Texto a ser submetido ao Prêmio VivaLeitura 2014 UM OLHAR NEGRO: RELATO DA EXPERIÊNCIA DO PONTO DE CULTURA SANTA BÁRBARA JUSTIFICATIVA Desde 1996, o trabalho social voluntário, voltado para crianças e adolescentes do bairro Mathias Velho, desenvolvido por Ângela Maria Dorneles Pascoal, presidente da Associação Esportiva Recreativa Cultural Beneficiente e Assistencial Santa Bárbara Futebol Clube, tem gerado frutos. Todos os anos as festividades da Páscoa, do Dia das Crianças e do Natal são realizadas. Assim como, distribuição de cestas básicas, roupas, sopas comunitárias e material escolar. O sonho da criação de um centro para apoio, acolhida e inclusão dos jovens em situação de vulnerabilidade social, convivendo com a violência e as drogas, começou a ganhar forma, em 2008, com a regularização jurídica da Associação e pelo esforço voluntário de Fábio Lombardo Leivas, o Fabinho, e Valmir dos Santos Dorneles Júnior. Eles elaboraram, em 2011, o projeto “Luz, Câmera e Inclusão” e muito colaboraram para a transformação da Entidade em um Ponto de Cultura, via edital do Ministério da Cultura, em 2012. O bairro de Mathias Velho situa-se na periferia da cidade de Canoas, município com muitas especificidades em termos de expressões culturais e de acesso a bens e serviços simbólicos. A recente criação da cidade (75 anos) e a proximidade com Porto Alegre marcaram a identidade cultural de Canoas, a partir do contraste entre a riqueza e diversidade da capital e o baixo investimento cultural nas cidades da região metropolitana. A criação do Ponto de Cultura de Santa Bárbara, localizado na última rua, borda do próprio bairro, representa uma tentativa de atenuar os contrastes, oferecendo para as crianças e adolescentes da Mathias Velho, no horário inverso àquele da escola, a participação em oficinas gratuitas de teatro, informática, audiovisual, Hip Hop e Capoeira. Desde 2013, as oficinas tornaram-se integradas a partir da concepção e realização do projeto Um Olhar Negro, de forma a trabalhar a identidade afrodescendente para afirmação e conscientização das raízes dos jovens e do próprio Ponto de Cultura. Afinal, Santa Bárbara é presidida pela Mãe 1 de Santo Ângela de Ogum, que tem uma terreira em frente ao Ponto de Cultura. OBJETIVOS O Projeto “Um Olhar Negro” foi concebido de forma a articular as oficinas de forma a proporcionar o resgate de valores, mobilizar a comunidade, aumentar o sentimento de pertença e o (re)conhecimento das origens ancestrais. “Um Olhar Negro” envolveu práticas sociais pelas diversas linguagens culturais e artísticas, apoiadas pela oficina de Teatro. O elo entre os trabalhos realizados nas oficinas pelos jovens consistiu na leitura de textos infantis adaptados sobre as lendas gaúchas. Ou seja, a unidade do projeto esteve garantida a partir da centralidade do livro “O Negrinho do Pastoreio e Outras Lendas”, escrito pelo escritor Carlos Urbim, ilustrado por Rodrigo Rosa e editado pela RBS publicações, 2005. METODOLOGIA Após o primeiro mês de sensibilização inicial e de apresentação dos objetivos do projeto, para as crianças e para os adolescentes, durante a oficina de teatro, a leitura em voz alta do livro foi iniciada em roda. Havia muita curiosidade e desejo de conhecer as lendas. O texto facilitado e saboroso de Carlos Urbim, somado com os muitos recursos de imagens do ilustrador Rodrigo Rosa tornou a leitura ainda mais atraente. Facilitou também o fato de termos mais de um exemplar do livro, possibilitando o 2 acompanhamento da leitura em trios. Alguns participantes, com o intuito de ajudar aqueles menores, procuravam (re)contar as histórias de forma a contextualizar e revisar as lendas já lidas. Infelizmente, constatamos que apesar de algumas crianças estarem no 3° ano do Ensino Fundamental, elas não conseguiam ler o texto, acompanhando apenas pelos desenhos, sem poder realizar a leitura em voz alta. Justamente para trabalharmos a questão afro-descendente e o olhar negro no Brasil, a Lenda do Negrinho foi escolhida para ser adaptada para o teatro. Houve muitos comentários e dúvidas sobre a escravidão. Por exemplo, alguns participantes desconheciam que não era uma escolha, pois não sabiam que os escravos eram obrigados a trabalhar caso contrário eram castigados. Depois das leituras, durante quatro meses, iniciou-se o trabalho para a montagem da peça, coordenado pela oficineira Duda Máximo, moradora do Bairro. 58 crianças participaram do processo de leituras e ensaio, aprendendo que para fazermos teatro é necessário saber a intenção de cada personagem, a importância do posicionamento de palco, da entonação de voz, do uso da música e, claro, do texto e da sua interpretação. Foi bonito perceber que os jovens tenham descoberto como a literatura, as lendas, abre para o teatro e para diversas manifestações artísticas: música, cinema, fotografia, circo e artes plásticas. Para as crianças, sem dúvida, o clímax do projeto foram as cinco apresentações. Elas foram realizadas em três escolas, na feira do livro do Bairro e no principal parque da cidade, o Parque Eduardo Gomes. Os colégios foram o São Mateus, o Santa Cruz, ambos Luteranos, e a Escola Municipal Odette Yolanda de Freitas. O grupo que atuou no palco contou com a participação de 13 crianças. As apresentações foram realizadas e A experiência foi muito significativa para todos os envolvidos: crianças, adolescentes, os pais e o pessoal do Ponto de Cultura. 3 AVALIAÇÃO A escolha da peça foi acertada pelo envolvimento dos jovens e pelo fato do protagonista ser negro, justamente para debatermos a cultura africana e aquela transmitida pelos seus pais e avós. As oficinas de Capoeira e de Hip Hop foram muito importantes para os ensaios e para as apresentações, contagiando a todos os envolvidos, direta ou indiretamente. As relações interpessoais e o trabalho conjunto foram outros aspectos fundamentais. As leituras compartilhadas, os exercícios dramáticos, os jogos cênicos e a montagem da apresentação são atividades de inclusão e de pertencimento ao grupo, trabalhando a alteridade e a visão que temos sobre o outro e sobre nós mesmos. Durante os ensaios, as muitas trocas de personagens foram muito pertinentes, pois todos puderam se colocar no lugar dos "vilões" e dos "bonzinhos", tornando possível conversarmos bastante sobre diversos temas emergentes a partir das situações trabalhadas no contexto da peça. A seguir a quantidade de crianças em cada oficina e fotos do projeto. CAPOEIRA: (Quintas-feiras) Manhã: 35 / Tarde: 27 TEATRO e CINEMA: (Segundas, terças e quartas-feiras) Manhã: 31 / Tarde: 27 INFORMÁTICA: (Quartas e quintas-feiras) Manhã: 31 / Tarde: 23 HIP HOP: (Sexta) Manhã: 25 / Tarde: 28 4 5 6