FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO SEMINÁRIO Nº6 DE BIOPATOLOGIA 18 DE OUTUBRO DE 2006 DOENÇAS AUTO-IMUNES E SIDA Caso 1 Doente do sexo feminino, de 17 anos de idade, com lesões cutâneas eritematodescamativas em áreas expostas, mais exuberantes na pele da face, que se exacerbavam pela exposição ao sol (Fig. 1). Apresentava, também, dores articulares (nos joelhos, mãos e pés), sem deformidade articular nem sinais inflamatórios locais. Referia ter frequentemente febre baixa, sem causa infecciosa que a justificasse. Nesta história já há qualquer coisa que nos aponta para determinado tipo de doença, é a associação entre lesões cutâneas exacerbadas pelo sol e dores articulares. Não há muitos tipos de doenças que tenham este tipo de associação. Fig. 1: Qual o aspecto predominante e a localização das lesões da pele da face? Esta doente tem umas manchas avermelhadas na área malar e dorso do nariz, são as tais lesões eritemo (porque são vermelhas) – descamativas (porque tem alguma descamação da epiderme). Esta localização é típica do lúpus eritematoso sistémico, é o rash malar ou em asa de borboleta. É este rash que, associado ao resto do quadro clínico, nos faz pensar em lúpus eritematoso sistémico. Fig. 2: Identifique a órgão/tecido e as estruturas assinaladas. Pele. Epiderme (camada córnea) Ver estruturas na figura 2. Hemorragia Derme Linfócitos 1 Que alterações observa? A pele tem um infiltrado inflamatório constituído essencialmente por linfócitos (infiltrado inflamatório crónico; se fosse agudo teríamos de ver na figura células polimorfonucleares, o que não vemos). Este infiltrado está localizado quer na derme, quer na epiderme, quer na interface derme-epiderme. Está também presente uma situação de hemorragia (eritrócitos fora dos vasos). Como classifica a lesão observada? É uma situação de inflamação crónica na pele. Que diagnóstico propõe para este caso? Lúpus eritematoso sistémico (ou disseminado). O lúpus é uma das doenças autoimunes mais conhecidas. O que faria para efectuar um diagnóstico seguro? Não bastam os sinais e sintomas desta doença. Nós sabemos que esta doença é desencadeada pelo próprio sistema imunológico e, nesta doença, há, caracteristicamente, a presença de um determinado tipo de autoanticorpos que, neste caso, são anticorpos anti-nucleares. Logo, teremos de tentar encontrar estes anticorpos para confirmar o diagnóstico. Há muitos tipos de anticorpos anti-nucleares: Anti-ADN de cadeia dupla Anti-Smith Anti-ribonucleoproteínas ANAs “genéricos” (ADN, RNA, proteínas) Anti-histonas Estes anticorpos são chamados de auto-anticorpos e, portanto, são dirigidos contra as próprias estruturas do indivíduo. Os mais característicos do lúpus são os Anti-ADN de cadeia dupla (principalmente) e ainda os Anti-Smith. Há muitas doenças auto-imunes e em quase todas elas podemos encontrar anticorpos anti-nucleares. 2 O diagnóstico de lúpus seria então dado pelo quadro clínico e pela presença de anticorpos Anti-ADN (de facto, os mais característicos). Mas, para além dos anticorpos anti-nucleares, há outros anticorpos. No lúpus há uma variedade enorme de auto-anticorpos que se dirigem aos mais variados componentes celulares ou extra-celulares. Outros anticorpos: Anticorpos Anti-fosfolipídideos Anticorpos Anti-eritrócitos, plaquetas e leucócitos • Se uma doente com lupus tiver anticorpos Anti-eritrócitos, o que é que ela tem? Anemia. • Se uma doente com lupus tiver anticorpos Anti-plaquetas, o que é que ela tem? Trombocitopenia. Quais os órgãos e sistemas mais frequentemente atingidos nesta doença? Pele (lesões exacerbadas pelo sol=fotossensibilidade) Rins (afectados em quase todos os doentes com lúpus, pelo menos numa fase mais avançada) Articulações (atingidas por processos inflamatórios, mas não muito exuberantes) Sistema Nervoso Central Membranas serosas (pericárdio→pericardite; pleuras→pleurite) Aparelho cardiovascular Podemos dizer que quase todos os órgãos podem ser afectados pelo lúpus porque os auto-anticorpos se encontram em praticamente todos os tecidos – trata-se de uma doença multiorgânica ou multissistémica. Qual(ais) o(s) mecanismo(s) patogénico(s) desta doença? É uma doença determinada por uma reacção imunológica. Em algumas circunstâncias o nosso sistema imunológico está alterado e começa a atacar-nos, causando 3 lesão, causando destruição dos tecidos. À reacção imunológica que causa destruição dos tecidos chama-se reacção de hipersensibilidade. Há vários tipos de reacções de hipersensibilidade. Uma delas é a que está envolvida no lúpus: reacção de hipersensibilidade do tipo 3, também chamada de reacção de hipersensiblidade por imunocomplexos. • O que é um imunocomplexo? É um complexo antigénio-anticorpo. Qualquer um de nós produz, durante a vida, complexos antigénio-anticorpo contra antigénios estranhos, mas o normal é que estes depois sejam degradados. Contudo há situações em que os imunocomplexos se depositam nos tecidos. A seguir a fixar-se nos tecidos, vão activar o complemento e desencadear uma resposta inflamatória que condiciona uma inflamação aguda local, com polimorfonucleares, edema, exsudado, etc. Todas estas alterações são desencadeadas pela fixação dos imunocomplexos. Pode também acontecer que o próprio imunocomplexo se forme naquele local (um anticorpo reage contra um antigénio daquele local, acumula-se ali e vai desencadear um processo inflamatório no próprio local). Portanto, existem duas formas possíveis de acção do imunocomplexo: - ou se forma em circulação e se fixa nos tecidos; - ou se forma in loco. Qualquer uma das formas desencadeia depois um processo inflamatório com destruição tecidular acentuada. Este é o principal mecanismo patogénico (não é o único, obviamente) envolvido no lúpus – é a reacção de hipersensibilidade por imunocomplexos, sendo que neste caso os antigénios em questão são os nucleares, nomeadamente o ADN de cadeia dupla, que desencadeiam a formação de anticorpos que se vão fixar nos tecidos. De que forma simples se pode comprovar? Pode-se comprovar que se trata de uma reacção por imunocomplexos por imunofluorescência ou por microscopia electrónica. Pode-se fazer o estudo dos próprios tecidos, observando a presença de imunoglobulinas e do complemento (porque nesta 4 reacção imunológica há activação e fixação do complemento); também podemos ver que os níveis de complemento em circulação (pesquisa do complemento sérico) estão baixos. O lúpus é o protótipo da doença por imunocomplexos. Que outras doenças deste grupo conhece? Há várias doenças auto-imunes: • Sistémicas – afectam todo o organismo (podem não afectar todos, mas afectam vários órgãos): - Artrite reumatóide - Esclerose sistémica ou esclerodermia – afecta principalmente a derme, mas a esclerose atinge vários orgãos: •Derme muito espessa → a pele fica muito lisa e brilhante e deixa de ser elástica; •Há esclerose das vísceras. - Síndrome de Sjögnen – atinge essencialmente as glândulas salivares e lacrimais (a pessoa não consegue fazer saliva, fica com a boca seca, lábios secos, etc.), mas pode atingir outros órgãos. - Outras Destas, a artrite reumatóide e a esclerose dérmica são, seguramente, as mais comuns. • Localizadas - Doença de Graves – afecta a tiróide. - Tireoidite de Hashimoto – afecta a tróide. - Síndrome de Goodpasture – é uma doença muito grave que envolve, por um lado, os rins, por outro lado, os pulmões. É uma doença auto-imune em que os anticorpos se dirigem especificamente contra as membranas basais, quer no rim, quer no pulmão. Vai desencadear insuficiência renal, hemorragia pulmonar, etc. - Miastenia Gravis – há anticorpos contra receptores da acetilcolina. Logo, os doentes têm dificuldades motoras porque a transmissão neuromuscular não se faz de forma adequada. Isto condiciona alterações musculares graves, perda de movimentos, etc. 5 - Diabetes mellitus tipo 1 - doença auto-imune em que o alvo são as células β do pâncreas endócrino. - Anemia hemolítica do recém-nascido – há anticorpos Anti-eritrócitos. - Outras As figuras seguintes documentam aspectos morfológicos observados noutros doentes com a mesma patologia da doente do Caso 1. Fig. 3: Identifique o órgão. Rim (vêem-se glomérulos e tubos contornados) Que alterações observa? O glomérulo tem deposição de um material eosinófilo que é constituído por um exsudado fibrinoso que pode conter imunocomplexos (para os identificarmos teríamos de usar uma técnica especial). As setas apontam células polimorfonucleares do processo inflamatório. E como é que se designa uma inflamação do glomérulo?Glomerulonefrite. É muito frequente haver glomerulonefrite nos doentes com lúpus (quase todos os doentes com lúpus, numa fase mais ou menos avançada, têm a implicação dos rins). Há vários tipos de glomerulonefrite lúpica. Neste caso, é uma glomerulonefrite proliferativa (porque há proliferação celular) local (porque há atingimento apenas local do glomérulo). • O que é que vocês acham que tem um doente com glomérulos neste estado? Hematúria e proteinúria (são os sinais que reflectem o envolvimento do glomérulo). Membrana basal espessada Fig. 4a: Identifique o órgão e as estruturas assinaladas. Rim (Ver estruturas na figura 4a) Lúmen de capilar 6 Que alterações observa e como se designa este aspecto? Espessamento acentuado da membrana basal no glomérulo. Este espessamento dá à membrana um aspecto em fio de arame que é devido à presença de imunocomplexos. Fig. 4b (imunofluorescência directa): Que tipo de material depositado no glomérulo justifica esta imunofluorescência? Podemos imunoglobulinas demonstrar dos a presença imunocomplexos de por imunofluorescência. São usados anticorpos com fluorocromos, que nos revelam a presença das imunoglobulinas e do complemento (na figura o que é positivo é o que está mais claro), o que corresponde à presença dos imunocomplexos no glomérulo. Este padrão de imunofluorescência costuma ser descrito como padrão de tipo granular (por oposição a um outro que vamos falar mais tarde). Depósitos de imunocomplexos na membrana basal Fig. 4c (microscopia electrónica): Identifique as Epitélio com podócitos Lúmen do capilar glomerular Célula endotelial estruturas assinaladas. Que alterações observa? (Ver estruturas na figura 4c) Quando fazemos microscopia electrónica deste glomérulo Espaço de Bowman podemos confirmar que há um espessamento grande da membrana basal e podemos ver a que é que este é devido. Esta membrana basal está irregularmente espessada à custa dos depósitos electronicamente densos, muito próprios dos imunocomplexos. Quando temos este aspecto temos uma glomerulonefrite por imunocomplexos. Os depósitos estão na membrana basal imediatamente debaixo da membrana endotelial – depósitos subendoteliais (típicos do lúpus, por oposição aos depósitos subepiteliais que aparecem noutros tipos de doenças glomerulares). Fig. 5: Identifique o órgão e as estruturas assinaladas. Rim Túbulos Glomérulo (Ver estruturas na figura 5) 7 Que alterações observa? O aspecto desta imagem traduz lesão mais antiga ou mais recente que as anteriores? Não se consegue distinguir facilmente a rede de capilares do glomérulo, este está totalmente fibrosado, totalmente hialinizado. Há uma esclerose do glomérulo. Isto é uma situação já terminal da evolução de uma glomerulonefrite. Um rim que tem este aspecto já não funciona, já não tem qualquer capacidade de filtração glomerular. Que complicação grave resulta do atingimento deste órgão? É uma situação frequente ou rara? Insuficiência renal crónica que leva o doente à diálise. Esta insuficiência renal é uma situação frequente ou muitíssimo frequente e em grande parte dita o prognóstico do lúpus. A gravidade do envolvimento renal é que determina de alguma maneira a gravidade do lúpus, não são as lesões cutâneas nem as lesões articulares. Fig. 6: Identifique o órgão e as áreas assinaladas na imagem histológica. Coração (atingido raramente). (Ver estruturas na figura 6 da direita) Coágulo Fibrose Que alterações observa? Que características histológicas justificam o aspecto macroscópico? Na imagem da esquerda temos uma válvula mitral. O que tem esta válvula? Está espessada, com aspecto de nodularidade. Qual é a diferença em relação à endocardite infecciosa (ver aula prática de febre reumática e valvulopatias)? Na endocardite infecciosa temos umas vegetações grandes, muito irregulares que facilmente se destacam do aparelho valvular. Aqui não, temos uns nódulos pequeninos, sem aquele aspecto de irregularidade da endocardite infecciosa. 8 Na imagem da direita, quando vamos ver a imagem histológica, também não tem nada a ver com o que acontece na endocardite infecciosa. O que é que aparece na endocardite infecciosa? Infiltrado polimorfonuclear, acumulação de bactérias (se for bacteriana) ou de fungos (se for fúngica) e fibrina, tudo isto não vemos na imagem. Como se designa esta patologia? É uma situação frequente ou rara? Endocardite de Libman-Sacks. É rara. Que outras complicações cardiovasculares são comuns nestes doentes? Pericardite. Aterosclerose (nas doenças com lúpus é mais precoce e mais acelerada do que nos doentes que não têm lúpus). Não se sabe bem porquê, mas talvez porque a lesão endotelial que inicia a aterosclerose é mais precoce. O facto é que estes doentes podem ter uma aterosclerose grave. Caso 2 Doente do sexo feminino, de 46 anos de idade, que recorre ao médico assistente por dor nas articulações das mãos e dificuldade em realizar pequenas tarefas manuais. Queixavase, ainda, de mal-estar geral e astenia desde há alguns meses. Ao exame físico salientava-se o aspecto das mãos (Fig. 7), também documentadas em radiografia (Fig. 8). Foi feita biópsia da sinovial (Fig. 9) na tentativa de esclarecer o processo. A doente apresentava, ainda, pequenos nódulos subcutâneos nos antebraços (Fig. 10) O facto de uma mulher de 46 anos ter dores nas mãos e deformidade articular não nos faz pensar logo no diagnóstico da patologia que estamos aqui a retratar porque há muita patologia degenerativa que pode condicionar este tipo de alterações. Fig. 7: Qual o aspecto mais impressivo? Quais as articulações mais afectadas? Dilatação das articulações interfalângicas proximais. Estas têm um aspecto tumefacto, edemaciado, inflamatório. 9 Fig. 8: O que observa nesta radiografia? Seta amarela – osso menos denso, grande rarefacção óssea; Seta vermelha – há destruição óssea Fig. 9: Aspecto da sinovial duma articulação inter-falângica. O que se salienta na imagem? A sinovial está aumentada e apresentado mais vilosidades; tem infiltrado linfocitário (crónico) no eixo das vilosidades. De facto, esta sinovial tem um espessamento, tem um aspecto vilositário, tem um infiltrado inflamatório muito abundante, tem muita fibrose e muitos vasos. Na artrite reumatóide há um atingimento preferencial das articulações, essencialmente das extremidades, em especial das mãos. Esse atingimento é devido a um infiltrado inflamatório porque começa com anticorpos contra vários constituintes das articulações que vão destruir constituintes da sinovial e depois há chamada de células inflamatórias linfóides que são elas próprias capazes de destruir a membrana (células citotóxicas) e por outro lado são capazes de produzir citocinas que vão ser responsáveis pela proliferação de vasos (angiogénese), pela activação de determinados tipos de células, etc. O que resulta é o aspecto de uma sinovial muito espessada que forma uma “carapaça” à volta das articulações que vai destruí-las ou levar à proliferação de células que levem a essa destruição. Como classifica a lesão? Quais as consequências locais deste processo? Processo inflamatório crónico; destruição das articulações. Fig. 10: Aspecto dum dos nódulos cutâneos. Como classifica a lesão? A zona central sem células tem necrose. Esta zona central está envolvida por células inflamatórias e fibroblastos. No contexto da artrite reumatóide este nódulo tem o nome de nódulo reumatóide. 10 O nódulo reumatóide não é patognomónico, não aparece em muitos doentes, mas, de facto, pode aparecer no tecido subcutâneo ou noutros tecidos, como o pulmão. Qual o diagnóstico mais provável deste caso? Artrite reumatóide. Como confirmaria a sua hipótese? Poder-se-ia fazer análise do factor reumatóide que é um auto-anticorpo que se dirige contra uma parte específica da IgG. No entanto, o factor reumatóide não aparece em todos os casos, o que significa que não é este factor que vai desencadear a artrite reumatóide. Assim, o diagnóstico da artrite reumatóide é quase exclusivamente clínico (ao contrário do lúpus que necessitamos de fazer a pesquisa de auto-anticorpos para confirmar a doença). É claro que pode haver ou não factor reumatóide, mas se não existir não invalida o diagnóstico. Para além do quadro clínico descrito neste caso, que é o mais típico da doença, que outra sintomatologia pode aparecer? Caracteristicamente a sintomatologia é articular (atinge especialmente articulações das mãos e pés). É raro aparecer na coluna vertebral ou nos joelhos, mas pode haver inflamação de qualquer órgão - doença auto-imune sistémica – se houver envolvimento do pulmão vai haver sintomatologia pulmonar; se houver atingimento do coração, vai haver sintomatologia cardíaca, etc. A artrite reumatóide é muito frequente. De que forma evolui habitualmente esta doença? A artrite reumatóide não tem cura. É uma doença que se controla com antiinflamatórios e, actualmente, também há tratamentos novos relacionados com os tipos de citocinas implicadas nas deformações. Como não há cura, o que interessa é ir controlando os sintomas e a inflamação porque se não são controlados adequadamente pode ocorrer uma deformidade articular de 11 tal maneira que pode originar um aspecto que é muito típico (que até há uns anos era inevitável, mas que agora já se vai vendo menos) que é o de “mão em garra”, em que a pessoa é totalmente incapaz de movimentar essa mão. Caso 3 Doente do sexo feminino, de 34 anos de idade, que recorre ao médico assistente por exoftalmia (Fig. 11). Apresentava, também, um ligeiro aumento de volume do pescoço. Na história clínica salientava-se a existência de palpitações e taquicardia, ansiedade, perda de peso (apesar de ter aumento do apetite) e intolerância ao calor desde há algumas semanas. Sem antecedentes pessoais relevantes. O que indicam os sintomas desta doente? Hipertiroidismo. Dada a persistência de parte dos sintomas após tratamento, a doente foi submetida a cirurgia. Nas imagens seguintes pode observar alguns dos achados macroscópicos e histológicos da peça cirúrgica. Fig. 12: Identifique o órgão. Que alterações observa? A glândula tiroideia está aumentada e tem um aspecto mais lobulado. Fig. 13: Identifique o órgão e a área assinalada. Glândula tiroideia. A área assinalada é o colóide. 12 Quais os aspectos morfológicos que estão relacionados com a hiperfunção do órgão representado? (hiperplasia papilífera) O epitélio folicular, que normalmente é liso e forma umas estruturas esféricas, está alterado: tem umas protrusões, isto é, nota-se uma hiperplasia das células foliculares. Esta hiperplasia ocorre porque a tiróide está a funcionar mais. Qual o seu diagnóstico? Doença de Graves. A doença de Graves é uma doença em que há hipertiroidismo e, caracteristicamente, exoftalmia. A exoftalmia não aparece noutros tipos de doença da tiróide, mas também não é exclusiva da doença de Graves, porém é muito sugestiva desta doença. De que forma o confirmaria? Pela pesquisa de anticorpos porque na doença de Graves, doença auto-imune, há auto-anticorpos que se dirigem contra os receptores da TSH (Anti-receptores TSH) e é isto que conduz à doença porque os anticorpos Anti-receptores TSH vão mimetizar a TSH e, portanto, a célula tiroideia vai responder como se estivesse a ser estimulada pela TSH. Dado que as hormonas tiroideias são produzidas por estímulo da TSH, face à mimetização dos efeitos da TSH pelos anticorpos Anti-receptores da TSH, vai haver um aumento da sua produção seguido de um feedback negativo sobre a TSH, diminuindo-a. Logo os níveis de TSH estão baixíssimos ou mesmo indoseáveis porque a TSH é totalmente frenada pela tireoglobulina. Qual o mecanismo etiopatogénico desta patologia? É uma reacção auto-imune em que há um tipo particular de hipersensibilidade (hipersensibilidade de tipo II). São anticorpos que condicionam a doença, neste caso, a hiperfunção da glândula tiroideia. 13 Caso 4 Doente do sexo masculino, de 34 anos de idade, toxicodependente, com infecção pelo HIV-1 (Fig. 14) desde a adolescência. Estava medicado com anti-retrovirais e antibioterapia profiláctica, mas a sua adesão à terapêutica era irregular e faltava frequentemente às consultas de rotina. Na última consulta apresentava-se muito emagrecido, febril, com tosse e dispneia. Referia, ainda, episódios de diarreia aquosa abundante. Ao exame objectivo era também evidente alguma confusão mental e perda de memória. A contagem de linfócitos CD4+ efectuada nessa altura foi de 120 células/µl. O doente foi internado para melhor esclarecimento do quadro clínico e tratamento, mas a situação deteriorou-se rapidamente e o doente faleceu pouco tempo depois. Foi feito exame necrópsico. Fig. 14 Nas imagens temos o vírus HIV e alguns dos seus constituintes fundamentais: env - proteínas do envelope do vírus, nomeadamente a gp 120 e a gp 41, que são importantes para a adesão do vírus à célula alvo; gag – responsável por várias proteínas do vírus, de ressalvar a p24 – muito imunogénica, usada clinicamente para detectar o vírus HIV; pol – responsável pelas várias enzimas do vírus. Qual terá sido, mais provavelmente, a via de infecção deste doente pelo HIV? Que outras vias de infecção conhece? De que forma o HIV vai afectar o sistema imunológico? Aqui, via parentérica (infecção directa do vírus no sangue), comum nos toxicodependentes. Via sexual, via de transmissão Mãe-filho – pode ocorrer em várias fases: - Via placentária - Durante o parto (probabilidade de infecção maior, deve recorrer à cesariana) - Aleitamento. 14 O sistema imunológico vai ser afectado devido à infecção das células CD4+, que vão diminuindo de número com o evoluir da doença, e na fase final da doença quase não existem. Por isso, se normalmente a razão entre as células CD4+: CD8+ seria 2:1, nos doentes infectados com HIV há inversão da razão para 1:2. Os linfócitos CD4+ são os grandes controladores da resposta imunológica em geral (na indução de determinadas citocinas, controlo da resposta dos linfócitos B), não havendo CD4+ suficientes, todo o sistema imunológico vai ser alterado e o doente chega a uma fase terminal com a sua capacidade linfocitária bastante diminuída. Fig 5-39 glicoproteína 120 de membrana permite a adesão de células. Sem esta glicoproteína, o vírus não consegue ligar-se à célula alvo e infectá-la. O receptor CXCR4 existe normalmente nas nossas células, como os linfócitos, e ajudam o vírus a entrar na célula. 15 Então células sem este receptor, não são passíveis de serem infectadas. Por isso, existem pessoas que apesar de contacto continuado com o vírus, não são infectadas por ele. Células afectadas pelo vírus HIV: - células CD4+, essencialmente Th - macrófagos - células dendríticas Na parte inicial da doença, nas células infectadas, a ligação à superfície das células vai resultar na disseminação do vírus. Entra em circulação, pois as células infectadas que existem nos tecidos linfóides e gânglios linfáticos, vão migrar para os gânglios linfóides em geral: vírus entra na Célula T RNA viral transforma-se em DNA e é integrado no DNA do hospedeiro Estímulo para divisão Maioria das células infectadas são destruídas Replicação do DNA da célula e também do DNA viral, ocorrendo formação de novas partículas virais. Partículas víricas são libertadas para a circulação, para infectar novas células Células macrofágicas , semelhante ao que acontece com as células T , há incorporação do genoma viral, e formação de novas partículas virais. Mas, nem todo o RNA se integra, muito fica no citoplasma, grande reservatório do vírus, muito maior do que as células CD4+, pois as células T são mais facilmente destruídas quando infectadas, do que os macrófagos. Células dendríticas funcionam também essencialmente como reservatório, nos tecidos e s gânglios linfáticos (células foliculares dendríticas). Partículas víricas, não são incorporadas, ficam expostas nos prolongamentos destas células. 16 HIV – RNA por acção da transcriptase reversa, passa para ADN Divisão das células com ADN viral Integra-se no ADN do hospedeiro Formação de novas particulas víricas, que pela acção as proteases são libertadas pelas células. Tratamento: Antiretrovirais (usados há mais tempo), actuam sobre as enzimas – Transcriptase reversa – para impedir que o RNA seja integrado no hospedeiro e inibidores de proteases – impossível formar nódulos de partículas víricas, evita a replicação, mas não a infecção. Assim a manifestação da doença, pode ocorrer mais tardiamente. As imagens seguintes referem-se a alguns dos achados mais relevantes da autópsia Fig.15: Identifique o órgão. Pulmão. (Alvéolo e septos alveolares). Que alterações observa? Que lhe sugere este aspecto? Exsudado (fibrinoso) ocupa todo o alvéolo, mas com muito poucas células, aspecto característico de Pneumonia, por Pneumocystis carini. Observe a Fig.15a. Confirma o seu diagnóstico? Sim, pois com esta técnica é possível visualizar os microorganismos presentes no exsudado, que coram de escuro. Em que fase da doença é habitual aparecer esta patologia? Esta infecção é muito comum na fase final de doentes infectados com o HIV, doentes com SIDA. Fig.16a: Identifique o órgão. Intestino. 17 Que alterações observa, e o que lhe sugerem? É comum estes doentes terem diarreia, e claro este intestino não está normal. Toda a mucosa cheia de inúmeras placas esbranquiçadas e amareladas, e normalmente a mucosa apresenta-se acastanhada. Sugere que existe algo que não permite a visualização da mucosa como uma infecção. Fig.16b: Identifique as células presentes na lâmina própria. Glândula intestinal normal. Córion da mucosa, com grande população de células – macrófagos*, o que indica que algo não está bem. Células apresentam-se microvacuolizadas. *não são plasmócitos porque têm citoplasma muito abundante e este não é uniforme. Fig.16c: Aspecto das mesmas células com coloração histoquímica pelo método de Ziehl-Neelsen. Qual o seu diagnóstico? Esta coloração é utilizada para células álcool-ácido resistentes, como ácidos micólicos. Foi usada na tentativa de se compreender o que se encontrava dentro dos macrófagos. Estas substâncias estão quase todas dentro de macrófagos, logo é Micobacterium. Micobacterium avium (intracelular, MAC), não tuberculosis, porque os doentes imunodeprimidos têm a sua capacidade de formar granulomas diminuída. Fig.17: Qual o aspecto mais impressivo nesta imagem de rim? Presença de células muito grandes, com núcleo que apresenta uma divisão lá dentro e um halo claro à volta . Infecção por inclusão de citomegalovirus. Não é necessária fazer qualquer marcação para a confirmação do diagnóstico. Em que fase da doença (infecção HIV) se encontrava este doente? Justifique. O que a caracteriza? Quais são as outras fases, e como se caracterizam? Como se faz o seguimento dum doente com infecção pelo HIV? 18 - Fase terminal. Porque só se tem Sida na fase final, inicialmente é apenas infecção pelo HIV, o que é demonstrado nas outras figuras. Característico desta fase: CD4+ muito baixo Infecções oportunistas – infecções que, numa pessoa imunocompetente não dão qualquer tipo de problemas, mas no doente imunodeprimido causam “problemas” (ex: Citomegalis, Micobacterium avium) Neoplasias – que são específicas deste vírus. “oportunistas”. - Seguimento de um doente, primeiro determinar fase da infecção: -Níveis de CD4+ -Presença ou não de vírus no sangue; se sim, determinar quantidade de vírus. Por não ter vírus no sangue, não quer dizer que não esteja infectado, já que o vírus pode estar nas células já referidas, num estado de latência. Só numa fase final é que têm vírus no sangue. -Tratamento adequado com retrovirais. Fases da infecção pelo HIV Fig.5-42 19 1ª - Fase Inicial – Entrada do vírus no organismo pelas três vias acima referidas – passa a estar infectado; Sintomas: Síndrome Agudo Gripal ou não ter nenhum sintoma. A nível celular: Ligação do vírus às células CD4+, disseminação e colonização nos órgãos linfóides. diminução de células CD4+ ( Destruição inicial). Nível do vírus muito baixo. 2ª - Fase Crónica – Nesta fase há uma subida das células CD4+, porque, se na fase inicial a quantidade de CD4+ é destruída, na 2º fase há uma intensa replicação, característica do sistema linfático, para substituir essas células que foram infectadas e destruídas inicialmente. Podem surgir infecções normais, que devem ser controladas, já que qualquer infecção desencadeia um aumento de células CD4+ e, consequentemente, um aumento partículas víricas. Com as terapêuticas disponíveis com retrovirais, esta fase é prolongada durante anos. 3ª - Fase Terminal – Inevitavelmente, surgem sintomas gerais de mau estar, febre. Níveis de CD4+ vão diminuindo e os níveis de vírus vão aumentando . Observe agora vários exemplos de outro grupo de lesões que são comuns em doentes com SIDA e cujo aparecimento pode definir a "entrada" na fase final da doença. Fig. 18a: Identifique o órgão e descreva a lesão. Sabendo que se trata dum doente HIV+, consegue propôr um diagnóstico? Boca – Palato. Lesão muito típica, nodular e mais avermelhada que a mucosa bucal. Sarcoma de Kaposi – Lesão neoplásica, formada por vasos sanguíneos. Fig. 18b: Aspecto histológico. Identifique as estruturas assinaladas. (Qual(ais) o(s) elemento(s) mais marcante(s) desta lesão? Qual é o diagnóstico mais provável? Qual o microorganismo que está fortemente associado a esta lesão? Seta branca – pigmento hemosidérico; Seta preta - vasos congestionados. 20 Salienta-se a grande quantidade de vasos congestionados, o que leva a fácil ruptura de vasos, e esta a infecção. Diagnóstico mais provável – Sarcoma de Kaposi – associado ao vírus do grupo Herpes – KSHV (HAV8). Fig. 19: Aspecto histológico duma das neoplasias mais comuns nos doentes HIV+. Consegue propôr um diagnóstico? Linfoma. Células linfóides neoplásicas, macrófagos com corpos apoptóticos. Bem, pessoal aqui está mais um seminário...Optamos por colocar todas as imagens para que a informação estivesse toda compilada. As frases a itálico são as perguntas do próprio seminário. As perguntas que não surgem a itálico e tudo o resto (que não são perguntas..lol) é o que foi dito pela professora na aula. Fizemos o melhor que pudemos... Pedimos desculpa por este seminário não ter um grande aspecto estético: ficam sem uma grande apresentação estética, mas com um grande seminário... ;) Boa sorte para tudo o que se avizinha e se tiverem dúvidas procurem-nos: Julieta Gomes Margarida Moreira T.4 E não percam a nossa próxima desgravação...next stop: imuno!!! 21