por uma geografia das emoções a partir da proposta de

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Anais Semana de Geografia. Volume 1, Número 1. Ponta Grossa: UEPG, 2015. ISSN 2317-9759
POR UMA GEOGRAFIA DAS EMOÇÕES A PARTIR DA PROPOSTA
DE MERLEAU-PONTY EM “A FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO”.
SILVA, MARCIA ALVES SOARES DA1
Introdução
A relação corpo e espaço têm sido discutida tanto nas Ciências Sociais, quanto na Geografia.
Maurice Merleau-Ponty, teórico francês, propôs uma discussão fenomenológica distinta de
Husserl, o precursor da Fenomenologia, onde coloca a relação corpo e espaço como
fundamental para compreender seu método. Neste sentido, este trabalho irá apresentar, de
maneira concisa, a proposta fenomenológica de Merleau-Ponty, especialmente a partir da
obra “A fenomenologia da percepção”, publicada originalmente em 1945, relacionando-a
com a discussão recente sobre a Geografia das Emoções, que em essência, busca
compreender a relação dos sujeitos com o espaço, a partir de suas emoções, possibilitadas a
partir da corporeidade.
Objetivos
A proposta deste trabalho é apresentar, de maneira concisa, a discussão sobre Fenomenologia
do filósofo francês Merleau-Ponty e relacionar com a perspectiva da Geografia das Emoções,
que tem a discussão sobre corpo e espaço como um dos seus interesses de análise.
Metodologia
A partir de leituras realizadas sobre a temática e como parte da discussão da disciplina
“Geografia e Fenomenologia”, cursada na UFPR, o trabalho apresenta basicamente uma
discussão teórica-conceitual, apresentando a ideia central da fenomenologia da percepção de
Merleau-Ponty e as recentes abordagens na Geografia das Emoções.
A Fenomenologia da Percepção de Merleau-Ponty e a proposta da Geografia das
Emoções
Sob influência de Husserl, o precursor da fenomenologia no século XX, MerleauPonty apresenta em seu livro, “A Fenomenologia da Percepção” (1945) uma explicação
fenomenológica do ser-no-mundo (être au monde), buscando em seus estudos compreender a
natureza da percepção. Para o teórico, cada percepção tem lugar dentro de um certo horizonte
e no mundo, onde teorizou a descrição fenomenológica da experiência, contrastando com a
natureza manipuladora da ciência positivista.
Valendo-se da explicação de Husserl sobre o mundo da vida, cuja essência de
discussão é o retorno as coisas mesmas, Merleau-Ponty aponta a inseparabilidade do eu e do
mundo, oferecendo uma análise da percepção como o cimento da experiência humana. O
teórico expressa a relação íntima do corpo e do mundo, onde o espaço revela-se a si mesmo
através dos gestos corpóreos, criticando ainda a ciência tradicional que não se interessou em
discutir a interação entre corpo e espaço, visão e movimento, buscando assim uma
compreensão holística do mundo.
Merleau-Ponty (1999) busca discutir a forma da percepção a partir do espaço, que
pode ser considerado como um referencial ao sujeito. A experiência tem papel fundamental
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Doutoranda em Geografia na UEPG; [email protected]
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na percepção do espaço, onde o autor afirma que “O mundo é aquilo que nós percebemos,
não é aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo” (MERLEAU-PONTY, 1999: 14).
Para o filósofo “O espaço não é o ambiente (real ou lógico) em que as coisas se
dispõem, mas o meio pelo qual a posição das coisas se torna possível” (1999: 328). Neste
sentido, o espaço é como a superfície da existência, apreendido por meio da experiência
perceptível (corpo), isto é, a experiência espacial é corporal e vice-versa. Para o autor, o
corpo nos revela ao mundo de determinada maneira, sendo nosso meio de comunicação com
o mundo.
A constituição de um nível espacial é apenas um dos meios da constituição
de um mundo pleno: meu corpo tem poder sobre o mundo quando minha
percepção me oferece um espetáculo tão variado e tão claramente articulado
quanto possível, e quando minhas intenções motoras, desdobrando-se,
recebem do mundo as respostas que esperam (MERLEAU-PONTY, 1999:
337).
O importante para a orientação do espetáculo não é o corpo em si, mas o corpo como
sistema de ações possíveis, onde o corpo tem poder sobre o mundo, possibilitado pela
percepção, e de compreensão sobre o espaço. Assim, a existência é espacial (MERLEAUPONTY, 1999).
A proposta da relação corpo e espaço, a questão da experiência e do mundo vivido foi
apropriada pela Geografia, especialmente a Geografia Humanística, a partir da década de
1970. De acordo com Holzer (2008), foi Edward Relph em 1970 o primeiro a colocar em um
artigo as possibilidades da fenomenologia ser o suporte filosófico capaz de unir todos os
geógrafos ocupados com aspectos subjetivos da espacialidade. Holzer (2008) afirma que a
fenomenologia existencialista não foi o traço mais forte da geografia humanista, pois foi
apropriada de maneira “implícita”. “Deste modo, do método fenomenológico foram
apropriados, principalmente os conceitos de “mundo vivido” (Lebenswelt) e de “ser-nomundo”, que na geografia seria identificado com o conceito de ‘lugar’” (HOLZER, 2008:
141).
Pesquisas recentes na Geografia vão apresentar a relação corpo e espaço a partir de
uma outra perspectiva: a Geografia das Emoções. Tal proposta busca compreender a relação
do sujeito e espaço a partir das emoções, vistas como fatos sociais. Assim, este viés se propõe
a compreender qual a dimensão emocional das representações espaciais, tendo, portanto, o
sujeito como centralidade.
Interagimos emocionalmente com os lugares, da mesma maneira que a memória, tanto
individual, quanto coletiva, é espacial. O autor afirma que a vida, em essência, é emocional e
espacial, onde de maneira contínua, interagimos com os lugares e os imbuímos de
significado, que retornam a nós através das emoções que nos despertam (NOGUÉ, 2009).
Guinard e Tratnjek (2015) apontam que se as emoções são fatos sociais do passado e
do presente poderiam ser analisadas como fato espacial. Para as autoras, “Les émotions
affectent donc l’individu mais aussi son rapport aux autres et à l’espace” (2015: 2). Tal
debate têm sido relevante especialmente na Europa, em países como França e Inglaterra, onde
as autoras acreditam que:
Les émotions, en tant qu’elles peuvent modifier le rapport des individus et
des groupes d’individus à l’espace, en tant qu’elles peuvent avoir des
traductions dans leurs corps, leurs représentations et leurs discours, peuvent
ouvrir des pistes d’études particulièrement fécondes dans les différents
champs de la géographie française contemporaine (2015: 2)
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Calcada numa perspectiva racionalista e positivista, a Geografia começa a propor o
ser humano como centralidade em suas discussões a partir dos anos de 1970, com a proposta
da Geografia Humanística. Tal perspectiva se concentra na centralidade do sujeito, sendo
recente a retomada pelo interesse da questão emocional na Geografia, onde encontra campo
fértil para um novo olhar sobre o espaço a partir de questões mais subjetivas.
Guinard e Tratnjek (2015) afirmam que esta “virada emocional” nasce de um desejo
de destacar os processos de diferenciação espacial que as emoções produzem e a maneira que
estas são vividas de maneira diferente em determinados espaços. Neste sentido, é importante
questionar de que maneira as emoções afetam diferentes espaços, como participam da
construção de identidades tanto individuais quanto coletivas e quais são as implicações
espaciais destes processos. As autoras acreditam que “De fait, si les émotions peuvent être
collectives, elles sont aussi spatialisées, matérialisées que ce soit dans des lieux, des temps ou
des corps” (2009: 2).
Lindón (2009) aponta que em seus estudos não é abordado o corpo ou as emoções em
si mesmos, mas em relação com outras dimensões, isto é, estuda o corpo e as emoções como
uma janela para compreender a construção social da cidade, do urbano e dos lugares, através
dos sujeitos que habitam estes lugares, a partir de seus corpos e das emoções. A autora afirma
que a espacialidade é, em essência, a experiência de viver o espaço através do corpo
(LINDÓN, 2012).
Desde este campo del saber, aun en proceso de hacerse, se observa una
asignatura más o menos pendiente: el reconocimiento de que el sujeto, con
su corporeidad y emociones, también habita lugares que se hacen parte de lo
social, del cuerpo que allí está y de las emociones experimentadas por
dichos cuerpos. En otras palabras, los estudios más consolidados sobre
el cuerpo, la corporalidad y las emociones suelen olvidar la
espacialidad, aunque paradójicamente la relación entre el cuerpo y el
espacio es inevitable para la condición humana. De igual forma, la relación
entre el espacio y las emociones constituye otro aspecto ineludible de la vida
misma (LINDÓN 2012: 701).
De maneira concisa, a proposta desta análise foi levantar as possibilidades da
discussão fenomenológica de Merleau-Ponty dentro da Geografia, avançando na questão da
Geografia Humanística e propondo o debate por outros caminhos, como o da Geografia das
Emoções. Vale ressaltar que a proposta da Geografia das Emoções ainda é incipiente, cujo
debate pode ser amplamente debatido, sendo uma possível contribuição, a compreensão
fenomenológica do mundo.
Considerações finais
As emoções fazem parte do nosso cotidiano, vivências e experiências. Elas não se
manifestam apenas no corpo e mente, mas também são espaciais, isto é, certos lugares nos
despertam determinadas emoções, boas ou ruins.
Nossas emoções são evocadas em determinados momentos e lugares, onde muitas
vivências do nosso cotidiano são explicadas a partir da dor, raiva, amor, exaltação, e não
podem ser ignoradas. A tentativa da Geografia das Emoções em trabalhar com esses espaços
explicitamente emocionais contrasta com os modelos convencionais de pesquisa social, que
por vezes priorizam os comportamentos políticos, a racionalidade econômica, as relações de
classe, cuja conteúdo emocional é minimizado. Nesse sentido, é compreendido que as
relações sociais são vividas através das emoções (ANDERSON e SMITH, 2001).
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Consideramos que as discussões sobre questão emocional estão muito relacionadas ao
ser humano, ao corpo, as relações interpessoais, as questões biológicas, psicológicas,
evolução, isto é, o indivíduo em si e a partir de suas relações sociais. A Geografia das
Emoções buscar articular essas pesquisas clássicas, colocando seu ponto de vista, isto é,
analisando a questão a partir também da relação espacial.
Referências bibliográficas
ANDERSON, Kay; SMITH, Susan. Editorial: Emotional Geographies. Transactions of the
Institute of British Geographers 26, no. 1 (March 2001): 7–10.
GUINARD, Pauline; TRATNJEK, Benedicte. Géographies, géographes et émotions. Appel
à contributions pour le neuvième numéro des Carnets de Géographe. 2015.
HOLZER, Werther. A Geografia Humanista: uma revisão. Revista Espaço e Cultura Edição Comemorativa (1993-2008). Rio de Janeiro: UERJ, 1996.
LINDON, Alicia. La construcción socio-espacial de la ciudad. Desde la perspectiva del
sujeto-cuerpo y el sujeto sentimiento. XXVII Congreso de la Asociación Latinoamericana
de Sociología. Asociación Latinoamericana de Sociología, Buenos Aires, 2009.
LINDÓN, Alicia. Corporalidades, emociones y espacialidades Haciaun
renovado
betweenness. BSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 11, n. 33, pp. 698-723,
Dezembro de 2012.
MERLEAU-PONTY, Maurice. A fenomenologia da percepção. 2 ed. SãoPaulo: Martins
Fontes,1999.
NOGUÉ, Joan. Geografias emocionales. CulturaIs. La Vanguardia. Maio, 2009.
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