Cimerman, et al • Enterobíase ARTÍCULO DE REVISIÓN/ARTIGO DE REVISÃO Enterobíase Enterobiasis Sérgio Cimerman1 Benjamin Cimerman2 Médico Assistente da 3ª Unidade de Internação do Instituto de Infectologia Emílio Ribas. São Paulo, Brasil. 2 Professor Titular de Parasitologia da Faculdade de Enfermagem do Hospital Israelita Albert Einstein. São Paulo, Brasil. 1 Rev Panam Infectol 2005;7(3):27-30 Recibido en 18/8/2005. Aceptado para publicación em 16/9/2005. Resumo Os autores fazem uma revisão da enterobíase com uma visão clínica, com maior ênfase no diagnóstico e apresentação de novas opções terapêuticas desta parasitose intestinal. Palavras-chave: Enterobius vermicularis, Enterobíase, Revisão. Abstract The authors present an overview of enterobiasis with a clinical approach and main emphasis in diagnosis and new treatment options. Key words: Enterobius vermicularis, Enterobiasis, Review. Introdução A enterobíase ou oxiuríase é uma infecção parasitária intestinal causada pelo nematódeo Enterobius vermicularis ou Oxyurus vermicularis. A evolução nos mostra que esta verminose foi originária no continente africano, dispersando-se com as migrações ocorridas no passado para outros continentes. Um dos ramos de estudo da Parasitologia, a Paleoparasitologia, tem contribuído em muito para os dados históricos da patologia, reconstruindo rotas da dispersão, com especial atenção nos achados em material arqueológico(1). O encontro do nematódeo data de período antes da Era Cristianiana, em especial no Estado do Colorado, nos Estados Unidos, através de coprólitos(1). Na América do Sul, o primeiro achado de ovos de E. vermicularis em coprólitos humanos foi feito por Patruco e colaboradores em 1983, no Peru, seguido de Ferreira et al. (1984) e Araújo et al., em 1985, no Chile, com datas pré-colombianas (4.000 anos a 800 a.D.)(2). O parasito (agente etiológico) O Enterobius vermicularis ou Oxyurus vermicularis é um verme cilíndrico, de cor branca, com aspecto de fio de linha, medindo o macho 2 a 5 mm de comprimento e a fêmea, 8 a 13 mm. Apresenta na extremidade anterior uma dilatação da cutícula formando duas expansões, denominadas asas cervicais. Internamente, o 27 Rev Panam Infectol 2005;7(3):27-30 esôfago termina em uma estrutura muscular arredondada e proeminente, chamada bulbo esofagiano. A extremidade posterior da fêmea termina em ponta fina e alongada, enquanto a do macho mostra um enrodilhamento ventral e a presença de um espículo(3). Os ovos são brancos, transparentes, com dupla membrana, um lado plano e o outro convexo, similar à letra D do alfabeto. Medem aproximadamente 50 a 60 micras de largura por 20 a 30 micras de comprimento, são resistentes aos desinfetantes comerciais e podem sobreviver em ambientes domiciliares por duas a três semanas(4). Ovo de E. vermicularis – “anal swab” E. vermicularis é o parasito de maior poder de infecção, pois seus ovos necessitam de apenas seis horas para se tornar infectantes. Ao serem ingeridos, os ovos sofrem a ação do suco gástrico e duodenal, libertando as larvas que se dirigem ao ceco, onde se fixam e evoluem até o estágio adulto. A duração do ciclo é em média de 30 a 50 dias. Epidemiologia É uma doença de distribuição mundial (cosmopolita), mais freqüentemente encontrada em crianças de 5 a 14 anos de idade(6). Sua transmissão é direta de pessoa a pessoa, sem a intervenção do solo, não requerendo condições especiais de ambiente, clima e nível social(4). Elevada prevalência tem sido relatada nos Estados Unidos (20%)(5), Índia (12,8%)(7) e Brasil (5,9%)(8), embora sua mensuração seja difícil, pois a maioria dos inquéritos epidemiológica não utiliza a metodologia adequada para o diagnóstico dessa parasitose. Em pacientes com Aids, nos parece até o momento não existir qualquer importância da doença durante o curso natural da patologia, conforme estudos realizados por nosso grupo em 1999(9) e em publicação mais recente; nem ao menos obtivemos o encontro do nematódeo, com justificativa de não termos também procedido à metodologia ouro para o diagnóstico(10). Raramente a infecção é fatal, sendo que a sua morbidade é correlacionada com as infecções secundárias(5). Patogenia Ao nível do intestino atua sobre a mucosa intestinal, ocasionando um processo inflamatório com exsudato catarral. Devemos lembrar que não ocorre lesão anatômica, pois a mucosa não é penetrada. A migração dos parasitos adultos pela pele a diferentes locais pode desencadear uma reação inflamatória local, agravando-se por lesões traumáticas e infecções secundárias(3-5). Ovo de E. vermicularis - fezes Ciclo de vida(5) Os vermes adultos vivem no intestino grosso e após a cópula o macho é eliminado. As fêmeas fecundadas não fazem oviposição no intestino e têm seu útero abarrotado com aproximadamente 11.000 ovos. Em um determinado momento o parasito se desprende do ceco e é arrastado para a região anal e perianal, onde se fixa e libera grande quantidade de ovos. 28 Manifestações clínicas O sintoma característico da enterobíase é o prurido anal, que se exacerba no período noturno devido à movimentação do parasito pelo calor do leito, produzindo um quadro de irritabilidade e insônia(3-6). Em relação às manifestações digestivas, a maioria dos pacientes apresenta náuseas, vômitos, dores abdominais em cólica, tenesmo e, mais raramente, evacuações sanguinolentas(3-6). Nas mulheres, o verme pode migrar da região anal para a genital, ocasionando prurido vulvar, corrimento vaginal, eventualmente infecção do trato urinário, Cimerman, et al • Enterobíase e até excitação sexual. Apesar da sintomatologia, não se verifica eosinofilia periférica e os níveis de IgE em patamares dentro da normalidade, com exceção de estudo de infecção massiva promovendo uma alta elevação de IgE sangüínea e contagem de eosinófilos(11). Existem relatos de localização ectópica da patologia levando a quadros de apendicites, salpingites, granulomas peritoneais e perianais, doença inflamatória pélvica(12). Diagnóstico O método de escolha utilizado para o diagnóstico da enterobíase difere em relação às outras verminoses em geral. As técnicas habituais de demonstração de ovos de helmintos não apresentam positividade superior a 5% dos casos, uma vez que as fêmeas não fazem oviposição no intestino. Como eleição emprega-se a técnica dos “swabs anais”, também denominada de método da fita de celofane adesiva e transparente, ou da fita gomada, reportada por Graham(3-6). A outra técnica não habitual descrita na literatura é chamada de vaselina-parafina (VASPAR). Adota-se como padrão da colheita do material o horário no período matutino, antes de o paciente defecar ou tomar um banho(5). Caso não seja possível tal procedimento, poderia se optar pela coleta após o paciente ter se deitado. Com estas técnicas, aumenta-se sensivelmente a positividade do achado dos ovos de E. vermicularis e, se realizado em dias consecutivos, com no mínimo três coletas, segundo consenso de expertos da Federação Latino-Americana de Parasitologia (FLAP)(13). Prevenção e controle Inicialmente, para se realizar uma excelente profilaxia, deve-se estender o tratamento da parasitose a todos os indivíduos que residem na mesma residência, além de troca de roupa de cama, interior e cobertor no dia da realização do tratamento proposto(3,4,6). A atenção das autoridades públicas na questão da educação sanitária deve ser um dos quesitos primordiais, principalmente objetivando a população pediátrica. Nesta faixa etária temos que orientar para que as unhas sejam cortadas bem rentes e sobre o uso de macacão para dormir. A limpeza ambiental é outro fator que deve ser verificado devido à transmissão da doença ocorrer pela inalação de pó, pela ingestão nasal dos ovos do parasito. Com esta afirmação existe a necessidade de não varrer a poeira nas casas, e sim proceder com uso de aspirador. O controle de cura desta helmintose, segundo o último consenso da FLAP, sugere efetuar pela técnica de Graham um exame diário por sete dias a partir de uma semana depois de finalizada a terapia(13). Tratamento A enterobíase, por ser uma parasitose de fácil disseminação, deve ser tratada para todos aqueles com exposição. Várias drogas estão disponíveis no mercado internacional, com índices de cura clínica e parasitológica bastante satisfatórios. O tratamento de escolha é o pamoato de pirantel na dose de 10 mg/kg em dose única, não ultrapassando 1 g, por via oral, preferencialmente em jejum. Apresenta uma eficácia em torno de 80 a 100% de cura, com poucos efeitos adversos, tais como: cefaléia, tonturas e distúrbios gastrointestinais leves. Não deve ser administrado a gestantes e, como lembrança, o paciente deve ser comunicado que o fármaco poderá produzir cor vermelha na urina e fezes. Sugere-se na maioria dos casos a repetição do tratamento, aumentando assim a taxa de cura deste nematódeo intestinal(14). Como terapia alternativa à participação dos benzimidazólicos de uso em humanos, mebendazol e albendazol apresentam também o mesmo esquema preconizado em dose única e repetição em 2 semanas. A maior vantagem da utilização destas drogas reside nas populações poliparasitadas, como ocorre na maioria dos países da América Latina. O mebendazol é administrado por via oral, 100 mg, independente da idade do paciente, apresentando eficácia de 90 a 100% de cura, com raros efeitos colaterais(15,16). O albendazol é receitado na dose de 400 mg, também independente da idade, e proporcionando taxa de cura também perto dos 100%. Náuseas, vômitos, diarréia, secura na boca e prurido cutâneo podem surgir após a ingesta, porém é raro o seu acometimento(3,4). Com o advento de novas buscas para o tratamento antiparasitário, novas medicações têm sido propostas e que merecem citação, dentre elas: ivermectina e a nitazoxanida. A ivermectina é membro das avermectinas, sendo um análogo sintético da avermectina B1a (abamectina), resultante da fermentação do actinomiceto do solo Streptomyces avermitilis. Recentemente liberado para uso em humanos, no tratamento da enterobíase, utiliza-se na dose de 200 μg/kg, alcançando índices de cura de cerca de 85%, embora não seja esta a sua principal indicação(3-5,14). A nitazoxanida, um 5-nitotriazol, de amplo espectro antiparasitário, cuja maioria dos trabalhos desenvolvidos foi em relação aos patógenos oportunistas em pacientes com Aids e em casos de giardíase, amebíase, fasciolíase, teníase em indivíduos imunocompetentes. Sua veiculação em enterobíase ocorreu em estudo clínico de pacientes no Egito, com índices de cura de 29 Rev Panam Infectol 2005;7(3):27-30 95% nos pacientes, com leve ou quase ausência de eventos adversos, como: cefaléia, náuseas, vômitos, dor abdominal, diarréia e dor gástrica. A dose recomendada é aproximadamente 7,5 mg/kg, por via oral, por período de três dias consecutivos, ingeridos depois de comida. Como dado adicional, existe comprimido e suspensão líquida que atende o grupo etário infantil no gosto morango(17,18). Referências 1. Ferreira LF, Reinhard KL, Araújo A, Camillo-Coura L. Paleoparasitology of oxyuriasis. Anais da Academia Nacional de Medicina 1997;157(1):20-24. 2. Araújo A & Ferreira LF. Oxiuríase e migrações préhistóricas. História, Ciências, Saúde. Manguinhos 1985;2(1):99-109. 3. Botero D & Restrepo M. Parasitosis intestinales por nematodos. En: Parasitosis Humanas. 3ª ed. Corporación para Investigaciones Biológicas. Medellín, Colombia: 1998. p. 125-134. 4. Bina JC. Enterobíase. Em: Medicina Tropical - Seus Fundamentos e Bases Gerais. Cimerman Sérgio & Cimerman Benjamin. 1ª ed. Editora Atheneu; 2003 (no prelo). 5. Bocka J. Pinworms. Last Updated July 12, 2001. Disponível em: www.emedicine.com/infectiousdiseases. 6. Cimerman B & Cimerman S. Enterobíase. Em: Parasitologia Humana e seus Fundamentos Gerais. 2ª ed. Rio de Janeiro, Brasil: Editora Atheneu; 2001. p. 304-306. 7. Kang G, Mathew MS, Rajan DP, Daniel JD, Mathan MM, Mathan VI et al. Prevalence of intestinal parasites in rural Southern Indians. Tropical Medicine and Health 1998;3(1):7-75. 8. Prado MS, Barreto ML, Strina A, Faria JAS, Nobre AA, Jesus SR. Prevalência e intensidade da infecção por parasitas intestinais em crianças na idade escolar na cidade de Salvador (Bahia, Brasil). Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 2001;34(1):99-101. 9. Cimerman S, Cimerman B, Lewi DS. Prevalence of intestinal parasitic infections in patients with acquired immunodeficiency syndrome in Brazil. International Journal Infectious Diseases 1999;3:203-206. 30 10. Cimerman S, Castañeda CG, Iuliano WA, Palacios R. Perfil das enteroparasitoses de pacientes com infecção pelo vírus HIV/Aids na era da terapia anti-retroviral potente em um centro de referência em São Paulo, Brasil. Parasitología Latinoamericana 2002;57:111-119. 11. Villarreal O, Villarreal JJ, Domingo JA. Progressive eosinophilia and elevated IgE in enterobiasis. Allergy 1999;54(6):646-648. 12. Tandan T, Pollard AJ, Money DM, Scheifele DW. Pelvic inflammatory disease associated with Enterobius vermicularis. Archives Diseases of Children 2002;86:439440. 13. FLAP. Informe técnico de un comité de expertos Normas para evaluar medicamentos en parasitosis del tubo digestivo y anexos del hombre. Parasitología al día 2000;24:3-4. 14. Anonymous. Drugs for parasitic infections. The Medical Letter on Drugs and Therapeutics. April, 2002. 15. Cimerman B, Fernandes MFP, Hernandes N, Campos Neto JM. Mebendazol: esquemas terapêuticos na prática clínica. Folha Médica 1980;80:101-103. 16. Chaia G, Cimerman B, Bichued L. Reavaliação terapêutica do mebendazol na enterobíase. Folha Médica 1986;92:71-73. 17. Abaza H, El-Zayadi A, Kabil SM, and Rizk H. Nitazoxanide in the treatment of patients with intestinal protozoan and helminthic infections: a report on 546 patients in Egypt. Current Therapeutic Research 1998;59:116-121. 18. Romero Cabello R, Robert Guerrero L, Munoz Garcia MR, and Geyne Cruz A. Nitazoxanide for the treatment of intestinal protozoan and helminthic infections in Mexico. Transactions of The Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene 1997;91:701-703. Correspondência: Dr. Sérgio Cimerman R. Zacarias de Góis, 966, apto 41, CEP 04610-002, São Paulo, SP, Brasil e-mail: [email protected]