Doenças auto-imunes e sida - Faculdade de Medicina da

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FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO
SEMINÁRIO Nº6 DE BIOPATOLOGIA
18 DE OUTUBRO DE 2006
DOENÇAS AUTO-IMUNES E SIDA
Caso 1
Doente do sexo feminino, de 17 anos de idade, com lesões cutâneas eritematodescamativas em áreas expostas, mais exuberantes na pele da face, que se exacerbavam
pela exposição ao sol (Fig. 1). Apresentava, também, dores articulares (nos joelhos,
mãos e pés), sem deformidade articular nem sinais inflamatórios locais. Referia ter
frequentemente febre baixa, sem causa infecciosa que a justificasse.
Nesta história já há qualquer coisa que nos aponta para determinado tipo de doença,
é a associação entre lesões cutâneas exacerbadas pelo sol e dores articulares. Não há
muitos tipos de doenças que tenham este tipo de associação.
Fig. 1: Qual o aspecto predominante e a localização das lesões
da pele da face?
Esta doente tem umas manchas avermelhadas na área
malar e dorso do nariz, são as tais lesões eritemo (porque são
vermelhas) – descamativas (porque tem alguma descamação da
epiderme). Esta localização é típica do lúpus eritematoso
sistémico, é o rash malar ou em asa de borboleta.
É este rash que, associado ao resto do quadro clínico, nos faz pensar em lúpus
eritematoso sistémico.
Fig. 2: Identifique a órgão/tecido e as estruturas assinaladas.
Pele.
Epiderme
(camada córnea)
Ver estruturas na figura 2.
Hemorragia
Derme
Linfócitos
1
Que alterações observa?
A pele tem um infiltrado inflamatório constituído essencialmente por linfócitos
(infiltrado inflamatório crónico; se fosse agudo teríamos de ver na figura células
polimorfonucleares, o que não vemos). Este infiltrado está localizado quer na derme, quer
na epiderme, quer na interface derme-epiderme.
Está também presente uma situação de hemorragia (eritrócitos fora dos vasos).
Como classifica a lesão observada?
É uma situação de inflamação crónica na pele.
Que diagnóstico propõe para este caso?
Lúpus eritematoso sistémico (ou disseminado). O lúpus é uma das doenças autoimunes mais conhecidas.
O que faria para efectuar um diagnóstico seguro?
Não bastam os sinais e sintomas desta doença.
Nós sabemos que esta doença é desencadeada pelo próprio sistema imunológico e,
nesta doença, há, caracteristicamente, a presença de um determinado tipo de autoanticorpos que, neste caso, são anticorpos anti-nucleares. Logo, teremos de tentar
encontrar estes anticorpos para confirmar o diagnóstico.
Há muitos tipos de anticorpos anti-nucleares:
Anti-ADN de cadeia dupla
Anti-Smith
Anti-ribonucleoproteínas
ANAs “genéricos” (ADN, RNA, proteínas)
Anti-histonas
Estes anticorpos são chamados de auto-anticorpos e, portanto, são dirigidos contra
as próprias estruturas do indivíduo. Os mais característicos do lúpus são os Anti-ADN de
cadeia dupla (principalmente) e ainda os Anti-Smith.
Há muitas doenças auto-imunes e em quase todas elas podemos encontrar
anticorpos anti-nucleares.
2
O diagnóstico de lúpus seria então dado pelo quadro clínico e pela presença de
anticorpos Anti-ADN (de facto, os mais característicos).
Mas, para além dos anticorpos anti-nucleares, há outros anticorpos. No lúpus há
uma variedade enorme de auto-anticorpos que se dirigem aos mais variados componentes
celulares ou extra-celulares.
Outros anticorpos:
Anticorpos Anti-fosfolipídideos
Anticorpos Anti-eritrócitos, plaquetas e leucócitos
• Se uma doente com lupus tiver anticorpos Anti-eritrócitos, o que é que ela tem?
Anemia.
• Se uma doente com lupus tiver anticorpos Anti-plaquetas, o que é que ela tem?
Trombocitopenia.
Quais os órgãos e sistemas mais frequentemente atingidos nesta doença?
Pele (lesões exacerbadas pelo sol=fotossensibilidade)
Rins (afectados em quase todos os doentes com lúpus, pelo menos numa fase mais
avançada)
Articulações (atingidas por processos inflamatórios, mas não muito exuberantes)
Sistema Nervoso Central
Membranas serosas (pericárdio→pericardite; pleuras→pleurite)
Aparelho cardiovascular
Podemos dizer que quase todos os órgãos podem ser afectados pelo lúpus porque os
auto-anticorpos se encontram em praticamente todos os tecidos – trata-se de uma doença
multiorgânica ou multissistémica.
Qual(ais) o(s) mecanismo(s) patogénico(s) desta doença?
É uma doença determinada por uma reacção imunológica. Em algumas
circunstâncias o nosso sistema imunológico está alterado e começa a atacar-nos, causando
3
lesão, causando destruição dos tecidos. À reacção imunológica que causa destruição dos
tecidos chama-se reacção de hipersensibilidade.
Há vários tipos de reacções de hipersensibilidade. Uma delas é a que está envolvida
no lúpus: reacção de hipersensibilidade do tipo 3, também chamada de reacção de
hipersensiblidade por imunocomplexos.
• O que é um imunocomplexo?
É um complexo antigénio-anticorpo. Qualquer um de nós produz, durante a vida,
complexos antigénio-anticorpo contra antigénios estranhos, mas o normal é que estes
depois sejam degradados.
Contudo há situações em que os imunocomplexos se depositam nos tecidos. A
seguir a fixar-se nos tecidos, vão activar o complemento e desencadear uma resposta
inflamatória que condiciona uma inflamação aguda local, com polimorfonucleares, edema,
exsudado, etc. Todas estas alterações são desencadeadas pela fixação dos imunocomplexos.
Pode também acontecer que o próprio imunocomplexo se forme naquele local (um
anticorpo reage contra um antigénio daquele local, acumula-se ali e vai desencadear um
processo inflamatório no próprio local).
Portanto, existem duas formas possíveis de acção do imunocomplexo:
- ou se forma em circulação e se fixa nos tecidos;
- ou se forma in loco.
Qualquer uma das formas desencadeia depois um processo inflamatório com
destruição tecidular acentuada.
Este é o principal mecanismo patogénico (não é o único, obviamente) envolvido no
lúpus – é a reacção de hipersensibilidade por imunocomplexos, sendo que neste caso os
antigénios em questão são os nucleares, nomeadamente o ADN de cadeia dupla, que
desencadeiam a formação de anticorpos que se vão fixar nos tecidos.
De que forma simples se pode comprovar?
Pode-se comprovar que se trata de uma reacção por imunocomplexos por
imunofluorescência ou por microscopia electrónica. Pode-se fazer o estudo dos próprios
tecidos, observando a presença de imunoglobulinas e do complemento (porque nesta
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reacção imunológica há activação e fixação do complemento); também podemos ver que os
níveis de complemento em circulação (pesquisa do complemento sérico) estão baixos.
O lúpus é o protótipo da doença por imunocomplexos.
Que outras doenças deste grupo conhece?
Há várias doenças auto-imunes:
• Sistémicas – afectam todo o organismo (podem não afectar todos, mas afectam
vários órgãos):
- Artrite reumatóide
- Esclerose sistémica ou esclerodermia – afecta principalmente a derme, mas a
esclerose atinge vários orgãos:
•Derme muito espessa → a pele fica muito lisa e brilhante e deixa de ser
elástica;
•Há esclerose das vísceras.
- Síndrome de Sjögnen – atinge essencialmente as glândulas salivares e lacrimais (a
pessoa não consegue fazer saliva, fica com a boca seca, lábios secos, etc.), mas pode atingir
outros órgãos.
- Outras
Destas, a artrite reumatóide e a esclerose dérmica são, seguramente, as mais
comuns.
• Localizadas
- Doença de Graves – afecta a tiróide.
- Tireoidite de Hashimoto – afecta a tróide.
- Síndrome de Goodpasture – é uma doença muito grave que envolve, por um lado,
os rins, por outro lado, os pulmões. É uma doença auto-imune em que os anticorpos se
dirigem especificamente contra as membranas basais, quer no rim, quer no pulmão. Vai
desencadear insuficiência renal, hemorragia pulmonar, etc.
- Miastenia Gravis – há anticorpos contra receptores da acetilcolina. Logo, os
doentes têm dificuldades motoras porque a transmissão neuromuscular não se faz de forma
adequada. Isto condiciona alterações musculares graves, perda de movimentos, etc.
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- Diabetes mellitus tipo 1 - doença auto-imune em que o alvo são as células β do
pâncreas endócrino.
- Anemia hemolítica do recém-nascido – há anticorpos Anti-eritrócitos.
- Outras
As figuras seguintes documentam aspectos morfológicos observados noutros doentes com a
mesma patologia da doente do Caso 1.
Fig. 3: Identifique o órgão.
Rim (vêem-se glomérulos e tubos contornados)
Que alterações observa?
O glomérulo tem deposição de um material
eosinófilo que é constituído por um exsudado fibrinoso
que pode conter imunocomplexos (para os identificarmos teríamos de usar uma técnica
especial).
As setas apontam células polimorfonucleares do processo inflamatório.
E como é que se designa uma inflamação do glomérulo?Glomerulonefrite.
É muito frequente haver glomerulonefrite nos doentes com lúpus (quase todos os
doentes com lúpus, numa fase mais ou menos avançada, têm a implicação dos rins).
Há vários tipos de glomerulonefrite lúpica. Neste caso, é uma glomerulonefrite
proliferativa (porque há proliferação celular) local (porque há atingimento apenas local do
glomérulo).
• O que é que vocês acham que tem um doente com glomérulos neste estado?
Hematúria e proteinúria (são os sinais que reflectem o envolvimento do
glomérulo).
Membrana basal
espessada
Fig. 4a: Identifique o órgão e as estruturas assinaladas.
Rim
(Ver estruturas na figura 4a)
Lúmen de capilar
6
Que alterações observa e como se designa este aspecto?
Espessamento acentuado da membrana basal no glomérulo. Este espessamento dá à
membrana um aspecto em fio de arame que é devido à presença de imunocomplexos.
Fig. 4b (imunofluorescência directa): Que tipo de
material depositado no glomérulo justifica esta
imunofluorescência?
Podemos
imunoglobulinas
demonstrar
dos
a
presença
imunocomplexos
de
por
imunofluorescência. São usados anticorpos com
fluorocromos, que nos revelam a presença das imunoglobulinas e do complemento (na
figura o que é positivo é o que está mais claro), o que corresponde à presença dos
imunocomplexos no glomérulo. Este padrão de imunofluorescência costuma ser descrito
como padrão de tipo granular (por oposição a um outro que vamos falar mais tarde).
Depósitos de
imunocomplexos na
membrana basal
Fig. 4c (microscopia electrónica): Identifique as
Epitélio
com
podócitos
Lúmen
do capilar
glomerular
Célula
endotelial
estruturas assinaladas. Que alterações observa?
(Ver estruturas na figura 4c)
Quando fazemos microscopia electrónica deste
glomérulo
Espaço de
Bowman
podemos
confirmar
que
há
um
espessamento grande da membrana basal e podemos
ver a que é que este é devido.
Esta membrana basal está irregularmente espessada à custa dos depósitos
electronicamente densos, muito próprios dos imunocomplexos. Quando temos este aspecto
temos uma glomerulonefrite por imunocomplexos.
Os depósitos estão na membrana basal imediatamente debaixo da membrana endotelial –
depósitos subendoteliais (típicos do lúpus, por oposição aos depósitos subepiteliais que
aparecem noutros tipos de doenças glomerulares).
Fig. 5: Identifique o órgão e as estruturas assinaladas.
Rim
Túbulos
Glomérulo
(Ver estruturas na figura 5)
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Que alterações observa? O aspecto desta imagem traduz lesão mais antiga ou mais recente
que as anteriores?
Não se consegue distinguir facilmente a rede de capilares do glomérulo, este está
totalmente fibrosado, totalmente hialinizado. Há uma esclerose do glomérulo.
Isto é uma situação já terminal da evolução de uma glomerulonefrite. Um rim que
tem este aspecto já não funciona, já não tem qualquer capacidade de filtração glomerular.
Que complicação grave resulta do atingimento deste órgão? É uma situação frequente ou
rara?
Insuficiência renal crónica que leva o doente à diálise. Esta insuficiência renal é
uma situação frequente ou muitíssimo frequente e em grande parte dita o prognóstico do
lúpus. A gravidade do envolvimento renal é que determina de alguma maneira a gravidade
do lúpus, não são as lesões cutâneas nem as lesões articulares.
Fig. 6: Identifique o órgão e as áreas assinaladas na imagem histológica.
Coração (atingido raramente).
(Ver estruturas na figura 6 da direita)
Coágulo
Fibrose
Que alterações observa? Que características histológicas justificam o aspecto
macroscópico?
Na imagem da esquerda temos uma válvula mitral. O que tem esta válvula? Está
espessada, com aspecto de nodularidade. Qual é a diferença em relação à endocardite
infecciosa (ver aula prática de febre reumática e valvulopatias)? Na endocardite infecciosa
temos umas vegetações grandes, muito irregulares que facilmente se destacam do aparelho
valvular. Aqui não, temos uns nódulos pequeninos, sem aquele aspecto de irregularidade da
endocardite infecciosa.
8
Na imagem da direita, quando vamos ver a imagem histológica, também não tem
nada a ver com o que acontece na endocardite infecciosa. O que é que aparece na
endocardite infecciosa? Infiltrado polimorfonuclear, acumulação de bactérias (se for
bacteriana) ou de fungos (se for fúngica) e fibrina, tudo isto não vemos na imagem.
Como se designa esta patologia? É uma situação frequente ou rara?
Endocardite de Libman-Sacks. É rara.
Que outras complicações cardiovasculares são comuns nestes doentes?
Pericardite.
Aterosclerose (nas doenças com lúpus é mais precoce e mais acelerada do que nos
doentes que não têm lúpus). Não se sabe bem porquê, mas talvez porque a lesão endotelial
que inicia a aterosclerose é mais precoce. O facto é que estes doentes podem ter uma
aterosclerose grave.
Caso 2
Doente do sexo feminino, de 46 anos de idade, que recorre ao médico assistente por dor
nas articulações das mãos e dificuldade em realizar pequenas tarefas manuais. Queixavase, ainda, de mal-estar geral e astenia desde há alguns meses. Ao exame físico
salientava-se o aspecto das mãos (Fig. 7), também documentadas em radiografia (Fig.
8). Foi feita biópsia da sinovial (Fig. 9) na tentativa de esclarecer o processo. A doente
apresentava, ainda, pequenos nódulos subcutâneos nos antebraços (Fig. 10)
O facto de uma mulher de 46 anos ter dores nas mãos e deformidade articular não
nos faz pensar logo no diagnóstico da patologia que estamos aqui a retratar porque há muita
patologia degenerativa que pode condicionar este tipo de alterações.
Fig. 7: Qual o aspecto mais impressivo? Quais as articulações
mais afectadas?
Dilatação das articulações interfalângicas proximais. Estas
têm um aspecto tumefacto, edemaciado, inflamatório.
9
Fig. 8: O que observa nesta radiografia?
Seta amarela – osso menos denso, grande rarefacção óssea;
Seta vermelha – há destruição óssea
Fig. 9: Aspecto da sinovial duma articulação inter-falângica. O
que se salienta na imagem?
A
sinovial
está
aumentada
e
apresentado
mais
vilosidades; tem infiltrado linfocitário (crónico) no eixo das
vilosidades.
De facto, esta sinovial tem um espessamento, tem um aspecto vilositário, tem um
infiltrado inflamatório muito abundante, tem muita fibrose e muitos vasos.
Na artrite reumatóide há um atingimento preferencial das articulações,
essencialmente das extremidades, em especial das mãos. Esse atingimento é devido a um
infiltrado inflamatório porque começa com anticorpos contra vários constituintes das
articulações que vão destruir constituintes da sinovial e depois há chamada de células
inflamatórias linfóides que são elas próprias capazes de destruir a membrana (células
citotóxicas) e por outro lado são capazes de produzir citocinas que vão ser responsáveis
pela proliferação de vasos (angiogénese), pela activação de determinados tipos de células,
etc. O que resulta é o aspecto de uma sinovial muito espessada que forma uma “carapaça” à
volta das articulações que vai destruí-las ou levar à proliferação de células que levem a essa
destruição.
Como classifica a lesão? Quais as consequências locais deste processo?
Processo inflamatório crónico; destruição das articulações.
Fig. 10: Aspecto dum dos nódulos cutâneos. Como classifica a
lesão?
A zona central sem células tem necrose. Esta zona central
está envolvida por células inflamatórias e fibroblastos. No
contexto da artrite reumatóide este nódulo tem o nome de nódulo
reumatóide.
10
O nódulo reumatóide não é patognomónico, não aparece em muitos doentes, mas,
de facto, pode aparecer no tecido subcutâneo ou noutros tecidos, como o pulmão.
Qual o diagnóstico mais provável deste caso?
Artrite reumatóide.
Como confirmaria a sua hipótese?
Poder-se-ia fazer análise do factor reumatóide que é um auto-anticorpo que se
dirige contra uma parte específica da IgG. No entanto, o factor reumatóide não aparece em
todos os casos, o que significa que não é este factor que vai desencadear a artrite
reumatóide.
Assim, o diagnóstico da artrite reumatóide é quase exclusivamente clínico (ao
contrário do lúpus que necessitamos de fazer a pesquisa de auto-anticorpos para confirmar
a doença). É claro que pode haver ou não factor reumatóide, mas se não existir não invalida
o diagnóstico.
Para além do quadro clínico descrito neste caso, que é o mais típico da doença, que outra
sintomatologia pode aparecer?
Caracteristicamente a sintomatologia é articular (atinge especialmente articulações
das mãos e pés). É raro aparecer na coluna vertebral ou nos joelhos, mas pode haver
inflamação de qualquer órgão - doença auto-imune sistémica – se houver envolvimento do
pulmão vai haver sintomatologia pulmonar; se houver atingimento do coração, vai haver
sintomatologia cardíaca, etc.
A artrite reumatóide é muito frequente.
De que forma evolui habitualmente esta doença?
A artrite reumatóide não tem cura. É uma doença que se controla com antiinflamatórios e, actualmente, também há tratamentos novos relacionados com os tipos de
citocinas implicadas nas deformações.
Como não há cura, o que interessa é ir controlando os sintomas e a inflamação
porque se não são controlados adequadamente pode ocorrer uma deformidade articular de
11
tal maneira que pode originar um aspecto que é muito típico (que até há uns anos era
inevitável, mas que agora já se vai vendo menos) que é o de “mão em garra”, em que a
pessoa é totalmente incapaz de movimentar essa mão.
Caso 3
Doente do sexo feminino, de 34 anos de idade, que recorre ao médico assistente por
exoftalmia (Fig. 11). Apresentava, também, um ligeiro aumento de volume do pescoço.
Na história clínica salientava-se a existência de palpitações e taquicardia, ansiedade,
perda de peso (apesar de ter aumento do apetite) e intolerância ao calor desde há
algumas semanas. Sem antecedentes pessoais relevantes.
O que indicam os sintomas desta doente?
Hipertiroidismo.
Dada a persistência de parte dos sintomas após tratamento, a doente foi submetida a
cirurgia. Nas imagens seguintes pode observar alguns dos achados macroscópicos e
histológicos da peça cirúrgica.
Fig. 12: Identifique o órgão. Que alterações observa?
A glândula tiroideia está aumentada e tem um aspecto mais
lobulado.
Fig. 13: Identifique o órgão e a área assinalada.
Glândula tiroideia.
A área assinalada é o colóide.
12
Quais os aspectos morfológicos que estão relacionados com a hiperfunção do órgão
representado? (hiperplasia papilífera)
O epitélio folicular, que normalmente é liso e forma umas estruturas esféricas, está
alterado: tem umas protrusões, isto é, nota-se uma hiperplasia das células foliculares. Esta
hiperplasia ocorre porque a tiróide está a funcionar mais.
Qual o seu diagnóstico?
Doença de Graves.
A doença de Graves é uma doença em que há hipertiroidismo e, caracteristicamente,
exoftalmia. A exoftalmia não aparece noutros tipos de doença da tiróide, mas também não é
exclusiva da doença de Graves, porém é muito sugestiva desta doença.
De que forma o confirmaria?
Pela pesquisa de anticorpos porque na doença de Graves, doença auto-imune, há
auto-anticorpos que se dirigem contra os receptores da TSH (Anti-receptores TSH) e é
isto que conduz à doença porque os anticorpos Anti-receptores TSH vão mimetizar a TSH
e, portanto, a célula tiroideia vai responder como se estivesse a ser estimulada pela TSH.
Dado que as hormonas tiroideias são produzidas por estímulo da TSH, face à mimetização
dos efeitos da TSH pelos anticorpos Anti-receptores da TSH, vai haver um aumento da sua
produção seguido de um feedback negativo sobre a TSH, diminuindo-a. Logo os níveis de
TSH estão baixíssimos ou mesmo indoseáveis porque a TSH é totalmente frenada pela
tireoglobulina.
Qual o mecanismo etiopatogénico desta patologia?
É uma reacção auto-imune em que há um tipo particular de hipersensibilidade
(hipersensibilidade de tipo II). São anticorpos que condicionam a doença, neste caso, a
hiperfunção da glândula tiroideia.
13
Caso 4
Doente do sexo masculino, de 34 anos de idade, toxicodependente, com infecção pelo
HIV-1 (Fig. 14) desde a adolescência. Estava medicado com anti-retrovirais e
antibioterapia profiláctica, mas a sua adesão à terapêutica era irregular e faltava
frequentemente às consultas de rotina. Na última consulta apresentava-se muito
emagrecido, febril, com tosse e dispneia. Referia, ainda, episódios de diarreia aquosa
abundante. Ao exame objectivo era também evidente alguma confusão mental e perda
de memória. A contagem de linfócitos CD4+ efectuada nessa altura foi de 120
células/µl. O doente foi internado para melhor esclarecimento do quadro clínico e
tratamento, mas a situação deteriorou-se rapidamente e o doente faleceu pouco tempo
depois. Foi feito exame necrópsico.
Fig. 14
Nas imagens temos o vírus HIV e alguns dos seus constituintes fundamentais:
env - proteínas do envelope do vírus, nomeadamente a gp 120 e a gp 41, que são
importantes para a adesão do vírus à célula alvo;
gag – responsável por várias proteínas do vírus, de ressalvar a p24 – muito imunogénica,
usada clinicamente para detectar o vírus HIV;
pol – responsável pelas várias enzimas do vírus.
Qual terá sido, mais provavelmente, a via de infecção deste doente pelo HIV? Que outras
vias de infecção conhece? De que forma o HIV vai afectar o sistema imunológico?
Aqui, via parentérica (infecção directa do vírus no sangue), comum nos
toxicodependentes. Via sexual, via de transmissão Mãe-filho – pode ocorrer em várias
fases: - Via placentária
- Durante o parto (probabilidade de infecção maior, deve recorrer à cesariana)
- Aleitamento.
14
O sistema imunológico vai ser afectado devido à infecção das células CD4+, que
vão diminuindo de número com o evoluir da doença, e na fase final da doença quase não
existem. Por isso, se normalmente a razão entre as células CD4+: CD8+ seria 2:1, nos
doentes infectados com HIV há inversão da razão para 1:2. Os linfócitos CD4+ são os
grandes controladores da resposta imunológica em geral (na indução de determinadas
citocinas, controlo da resposta dos linfócitos B), não havendo CD4+ suficientes, todo o
sistema imunológico vai ser alterado e o doente chega a uma fase terminal com a sua
capacidade linfocitária bastante diminuída.
Fig 5-39
glicoproteína 120 de membrana permite a adesão de células. Sem esta glicoproteína,
o vírus não consegue ligar-se à célula alvo e infectá-la. O receptor CXCR4 existe
normalmente nas nossas células, como os linfócitos, e ajudam o vírus a entrar na célula.
15
Então células sem este receptor, não são passíveis de serem infectadas. Por isso, existem
pessoas que apesar de contacto continuado com o vírus, não são infectadas por ele.
Células afectadas pelo vírus HIV: - células CD4+, essencialmente Th
- macrófagos
- células dendríticas
Na parte inicial da doença, nas células infectadas, a ligação à superfície das células
vai resultar na disseminação do vírus. Entra em circulação, pois as células infectadas que
existem nos tecidos linfóides e gânglios linfáticos, vão migrar para os gânglios linfóides em
geral:
vírus entra na Célula T
RNA viral transforma-se em DNA e é integrado
no DNA do hospedeiro
Estímulo
para divisão
Maioria das
células
infectadas são
destruídas
Replicação do DNA da célula e também
do DNA viral, ocorrendo formação de
novas partículas virais.
Partículas víricas são libertadas
para a circulação, para infectar
novas células
Células macrofágicas , semelhante ao que acontece com as células T , há
incorporação do genoma viral, e formação de novas partículas virais. Mas, nem todo o
RNA se integra, muito fica no citoplasma, grande reservatório do vírus, muito maior do que
as células CD4+, pois as células T são mais facilmente destruídas quando infectadas, do
que os macrófagos.
Células dendríticas funcionam também essencialmente como reservatório, nos
tecidos e s gânglios linfáticos (células foliculares dendríticas). Partículas víricas, não são
incorporadas, ficam expostas nos prolongamentos destas células.
16
HIV – RNA por acção da transcriptase reversa, passa para ADN
Divisão das células com ADN viral
Integra-se no ADN do hospedeiro
Formação de novas particulas víricas, que pela acção
as proteases são libertadas pelas células.
Tratamento: Antiretrovirais (usados há mais tempo), actuam sobre as enzimas –
Transcriptase reversa – para impedir que o RNA seja integrado no hospedeiro e inibidores
de proteases – impossível formar nódulos de partículas víricas, evita a replicação, mas não
a infecção. Assim a manifestação da doença, pode ocorrer mais tardiamente.
As imagens seguintes referem-se a alguns dos achados mais relevantes da autópsia
Fig.15: Identifique o órgão.
Pulmão. (Alvéolo e septos alveolares).
Que alterações observa? Que lhe sugere este aspecto?
Exsudado (fibrinoso) ocupa todo o alvéolo, mas com muito poucas células, aspecto
característico de Pneumonia, por Pneumocystis carini.
Observe a Fig.15a.
Confirma o seu diagnóstico?
Sim, pois com esta técnica é possível visualizar os
microorganismos presentes no exsudado, que coram de escuro.
Em que fase da doença é habitual aparecer esta patologia?
Esta infecção é muito comum na fase final de doentes infectados com o HIV,
doentes com SIDA.
Fig.16a: Identifique o órgão.
Intestino.
17
Que alterações observa, e o que lhe sugerem?
É comum estes doentes terem diarreia, e claro este intestino não está normal. Toda a
mucosa cheia de inúmeras placas esbranquiçadas e amareladas, e normalmente a mucosa
apresenta-se acastanhada. Sugere que existe algo que não permite a visualização da mucosa
como uma infecção.
Fig.16b: Identifique as células presentes na lâmina própria.
Glândula intestinal normal. Córion da mucosa, com grande
população de células – macrófagos*, o que indica que algo não
está bem. Células apresentam-se microvacuolizadas.
*não são plasmócitos porque têm citoplasma muito abundante
e este não é uniforme.
Fig.16c:
Aspecto
das
mesmas
células
com
coloração
histoquímica pelo método de Ziehl-Neelsen. Qual o seu
diagnóstico?
Esta coloração é utilizada para células álcool-ácido
resistentes, como ácidos micólicos. Foi usada na tentativa de se
compreender o que se encontrava dentro dos macrófagos. Estas substâncias estão quase
todas dentro de macrófagos, logo é Micobacterium. Micobacterium avium (intracelular,
MAC), não tuberculosis, porque os doentes imunodeprimidos têm a sua capacidade de
formar granulomas diminuída.
Fig.17: Qual o aspecto mais impressivo nesta imagem de rim?
Presença de células muito grandes, com núcleo que
apresenta uma divisão lá dentro e um halo claro à volta .
Infecção por inclusão de citomegalovirus. Não é necessária
fazer qualquer marcação para a confirmação do diagnóstico.
Em que fase da doença (infecção HIV) se encontrava este doente? Justifique. O que a
caracteriza? Quais são as outras fases, e como se caracterizam? Como se faz o seguimento
dum doente com infecção pelo HIV?
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- Fase terminal. Porque só se tem Sida na fase final, inicialmente é apenas infecção pelo
HIV, o que é demonstrado nas outras figuras.
Característico desta fase:
CD4+ muito baixo
Infecções
oportunistas
–
infecções
que,
numa
pessoa
imunocompetente não dão qualquer tipo de problemas, mas no doente imunodeprimido
causam “problemas” (ex: Citomegalis, Micobacterium avium)
Neoplasias – que são específicas deste vírus. “oportunistas”.
- Seguimento de um doente, primeiro determinar fase da infecção:
-Níveis de CD4+
-Presença ou não de vírus no sangue; se sim, determinar quantidade
de vírus. Por não ter vírus no sangue, não quer dizer que não esteja infectado, já que o vírus
pode estar nas células já referidas, num estado de latência. Só numa fase final é que têm
vírus no sangue.
-Tratamento adequado com retrovirais.
Fases da infecção pelo HIV
Fig.5-42
19
1ª - Fase Inicial – Entrada do vírus no organismo pelas três vias acima referidas – passa a
estar infectado;
Sintomas: Síndrome Agudo Gripal ou não ter nenhum sintoma.
A nível celular: Ligação do vírus às células CD4+, disseminação e colonização nos órgãos linfóides.
diminução de células CD4+ ( Destruição inicial). Nível do vírus muito baixo.
2ª - Fase Crónica – Nesta fase há uma subida das células CD4+, porque, se na fase inicial
a quantidade de CD4+ é destruída, na 2º fase há uma intensa replicação, característica do
sistema linfático, para substituir essas células que foram infectadas e destruídas
inicialmente.
Podem surgir infecções normais, que devem ser controladas, já que qualquer
infecção desencadeia um aumento de células CD4+ e, consequentemente, um aumento
partículas víricas.
Com as terapêuticas disponíveis com retrovirais, esta fase é prolongada durante
anos.
3ª - Fase Terminal – Inevitavelmente, surgem sintomas gerais de mau estar, febre. Níveis
de CD4+ vão diminuindo e os níveis de vírus vão aumentando .
Observe agora vários exemplos de outro grupo de lesões que são comuns em doentes com
SIDA e cujo aparecimento pode definir a "entrada" na fase final da doença.
Fig. 18a: Identifique o órgão e descreva a lesão. Sabendo que se
trata dum doente HIV+, consegue propôr um diagnóstico?
Boca – Palato. Lesão muito típica, nodular e mais
avermelhada que a mucosa bucal. Sarcoma de Kaposi – Lesão
neoplásica, formada por vasos sanguíneos.
Fig. 18b: Aspecto histológico. Identifique as estruturas
assinaladas. (Qual(ais) o(s) elemento(s) mais marcante(s)
desta lesão? Qual é o diagnóstico mais provável? Qual o
microorganismo que está fortemente associado a esta lesão?
Seta branca – pigmento hemosidérico;
Seta preta - vasos congestionados.
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Salienta-se a grande quantidade de vasos congestionados, o que leva a fácil ruptura de
vasos, e esta a infecção. Diagnóstico mais provável – Sarcoma de Kaposi – associado ao
vírus do grupo Herpes – KSHV (HAV8).
Fig. 19: Aspecto histológico duma das neoplasias mais comuns
nos doentes HIV+. Consegue propôr um diagnóstico?
Linfoma.
Células linfóides neoplásicas, macrófagos com corpos
apoptóticos.
Bem, pessoal aqui está mais um seminário...Optamos por colocar todas as imagens
para que a informação estivesse toda compilada.
As frases a itálico são as perguntas do próprio seminário. As perguntas que não
surgem a itálico e tudo o resto (que não são perguntas..lol) é o que foi dito pela professora
na aula. Fizemos o melhor que pudemos...
Pedimos desculpa por este seminário não ter um grande aspecto estético: ficam sem
uma grande apresentação estética, mas com um grande seminário... ;)
Boa sorte para tudo o que se avizinha e se tiverem dúvidas procurem-nos:
Julieta Gomes
Margarida Moreira
T.4
E não percam a nossa próxima desgravação...next stop: imuno!!!
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