E STA D O D E M I N A S ● Q U A R T A - F E I R A , 2 4 D E M A R Ç O D E 2 0 0 4 5 CULTURA MÚSICA ETC. CHICO AMARAL Email para esta coluna: [email protected] SHOW O violonista gaúcho Yamandú Costa se apresenta com seu trio instrumental, com repertório do segundo disco Depoimento sonoro TASSO MARCELO/AE O disco de violão solo de Juarez Moreira é possivelmente a melhor introdução à sua música. Juarez é compositor também, mas como Baden Powell, gosta de visitar outros compositores. O amplo repertório – de Egberto Gismonti, Laurindo de Almeida, Luis Eça, canções americanas, Ernesto Nazareth e outros – belamente realizado, acaba sendo um depoimento sonoro, cheio de implícitas reflexões sobre as correntes musicais de nosso tempo. Uma execução límpida coloca em evidência a composição, mas de modo natural a gente vai prestando atenção numa outra coisa: o trabalho irrefutável do violão. Juarez Moreira pontua, curiosamente, uma reflexão sobre parâmetros musicais, expondo na contracapa um comentário de Egberto sobre a solidão da melodia em Apanhei-te Cavaquinho, que agradou intensamente ao músico carioca. “Poucas vezes – diz Egberto – ele permitiu que a melodia vivesse tão solitária, tão importante e tão cantabile”. O público certamente achará o mesmo em Travessia, em Sabiá, em várias outras. O jeito pausado, calmo, paciente, que Juarez desenvolve nas execuções busca equacionar precisamente isto: o equilíbrio entre sua harmonização raríssima e a sensação coletiva, popular, da melodia . Loucos, loucos Música na cidade: boas programações na Agência Status e no Café com Letras, entre outros lugares (Utópica, Conservatório, Café Tina, Café do Sol, Cozinha de Minas, Bar do Romeu, Paladino, Pop Rock Café etc.). Rubinho, dono da Status, vem arquitetando um projeto inusitado: música ao vivo todos os dias, o tempo todo. Faz lembrar uma certa época em Nova York quando, contam-nos, Charlie Parker fazia a madrugada e, de 9h ao meio-dia, continuava a tocar no Minton’s. A diferença, fora a figura incomparável de Parker, é que a música terminava num lugar e continuava no outro. Em BH, a coisa aconteceria num só espaço. Rubinho é louco, os músicos são loucos. Quero saber quem vai ser mais louco ainda pra entrar e ouvir música às 6h. Não acredito que ele vá conseguir, mas uma coisa já fez: a casa tem música ao vivo todos os dias, com atrações se substituindo, das três da tarde até meia-noite, nos dias de semana; aos sábados, das 10h à meia-noite; domingo, de 8h à meianoite.!!! Nunca vi isso em lugar nenhum. Agora uma crítica aos músicos: muitas vezes o som está alto. Para o som poder ser alto, a situação tem que ser outra. Nenhuma dessas casas comporta isso (com exceção do Pop Rock Café). A música pode esquentar e envolver, sem precisar de volume. A música pode esquentar e envolver, sem precisar de volume Gêmeos na arte Assisti ao DVD do show Pet Sounds, com Brian Wilson e banda, em Londres, 2002. Brian Wilson e Paul McCartney já foram chamados de irmãos gêmeos separados por um oceano. Seus dons para melodias, o apuro musical, até o som e a levada do baixo, muita coisa neles é idêntica. No DVD, Brian Wilson lembra que God only knows é a canção favorita de Paul. Realmente linda, com harmonia inacreditável, que é a marca de Brian. Pet Sounds, o disco dos Beach Boys de 1966, é cheio disso. Nascido sob o impacto de Rubber Soul (Beatles, 65), seu próprio impacto influenciou o Sgt. Peppers, “nosso Pet Sounds”, como McCartney costumava dizer durante as gravações. Quem leva a copa no final são os Beatles, mais luminosos, mais sintéticos na questão da sofisticação/apelo popular, mais convincentes no próprio campo do experimentalismo. No entanto, Brian Wilson, com sua musicalidade superior, nunca deixará de nos comover. O DVD prova isso, até melhor que o disco. Skank clássico Semana que vem o Skank apresenta seu Cosmotron em São Paulo. O show será gravado e lançado em DVD pelo canal Multishow. O Skank está num grande momento, com um show realmente sensacional. A substituição de um sopro por outra guitarra, deu uma tremenda sonoridade rock’n roll à banda, adequada ao novo repertório. Fora outras cositas (primeiro lugar nas rádios, com Vou deixar). O principal é o seguinte: Cosmotron é um dos melhores discos dos últimos tempos, e Dois Rios (Samuel, Lô e Nando Reis) já é uma canção clássica. Considerado uma das maiores revelações da música brasileira, o gaúcho Yamandú Costa se apresenta em Belo Horizonte e Juiz de Fora Clássicos para as seis cordas AILTON MAGIOLI Longe de querer adotar um discurso raivoso contra as gravadoras, Yamandú Costa está feliz da vida com a experiência independente do ano passado, quando gravou o segundo disco solo e primeiro ao vivo de carreira. “Vivemos outra época, o global chama para o regional”, justifica o comportamento o violonista, admitindo que até pelas facilidades tecnológicas hoje as empresas já não investem tão alto em artistas. De volta a Minas Gerais para shows de lançamento de Yamandú Ao Vivo, o violonista gaúcho se apresenta hoje e amanhã à noite, no Teatro Sesiminas, da capital, seguindo para o interior, onde fará o primeiro show em Juiz de Fora, na Zona da Mata, na sexta-feira, no Teatro Pró-Música. Acompanhado de Thiago do Espírito Santo (baixo) e Eduardo Ribeiro (bateria), Yamandú Costa (violão) apresenta aos mineiros o repertório do segundo disco, além de algumas prováveis sur- presas. Afinal, adverte o violonista, “os próprios músicos costumam dizer que eles nunca sabem o que vai acontecer quando tocam comigo”, diverte-se Yamandú, que gosta de comparar a sua energizada peformance cênica a um filme de Alfred Hitchcock. Exageros à parte, o violonista admite que tem sempre algumas pérolas na cartola, para surpreender músicos e público. Do disco novo do artista os mineiros terão a chance de conferir Valsa Nº 1 e Vou deitar e rolar, de Baden Powell, Brasiliana Nº 1, de Radamés Gnatalli, Conversa de Botequim, de Noel Rosa e Vadico, Disparada, de Théo de Barros e Geraldo Vandré, e Sampa, de Caetano Veloso, entre outras, além de composições do próprio Yamandú. Segundo o violonista, a opção pela gravação de um disco de trio, ao vivo, foi uma decorrência natural depois de Yamandú, de 2001, que ele havia gravado pela Eldorado, como vencedor do Prêmio Visa de MPB, na categoria instrumental daquele ano. “O primeiro foi um disco mais rebuscado e camerístico, com arranjos de quarteto”, recorda. “Como muitos sentiram falta do ao vivo, que é forte no meu caso, decidimos fazer o segundo para suprir a falta que o público sentia”, acrescenta, lembrando que fazer um disco ao vivo não é fácil, mas que ele teria conseguido captar o clima ao lado dos amigos-instrumentistas. Depois de vender 70 mil cópias do primeiro, o violonista gaúcho diz que já está providenciando uma segunda tiragem de 10 mil unidades do segundo, salientando que os números são muito bons em se tratando de música instrumental brasileira. ■ CLÁSSICOS LATINO-AMERICANOS Para provar que não cultiva rancores da indústria fonográfica ele conta que está sempre atento a projetos como os da gravadora carioca Biscoito Fi- no, na qual acabou de gravar, ao lado do saxofonista e clarinetista Paulo Moura, o disco El Negro nel Blanco, no qual revisitam clássicos latino-americanos de Violeta Parra e Atahualpha Yupanky, além de composições próprias como a música título, assinada por Yamandú. Anteriormente, o violonista havia participado da coletânea 3º Compasso – Samba & Choro, da mesma gravadora. Enquanto organiza as composições inéditas para atender a um convite de parceria com o poeta Paulo César Pinheiro, Yamandú Costa prepara mais uma vez as malas para viajar à Europa, onde faz seis shows no mês que vem, pela primeira vez na Alemanha. ❚ YAMANDÚ COSTA TRIO Hoje e amanhã, 21h, no Teatro Sesiminas, rua padre Marinho, 60, Santa Efigênia, (31) 3241-7181. R$ 20 + um quilo de alimento não-perecível. Na sextafeira, 21h, Teatro Pró Música, av. Rio Branco, 2329-A, Centro, Juiz de Fora. R$ 15 (antecipado) e R$ 20 (no dia da apresentação). ❚ ROCK Telescopes em CD especial para o Brasil ARTHUR G. COUTO DUARTE Ao lado de Jesus & Mary Chain, Loop, Spacemen 3 e My Bloody Valentine, The Telescopes foi um dos principais expoentes das noisy guitar bands que tomaram de assalto a Inglaterra, ao final da década de 80. Praticando uma deslavada sangria contra os tímpanos daqueles que ousassem encarar sua sonoridade, esse quinteto vindo da pequena Burton-upon-Trent sempre fez questão de demonstrar total desrespeito para com as sutilezas estruturais das canções convencionais. Um ícone do iconoclasmo rocker que fi- nalmente chega ao Brasil através da sensacional compilação Premonitions 1989-91. Em edição especialmente monitorada pelos próprios músicos do Telescopes, que depois de quase dez anos de silêncio resolveram retomar suas atividades, a referida coletânea é exclusiva para nosso País. A proeza deve ser debitada ao valoroso selo independente Midsummer Madness, de propriedade do carioca Rodrigo Lariu – um veterano da cena dos fanzines e incentivador do indie-rock, tanto no nível local (vide os lançamentos dos grupos Fellini, Pelvs, The Cigarettes e Second Come, entre outros) quanto internacional. Entre outras preciosidades, Premonitions 1989-91 traz faixas extraídas de compactos hoje fora de catálogo na Europa, como as mega-distorcidas S.H. Burn e You can not be sure; ambas lançadas originalmente através do raro single The perfect needle. Comparecem ainda material do álbum Taste (editado pela What Goes On, em 89) e de extended plays como Flying e Everso – esse último, aberto para aclimatações francamente aciduladas. Boicotado pelos programas musicais ingleses de sua época, já que os produtores temiam que os vídeos do grupo e seus mirabolantes efeitos sensoriais pudessem induzir crises de epilepsia nos telespectadores (!), The Telescopes se manteve fiel ao terrorismo cultural, sempre pronto para – conforme um arguto crítico observou na ocasião – “brincar com a psique da audiência, examinando a norma e a realimentando através de um liquidificador psicodélico”. Mesmo à margem da fama, seu legado de microfonias, ondas fuzz, trucagens eletrônica e decibéis em profusão haveria de fazer história, rompendo a barreira do tempo e as portas da percepção.