 3 4 2 4 2 15 3 3 2 √4 125 2 √4 125 2 √121 2— 121 3 3 Por outro lado, podemos tentar resolver a equação pesquisando raízes inteiras. Verifica-se que x-4 é uma solução; ³ 15 4 0 → 4. 4 1 → 2 √3; 2 √3 são as outras duas raízes reais, portanto o número estranho produzido pela fórmula de Tartaglia é real. Mas que números estranhos seriam esses? Se não existiam, precisavam ser criados. Foi o que Bombelli fez, ainda no século XVI. Mais uma vez, então, o campo numérico foi ampliado, surgindo o conjunto C, os Números Complexos. Logo, observase que os Números Complexos surgiram a partir da necessidade de resolução de equações do 3º grau e não das do 2º grau, ao contrário do que muitos pensam. Temos, finalmente, que: o conjunto dos números naturais está contido nos inteiros, que está contido nos reais e que está contido nos complexos. Notação: &∁(∁)∁*∁+. 3. Abordagem dos Números Complexos no livro didático de Matemática Em geral, os Números Complexos são introduzidos nos livros didáticos do 3º ano do Ensino Médio de diversas maneiras. Uma delas é a apresentação como números do tipo a+bi, com a e b sendo números reais e i² = -1, também são definidos como pares ordenados (a, b). Faremos uma análise de três livros didáticos destinados ao 3º ano do ensino médio, publicados em 2002 e 2005, analisando algumas questões, como: a forma de abordagem dos Números Complexos se há um estudo crítico dos princípios e resultados Trabalhando Matemática: percepções contemporâneas 18, 19 e 20 de Outubro João Pessoa, Paraíba. 2012 obtidos pelos matemáticos ou se apenas é apresentado o assunto como certo, óbvio e se é feita uma relação entre os Números Complexos e o cotidiano, apresentando aplicações. a. Quadro comparativo das obras analisadas e Resultados Tabela 1- Comparativo das obras analisadas Livros Abordagem dos Números Complexos Apresentação dos Números Complexos Estudo epistemológico desses números Relação entre os Números Complexos e o cotidiano Matemática Ensino médio. Longen, Adilson. Editora: Positiva, 2005.3ª série do Ensino médio São abordados através da necessidade de se resolver equações do 3º grau. São apresentados na forma z=a+bi, com a, bєR e i=√, e na forma trigonométrica. É feita uma apresentação do desenvolvimento dos estudos voltados a resolução de equações de 3º grau com raízes quadradas negativas. Não faz relação entre os Complexos e o cotidiano, apresentando apenas abordagens algébricas, trigonométricas, não apresentando aplicações práticas. Matemática Aula por Aula. Silva, Cláudio Xavier. Editora: FTS, 2005. 3ª série do Ensino médio. Não apresenta necessidade de se trabalhar com os Complexos, elencando apenas as contribuições de alguns matemáticos para esse estudo. São apresentados na forma de dois pares ordenados, (a, b) e (c, d), do produto cartesiano, R×R= {(x, y) /xєR, yєR}, onde R é o conjunto dos números reais, forma algébrica, trigonométrica e geométrica. Não apresenta um estudo crítico dos resultados obtidos pelos matemáticos, fazendo apenas o seu uso como correto. Não faz relação entre os Complexos e o cotidiano, sendo feito apenas abordagens algébricas, trigonométricas e geométricas, sem dar ênfase às aplicações práticas. Matemática. Sérgio, Marcondes Gentil. Editora: Ática, 2002. Série Novo São abordados através da necessidade de se resolver equações do 2º grau, com ∆- 0. São apresentados na forma z=a+bi, com a, bєR e i=√,·, sendo a a parte real ® e bi a parte imaginária (Im) Não faz um estudo crítico dos Números Complexos, apresentando apenas a forma algébrica como Não é feita relação entre os Números Complexos e o cotidiano, apresentando apenas abordagens algébricas, geométricas e trigonométricas, sem aplicações práticas. Trabalhando Matemática: percepções contemporâneas 18, 19 e 20 de Outubro João Pessoa, Paraíba. Ensino médio. e também é feita a representação gráfica, além da forma trigonométrica ou polar. 2012 coerente. De acordo com nossa avaliação, observamos que os dois livros mais recentes, publicados em 2005, fazem uma apresentação algébrica e trigonométrica, mas apenas o de Adilson Longen (2004) aponta a necessidade de se trabalhar com os Números Complexos, afirmando que é devido a necessidade de se resolver equações do 3º grau, enquanto o de Silva Cláudio (2005) não faz essa abordagem. Já o de Sérgio Marcondes (2002), apresenta os Complexos da mesma forma que os outros dois livros, afirmando que é abordado devido à necessidade de se resolver equações do 3º grau. Relacionado ao estudo epistemológico, os livros analisados não apresentam um estudo crítico dos Complexos, elencando apenas no de Silva Cláudio, as contribuições de alguns matemáticos para esse estudo. Por fim, analisei a relação entre os Números Complexos e o cotidiano, em que constatamos que em nenhum dos livros trabalha-se esse conteúdo apresentando aplicações no cotidiano, sendo apresentados apenas cálculos envolvendo o conceito em questão. Já a abordagem dos Números Complexos no livro de Adilson Longen é feita devido a necessidade de se resolver equações do 3º grau, enquanto Silva Claúdio não apresenta necessidade de se trabalhar com esses números, enfatizando apenas as contribuições de alguns matemáticos para essa estudo e, Sérgio Marcondes aborda os Números Complexos como necessidade de se resolver equações do 2º grau, com ∆<0. Também observamos a relação entre os Números Complexos e o cotidiano, e chegamos a conclusão de que não é feita nenhuma relação desse tipo nos livros observados, sendo apresentado apenas abordagens algébricas, trigonométricas e geométricas, sem ênfase a aplicações práticas. Portanto, é perceptível que é necessário urgentemente que se adapte ao ensino dos Complexos novas formas de trabalho com esse conteúdo em sala de aula. Entre as possibilidades pode-se fazer uso de alguma tendência metodológica na área da Trabalhando Matemática: percepções contemporâneas 18, 19 e 20 de Outubro João Pessoa, Paraíba. 2012 Educação Matemática, tais como a resolução de problemas ou a modelagem, pois segundo nossa avaliação, fica claro que o livro didático não têm motivado a aprendizagem dos nossos alunos. 4. Considerações finais De acordo, com o estudo feito, observamos que é preciso uma mudança metodológica para que se tenha uma aprendizagem eficaz, que além de apresentar aplicações dos Números Complexos em problemas vistos no cotidiano, apresente aplicações em outras áreas do conhecimento. Nesse sentido, entendemos que os Complexos devem ser vistos não apenas como sendo necessidade ao se resolver equações do 3º grau, mas também como uma ferramenta necessária para se resolver outras questões presentes no cotidiano, tais como: nas engenharias e na física moderna. A primeira aplicação de números complexos na é a teoria de circuitos elétricos, que parece ter sido realizada pelo cientista alemão Hermann von Helmholtz (1821-1824). A aplicação de números complexos na análise de circuitos elétricos de corrente alternada (CA) foi disseminada nos Estados Unidos por Arthur Edwin (1861-1939) e Charles Steinmetz (1865-1923) com auxílio de Julius Berg (18711941) no final do século XIX. Em 1823, Edwin adotou o termo Impedância (inventado por Heaviside), assim como os números complexos para os elementos dos circuitos elétricos CA, o que foi seguido por Steinmetz. Desde então, os números complexos são fundamentais para a Engenharia Elétrica. Na física moderna, temos a utilização dos Complexos em circuitos elétricos, monofásicos, RC( em ondas que regem o movimento dos elétrons), dentre outras aplicações não citadas nesse documento. Os livros didáticos avaliados precisam fazer essa abordagem, pois os Números Complexos estão sendo trabalhados de forma desconexa, sem elo com os outros conteúdos. Portanto, antes de trabalhar com estes números, devemos refletir no sentido de que possamos fazer uma abordagem que valorize aspectos do cotidiano, fazendo uso de uma ferramenta auxiliar motivadora, como exemplo os quadrados mágicos. 5. Referências Bibliográficas Trabalhando Matemática: percepções contemporâneas 18, 19 e 20 de Outubro João Pessoa, Paraíba. 2012 BRASIL. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC, 2002. BRASIL. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. PCN+: Ensino Médio orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais, Brasília: MEC, 2002. BOYER, Carl B. História da Matemática. Tradução Elza F. Gomide -2ª Ed - São Paulo: Bliicher, 1996. pág.197-198. EVES, Howard. Introdução à História da Matemática. Tradução de Higyno Domingues. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004. LONGEN, Adilson. Matemática. Ilustrações Rodrigo Fernando Cavalari, Tiago Brayner Curitiba: Positivo, 2004. PAIVA, Manoel Rodrigues. Matemática. 1ª Ed. São Paulo: Moderna, 2009. Capítulo 8. pág.325-372. SÉRGIO, Marcondes Gentil. Matemática. Série Novo Ensino Médio. Volume único. 6ª Ed. 7ª impressão. São Paulo: Editora Ática, 2002. SCHMITT; AMORIM, Jodette Gukher; SEIMETZ, Rui. Trigonometria e Números Complexos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2006. Capítulo 9. Pág. 65-81. SILVA, Claúdio Xavier. Matemática aula por aula. São Paulo: FTD, 2005.