OS DESAFIOS DO ENSINO DAS CIÊNCIAS HUMANAS EM UMA INSTITUIÇÃO MILITAR Aluisio Gomes Coelho¹ Maria Goretti Cabral de Lima² O referido artigo tem como finalidade trazer uma reflexão acerca dos desafios e das dificuldades do ensino de História e Geografia em uma Instituição Militar. O ensino no Sistema Colégio Militar do Brasil é regulado por uma série de documentos, normas e diretrizes. Entre estes, destaca-se o NPGE (Normas de Planejamento e Gestão Escolar) que é atualizado a cada ano. Esse documento é caracterizado por apresentar inúmeras normas e instruções para o funcionamento dos colégios militares. No referido documento existe um item destinado aos procedimentos para o ensino da História e da Geografia. Os professores dessas áreas do conhecimento são orientados a seguirem os seguintes procedimentos: “Reforçar o orgulho do nosso passado, valorizar os nossos heróis e os nossos feitos, valorizar a democracia em contraposição a qualquer regime totalitário, compreender as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do nosso povo e destacar os vultos e os feitos do Exército Brasileiro” (NPGE- 2013 p. 25). Desta maneira, o ensino das Ciências Humanas (História e Geografia) no Sistema Colégio Militar do Brasil, apresenta um duplo desafio: o trabalho com um conteúdo enquadrado a doutrina do Exército brasileiro, ou seja, seguindo os seus valores e as suas tradições e a utilização do livro didático publicado pela Fundação Marechal Trompowsky vinculada a área de ensino do Exército. A elaboração dos livros didáticos produzidos pela Biblioteca do Exército (Bibliex), foi iniciado em 1999, com o livro de História do Brasil para a 5ª série do Ensino Fundamental. Nos moldes do Projeto História, o Projeto Geografia teve início em 2004 com a edição do livro Geografia Geral – Espaços e Movimentos, destinado à 5ª série do ensino fundamental. A coleção de Geografia para o Ensino Fundamental (6º ao 9º anos) apresenta graves falhas de apresentação e, principalmente, de conteúdos. Ao abordar o tema cartografia, que é fundamental para a construção do conhecimento acerca dos fenômenos geográficos, muitos mapas utilizados no livro do 6º ano não trazem os elementos básicos relacionados ao tema, como escalas, além de trazer informações erradas. A obra também não apresenta as fontes das imagens utilizadas e nem as fontes usadas para sua elaboração, refletindo um descompasso quanto ao mundo acadêmico, ao expor dados e informações sem referenciar sua origem ou autoria, podendo induzir o aluno a cometer erros graves, não colaborando, desta maneira, para a construção do conhecimento científico em seus trabalhos de pesquisa.. 1-Bacharel em Direito e Especialista em História de Pernambuco pela UFPE. Professor de História do Colégio Militar do Recife. E-mail: [email protected]. 2-Mestre em Geografia pela UFPE. Professora de Geografia do Colégio Militar do Recife. E-mail: [email protected]. Os livros da Bibliex também não contém manual do professor, que segundo o MEC, através do Programa Nacional do Livro Didático, serve como elemento norteador no que se refere aos estudos abordados no livro didático. Tal documento orienta o professor quanto às possíveis atividades a serem propostas em sala de aula, otimizando e dinamizando o uso do material adotado. Por fim, não têm uma clareza metodológica, e por conta dessa falta de clareza, contém alguns equívocos em relação ao conteúdo da História e da Geografia, dificultando a aprendizagem do aluno e são pobres de imagens, documentos, exercícios e mapas e ainda são impregnados da doutrina do Exército. Atualmente, o projeto está lançando os livros de História para o Ensino Médio (1º e 2º ano). Em relação ao conteúdo do ensino da História, o desafio e a dificuldade se remetem a visão que o mesmo tenta impor dos fatos históricos ocorridos ao longo do nosso passado. Essa imposição pode ser evidenciado em duas passagens da nossa história: A Guerra do Paraguai e O Golpe Militar de 1964. A Guerra do Paraguai apresenta algumas características na visão do Exército: a guerra é denominada de A Guerra da Tríplice Aliança, a versão que o Paraguai provocou o conflito como afirma o livro do 7º ano: “... Solano López desejava tomar parte dos territórios brasileiro e argentino para alcançar o que chamava de Paraguai Maior e, com isso, chegar ao Oceano Atlântico” (História do Brasil – Império e República- p. 63), o culto de herói e a valorização da participação do Duque de Caxias na guerra e a falta de reflexão em relação ao genocídio do povo paraguaio e a destruição do Paraguai culpando os próprios paraguaios “O sonho de Solano López, o Paraguai Maior, teve como resultado a morte de parcela significativa da população do Paraguai, em particular de sexo masculino (cerca de 80 mil), e o desmantelamento das estruturas econômica, política e administrativa do país “ (História do Brasil – Império e República- p. 65) . Em relação ao Golpe Militar de 1964, o Exército tenta passar a versão que houve uma revolução democrática que salvou o país da anarquia e da ameaça comunista. Os militares, atendendo o apelo da população, salvaram a democracia e garantiram a ordem. Os livros didáticos do Exército denominam o golpe de Revolução Democrática de 1964. “Sem precedentes nos anais dos levantes políticos sulamericanos, a Revolução foi levada a efeito, não por extremistas, mas por grupos moderados e respeitadores da lei e da ordem” (História do Brasil – Império e República- p. 192). Nesse contexto, os livros do Exército tentam incutir nos alunos do sistema a sua versão histórica, não permitindo o confronto, distorcendo a realidade e ocultando fatos históricos. Considerando o ensino da Geografia, embora a orientação para a elaboração das avaliações seja a de que "deve-se evitar o predomínio de questões que avaliem aspectos de memorização e prestigiar enunciados que busquem uma visão crítica e a apropriação do conteúdo' (NPGE 2013 - anexo P), os docentes encontram dificuldades para desenvolver nos alunos a criticidade em relação aoss conteúdos estudados. Entre estes desafios, podemos destacar como exemplos, a abordagem dos temas sobre a ocupação e exploração econômica do espaço amazônico, destacando a implantação dos projetos de exploração mineral (conteúdos abordados no 6º, 7º e 1º ano), bem como os temas relacionados à questão fundiária do Brasil. Sobre os projetos de ocupação da Amazônia, os livros não citam que os mesmos surgiram através de políticas de ocupação planejadas pelo Estado a partir da década de 1060, com objetivo de integrar a região ao resto do país, com a propaganda: ”integrar para não entregar”. Como também não relaciona a ocupação e exploração desordenadas aos graves danos socioambientais verificados nos dias atuais daquele território. Sobre a abordagem da questão fundiária do Brasil, os livros não apresentam como consequência da concentração de terras, a formação de movimentos sociais que promovem o debate para este grave problema social. Nessa realidade apresentada, os professores do sistema enfrentam um dilema: como trabalhar História e Geografia críticas, que se baseiam no debate e no questionamento, em um ambiente tão adverso representado por uma doutrina conservadora em livros didáticos de péssima qualidade? A resposta é o que o sistema não tem como controlar o conhecimento e a criticidade dos alunos, já que estes têm acesso a outras fontes de informação, além do livro didático, e a livre discussão em sala de aula, que ainda é um espaço democrático na qual os alunos e os professores podem debater e confrontar as ideias sem se ater às “verdades” que tentam ser impostas. 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