REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ® Globaliza?, Neoliberalismo e Direito: os fundamentos hist?os da ordem jur?ca atual na percep? destas esferas Resumo: O presente trabalho visa estabelecer a conceituação do termo globalização apreciado por meio de uma leitura da origem histórica e, necessariamente, sob um prisma cronológico da atual fase de internacionalização capitalista. Num segundo momento, o texto se concentrará na análise crítica dos processos históricos que conduziram a tal cenário de globalização econômica e de suas outras dimensões, possibilitando um olhar sobre a influência da globalização neoliberal a partir da ordem jurídica atual e sobre os possíveis projetos de emancipação social surgidos em detrimento da globalização neoliberal. Palavras-chave: Globalização, Neoliberalismo, Direito. Abstract: The present work aims to establish the definition of the term globalization appreciated by a reading of the historical origin and necessarily in a chronological perspective of the current phase of capitalist internationalization. Secondly, the text will focus on critical analysis of historical processes that led to such a scenario of economic globalization and its other dimensions, allowing a glimpse into the influence of neoliberal globalization from the current legal system and about the possible projects of emancipation social detriment arising from neoliberal globalization. Keywords: Globalisation, Neoliberalism, Law. Sumário: 1. Introdução. 2. Globalização x mundialização x céticos. 3. Uma visão cronológica dos processos de constituição da globalização/mundialização. 4. O direito e as transformações do capitalismo por etapas até o neoliberalismo. O capitalismo concorrencial e a formatação do direito burguês da modernidade colonial. 5. A fase monopolista imperialista do capitalismo e a constituição de um paradigma jurídico mundial. 6. O contexto dos anos 70, a crise do keynesianismo e as mutações da ordem social e jurídica. 7. O neoliberalismo e a mudança da formatação jurídica do capitalismo ocidental com o advento da globalização econômica neoliberal. 8. Globalização, pós-modernidade celebratória e direito. 9. Um novo lugar para a emancipação e para as formas jurídicas fora do padrão regulatório da razão instrumental (luta pelos direitos fundamentais em suas várias dimensões e pluralismo jurídico comunitário participativo). 10. Considerações finais. Referências bibliográficas. Introdução Este texto visa estabelecer a conceituação do termo globalização, buscando a origem histórica da atual fase da globalização sob um prisma cronológico. Para isso, se esboçará uma relação que contextualize a afinidade entre sociedade capitalista e esfera jurídica, especialmente na formação e conquista das várias gerações/dimensões de direitos humanos. Também, serão evidenciadas algumas características do direito no período da internacionalização capitalista imperialista. De imprescindível necessidade, o trabalho fará uma construção por meio da mutação do capitalismo em crise nos anos 70, com a crise do Keynesianismo e do Welfare State, evidenciando a formação global da ordem discursiva neoliberal/neoconservadora. Não obstante, se remontará aos processos históricos decisivos que conduzem diretamente a fase da globalização econômica neoliberal e a sua influência sobre a ordem jurídica. Os dois últimos itens deste texto se encarregarão da questão da relação entre globalização, pós-modernidade e neoliberalismo, finalizando com os possíveis caminhos de emancipação e regulação que se relacionam com o direito forjado nas últimas décadas pela globalização neoliberal e por sua antípoda, a Altermundialização, com a idéia de que outra globalização é possível. 2. Globalização x mundialização x céticos Em primeiro lugar é necessário conceituar os termos globalização e mundialização, relatando a existência de correntes que negam novidade ao atual processo conceituado como globalização. A Globalização - a origem deste termo massificado pela mídia internacional estaria nas escolas de negócios dos EUA. A palavra decorreria de uma ideologia essencialmente propagandeada pelos EUA que, depois da queda do muro de Berlim, visa promover o livre comércio, a livre circulação de mercadorias e de “pessoas” (vide o problema do controle migratório e xenofobia). (JÚNIOR, 1996). O termo – Mundialização – é um termo alternativo moldado especialmente por intelectuais críticos da França que, colocam a mundialização, como um processo de mutação tecnológica do capitalismo, de hipertrofia dos mercados financeiros e da crise do Keynesianismo (CHESNAYS, 1996), que promovem um neocolonialismo ligado a expansão dos países capitalistas centrais sob égide dos EUA e de órgãos multilaterais e de organizações internacionais, como: FMI, OMC, Banco Mundial, OCDE, ONU. Os Céticos negam qualquer novidade ao processo de globalização, pois a internacionalização econômica da economia mundial e a mutação tecnológica também caracterizaram etapas anteriores do sistema capitalista (HELD & MCGREW, 2001). Esta seria apenas uma continuação não linear dos processos anteriores. A seguir, se oferece um breve esboço de algumas fases históricas sob a perspectiva cronológica dos processos que conduzem a globalização. 3. Uma visão cronológica dos processos de constituição da globalização/mundialização a- Expansão ultramarina Européia levada a cabo pelas potências ibéricas, inicialmente Portugal, que caracteriza o império salvacionista mercantil português (RIBEIRO, 2006)[1] e depois a Espanha com a data oficial da descoberta da América em 1492 (O extremo ocidente); b- A Europa deixa de ser periferia do mundo mulçumano que domina o mediterrâneo, se inicia o declínio das cidades italianas que monopolizavam o comércio com o Oriente e se encontra uma rota alternativa pelo Atlântico para a Ásia contornando a África e suplantando o bloqueio do Império Mulçumano que domina Constantinopla em 1453; c- O início da aventura marítima Ibérica permite a edificação do Mercado Mundial capitalista, o que dará início as políticas econômicas que se especializaram inicialmente nas mercadorias apreciadas pelos europeus, principalmente especiarias trazidas da Ásia e, posteriormente, a exploração mineral e das plantations, visando a exportação de tais produtos que darão ensejo a expansão da economia capitalista ampliada no momento seguinte, pela burguesia edificada, como classe mundial, depois da Revolução Industrial iniciada na Inglaterra. No momento anterior, este processo se inicia com a formação dos Estados Absolutistas com as suas várias matizes na Europa. Neste momento se define a criação de critérios políticos, como nação, territorialidade, unificação política e jurídica e a busca do controle da economia por monopólios exclusivos da Coroa, que darão origem a política econômica mercantilista metalista dos Estados Europeus, que iniciarão a conquista do Mundo. Agora, incluindo outras potências dominantes, como a Holanda, França e Inglaterra. Isto dá ensejo ao processo de revolução comercial e expansionista que ditará a moderna colonialidade européia (GONÇALVES, 2006); d- O capitalismo fossilista (GONÇALVES, 2006) se inicia com a Revolução Industrial, um processo que propicia a formação da economia capitalista partindo do processo de acumulação primitiva. Este processo esteve ligado à ida do ouro e da prata latino-americana que, dada por Espanhóis e Portugueses para os Ingleses em troca de dívidas, criou as condições financeiras e comerciais para o clima de grande inventividade e inovação tecnológica que, culmina, paralelamente, com a máquina a vapor. Para se ter uma idéia da importância da América para o capitalismo inglês, ¾ do capital usado na Revolução Industrial era oriundo da acumulação primitiva do capital que veio desta evasão de metais para as metrópoles ibéricas, e que são captadas pelos ingleses (MANDEL apud GALEANO, 1990). Esta revolução tecnológica que, já se iniciará com o último período da Idade Média, revoluciona a agricultura a partir da obtenção de matérias-primas como fertilizantes para a agricultura extraídos de outras áreas do planeta. O uso do carvão, uma matriz de combustível fóssil armazenado (GONÇALVES, 2006) permite uma maior interdependência da economia mundial com navios e ferrovias interligando o planeta, inclusive com a destruição de populações nativas americanas nos EUA e em outros recantos da América, em um processo de guerras, doenças, fome e escravidão que resultou na morte de mais de 70 milhões de ameríndios; e- No final do século XIX, a economia fossilista se expande sob a forma do imperialismo. O cientificismo, o darwinismo social justificam a dominação européia até então sustentada por dogmas religiosos, ligados a fé, a coroa e a espada que deviam ser impostas aos povos nativos pagãos e inferiores. O eurocentrismo e o etnocentrismo europeus que, contribuíram para o genocídio dos índios e para o uso da mão-de-obra africana nas monoculturas exportadoras do tempo colonial, são ideologias que asseguram o controle sobre as populações marginalizadas das colônias, consolidando uma gigante instituição de seqüestro colonial do tempo destas massas humanas marginalizadas (ZAFFARONI apud QUINTANILHA, 2007) que agora determinam a abertura dos mercados coloniais realizando guerras por guano, salitre e por outras matérias-primas indispensáveis a nova agricultura criada pelo capitalismo industrial. A ideologia central do período capitalista concorrencial é o liberalismo econômico, que prega a liberdade contratual, a autonomia da vontade e que se funda no dogma da mão invisível do mercado paralelamente às vantagens comparativas especialmente fundadas em Adam Smith e David Ricardo, respectivamente. A livre concorrência e a livre competição, sem a intervenção estatal, se transformam em dogmas quase religiosos instaurados pela nova “ciência” econômica. Estes dogmas cristalizam a visão de que o Estado deve se limitar ao gerenciamento da justiça, a segurança interna e externa e a garantia das liberdades civis e políticas, cujo gozo ficava praticamente restrito as classes proprietárias dos meios de produção. Estes são os princípios fundamentais desta ideologia que acredita na economia de mercado capitalista regida por leis “imutáveis” similares as da natureza. Esta era a ideologia da Inglaterra industrial triunfante, que inundava o mundo com os produtos de sua indústria, a mais produtiva do mundo e, que abria os mercados dos países com a sua imensa marinha que expressava o poderio bélico do período vitoriano. Em detrimento de tal imposição imperialista, acaba conformando a fase da pax britânica, que será questionada por países como os EUA de Alexander Hamilton e a Alemanha de Von Liszt, com medidas protecionistas e quebra da propriedade intelectual dos ingleses (RICUPERO, 2003). 4. O direito e as transformações do capitalismo por etapas até o neoliberalismo. O capitalismo concorrencial e a formatação do direito burguês da modernidade colonial Depois da Revolução Francesa e do Congresso de Restauração ocorrido na cidade de Viena no ano de 1815 ocorre a consolidação das forças da restauração conservadora monárquica européia, forças estas conformadas para suprimir as idéias da Revolução Francesa de 1789 e do ciclo napoleônico. Entretanto, as forças liberais que explodem na primavera dos povos de 1848 moldarão com o influxo da Revolução Industrial o liberalismo e sua doutrina do Estado Mínimo. Este Estado liberal mínimo, também é chamado de Estado Policial, Gendarme, Carabinieri organizado por uma Constituição Política Enxuta com Cláusulas Pétreas que se limitavam a alguns direitos civis e políticos surgidos em sua maioria nas Declarações Inglesas semi-feudais (Bill of Petitions e o Bill of Rights de 1615 e 1689) e ampliadas nas declarações da Virgínia, na Independência dos EUA em 1776 e na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1789. O Estado Mínimo é um Estado que zela apenas pela segurança jurídica, para os interesses das classes proprietárias, para a proteção dos seus negócios jurídicos/contratos e que apelará para a defesa intransigente do sacro santo direito de propriedade privada disposto no art. 17 da Declaração dos Direitos do Homem de 1789 e que renova sua presença no Código Napoleônico de 1804, que edifica a segurança jurídica como valor supremo da ordem jurídica legitimada pela burguesia, ou seja, apenas uma minoria passa a ter direito a propriedade, pois esta ficará cada vez mais concentrada pela elite econômica detentora dos meios de produção, fábricas, bancos, terras (MARX, 1998). A declaração da Virgínia e a Declaração da Independência de 1776 trazem o universalismo do direito natural utilizado pela Burguesia como justificativa revolucionária contra o ancient-regimen. Outra solução, foi o compromisso do constitucionalismo inglês que, com o parlamentarismo burguês aristocrático, pôde limitar o poder do rei transformando-o em um Chefe de Estado representante apenas da tradição medieval pregressa. Este direito se expressava pela defesa da liberdade que geraria o direito a propriedade, o direito à vida, a igualdade formal sem distinções de classe, religião, apesar da persistência da escravidão e da pobreza estrutural gerada pelos processos de acumulação/pauperização capitalistas. As garantias processuais como o devido processo legal, a presunção de inocência, a igualdade do acesso aos cargos públicos, apesar da existência de nomeação dos cargos públicos. Este era o sistema vigente ao longo do século XIX, a desapropriação mediante indenização são exemplos de novos direitos trazidos pelas declarações burguesas dos direitos do homem e do cidadão. O direito a outras liberdades de cunho religioso, político relativa a liberdade de associação e reunião também faziam parte deste ideário. Os direitos sociais eram vistos como impossíveis, o direito à greve e a livre associação dos trabalhadores eram proibidos e combatidos pela polícia. A democracia era censitária, a famosa liberal democracia, o nome da democracia não sufragista do século XIX que era fundada no voto qualificado pela renda. Este modelo de “democracia representativa” excluía os pobres, as mulheres, os jovens e no caso de sociedades coloniais os escravos africanos e os indígenas. O direito penal e o civil dão ensejo ao patrimonialismo expresso pelo formalismo do positivismo legal emanado da escola da exegese, pois o juiz é apenas a boca da lei de acordo com Montesquieu. Isto abre espaço para o movimento da codificação jurídica, expressão do nacionalismo jurídico (DAVID, 1998) que exprimem, por sua vez, a vitória do individualismo jurídico, com a proteção dos bens jurídicos relevantes para a sociedade capitalista central e periférica. A seguir nos dirigimos para uma etapa fundamental do capitalismo que fundamenta processos posteriores que conduzirão ao capitalismo globalizado contemporâneo. 5. A fase monopolista imperialista do capitalismo e a constituição de um paradigma jurídico mundial Esta fase resultara na formação de grandes monopólios privados gerados pela Segunda Revolução Industrial, devido ao aparecimento do aço, da indústria química, elétrica, do petróleo, das ferrovias principalmente inglesa. Neste período se desenvolvem grandes conglomerados industriais e financeiros, que darão origem ao capitalismo monopolista da fase imperialista. Este capitalismo imperialista foi descrito por autores como Lênin, Hilferding, Hobson e Rosa Luxemburgo, com o controle dos grandes capitais por cartéis, pela ampliação do contencioso bélico internacional em busca da abertura de mercados e de novas fontes de matérias primas para os imperialismos emergentes. Estas potências imperialistas darão expressão ao genocídio da Primeira e Segunda guerras mundiais que, resultarão conjuntamente, na carnificina resultante na morte de mais de 70 milhões de pessoas, com a separação das burguesias imperialistas dos vários Estados Nacionais que se industrializaram como EUA, Alemanha, Japão, Itália, França, Inglaterra, Bélgica, que entram em choque, processo hoje amortecido pela formação de blocos comerciais regionais que distribuem provisoriamente o poder entre as grandes potências econômicas. Esta geopolítica de atritos imperialistas também se formatou como estopim da Segunda Grande Guerra, com o revide do imperialismo alemão humilhado pelo Tratado de Versalhes e como reação do empresariado alemão e dos setores reacionários daquela sociedade, contra a crise econômica e contra a expansão dos movimentos comunistas insuflados pelo endividamento daquele país, com inflação, desemprego e fome ampliados, o cenário de crise ideal para o surgimento dos Estados Totalitários e de bodes expiatórios para a crise, que foi vista como oportunidade essencial para a ascensão dos regimes fascistas. A disputa por mercados consumidores para seus produtos e de matérias-primas levam ao expansionismo territorial e, as novas idéias de segregação, como o modelo racista com financiamento de estamentos sociais militares e civis por grandes empresas como foi o caso do corporativismo italiano de Mussolini ou do Nazismo de Hitler na Alemanha. A expansão do socialismo soviético depois de 1917 também representava ameaça não ignorada pelo modelo capitalista destes países, conduzindo ao extermínio brutal de 11 milhões de pessoas em campos de concentração, 6 milhões de judeus, muitos comunistas, ciganos, eslavos, portadores de deficiências, testemunhas de Jeová, etc. O positivismo jurídico referenda este Estado de Exceção através de doutrinas jurídicas como o decisionismo político do jurista alemão Karl Schmitt que garante a ascensão “democrática” de Hitler. O reflexo do totalitarismo de direita e dos expurgos de Stalin da URSS, assim como dos massacres aliados em Dresden com fósforo branco jogado sobre civis, com mais de 200 mil mortes e das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, surge, a partir desta brutalidade internacional, a Declaração dos Direitos Humanos de 1948, que configura o crime de genocídio devido à classe, a raça e religião. O crime de genocídio, promovido por motivos políticos, é eliminado sobre pressão de Stalin e serve para dificultar a condenação das ditaduras do Cone Sul por seus crimes políticos cometidos nos anos 60, 70 e 80 no Brasil, Chile, Uruguai e Argentina (KLEIN, 2008). O novo paradigma jurídico permite a consolidação das gerações de direitos humanos que na leitura atual devem ser lidas como dimensões de direitos humanos (SARLET, 2008), pois os mesmos são complementares, interdependentes e indivisíveis, com adaptações regionais e uso, muitas vezes distorcidos, por potências ocidentais imperialistas. Os direitos sociais são essenciais para o desenvolvimento da temática da globalização. Estes direitos foram reivindicados, principalmente, a partir da metade do século XIX, o direito ao trabalho, a limitação das jornadas de trabalho, o descanso semanal remunerado, especialmente aos domingos, são produtos das reivindicações conduzidas por grupos socialistas e comunistas. A reivindicação de um salário mínimo, de férias, a proibição do trabalho de crianças, idosos e mulheres surge do combate de setores do operariado, da pequena burguesia e até de filantropos apregoadores do socialismo pré-marxista, também chamado de utópicos pelos marxistas. O capital nesta conjuntura histórica cede sob pressão intensiva das lutas sociais em alguns campos, com a conquista das primeiras legislações sociais deste período devido a pressão de organizações socialistas, comunistas e anarquistas que lutam contra a acumulação e miséria geradas pela Revolução Industrial, necessariamente, se utilizando da solidariedade e igualdade material. A igualdade material é conceituada hoje, como igualdade de resultados, a efetividade e eficácia social de um direito, que hoje correlacionamos ao exercício e gozo concreto, real dos direitos e não apenas a sua declaração e uso discursivo ideológico por declarações de direitos e pelas constituições. Hoje, não apenas declarada conforme a tradição da liberal democracia excludente do século XIX, mas garantida pela luta em prol da efetividade dos direitos sociais que, ao menos, reduzem a desvantagem econômica dos trabalhadores e de grupos que são vítimas da pauperização capitalista que reduz seus efetivos com inovação tecnológica (mais valia relativa) em períodos de recessão prolongados, que ampliam o exército industrial de reserva, hoje conhecido como desemprego estrutural, ou seja, os trabalhadores rechaçados do mercado de trabalho têm salários reduzidos e, os sindicatos, principalmente se ocorrer uma pressão política intensa como a empreendida hoje pelos setores neoliberais, perdem a capacidade de organização. A idéia dos hiposuficientes que, pode ser analogamente colocada como ação afirmativa, no sentido de ações dirigidas para a proteção destes grupos em desvantagem (GOLDSHIMT, 2008), encara estes grupos como indivíduos ou grupos mais fracos nas relações sociais, devendo ser mediados por iniciativas jurídicas que reduzam esta desigualdade, promovendo a inclusão e tratando desigualmente os desiguais. Por meio de mecanismos seletivos que visam à igualdade material para mulheres, negros, consumidores, homossexuais, ameríndios, portadores de necessidades especiais, crianças, adolescentes, idosos, obesos, por meio de legislações protetivas como a CLT, Código de Defesa do Consumidor, Estatuto da Igualdade Racial. Assim como os incisos do artigo 7º da Constituição da República de 1988, como proteção contra automação do mercado de trabalho, proteção do mercado de trabalho para as mulheres. Esta luta pelos direitos sociais encontra expressão fundamental no passado, em resultados jurídicos das lutas de movimentos sociais expressos na Constituição da República Mexicana de 1917, demonstração direta da luta dos camponeses e indígenas liderados por Pancho Villa e Emiliano Zapata e, também, da Revolução Russa de 1917 conduzida pelos bolcheviques e do constitucionalismo social da República de Weimar em 1918, apesar do retrocesso posterior aqui já frisado. Esta última Carta Constitucional é oriunda da imposição do Tratado de Versalhes mediada pela social-democracia alemã que, infelizmente, anteriormente havia se rendido ao imperialismo nacionalista votando pelos créditos de guerra que posicionam a Alemanha na primeira guerra-mundial sob a crítica de setores da esquerda revolucionária, como a liga espartaquista de Rosa Luxemburgo assassinada pelos frei corps criados anteriormente pela própria social-democracia alemã em 1918 no Putch de Munique. 6. O contexto dos anos 70, a crise do keynesianismo e as mutações da ordem social e jurídica No contexto dos anos 70 o modelo Keynesiano, inaugurado após a crise de 1929, funde-se ao fordismo. O fordismo aceitava o paradigma social de salários mais elevados para criar demanda. O Estado, por meio de obras públicas e do fomento financeiro das atividades produtivas, garantia o fortalecimento do mercado interno e induzia o crescimento econômico acelerado, gerando a expectativa do pleno emprego previsto hoje no art. 170, inciso VIII- “a busca do pleno emprego da Constituição Brasileira de 1988, situado no Título VII da Ordem Econômica e Financeira, no Capítulo I Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica. Na década de 70 do século XX se inaugura um novo período de crise do capitalismo. Porém, o mesmo apresenta ciclos de aprofundamento das crises e de recuperação econômica, induzida pelo fim de guerras, recuperação de quebras de bolsas financeiras e pelo surgimento de novos setores competitivos induzidos pela inovação tecnológica. O primeiro e segundo choques do petróleo, respectivamente, ocorridos em 1973 e 1979 criam um mercado de petrodólares conseguidos pela supervalorização das commodities do material fóssil, que são captados pela OPEP e utilizados como empréstimos por bancos dos EUA e da Europa, os petrodólares (ARRIGH, 1996). Neste cenário de endividamento provocado pela crise do petróleo, os países não conseguem fechar suas balanças comerciais devido ao desequilíbrio de importações de petróleo e de exportações que, principalmente no terceiro mundo, se combinam com o efeito desastroso da queda do preço das commodities agrícolas e extrativas dos países subdesenvolvidos (BATISTA, 1994). Os empréstimos feitos pelos bancos credores para estes devedores são marcados pelos juros flutuantes. Logo as dívidas dos países pobres têm um crescimento exponencial. A sistemática dos empréstimos privados efetuados para o Estado ocasiona uma explosão da dívida interna pública. O Estado endividado, externa e internamente, se sujeita ao novo paradigma econômico que começara a se formar – organicamente – como política do multilateralismo dos países centrais nos anos 80, já testada no laboratório macroeconômico do Chile de Pinochet nos anos 70. 7. O neoliberalismo e a mudança da formatação jurídica do capitalismo ocidental com o advento da globalização econômica neoliberal O neoliberalismo é uma doutrina econômica criada principalmente por Friedrich Hayek, um austríaco que repudiava o Estado de Bem Estar Social (Welfare State) Europeu, para ele, o Estado intervencionista conduzia ao Caminho da Servidão. Uma sociedade que acabaria com o espírito da liberdade econômica, livre iniciativa e concorrência privadas, modelos naturais que estariam sendo arruinados pelas políticas intervencionistas estatais, criando uma sociedade burocratiza e sem liberdade econômica. Para outros autores como Polanyi (1980), o Keynesianismo tinha feito o contrário, acabado com o moinho “satânico” do liberalismo econômico desenfreado do final do século XIX e do início do século XX. A justiça e a igualdade social para eles seriam antinaturais, pois levariam a seleção de indivíduos mais fracos. A “lei da evolução e adaptação dos mais fortes” de acordo com o darwnismo social seria abalada. Hayek, juntamente com Ludwig Von Mises e Milton Friedman, formou um pequeno grupo que se reuniu inicialmente em Mont Pelerin, Suíça nos anos 50. Estes economistas eram desacreditados no plano acadêmico e nas políticas estatais dos anos 50 e 60 compostas, hegemonicamente, pelo Keynesianismo Rooseveltiano dos EUA, pela Social Democracia Alemã e pelo Eurocomunista da Itália. Milton Friedman, professor e apresentador de programas de rádio e aluno de Hayek, logo se tornará o líder deste movimento, principalmente com sua obra mais popular, Capitalismo e Liberdade. Sendo premiado após a sua experiência como doutrinador econômico na ditadura Chilena com o prêmio Nobel de economia de 1976 em detrimento de seus trabalhos sobre o papel do dinheiro na inflação e o uso da política monetária, uma premiação política, pois o saber promovido pelo renomado monetarista se encaixava como uma luva para as empresas transnacionais no período da guerra fria, vide que o próprio golpe chileno foi promovido com apoio da International Telephone and Telegraph e permitiu o laboratório totalitário vital para a experiência de choque dos monetaristas neoliberais/neoconservadores (KLEIN, 2008). Friedman afirma aquilo que os capitalistas corporativos dos EUA e do mundo queriam ouvir e não podiam falar, pois seriam taxados de Barões ladrões, em alusão ao empresariado explorador e especulador que tinham conduzido a quebradeira mundial em 1929 (KLEIN, 2008). Friedman falecido em 2006 era amigo de grandes empresários como o presidente do Citigroup. (KLEIN, 2008) A sua ideologia fundamentalista de mercado é caracterizada pela simplificidade das argumentações e pela completude lógica, um precioso caráter de difusão, pois a mesma possibilitava a sua divulgação, para um grande público, da mesma forma que o marxismo, este último, sendo a ideologia de luta dos trabalhadores. Friedman cria um corpo doutrinário, que é uma ideologia de defesa das classes proprietárias capitalistas. (KLEIN, 2008) O seu discurso defende a supressão das vantagens salariais trabalhistas, o fim do poder dos sindicatos, a redução dos impostos para o setor empresarial, caracterizado pela taxação progressiva, onde os mais ricos deviam pagar mais. Para Friedman estes devem ser desonerados, a tese do imposto único implementado no Iraque com efeitos desastrosos sobre a economia do país faz parte desta premissa irrealista de uma economia de mercado, sem distorções, ou seja, sem intervenção governamental. (KLEIN, 2008) A demissão de funcionários públicos, o fechamento ou a privatização dos serviços públicos lucrativos, que existem sobre a forma de monopólios naturais, como o setor elétrico, são empurrados para a iniciativa privada, que se despreocupa com o interesse público, buscando lucros para serem remetidos ao exterior e não reinvestidos internamente que, segundo a antiga marchinha de carnaval que levou a nacionalização destes serviços na era Vargas, “de dia falta água, de noite falta luz”, este era o caso da Eletric Bond and Share do Canadá, que controlava o serviço de energia elétrica na antiga capital federal, Rio de Janeiro. Os salários baixos, a expansão do desemprego e a inovação tecnológica renovando a produtividade, conjuntamente com terceirização e redução do direito de greve, são ferramentas para reerguer a acumulação capitalista que, para os membros do neoliberalismo nos EUA, designados como neoconservadores é a receita para a verdadeira liberdade, especialmente para os empresários que se tornaram bilionários, podendo ter a vida livre de fronteiras nacionais e dos limites da acumulação abusiva e egoísta aos custos das vidas de milhões. “Reúnem-se, aí, elementos para a formação de estados de insatisfação, frustração e violência e a reprodução de uma característica da modernidade (que é a mesma característica de espécies sob estresse ecossistêmico): todos contra todos”. (DIAS, 2004, p. 93) O que se reflete inclusive na impunidade destes agentes pelo sistema judiciário, especialmente quando envolvidos com práticas como a dos crimes do colarinho branco. Os grandes obstáculos dos neoliberais ou neoconservadores era o de encontrar um lugar para implementar suas políticas. A grande chance lhes era sonegada nos EUA e na Europa, lá eles preferiam os economistas formados em Harvard, Yale que eram Keynesianos ou de ideologia social-democrata distributiva e não comunista. A grande chance destes ideólogos do neoliberalismo surgiu no Chile, com a ditadura de Pinochet, a partir da queda manipulada do socialista Salvador Allende, com a participação da CIA e da ITT. O modelo de Allende era apoiado na expectativa de um socialismo democrático, em que as políticas socialistas seriam feitas através de uma plataforma democrática, sem a violência aplicada na primeira onda revolucionária Russa. Raúl Prebisch, um pesquisador da Cepal com sede em Santiago do Chile, preconizava a valorização das experiências de substituição de importações, que estavam levando ao desenvolvimento dos países do Cone Sul, como Argentina, Uruguai, Chile e Brasil (KLEIN, 2008) especialmente evidente no período nacional desenvolvimentista do segundo governo Vargas (1951-1954), em que ocorre a aliança com setores da esquerda, inclusive a comunista, e, posteriormente, no momento de nacionalismo econômico expresso pelo presidente deposto pelo golpe civil-militar – João Goulart – que avança com as reformas de base: agrária, educacional, aumento do salário mínimo e controle da remessa dos lucros das multinacionais (KLEIN, 2008). As políticas de industrialização autônoma da região, a proposição de investimentos massivos em educação, saúde, previdência social e reforma agrária fortaleciam as economias e sociedades da região, com a redução do analfabetismo e das desigualdades econômicas. A organização sindical ampliava os salários dos trabalhadores e a produção de Know How tecnológico local avançava, possibilitando um avanço da região rompendo com a dependência imperialista até então hegemônica (KLEIN, 2008). Esta mudança era essencialmente rápida e ameaçadora para os países capitalistas centrais e para os economistas da escola de Chicago. A supressão destas experiências e a imposição do capitalismo selvagem que, funcionaria segundo o modelo “natural”, embora o capitalismo fosse um sistema com apenas 200 anos, e o ser humano surge na terra a 2 milhões de anos e assume a forma atual a 100 mil anos, com diferentes culturas e arranjos econômicos que não deviam ser naturais anteriormente, pois não eram capitalistas, embora as leis de Darwin tenham sido respeitadas, pois senão teríamos sido extintos por contrariar a natureza, sem o espírito da livre iniciativa dos homens das cavernas ou das sociedades da antiguidade, teocráticas, escravagistas, ajustadas a exploração, mais sem o modelo representado pela sociedade de mercado monetária capitalista contemporânea. A Escola de Chicago assume uma importante parceria com a Universidade Católica do Chile já antes da queda de Allende, coloca homens de confiança nos ministérios econômicos de Pinochet, Luis Pinedo e Jorge Castro que iniciam os movimentos de privatização, abertura para o capital estrangeiro e combinam isto com a teoria do choque, a aplicação do modelo maquiaveliano de destruição rápida e distribuição de compensações em conta-gotas, preconizado por economistas como Friedman e Arnold Harberger. O golpe nos inimigos, nos setores de oposição, é imediato. Com o extermínio da oposição por assassinato e por tortura, vide a situação do Estádio Nacional do Chile. Os membros da oposição eram variados: nacionalistas, militares legalistas, comunistas, estudantes, sindicalista urbanos, religiosos progressistas e sindicalistas rurais, a política externa dos EUA desenhada por Kissinger avança na violação sistemática dos direitos fundamentais do ser humano (KLEIN, 2008). Na Argentina e Uruguai, os métodos de extermínio das ditaduras do cone sul que iniciam a difusão de parte do receituário liberal, abrangem vôos de avião sobre o mar e os arremessos dos corpos com o abdômen cortado, para os corpos afundarem. Na argentina, os bebês das vítimas são doados para os próprios militares integrantes do sistema totalitário. A herança ditatorial é vista até hoje, nas mães da praça de maio. Os relatórios, como no Brasil, “Nunca Mais” também apontam esta lembrança macabra do totalitarismo econômico. Nos países do Cone Sul as sedes de empresas multinacionais eram utilizadas pelos órgãos de repressão e eram oportunas para estas empresas que eliminavam os líderes sindicais (KLEIN, 2008). O modelo econômico neoliberal sobrevive à custa do fascismo social ampliado que, depois da imposição dos planos de ajustamento estrutural por Gefrey Sachs na Bolívia, permite a adoção da idéia, de que não apenas a ditadura, mas a democracia capitalista formal, também podia adotar projetos de ajustamento estrutural. Não havia uma dissociação absoluta entre democracia e mercados (KLEIN, 2008), os dois podiam até mesmo conviver e, as instituições de governanças multilateral global criadas pelos Keynesianos nos anos 40, mais especificamente em Breton Woods em 1944 agora se convertiam a aplicação impiedosa e acrítica destes preceitos de teoria econômica dura, somente números, as vítimas eram apenas efeitos colaterais, meras cobaias do ajustamento estrutural. O paradigma econômico convencional Keynesiano é descartado por estas instituições nos anos 80. Os economistas da escola de Chicago passam a dominar estas instituições, o inimigo comunista é substituído pelo inimigo inflacionário e pelo combate as dívidas externas e internas criadas nos anos 70 e 80. O projeto neoliberal também avança nos anos 80, com as demissões de 11 mil controladores de vôo nos EUA, em 1981 por Ronald Reagan e pela política privatista de Margareth Tatcher que vence os mineiros britânicos em 1985, após ter sua popularidade salva pela guerra das Malvinas em 1982 (KLEIN, 2008). Os países deviam abdicar de sua soberania política e econômica e adotar as medidas sugeridas pelo FMI e Banco Mundial em troca de empréstimos que fechariam as suas contas. A soberania economia agora seria compartilhada. A situação destas economias torna-se cada vez mais problemática sob a aplicação de remédios amargos, que levam o paciente ao óbito. As privatizações atingem a infra-estrutura especialmente dos setores lucrativos, no caso do Brasil, energia, telecomunicações e mineração. A privatização dos próprios recursos naturais, cada vez mais escassos, como água, abundante em fontes como o aqüífero guarani são assediadas por grandes empresas como Coca-Cola e Nestlé e se estendendo para saúde, educação, presídios. Não há limites, basta colocar os economistas certos, nos locais certos e eles farão o serviço sem remorso. Para estes ideólogos fundamentalistas de mercado, alimentados pela idéia de que estão fazendo “ciência”, o governo é essencialmente ruim e quem compra as empresas e terceiriza as atividades e os ativos estatais como a Vale do Rio Doce e a Embraer, as duas maiores exportadoras brasileiras são as grandes transnacionais como a Telefônica da Espanha (Espanha), Grupo Stet (Itália), AES (EUA), Eletricité de France (uma estatal francesa) que garantem a boa governança da economia pelo mercado e o respeito de futuros investidores internacionais. Não importando se isto resultará na desnacionalização econômica como a do setor de autopeças e têxtil de nosso país, resultando em grandes implicações no sul e sudeste do país. Um dos problemas é que toda a rede de incubação tecnológica de novas empresas pelo setor estatal, as pesquisas e os empregos são perdidos para o país, além disto, as importações das empresas compradas são ampliadas desestabilizando a balança comercial. Para cada dólar investido, 4 são remetidos para o exterior (BENAYON, 2003). A adoção destas medidas é facilitada pelo apoio da mídia geralmente favorável as decisões econômicas tidas como científicas, técnicas, neutras e necessárias. Agências como o SEBRAE, dentre outras, afirmavam nos anos 90 as virtudes da livre iniciativa que, realmente existem, mais não falavam de seus riscos. Sendo que grande parte das pequenas empresas sem apoio governamental por via dos empréstimos ou de uma incubação técnica acabam falindo, pois não tem escala e dependem do crescimento econômico para sobreviverem às agruras das conjunturas econômicas incertas. Assim, muitos trabalhadores de estatais aplicavam seus recursos dos Planos de Demissões Voluntárias e se afundavam em iniciativas mal sucedidas, crendo nos poderes miraculosos do livre mercado. O futuro será promissor se fizermos corretamente o nosso dever de casa, este é o slogan permanente divulgado na mídia escrita e falada, especialmente a do Sudeste do país, com ramificações em outras regiões, explicitando que as benesses do choque econômico virão num futuro radiante, futuro esse, sempre distante. Os setores dissidentes são rotulados e estigmatizados como baderneiros, dinossauros, verdadeiros “idiotas coletivos” a serviço do atraso, do isolamento, nostálgicos do comunismo fracassado. Estas pessoas são associadas ao atraso, ao anacronismo. As minorias, máfias realmente existentes são utilizadas para justificar estas políticas, como no caso da previdência social ao invés de se lutar pelo controle social e transparência da atividade estatal, as máfias de uma minoria de servidores corruptos são usadas como tática para proposta de privatização que gerarão megalucros para setores monopolistas privados, sendo reflexo o sucateamento da saúde, que leva ao crescimento da medicina privada criando demandas da justiça pela ineficácia destas prestadoras privadas da área da saúda. Dando origem a uma grande litigiosidade judicial para conseguir remédios e o cumprimento das cláusulas dos planos de saúde, geralmente abusivas ao usuário. A vida vale bem menos que os lucros, um problema que, também, atinge os EUA, dominado por mega seguradoras que deixam seus usuários em situações precárias, sem atendimento quando realmente precisam. As estatísticas muitas vezes anedóticas e artificialmente fabricadas para justificar os planos de ajustamento estrutural são divulgadas pela mídia, com total descaso a estatísticas e pesquisas que dizem exatamente o contrário, por exemplo, estatísticas do Banco Mundial, reduzem a pobreza, colocando nesta condição apenas quem ganha menos de 1 dólar por dia (CHOSSUDOVISKY, 2001). Talvez George Orwel tivesse razão, o Big Brother e a revolução dos bichos são responsáveis pela fabricação das subjetividades (GUATARI apud GONÇALVES, 2006), pela manufatura do consenso. (CHOMSKY, 2001) O senso comum conservador, criado pela mídia, favorece a alienação e a aceitação passiva das políticas do totalitarismo de mercado sem maiores resistências ou contestações, pois é inevitável um caminho de mão única, inexorável, determinista como as leis da natureza típicas da “ciência” do século XIX. As leis do mercado são como as da gravidade para estes autores, não podem ser abolidas, ao menos enquanto a terra tiver um núcleo magnético. Os frutos destas políticas como desemprego, fome, crescimento da economia informal (subterrânea para alguns), da violência, das drogas, do abuso e da prostituição infantil são associadas às causas, pois a febre está associada a uma infecção, a crise social contemporânea aos planos de ajustamento estrutural que, felizmente, têm sido revistos por experiências “satanizadas” pela mídia tupiniquim e internacional, como as do Equador, Bolívia, Venezuela e de forma mais leve pela do Uruguai, Argentina e até mesmo pela do Brasil. A infecção gerada por políticas de austeridade que fortalecem o status quo são ignoradas pela literatura normativa convencionada por economistas que criam uma ciência que não mais existe no mundo real, pois é baseada em verdades absolutas do tipo matemáticas, que podem existir no país de Alice, de Lewis Carrol, por sinal, um matemático. Estas são leis naturais precisas guiadas por um determinismo histórico, como aquele apologizado pelas teorias do fim da história de Francis Fukuyama (ANDERSON, 1999). A escatologia, o messianismo tão criticado quando adotados pela esquerda, mais vistos como virtudes das teorias laicas apregoadoras do mercado. Os fracos, os vulneráveis são culpados pelo seu próprio fracasso. Os indivíduos, ou seja, aqueles que trabalham e produzem a riqueza através da mais-valia é que são culpados, pois não se qualificaram não se educaram não se esforçaram o bastante para achar um nicho no mercado concorrencial. Aqueles que ficam parados, especulando, ou vivendo de ganhos da herança de milionários são os que realmente merecem a remuneração plena do capital, pois fizeram por merecer. A naturalização e banalização da injustiça social não são associadas às formas de genocídio econômico contemporâneo que vem justamente ancorado no fundamentalismo de mercado, na ideologia da globalização econômica neoliberal fortalecida pela queda do muro de Berlim e pela formulação do Consenso de Washington por John Willianson, o principal organizador do libelo neoliberal em 1989. A miséria crescente e a violência, a epidemia de AIDS na África, não são associadas a estas políticas genocidas, conforme a obra, Confissões de um genocida econômico que evidencia o seu papel na desestabilização da economia Boliviana (PERKINS, 2005). O Horror econômico (FORRESTER, 1997) torna-se a regra banalizada pela globalização econômica neoliberal. Os produtos de luxo jorram para minorias prósperas entrincheiradas, o consumo narcisista é ampliado, inclusive os seres humanos se tornam vítimas do crime organizado para nutrir perversas organizações criminosas voltadas para a pedofilia, tráfico de armas, drogas, animais, mulheres, escravos, inclusive em nosso país. Ninguém nega os atrativos do livre mercado, para os que podem comprar mercadorias, mas os riscos sociais e a reflexividade são ampliadas (BECK apud GONÇALVES, 2006), no sentido do retorno imprevisto de nossas próprias ações de agressão da natureza e da sociedade. O retorno negativo proporcionado por ações irracionais em situações complexas torna-se a regra geral. O problema não é propriamente o mercado, mais o tipo de mercado monopolista descontrolado, voltado à exploração e ao consumo insustentável da natureza. As cadeias produtivas acabam contaminadas pelo crime. Nos processos de subcontratação, para obter ferro gusa, por exemplo, a indústria acaba comprando o carvão de olarias clandestinas, que consomem biomas como o cerrado brasileiro. Enquanto que a floresta amazônica é consumida pela grilagem, com desmatamento que produz madeira ilegal, com a criação de gado e depois de soja resultando na destruição da floresta para que o rebanho suíno europeu possa consumir soja transgênica barata, reforçando os monopólios comerciais de empresas como Monsanto e Cargill, retroalimentando mudanças climáticas, destruição massiva da biodiversidade, risco maior de pandemias com possibilidade terríveis e irreversíveis desastres ambientais futuros. Estes riscos são ampliados, principalmente quando são adiadas mudanças necessárias para a implementação de um projeto de sociedade mais sustentável, democrático e baseado na cooperação, que exerce um papel essencial para vida do planeta, desde o mutualismo, comensalismo, até a simbiose. Nem só de predatismo darwinista vive e se encerra o processo de adaptação e evolução biológica da vida no planeta. O paradigma simplificador e ideológico é banalizado, a complexidade e o princípio da incerteza são ignorados, o egoísmo cego do mercado prefere se comportar de forma irresponsável diante do choque iminente, não o civilizatório (HUTINGTON, 2001), mas o apocalipse social e ambiental da barbárie que já se anuncia em nosso cotidiano, através de “novos” Holocaustos Coloniais. (DAVIS, 2002) O comportamento supostamente racional dos atores do mercado provoca anarquia econômica e crises financeiras geradas por bolsas especulativas. O resultado é a ampliação da xenofobia, do racismo, do sexismo, dos separatismos, do terrorismo e do reforço de identidades tribais atávicas, clânicas, desde o crime organizado aos clãs de países como Paquistão e Afeganistão, no que Alan Minc chamou de Nova Idade Média em que os ricos criam áreas de segurança exclusivas, condomínio de luxo isolados com todo o conforto para fugir de seqüestros e da violência urbana que assola as classes médias e camadas populares sitiadas. (SANTOS, 2006) Estas por sua vez, guiadas pelo pânico, reivindicam legislações penais mais severas, cada vez mais draconianas, com encarceramento em massa, no caso dos EUA, de quase 3% da população total do país, com a privatização de presídios e da segurança privada nacional para atuar na guerra externa contra o terrorismo, alimentando uma indústria de 200 bilhões de dólares somente para os EUA. (KLEIN, 2008) Este é o Estado Paternalista Penal consumido pela ideologia de segurança nacional dos falcões de Washington contra o terrorismo e dirigida contra imigrantes. A militarização dos conflitos agrários, a construção da noção de inimigo pela mídia gera as condições para a imposição do Estado de Exceção cujos modelos totalitários de direita foram moldados especialmente pelo nazi-facismo, embora o fascismo contemporâneo seja difuso, criado pela Lex mercatoria exponenciada, ainda que os regimes que os apliquem sejam repressivos como o Peru de Fujimori, a Argentina de Menen, a Venezuela do Caracazo de Carlos André Peres, o México do PRI (Partido Revolucionário Institucional) de Salinas de Gortari e seu irmão, que se beneficiaram da privatização oligárquica favorecedora dos irmãos. O próprio Brasil de Collor e FHC experimentou momentos de intervenção violenta em greves como a dos Petroleiros e contra movimentos como os sem-terra, vide o massacre de Eldorado dos Carajás ocorrido no Estado do Pará, uma verdadeira violação dos direitos humanos, parte de um processo que já custou mais de 2 mil vidas no campo, com a vitimização de agressores e “demonização” de muitas vítimas e lideranças de movimentos sociais rurais, ambientais, indígenas, de excluídos da moradia nas cidades. O sensacionalismo, a informação massificada triunfam subliminarmente em uma verdadeira lavagem cerebral da opinião publica (BORDIEU, 1998), poluída pelo excesso de imagens, pela narrativa manipuladora e, também, pela distorção das noções de justiça e de “bem comum” decorrentes da fragmentação e da descontinuidade da pós-modernidade celebratória, contemplativa, apática e alienada. 8. Globalização, pós-modernidade celebratória e direito A globalização, que é questionada pelos céticos que a equiparam a um momento diferenciado da internacionalização capitalista iniciada nos séculos anteriores (HELD, 2001), pode ser vista como um processo de mutação do mundo do trabalho pelas tecnologias, que teria promovido inclusive a perda da centralidade do mundo do trabalho, que perde seu potencial de centralidade nas sociedades contemporâneas. Para autores como Antunes, a classe que vive do trabalho (ANTUNES, 2000), a liofidização da produção, a descartabilidade dos produtos e a tecnociência apenas exponenciam os processos de extração da mais valia absoluta, pela extensão da jornada de trabalho e pela substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto, do capital variável pelo capital constante (MARX, 1983), ou seja, a substituição do homem pela máquina, para acelerar a produtividade e reduzir o poder de barganha, acentuando o controle sobre a classe trabalhadora. A produção toyotista, sem estoques, com a introdução da microeletrônica, de equipes de trabalho cooperativas, de sindicatos facilitadores, visando o consumidor e não mais o conflito de classes contra o capital, altera sensivelmente o horizonte psicológico e da formatação da consciência da classe trabalhadora. A produção reduz as crises cíclicas de superprodução sobre oferta de produtos para uma demanda reduzida de trabalhadores e da classe média mais empobrecida pela recessão que espalha desemprego e redução de salários sobre a classe trabalhadora. A pós-modernidade gera uma percepção maior dos processos de entropia, dos processos caóticos. A fragmentação, o consumismo, a expansão da tecnologia informacional. A perspectiva passa a ser centrada na vida privada, no cotidiano, na acentuação de diferenças identitárias, ao lado de tendências de homogeneização imposta pela expansão comercial dos modelos consumistas do American Way of Life. A mesma lógica se baseia no relativismo absoluto e não no relativismo razoável oriundo do interculturalismo, dentro da busca de uma hermenêutica diatópica pós-colonial. (SANTOS, 2006) A superação da colonialidade do saber e do pensar do sul, preso que está ao eurocêntrismo. A capacidade de pensar o sul, a partir de outro paradigma diferenciado da razão indolente. (SANTOS, 2006) A organização da comunidade de vítimas, no que Dussel define como transmodernidade. (DUSSEL, 2000) A fusão de várias identidades mestiças de nossa região. A criação de uma epistemologia do sul, o sulear de Paulo Freire, a inversão da idéia de um norte ocidental, eurocêntrismo logocentrismo, falocêntrismo de acordo com Jacques Derrida que, ao lado de François Lyotard e Jean Braudillard são ícones do pensamento pós-moderno europeu. A pós-modernidade gera reflexos para a ordem jurídica, a descentralização, o policêntrismo, a idéia de complexidade do lugar da simplicidade. A fragmentação do direito em subsistemas jurídicos e principiológicos fundados em valores pós-positivistas e transconstitucionais. A construção de novas hermenêuticas situadas no campo da regulação e da emancipação situa este quadro multifacetário da globalização em sua vertente neoconservadora e das lutas dos movimentos sociais que visam superá-la sob o prisma ecossocialista, por exemplo. 9. Um novo lugar para a emancipação e para as formas jurídicas fora do padrão regulatório da razão instrumental (luta pelos direitos fundamentais em suas várias dimensões e pluralismo jurídico comunitário participativo) A leitura da barbárie visível em alguns aspectos da sociedade contemporânea, não pode ser unilateral. A emancipação, a busca da autonomia, faz parte dos desejos e da práxis humana. O direito é um instrumento de gestão, controle e possivelmente no plano utópico, um espaço de construção de uma maior liberdade e igualdade entre os homens. A fragmentação dos sistemas jurídicos gera, potencialmente, novos espaços para ações afirmativas que podem potencializar aspectos do universalismo dos direitos humanos. Os espaços de construção social, comunitária, expandindo os limites da democracia formal, podem resultar em novas formas de autogestão econômica ainda não conformadoras de um novo modo de produção, atualmente localizados apenas como novas formas de produzir e administrar a crise implementada pela sociabilização negativa da globalização econômica neoliberal (BARBOSA, 2007). O Estatuto das Cidades, o Estatuto dos Idosos, o Estatuto da Igualdade Racial, anteriormente o Estatuto da Criança e Adolescente, o Código do Consumidor, os Juizados Especiais, a arbitragem, embora pudessem estar ligados a projetos de fragmentação descentralizadora do Estado, podem ser efetivados sob o controle da sociedade civil mediada pelo, democratizando novos espaços de construção de uma cidadania material e de legitimação de mecanismos de controle informal de constitucionalidade das leis, por movimentos sociais de luta pela terra, pela moradia, por direitos de minorias negras, homossexuais, povos ameríndios, portadores de necessidades especiais, consumidores, ambientalistas, ecologistas e grupos que buscam ampliar os espaços públicos. A sociedade civil, não no esquema eurocêntrico triadico Habermasiano de um equilíbrio lingüístico e de um poder real e comunicacional entre Estado, Mercado e Sociedade Civil tão adaptado aos projetos do terceiro setor constituído por ONGs, e que cresceram com projetos da terceira via difundidos pelos sociólogos Anthony Guiddens durante o governo do “liberalismo social” de Tony Blair na Inglaterra, após o Tatcherismo extremo de Thatcher e Major. Este capitalismo anglo-saxão continua a flexibilizar o mercado de trabalho e a apoiar as investidas bélicas ao Iraque em 2003. Os movimentos contra a globalização, as lutas subparadigmáticas, juntamente com a busca de uma nova direção política e cultural contra-hegemônica, também caracterizam a outra globalização, ou outra mundialização concebida por Movimentos sociais, ONGS e outros atores libertários e de esquerda. O Fórum Social Mundial manifesta novas experiências de construção de um novo mundo possível, democrático e plural, que vai contra as tendências fundamentalistas da economia de mercado puro, na verdade um keynesianismo de mercado reacionário, pois a demanda cativa é verdadeira para monopólios bélicos que lucram com compras governamentais certas. Esta visão está certamente consubstanciada na agenda de dependência criada pela ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), muito semelhante ao NAFTA (Área de Livre Comércio da América do Norte), que aprofundou o desemprego, o desrespeito a legislação ambiental, especialmente pelas maquiladoras dos EUA instaladas no México devido aos salários baixos, aos incentivos fiscais do Estado Mexicano, a debilidade sindical e a possibilidade de exportar o dano, a degradação ambiental, sem internacionalização dos custos ambientais pelas empresas, socializando os prejuízos sociais e ambientais e privatizando os lucros na melhor lógica capitalista. Os trabalhadores dos EUA e do Canadá perderam empregos. O Canadá abdicou de parte de sua soberania econômica subalternizando sua economia aos EUA, com ampliação da dependência econômica e tecnológica. O Zapatismo do Sul do México surge como reação dos agricultores ameríndios, empobrecidos pela importação da produção agrícola dos EUA subsidiada, mecanizada, transgênica, produzida com sementes patenteadas e controladas por multinacionais. Esta população indígena descendentes dos Maias criou uma área autônoma autogestionada por Conselhos Comunitários, que surgem da omissão do aparelho estatal mexicano subverniente ao imperialismo e insuflador do poderio das oligarquias mexicanas, inclusive dos antimovimentos ligados as drogas que corrompem os aparatos estatais tradicionais. A idéia de uma democracia comunitária, ampliada, da radicalização democrática faz parte do seu cotidiano e é uma reinvenção da emancipação social. (SANTOS, 2007) No caso do Brasil, o MST, com alguns assentamentos, reproduz relações coletivistas em cooperativas que produzem uma série de produtos, com escala ampliada e padrões agroecológicos, apesar de ausência de divulgação pela mídia nacional dos prêmios internacionais conseguidos por este movimento. As lutas ecológicas por uma agricultura familiar autônoma, reduzidora do êxodo rural e de partes dos problemas urbanos que desafogam na seara penal repressiva, fazem parte destes experimentos de inovação das políticas públicas estatais, por exemplo, ligadas a economia solidária, formada por cooperativas, associações de pescadores, catadores de lixo, que são vítimas do modelo neoliberal que precarizou o emprego formal e conduziu as pessoas para a marginalidade da economia informal que, apesar da baixa proteção social, pode levar a uma renda maior que o salário mínimo que, a despeito dos reajustes maiores nos últimos anos de queda do neoliberalismo no Brasil, está muito abaixo daquele salário mínimo surgido na era Vargas em 1943. Hoje, um escravo seria mais caro do que pagar um salário mínimo pela mão de obra de um “escravo” assalariado. Sendo assim, adequadamente melhor, falar em escravidão assalariada. A escravidão por dívidas, em barracões, talvez seja tão precária e quiçá mais barata que a escravidão da mão de obra africana. A flexibilização do poder de polícia estatal na área trabalhista, na higiene pública e no trabalho comprovam a idéia neoliberal de eliminar o Estado e deixar o mercado explorar ao máximo para que fortunas concentradas e produtos baratos possam emergir sem maiores controles e denúncias como violações aos direitos humanos. Apesar do recuo do período áureo de apregoação das reformas trabalhistas na era Collor e FHC, em que o mantra do custo do Brasil não deixava de ser alardeado pelos governos neoliberais e pela mídia tupiniquim, as organizações sociais, como as nações ameríndias, os quilombolas, descendentes da resistência histórica dos escravos brasileiros, os povos extrativistas da floresta amazônica, como os seringueiros conduzidos pela liderança carismática e emancipadora de líderes como Chico Mendes e Osmarindo Amâncio, são provas da eficácia de lutas sociais mediadas pelas experiências de povos descendentes dos explorados dos seringais da Amazônia, levados do nordeste brasileiro durante o ciclo da borracha no final do século XIX. O contato intercultural fez com que absorvessem saberes milenares dos povos ameríndios ali viventes e que criassem formas de manifestação pacífica como a técnica do empate de Chico Mendes usadas contra as moto serras no Acre, resultando no seu assassinato em Xapuri. Estes saberes tornados invisíveis e resgatados apenas para patenteamento de propriedade intelectual pela indústria de biotecnologia, de fármacos advindos do bioma botânico amazônico e da fauna daquela região, devem ser organizados por estas populações com apoios de agências de pesquisas que devem servir a população ou fazer associações não leoninas para o Estado e não visando patentear a natureza para corporações estrangeiras. O respeito às diferenças, o combate a tortura, a luta pelo resgate histórico da memória em prol da desmistificação da linguagem eufemista e perversa dos atos institucionais do passado que anularam os direitos humanos em nosso país e que continuam se projetando sobre nossa sociedade, na violência policial, no sistema prisional; a vigência de um senso comum insuflado pelo controle social informal da mídia sensacionalista, dos direitos humanos vistos no jargão popular, construídos por setores conservadores que vieram do período militar durante o cenário da democratização, com crescimento da criminalidade, devido às crises internacionais e imposições multilaterais do FMI, obrigatoriamente, deve marcar o novo paradigma a ser seguido. A origem social é substituída pela percepção de que o aumento da repressão penal irá resolver os problemas estruturais gerados pelo modelo econômico que retrai os direitos sociais e o emprego, o efeito vira causa nas argumentações demagógicas dos setores reacionários, a expressão de direitos humanos, como “direitos de bandidos” (LOCHE, 1999) é típica deste ideário popular neoconservador, ampliado com a difusão das drogas que se expande com a piora de indicadores sociais gerados, principalmente, no curso dos anos 90 e que vem sendo contestados de forma tímida, sendo que a ingerência multilateral tem sido reduzida em toda a América Latina. O multilateralismo impõe seus planos de forma desastrosa na África, no horizonte da crise asiática de 1999, desarticulou as experiências desenvolvimentistas dos tigres asiáticos permitida pelo convite ao desenvolvimento da guerra fria visando conter a ameaça comunista. Os EUA favoreceram países asiáticos como Coréia do Sul, Taiwan, Malásia, Singapura. (ARRIGHI, 1997) Mas, recentemente, o modelo neoliberal procura agir em catástrofes naturais que, provavelmente, serão acentuadas com o aquecimento global, como o furacão Mitch que se abateu sobre países da América Central em 1998, o furacão Catrina em 2005 que resultou na posterior privatização da rede pública de ensino da cidade de New Orleans, devido à ausência de resistência da sociedade civil diante do pânico generalizado ocasionado pela catástrofe. As tsunamis também geraram uma grande oportunidade empreendedora com a expansão das redes hoteleiras expulsando os antigos moradores de áreas atingidas pelos Tsunamis de 2004 criando zonas de amortecimento em países como Sri Lanka e Ilhas Maldivas que retiraram as populações locais que foram realocadas em verdadeiros campos de refugiados. O pânico, a catástrofe é uma oportunidade para negociar a privatização em troca de empréstimos e de roubar áreas de populações nativas para a especulação imobiliária. (KLEIN, 2008) O velho Friedman está mais vivo do que nunca nas instituições multilaterais que o usam como um guru, um líder infalível para aplicar a teoria do choque, ou seja, os projetos de ajustamento estrutural desestruturantes dos direitos sociais e ambientais. As sombras daquele cenário de totalitarismo do golpe civil-militar, criado nos moldes da intervenção da CIA, do treinamento dos militares na Escola das Américas (GALEANO, 1990), da supressão das vozes dissidentes taxadas de terroristas e que foram aniquiladas da forma mais cruel possível, mais do que o antropocentrismo utilitarista faz aos animais considerados “inferiores”, tornando possível a interpretação de que a razão instrumental totalitária não tem limites com a sua ética da responsabilidade e suas razoes de Estado. Esta é a mesma lógica dos campos de concentração nazista ou dos expurgos stalinistas, os povos latino-americanos foram vítimas de barbárie semelhante que mal foi compensada historicamente. A busca de formas pluralistas comunitárias participativas (WOLKMER, 2001) não contaminadas pelo neoliberalismo que também se utiliza do pluralismo mercatório pulverizador e fragmentador do direito, rumo à flexibilização, se constituem em alternativas para mudar o nosso rumo em direção a outro mundo possível, menos desigual, mais humano, em que a abundância e não a escassez sejam a regra dominante. Como diria John Lenon, na sua música Imagine, você diria que eu sou um sonhador, mais não sou o único, o sonhar coletivo é o caminho concreto para a utopia, para o fim da retórica da intransigência. Este sistema de pensamento conservador diz que qualquer mudança, no que tange a ampliação dos direitos sociais dos homens, é uma mudança para o desastre, para a ineficácia, e para piorar os problemas já existentes. (HIRSHMAN, 1992) Esta é a razão conivente e preguiçosa das elites que temem perder seus privilégios confundidos com mérito. Destarte o trabalho infantil e as jornadas de trabalho abusivas ainda estarem por aí legitimadas pela omissão e falta de materialização das normas constitucionais, apesar da existência fática, não obstante a proibição constitucional destas realidades, infelizmente tornam a persistir conforme visualizado ao longo deste trabalho. A busca do não retrocesso social e ambiental, juntamente com a ampliação dos limites da emancipação por novas formas jurídicas materializadas pelo protagonismo de classe da sociedade civil e, também, das comunidades, é de imprescindível importância para a construção de um espaço de emancipação utópica, a dilatação do presente (SANTOS, 2006), para encontrar alternativas para qualquer projeto de libertação humana, ecológica e planetária. 10. Considerações finais A globalização é a era de hegemonia do mercado sem alma, etéreo, volátil, especulativo, mas também, pode ser o espaço de uma nova primavera planetária dos povos. Os espaços do individualismo econômico total podem ser contornados por novas experiências nascidas do campo social que está sendo edificado no complexo presente pressionado pela crise social e ambiental gerada pela globalização neoliberal. Em síntese, não há fatalismo histórico absoluto e não modificável, salvo o espaço do tanatos, da morte, do genocídio, não há limitação quando há vida, esperança, aprendizado criativo e democrático. O direito como parte do experimento cultural humano faz objeto deste processo dialético de construção do novo, a partir de cima, do status quo, da revolução passiva das elites globais e de seus sócios menores nacionais, ou a dos elementos culpados pelo seu fracasso e descartados, salvo por algumas iniciativas de caridade, algumas realmente louváveis. Estes indivíduos tem se posicionado no quadro da emancipação da globalização dos povos em novas experiências articuladas por movimentos socais, pela economia solidária com busca novas formas sustentáveis de produção. A mobilização permanente e a organização são caminhos para superação da lógica reguladora, repressiva, de exploração e da perda da esperança por outra realidade possível a partir dos limites do presente, do cotidiano e do universo macrosocial em direção a uma Altermundialização (outra mundialização com alteridade e alternativa ao padrão economicista contemporâneo). Esta outra globalização, não pode ser restrita ao proposto pelos setores que lucram com a globalização financeira. A mesma deve ser mais democrática, plural, pacifista, com a produção e o consumo socializados em direção a sociedade sustentável, não a globalização do engodo, da linguagem falsa do progresso econômico, um mito da modernidade a serviço de poucos, mas a da sociedade igualitária, com reconhecimento das diferenças socialmente úteis para um multiculturalismo e interculturalismo enriquecedores da tradição humana, contra a xenofobia, racismo, sexismos que se manifestam no mundo entrópico criado pelo cassino global. A incerteza pode resultar em entropia, mas pode propiciar novas formas de experimentação e de busca da harmonia e do equilíbrio que nunca serão permanentes e perfeitos, pois fazem parte da experimentação humana convencionada e mediada pelo direito, que pode moldar as formas do novo como ferramenta e não como um fim instrumental em si, guiado por uma tecno-ciência totalmente dominada pelo capital, não a serviço do homem, mas à serviço da objetivação humana e da natureza como mercadoria coisificada que ocasiona na redução brutal do ser humano a seus instintos de sobrevivência, a um objeto amorfo e espúrio aprisionado pela miséria e violência. Referências bibliográficas: AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção; tradução de Iraci D. Poleti. 2° ed. São Paulo: Boitempo, 2004 (Estado de Sítio) ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. ARNAUD, André-Gean. O direito entre modernidade e globalização. Lições de Filosofia do Direito e do Estado. 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