OZONIZAÇÃO DO ÁCIDO p-CUMÁRICO E IDENTIFICAÇÃO DE INTERMEDIÁRIOS C. R. FONSECA1, E.M. RODRIGUEZ2, F.J. BELTRÁN2, J.L. PAIVA1 e A.C.S.C. TEIXEIRA1 1 2 Universidade de São Paulo, Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química Universidad de Extremadura, Facultad de Ciencias, Departamento de Ingeniería Química y Química Física E-mail para contato: [email protected] RESUMO – Compostos fenólicos têm sido identificados como precursores de cor no processamento de açúcar, além de serem conhecidos como inibidores do crescimento de microrganismos no tratamento biológico de águas residuais. Diversos métodos têm sido desenvolvidos para remoção de compostos fenólicos, tanto de efluentes industriais como no processamento de alimentos. Entre eles está o processo de ozonização, que tem apresentado resultados promissores. Nesse contexto, o objetivo deste trabalho foi estudar a degradação do ácido p-cumárico (25 mg L-1), composto fenólico presente no caldo de cana-de-açúcar e no efluente da indústria sucroalcooleira. Os resultados mostraram a completa eliminação do ácido pcumárico após 60 minutos, cuja degradação seguiu cinética de pseudo primeiraordem com constante específica de 0,0895 min-1. A formação de peróxido de hidrogênio foi verificada durante a degradação, assim como a formação de aldeídos e ácidos orgânicos como subprodutos. 1. INTRODUÇÃO Durante a produção de açúcar e álcool diversos compostos fenólicos são produzidos. Estes compostos estão presentes tanto no caldo de cana-de-açúcar como nos resíduos da produção e atuam como precursores de cor no processamento do açúcar, além de serem conhecidos como compostos inibidores do crescimento de microorganismos presentes no tratamento biológico de águas residuais. Diferentes métodos têm sido estudados para remoção de compostos fenólicos tanto de efluentes industriais como no processamento de alimentos, tais como o tratamento por membranas, ultrafiltração, carbonatação, fosfatação para a clarificação do caldo e tratamento biológico, evaporação e membranas para o efluente (SARTORI, 2013; MADHO e DAVIS, 2008; FERNANDEZ et al., 2006). Os novos métodos estudados incluem também os processos oxidativos avançados (POA), geralmente empregados para degradação de poluentes orgânicos de difícil degradação objetivando a completa mineralização. Entre os processos citados, a oxidação por ozônio apresenta vantagens, entre as quais: geração do oxidante in situ a partir do ar atmosférico, elevado poder oxidante, capacidade comprovada em efluentes de diversas naturezas e inexistência de resíduos a serem separados. Segundo Amat et al., 2003 o resultado da ozonização do ácido p-cumárico não é a completa mineralização, mas sim a formação de compostos intermediários cujas concentrações dependem do tempo de reação. Em razão da complexidade de efluentes reais, muitos autores têm estudado os principais compostos fenólicos em sistemas modelos detectando diversos compostos intermediários. Nesse contexto, o objetivo deste trabalho foi estudar a degradação do ácido p-cumárico, selecionado como exemplo de composto fenólico devido à sua estrutura semelhante a outros ácidos cinâmicos. Os estudos compreenderam a caracterização quanto ao pH, concentração de ozônio dissolvido, formação de peróxido de hidrogênio, concentração do ácido p-cumárico e identificação de produtos intermediários. 2. METODOLOGIA 2.1. Reagentes Todas as soluções foram preparadas utilizando água ultrapura purificada por osmose reversa (Milli-Q). O reagente ácido p-cumárico (98% CAS 501-98-4) foi obtido da Sigma-Aldrich e usado como padrão nas análises em cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) e nos experimentos de ozonização. Outros reagentes foram utilizados durante os experimentos, como indigo trisulfonato de potássio (Sigma-Aldrich), metanol (Fisher Scientific), ácido fosfórico (85%, Fisher Scientific (Sigma–Aldrich), oxisulfato de titânio (IV) (Sigma-Aldrich) e hidróxido de sódio (Panreac). A fórmula estrutural do ácido p-cumárico é mostrada na Figura 1. Figura 1 – Fórmula estrutural do ácido p-cumárico. 2.2. Experimentos de ozonização Todos os experimentos foram conduzidos em batelada em um reator de vidro de 3 L com agitação magnética contínua provido de entrada para o gás, amostragem e saída do ozônio residual conforme mostrado na Figura 2. O ozônio foi gerado por um ozonizador com medidor de concentração de ozônio na saída do gás (Sander Labor-Ozonisator). A concentração de ozônio dissolvido foi analisada utilizando o método índigo (BADER e HOIGNÉ, 1981) e a absorbância foi lida no comprimento de onda de 600 nm. O peróxido de hidrogênio formado foi analisado utilizando o método de Eisenberg (1943). O pH inicial foi de 5,4 em todos os experimentos. A quantificação do ácido p-cumárico (CUM) foi realizada por cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE). Amostras de 20 µL foram analisadas por um cromatógrafo Agilent 1100 Series (Hewlett Packard) com uma coluna C18 Kromasil (150 mm×4 mm, 5 µm) com detector UV em 280 nm. Como fase móvel empregou-se metanol e água acidificada com ácido fosfórico à vazão de 1 mL min-1 em gradiente. Os primeiros intermediários gerados durante a ozonização do ácido p-cumárico foram determinados por cromatografia líquida/espectrometria de massa (LC-ESI-MS QTOF) trabalhando no modo de ionização positiva. Os compostos foram separados utilizando um sistema de HPLC (Agilent 1260 Series) equipado com uma coluna analítica C18 Kromasil de 15 cm x 0,4 cm. A eluição isocrática foi realizada com 15/85 de acetonitrila /água acidificada com ácido fórmico 0,1% à vazão de 1 mL min-1. O volume de injeção foi de 5 µl. O sistema HPLC foi ligado a um espectrômetro de massas QTOF (Agilent 6530 Series). O instrumento foi operado no modo de alta resolução de 4 GHz. Os íons foram gerados usando uma fonte iônica eletrospray (ESI) dupla. Para os ácidos orgânicos foi utilizado um cromatógrafo de íons (Metrohm 881 Compact Pro) com detector de condutividade MetroSep A sup 5 coluna (250 mm × 4 mm) com temperatura de 45 °C e 0,7 mL min−1 de Na2CO3 como fase móvel. Figura 2 – Esquema dos equipamentos utilizados nos ensaios de ozonização: (1) cilindro de oxigênio, (2) gerador de ozônio, (3 e 4) rotâmetros, (5) entrada de ozônio, (6) reator semi batelada, (7) saída de ozônio e (8) analisador de ozônio. 3. RESULTADOS Experimentos preliminares mostraram que o ácido p-cumárico não foi degradado na presença de oxigênio puro em solução aquosa a 25 °C. Portanto, nos experimentos de ozonização descritos no presente trabalho devem ser considerados somente os efeitos do ozônio. Os resultados da ozonização do p-cumárico são mostrados na Figura 3. O pH inicial considerado corresponde ao observado no caldo de cana-de-açúcar (5,4). A Figura 3a mostra a concentração de CUM (normalizada) pelo tempo. A remoção de ácido p-cumárico (CUM) possui um decaimento de pseudo-primeira ordem como é indicado pelo comportamento linear mostrado na Figura 2b. Os resultados obtidos mostram porcentagens de remoção abaixo do limite de detecção (1,12 mg L-1) com 45 minutos de reação e constante de reação (k) de 0,0895 min-1. Figura 3 – Degradação do ácido p-cumárico ([CUM]0 = 25 mg L-1). Um estudo para identificação dos principais produtos de degradação gerados durante o processo de ozonização foi realizado a fim de identificar o principal mecanismo de atuação do ozônio nas condições estudadas. Para isso, os ensaios foram conduzidos sem o controle do pH, em temperatura ambiente e sem adição de sequestradores de radicais hidroxila. O ozônio pode reagir com diferentes substâncias segundo os mecanismos direto e indireto. A via indireta está relacionada com radicais e prevalece na presença de OH−, formando radicais hidroxila (°OH), os quais não são seletivos e reagem rapidamente com outras espécies em solução. A via direta (ozônio molecular) é caracterizada por maior seletividade e por cinética lenta (Gottschalk et al., 2000). A Figura 4a indica que durante a ozonização do ácido p-cumárico o principal intermediário formado é o p-hidroxibenzaldeído. Segundo Beltrán et al. (2006) a formação de peróxido de hidrogênio (Figura 6a) durante a desaparecimento do ácido p-cumárico e do phidroxibenzaldeído evidencia a via direta de ozonização com a quebra da dupla ligação externa e abertura do anel aromático do p-hidroxibenzaldeído. Outros intermediários foram identificados durante os primeiros 60 minutos utilizando o LC-MS, no entanto, as áreas são menores, como é o caso do 3,4-dihidroxibenzaldeído, ácido p-hidróxibenzóico e ácido glioxálico. Na Figura 6 é possível observar a máxima formação do H2O2 em 30 minutos de reação, tempo que corresponde à degradação do ácido p-cumárico. De acordo com Andreozzi et al. (1995) a não utilização de sequestradores de radicais evidencia a diminuição na formação tanto de p-hidroxibenzadeído como de peróxido de hidrogênio e ácido fórmico, além de aumentar a oxidação do ácido glioxálico para ácido oxálico. A evolução desses intermediários é observada nas Figuras 4b e 5 em que o ácido glioxálico exibe uma queda aos 60 minutos, ao mesmo tempo que o ácido oxálico exibe um aumento de concentração. Figura 4 – Intermediários identificados por LC-MS: (a) e (b) . É possível observar que ocorreu acentuada diminuição do pH nos primeiros 30 minutos o que coincide com a formação de ácidos orgânicos como subprodutos da ozonização. Segundo Andreozzi et al. (1995) o aumento do ácido fórmico coincide com o desaparecimento do principal intermediário indentificado por LC-MS, o p-hidroxibenzaldeído (Figura 5). Segundo Amat et al. (1999), que analisaram os efeitos do ozônio, UV e irradiação no visível sobre o ácido p-cumárico, os intermediários identificados foram os mesmos e portanto só foi proposto um mecanismo de degradação, variando somente a concentração de cada composto identificado em diferentes condições. Os mesmos intermediários foram identificados nos dados obtidos durante esse trabalho. Antes da abertura do anel aromático podem ocorrer três tipos de reações: quebra da dupla ligação externa, hidroxilação do anel e a oxidação de aldeídos em ácidos carboxílicos. No presente trabalho, foram encontrados os compostos resultantes da quebra da dupla ligação, formação de aldeídos e sua posterior oxidação em ácidos carboxílicos. A hidroxilação do anel com a formação do ácido cafeico não foi detectada, pois este tipo de reação ocorre em meio básico em que o mecanismo indireto (radicais hidroxila) é favorecido. Assim, com a abertura do anel aromático ocorre a formação de ácidos orgânicos (Figura 5) como produtos finais da reação de degradação do ácido p-cumárico juntamente com o gás carbônico (CO2) (Amat et al., 2003). Figura 5 – Evolução da concentração de intermediários durante a ozonização do CUM em solução aquosa . A concentração de ozônio dissolvido (Figura 6b) é mínima durante os primeiros 10 minutos de reação indicando que todo ozônio adicionado ao meio é consumido na reação com o ácido p-cumárico. Gottschalk et al. (2000) afirmam que o ozônio pode ser todo consumido no filme, caracterizando assim reações rápidas, as quais têm como característica a ausência de ozônio dissolvido no meio. Beltrán e colaboradores demonstraram em diversos trabalhos esse tipo de reação, principalmente utilizando compostos fenólicos (Beltrán et al., 1992; Beltrán et al., 1993; Beltran e Alvarez, 1996). Uma vez eliminado o ácido p-cumárico e os primeiros intermediários (p-hidroxibenzaldeído), o ozônio dissolvido foi detectado no meio, indicando que a oxidação dos ácidos orgânicos formados é lenta. b a Figure 6 – Concentração de peróxido de hidrogênio(a) e concentração de ozônio dissolvido(b). 4. CONCLUSÕES O composto fenólico estudado (ácido p-cumárico) é facilmente degradado em solução aquosa como já exposto na literatura e comprovado no presente trabalho. A utilização de recursos como o LC-MS e a cromatografia de íons possibilitou a identificação dos principais subprodutos formados durante a ozonização deste ácido fenólico, o qual é um precursor de cor presente no caldo de cana-de-açúcar e participa de reações de escurecimento do caldo, afetando a qualidade do produto final. A indústria de açúcar tem buscado novas tecnologias para melhor qualidade do produto, os resultados obtidos no presente trabalho mostram que os produtos finais da reação não são compostos que conferem cor ao caldo (fenólicos) e sim ácidos orgânicos, os quais não prejudicam a produção do açúcar posteriormente. 5. REFERÊNCIAS AMAT, A.M; ARQUES, A.; MIRANDA, M.A. p-Coumaric acid photodegradation wit solar light, using a 2,4,6- triphenylpyrylium salt as phtosensitizer A comparison with other oxidation methods. Appl. Catal. B-Environ., v. 23, p. 205-214, 1999. AMAT, A.M; ARQUES, A.; BENEYTO, H.; GARCIA, A.; MIRANDA, M.A; SEGUÍ, S. Ozonisation coupled with biological degradation for treatment of phenolic pollutants: a mechanistically based study. Chemosphere, v. 53, p. 79-86, 2003. ANDREOZZI, R.; CAPRIO, V.; D’AMORE, M.G.; INSOLA, A. P-Coumaric acid abatement by ozone in aqueous solution. Water Res.,v. 29, p. 1-6, 1995. BELTRÁN, F. J.; ENCINAR, J. M.; GARCIA-ARAYA, J. F.; ALONSO, M.A. Kinetic study of the ozonation of some industrial wastewaters. Ozone-Sci. Eng., v. 14, p. 303-327, 1992. BELTRÁN, F. J.; ENCINAR, J. M.; GARCIA-ARAYA, J. F. Oxidation by ozone and chlorine dioxide of two distillery wastewater contaminants: gallic acid and epicatechin, Water Res., v. 27, p. 1023-1032, 1993. BELTRÁN, F. 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