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Estimativa de Mortes Prematuras por Falta de Acesso à Terapia AntiHER2 para Câncer de Mama Avançado no Sistema Público de Saúde
Brasileiro
Resumo
Objetivo Pacientes com tumores metastáticos positivos para o receptor do
fator de crescimento epidérmico humano (HER2) tratadas no sistema público
de saúde brasileiro não têm acesso ao trastuzumabe. Este estudo visou
estimar o impacto da falta de acesso às terapias anti-HER2 na mortalidade
destas pacientes.
Métodos Com base nos dados publicados estimou-se o número de pacientes
com câncer de mama avançado HER-2 positivo em 2016 que deve receber
terapia para este câncer. Três grupos diferentes de tratamento foram
considerados
para
esta
coorte
hipotética:
apenas
quimioterapia,
quimioterapia mais trastuzumabe e quimioterapia mais trastuzumabe e
pertuzumabe. O número de pacientes vivas após 2 anos de seguimento foi
estimado com base nos resultados de eficácia dos ensaios principais
considerando essas intervenções.
Resultados Calculou-se que 2.008 mulheres serão diagnosticas com câncer
de mama HER2 positivo no Brasil em 2016. Estimou-se que somente 808
mulheres estariam vivas em 2018, caso recebessem apenas quimioterapia (o
qual é o tratamento oferecido pelo sistema público de saúde). Por outro lado,
o nível sobe para 1.408 mulheres vivas em 2018 caso recebam quimioterapia
acrescida de trastuzumabe e 1576 mulheres vivas em 2018 caso recebam o
padrão-ouro da quimioterapia mais trastuzumabe e pertuzumabe.
Conclusão O trastuzumabe está incluído na lista da OMS de medicamentos
essenciais, mas o sistema público de saúde brasileiro ainda não fornece este
tratamento para sua população com doença avançada. A introdução de
trastuzumabe e pertuzumabe teria um efeito positivo, prevenindo mortes
prematuras de mulheres com câncer de mama metastático HER2 positivo no
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Brasil.
J Glob Oncol 00. © 2016 pela American Society of Clinical Oncology
autorizada sob a Licença Creative Commons Attribution 4.0
Introdução
O câncer de mama é o câncer mais comum em mulheres no mundo todo e
70% das mortes por câncer de mama ocorrem em mulheres de países de
renda baixa e média.1 O Brasil tem uma população diversa em termos
étnicos, culturais e socioeconômicos e a oferta de atendimento de saúde para
o país inteiro é um grande desafio. O câncer é a segunda causa principal de
óbito no país depois da doença cardiovascular. 2 O Instituto Nacional de
Câncer (INCA) estima que haverá 57.960 casos novos de câncer de mama
em 2016, 3 e aproximadamente 15.000 brasileiras morrerão em consequência
do câncer de mama a cada ano.
4
O acesso ao atendimento de saúde está
associado com os desfechos relativos ao câncer. 5
Cerca de 15% a 20% dos cânceres de mama humanos são classificados
como positivos para o receptor do fator de crescimento epitelial humano 2
(HER2), um subgrupo de tumores com um curso clínico mais agressivo e
prognóstico pior.
A descoberta do HER2 levou ao desenvolvimento e
aprovação da primeira terapia voltada ao HER2, o trastuzumabe.6 Agora
está claro que o advento e uso rotineiro das terapias anti-HER2 melhoraram
dramaticamente o controle da doença e a sobrevida em pacientes com
câncer de mama HER-2 positivo. A lista de medicamentos essenciais da
OMS inclui o trastuzumabe para o câncer de mama HER-2 positivo tanto em
estágio
inicial
quanto
metastático.7
A
comunidade
mundial
não-
governamental voltada ao câncer, representada na Assembleia Mundial da
Saúde pelos membros do conselho da Union for International Cancer Control,
vem desempenhando um papel fundamental na diminuição da desigualdade
nos serviços de saúde. Por vários anos as coalizões nacionais de defesa de
pacientes, por meio de iniciativas colaborativas, têm tentado influenciar as
políticas públicas para o acesso a terapias inovadoras para pacientes com
câncer de mama avançado sem sucesso.8
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Márcio Debiasi
Tomás Reinert
Rafael Kaliks
Gilberto Amorim
Maira Caleffi
Carlos Sampaio
Gustavo dos Santos
Fernandes
Carlos H. Barrios
As afiliações dos autores aparecem ao final deste artigo.
A divulgação de potenciais conflitos de interesse e as contribuições dos
autores são encontradas ao final do artigo.
Autor correpondente: Carlos H. Barrios, MD, Latin American Cooperative
Oncology Group, Padre Chagas 66/203, Porto Alegre, RS 90570080, Brasil;
e-mail: [email protected].
jgo.ascopubs.org JGO - Journal of Global Oncology
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Direitos autorais de 2016.
Baixado de igo.ascopubs.org em 20 de julho de 2016. Somente para uso
pessoal. É vedado qualquer outro uso sem permissão.
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Dentro do sistema de saúde pública do Brasil, que abrange cerca de três
quartos da população do país, o acesso à terapia voltada ao HER2 é restrito.
O padrão atual internacionalmente aceito de cuidados para o tratamento de
primeira linha no câncer da mama HER2 positivo metastático é o
trastuzumabe acrescido de pertuzumabe mais quimioterapia. Até há 2 anos,
o padrão era trastuzumabe acrescido de quimioterapia por mais de uma
década. No Brasil, o trastuzumabe foi disponibilizado
para o tratamento
adjuvante de pacientes com doença em estágio inicial no sistema público de
saúde somente em 2013, mas ainda não é oferecido para o tratamento de
mulheres com doença avançada. As pacientes com planos de saúde
particulares (incluindo um quarto da população) têm acesso a todos os
agentes anti-HER2 aprovados disponíveis, que incluem trastuzumabe,
pertuzumabe, trastuzumabe emtansina (T-DM1) e lapatinibe. A falta de
acesso ao tratamento eficaz é um problema comum nos países de renda
baixa e média em comparação com os países de alta renda. As
consequências desta discrepância podem ser estimadas.
Este estudo visou estimar o impacto da falta de acesso às terapias anti-HER2
na mortalidade de pacientes com câncer de mama HER2 positivo avançado
tratado no sistema público de saúde brasileiro.
Métodos
As estatísticas publicadas pelo INCA 3 foram utilizadas para definir a
incidência de câncer de mama no Brasil. De acordo com informações oficiais
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 9 73,7% da população está
coberta pela rede pública de saúde, e 27,3% tem alguma forma de plano de
saúde particular.
Com base nas conclusões do estudo epidemiológico AMAZONA, 10 supomos
que aproximadamente 20% das pacientes têm doença HER2 positiva e que
94% apresentam as fases I a III, enquanto que 6% são diagnosticadas com
doença em estágio IV. Supondo uma incidência constante nos últimos 5
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anos,
calculamos o número de mulheres diagnosticadas com câncer de
mama metastático em 2016 como a soma dos novos diagnósticos, em 2016,
mais as recidivas estimadas em pacientes diagnosticadas nos últimos 5 anos.
Os índices de recidiva para pacientes diagnosticadas com câncer de mama
HER2 positivo de estágio I a III tratado com quimioterapia mais trastuzumabe
foram calculados com base em dados publicados a partir do ensaio HERA.
11,12
Embora disponível no sistema público de saúde, o trastuzumabe tem
sido utilizado apenas para a doença em estágio inicial desde 2013, supomos
uma taxa de recidiva conservadora caso todas as pacientes tivessem
recebido terapia (neo) adjuvante à base de trastuzumabe.
Foram considerados três grupos de tratamento em potencial para esta
análise. As pacientes poderiam ser tratadas com quimioterapia apenas,
quimioterapia acrescida de trastuzumabe e quimioterapia acrescida de
trastuzumabe e pertuzumabe.
Os dados de sobrevida para o braço de quimioterapia sozinha foram
baseados nos resultados do ensaio clínico randomizado publicado por
Slamon et al 6 em 2001. Após a publicação deste estudo, o uso de
quimioterapia sozinha deixou de ser incluído como parte de qualquer ensaio
clínico randomizado neste contexto por ser considerado antiético em vista da
superioridade do braço contendo trastuzumabe. Os dados de sobrevida para
os outros dois grupos, quimioterapia mais trastuzumabe contra quimioterapia
mais trastuzumabe e pertuzumabe, tiveram por base os resultados do ensaio.
CLEOPATRA. 13
Resultados
Número de Diagnósticos de Câncer de Mama Metastático HER2 Positivo no
Brasil em 2016
O INCA estima que haverá 57.960 novos casos de câncer de mama em
2016, dos quais 73,7% (42.717) serão cobertos pelo sistema público de
saúde. De acordo com o estudo AMAZONA, cerca de 20% desses casos são
HER2 positivos (8.543), dos quais 94% (8.030) apresentam-se com a doença
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entre os estágios I a III e 6% (513) com estágio IV.
Estimamos que 2.008 mulheres seriam diagnosticadas com câncer de mama
metastático HER2 positivo em 2016. Este número foi obtido adicionando as
pacientes com doença em estágio IV, em 2016 (513 mulheres), àquelas que
desenvolveram recidiva da doença depois de receber tratamento (neo)
adjuvante (1.495 mulheres) nos últimos 5 anos. O número de ocorrências nos
últimos 5 anos foi estimado com base nos resultados do ensaio HERA.
11,12
Estes dados estão resumidos na Tabela 1.
Estimativa de Sobrevida para os Grupos de Tratamento
Com base nos resultados do ensaio CLEOPATRA
13
e no ensaio publicado
por Slamon et al6 em 2001, a sobrevida global mediana para os grupos de
tratamento foi estimada conforme a seguir: 20,3 meses para a quimioterapia
sozinha; 40,8 meses para quimioterapia mais trastuzumabe; e 56,5 meses
para quimioterapia mais trastuzumabe e pertuzumabe.
Considerando 2.008 mulheres com câncer de mama HER2 positivo
metastático em 2016 e com base nos resultados medianos de sobrevida
global, taxas de mortalidade de 50, 25 e 18 mortes por mês foram estimadas
para os braços de tratamento de quimioterapia sozinha, quimioterapia mais
trastuzumabe
e
quimioterapia
mais
trastuzumabe
e
pertuzumabe,
respectivamente.
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Tabela 1 – Número Estimado de Pacientes Diagnosticadas com Câncer de
Mama Metastático HER2 Positivo
Parâmetro
% de pacientes
Número estimado de
pacientes
—
57.960
73,7% de 57.960
42.717
Número estimado de pacientes com doença HER2 positiva
20,0% de 42.717
8.543
Número estimado de pacientes que apresentaram doença
94% de 8.543
8.030
6% de 8.543
513
Número estimado de pacientes com diagnóstico de câncer
de mama em 2016
Número estimado de pacientes cobertas pelo sistema
público de saúde (supondo uma proporção constante)
HER2 positiva nos estágios I-III
Número estimado de pacientes que apresentaram doença
HER2 positiva no estágio IV
Número estimado de pacientes com recidiva em 2016
1.495
após apresentarem doença HER2 positiva nos estágios I III nos últimos 5 anos (supondo uma incidência constante)
Taxa de recidiva no primeiro ano
5,0% de 8.030
402
Taxa de recidiva no segundo ano
5,0% de 8.030
402
Taxa de recidiva no terceiro ano
3,3% de 8.030
265
Taxa de recidiva no quarto ano
2,3% de 8.030
185
Taxa de recidiva no quinto ano
3,0% de 8.030
241
—
2.008
—
513
Número estimado de pacientes com câncer de mama
HER2 positivo metastático em 2016.
Número estimado de pacientes com doença HER2 positiva
no estágio IV novamente em 2016
Número de pacientes com recidivas após o diagnóstico
1.495
inicial de doença HER2 positiva nos estágios I-III nos 5
anos anteriores
Aplicando estas taxas de mortalidade mensais para os próximos 24 meses,
estimamos que das 2.008 mulheres com doença metastática em 2016, 808
mulheres estariam vivas após 2 anos de seguimento, se tratadas com
quimioterapia apenas. Se estas mesmas mulheres fossem tratadas com
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quimioterapia mais trastuzumabe (como no braço de controle do ensaio
CLEOPATRA), o número de pacientes vivas após 2 anos aumentaria para
1.408. Isso representa um ganho absoluto de mais de 600 mulheres vivas
após 2 anos como resultado do tratamento com trastuzumabe. Além disso, o
tratamento com quimioterapia mais trastuzumabe e pertuzumabe resultaria
em um total de 1.576 mulheres vivas após 2 anos, um ganho absoluto de 768
pacientes. A Tabela 2 resume estes dados.
Discussão
Grandes esforços e conquistas em pesquisas médicas nas últimas décadas
levaram a uma melhor compreensão da heterogeneidade molecular
complexa do câncer em geral e do câncer de mama em particular.
Indiscutivelmente, o conceito de heterogeneidade é uma das contribuições
importantes para a nossa abordagem da doença. A descoberta da alteração
HER214 como condutora da biologia da doença em até um quarto dos
cânceres de mama representa uma mudança de paradigma na forma pela
qual esta neoplasia é compreendida. É agora amplamente reconhecido que o
câncer da mama compreende subtipos heterogêneos que requerem
diferentes abordagens de tratamento.15 O desenvolvimento bem sucedido do
trastuzumabe, a primeira droga a visar ao câncer HER2-positivo, valida o
conceito de que podemos melhorar os resultados ao tratarmos o
desencadeador molecular subjacente. Na última década, três outras terapias
direcionadas ao HER2 - lapatinibe, pertuzumabe e T-DM1- obtiveram
aprovação legal com base em dados reproduzíveis e consistentes, indicando
benefícios tanto em casos de doença em estágio inicial quanto metastática.
14,16
Vários estudos têm identificado que os cânceres de mama HER2 positivos
possuem uma biologia mais agressiva e estão associados a resultados
inferiores, incluindo um tempo menor até a progressão da doença e
sobrevida global mais curta. 17,18 O advento das terapias anti-HER substituiu
significativamente este mau prognóstico, de modo que as pacientes com
câncer de mama metastático HER2 positivo tratado com terapias modernas
voltadas para o HER2 agora experimentam resultados comparáveis, se não
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superiores, às pacientes com doença HER2 negativa. 19
Tabela 2 – Estimativas de dois anos de sobrevida para 2.008 mulheres
brasileiras com novo diagnóstico de câncer da mama HER2 positivo
metastático tratadas em três diferentes cenários
Número estimado de mulheres ainda vivas
Mês de seguimento
Quimioterapia sozinha
Quimioterapia mais
Quimioterapia mais
Trastuzumabe
Trastuzumabe e
Pertuzumabe
0 (diagnóstico)
2.008
2.008
2.008
1
1.958
1.983
1.990
2
1.908
1.958
1.972
3
1.858
1.933
1.954
4
1.808
1.908
1.936
5
1.758
1.883
1.918
6
1.708
1.858
1.900
7
1.658
1.833
1.882
8
1.608
1.808
1.864
9
1.558
1.783
1.846
10
1.508
1.758
1.828
11
1.458
1.733
1.810
12
1.408
1.708
1.792
13
1.358
1.683
1.774
14
1.308
1.658
1.756
15
1.258
1.633
1.738
16
1.208
1.608
1.720
17
1.158
1.583
1.702
18
1.108
1.558
1.684
19
1.058
1.533
1.666
20
1.008
1.508
1.648
21
958
1.483
1.630
22
908
1.458
1.612
23
858
1.433
1.594
24
808
1.408
1.576
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Os ensaios principais ilustram a evolução do tratamento de câncer de mama
HER2-positivo avançado em termos de benefícios de sobrevida global. No
final dos anos 90, as pacientes que foram aleatoriamente designadas para a
quimioterapia tiveram uma sobrevida global mediana de 20,3 meses.6 Mais
recentemente,
as
pacientes
tratadas
no braço
de
quimioterapia
e
trastuzumabe no ensaio CLEOPATRA apresentaram uma sobrevida global
mediana de >40 meses. No mesmo estudo, as pacientes que receberam
bloqueio anti-HER duplo com pertuzumabe e trastuzumabe em combinação
com quimioterapia com taxano demonstraram uma sobrevida global de >56
meses. 13 Estas melhorias clinicamente significativas nos resultados têm sido
associadas com perfis de toxicidade aceitáveis, como demonstrado pelos
resultados relatados por
pacientes a partir de dados de ensaios clínicos
randomizados. Em particular, a administração em longo prazo de anticorpos
monoclonais anti-HER2 mostrou ser muito mais tolerável do que a
quimioterapia prolongada. O acompanhamento de rotina da função cardíaca,
embora seja o efeito potencial adverso mais grave, leva à detecção precoce
de disfunção cardíaca, permitindo um manejo adequado e seguro das
pacientes mais afetadas. Reconhecendo esses benefícios significativos, a
OMS incluiu o trastuzumabe na sua lista de medicamentos oncológicos
essenciais.
As taxas de sobrevida de câncer de mama de 5 anos podem variar de cerca
de 80% em países de alta renda para 60% em países de renda média e 40%
em países5,20 de baixa renda. Entre outros fatores, a situação financeira e o
acesso à prestação de serviços de saúde estão associados com os
resultados relativos ao câncer. Disparidades de renda marcantes são
identificadas no Brasil. É compreensível que a distribuição da riqueza no país
afete a distribuição da doença, o acesso aos cuidados de saúde e,
consequentemente, a saúde geral e as taxas específicas de sobrevida
relativa à doença da população. Vários fatores que explicam algumas dessas
disparidades nos resultados foram previamente analisados. Estes incluem
atrasos no diagnóstico, como resultado da baixa conscientização sobre o
câncer e implementação do rastreamento mamográfico, e as questões
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relacionadas com o tratamento, como a qualidade da cirurgia, bem como o
acesso limitado à radioterapia e terapias sistêmicas modernas.1
O sistema de saúde brasileiro tem dois componentes principais: o sistema
público, o Sistema Único de Saúde (SUS), com financiamento fornecido pelo
Ministério da Saúde, e o sistema complementar ou privado, que incluem
planos e seguros de saúde voluntários e não obrigatórios. Aproximadamente
73% da população tem acesso ao atendimento de saúde apenas através do
SUS.1,21
Para uma nova droga ser aprovada no Brasil, a mesma deve seguir um
processo de regulamentação rigoroso coordenado pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA). 22 Uma vez que o registro é concedido através
desse processo, a maioria dos medicamentos (com poucas exceções) tornase disponível para os pacientes do sistema de saúde privado. Para os
pacientes do sistema público, no entanto, é necessária uma etapa de
aprovação adicional em que a análise da viabilidade econômica é realizada
por outra comissão, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias
(CONITEC). A maioria dos modernos medicamentos de alto custo avaliados
pela CONITEC não foi aprovada para uso dos pacientes da rede pública por
conta de evidências científicas supostamente insuficientes do seu benefício,
falta de viabilidade econômica ou documentação incompleta no arquivo de
solicitação.
Os medicamentos anti-HER2 são um exemplo claro de tais decisões
equivocadas. As pacientes do sistema privado têm acesso ao trastuzumabe
(desde 1999), lapatinibe (desde 2007), pertuzumabe (desde 2013) e T-DM1
(desde 2014). No sistema público, as pacientes com câncer de mama HER2
positivo em estágio inicial têm obtido acesso ao trastuzumabe apenas
durante os últimos 3 anos; aquelas com doença metastática ainda não
recebem
qualquer
forma
de
terapia
anti-HER2,
embora
benefícios
reprodutíveis e consistentes tenham sido claramente demonstrados por
quase duas décadas. A estimativa do número de óbitos em consequência da
introdução tardia do adjuvante trastuzumabe já foi apresentada. 23
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Esta enorme diferença na qualidade do tratamento de câncer de mama entre
as situações pública e privada é ainda uma causa a mais para as
disparidades significativas, além do diagnóstico tardio, 22 atrasos
no
tratamento e radioterapia insuficiente. Em 2006, as mulheres com câncer de
mama HER2 positivo tinham uma probabilidade 10 vezes maior de receber
trastuzumabe se tivessem plano de saúde particular. Nessa época, apenas
6% das pacientes com câncer de mama HER2 positivo receberam
trastuzumabe no sistema público contra 56% no setor privado. 1,24 O estágio
mais avançado no momento do diagnóstico, juntamente com um acesso
insuficiente a terapias sistêmicas modernas, condena as pacientes a um
resultado de sobrevida pior quando comparado com aquelas com cobertura
de saúde privada.
Uma alternativa que as pacientes têm procurado, enquanto enfrentam essas
restrições de acesso, é entrar com processos específicos contra o governo
para receber o trastuzumabe, uma situação comum em quase todos os
países latino americanos.25 A base legal para estes litígios é a constituição
brasileira, que garante assistência médica universal a todos os cidadãos
brasileiros.26 Uma segunda solução parcial foi encontrada por alguns
governos estaduais, que complementam a lista de terapias contra o câncer
com algumas terapias modernas de alto custo (incluindo trastuzumabe).
Essas soluções locais acabam sendo apenas temporárias e parciais.
Embora o trastuzumabe tenha recebido aprovação da ANVISA para o
tratamento da doença HER2 positiva metastática em 1999, ainda não se
tornou disponível para as pacientes do sistema público. A sua aprovação
para o tratamento precoce da doença foi concedido em 2007. As pacientes
com plano de saúde particular têm acesso ao tratamento desde essa data,
mas aquelas com cobertura do sistema público têm acesso somente ao
trastuzumabe em uma situação adjuvante desde o final de 2012. 27 A falta de
acesso a um tratamento potencialmente benéfico tem consequências que
podem ser estimadas.
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Nossos resultados mostram que aproximadamente 2.008 mulheres serão
diagnosticadas com câncer de mama HER2-positivo metastático em 2016.
Com base em nossas estimativas, se tratadas com quimioterapia, sem
quaisquer agentes voltados ao HER2, apenas 808 dessas mulheres estarão
vivas em 2018. Por outro lado, se o trastuzumabe for incorporado, espera-se
que 1408 delas estejam vivas. A disponibilidade do trastuzumabe no sistema
público de saúde para pacientes com doença metastática resultaria em um
adicional de 600 mulheres vivas ao final de 2 anos. Tornando esta situação
ainda mais dramática, a publicação do ensaio CLEOPATRA13 levou a uma
mudança no tratamento padrão ouro do câncer de mama HER2 positivo
avançado: bloqueio duplo com trastuzumabe e pertuzumabe. De acordo com
nossa análise, se o bloqueio duplo do HER2 acrescido da quimioterapia fosse
utilizado, a diferença no número de mulheres vivas após 2 anos seria ainda
maior: 768 pacientes.
Nós reconhecemos que o cumprimento da promessa da medicina de
precisão para todas as pacientes irá exigir um enorme esforço, não só de
médicos e pesquisadores, mas também de empresas farmacêuticas e
agências governamentais, entre outros. Ao mesmo tempo, é imperativo
reconhecer que as consequências de privar uma proporção significativa de
pacientes de países de renda baixa e média de uma terapia eficaz podem ser
previstas. Este exercício deve ser um componente importante a ser levado
em conta ao se discutir o que será ou não oferecido como tratamento.
Esta análise tem limitações significativas. Os dados específicos dos países
de renda baixa e média são escassos e precariamente reportados, o que
significa que tivemos de confiar primordialmente nas estimativas do INCA.
Além disso, é importante afirmar que estamos extrapolando as diferenças na
sobrevida diretamente de ensaios clínicos randomizados, e é possível que
essas diferenças sejam menos pronunciadas na prática clínica geral. Esta
suposição pode introduzir um viés favorecendo a diferença entre os
tratamentos na vida real. Por outro lado, visto que o trastuzumabe foi
introduzido no tratamento adjuvante apenas em 2013, as nossas estimativas
são conservadoras, supondo-se uma taxa de recidiva menor do que a das
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pacientes que não recebem o trastuzumabe nesta situação. Concluindo, 15
anos após a aprovação mundial do trastuzumabe para câncer de mama
metastático e 1 ano após sua inclusão na lista de medicamentos essenciais
da OMS, o sistema público de saúde brasileiro não fornece ainda este
tratamento
para
sua
população.
A
introdução
do
trastuzumabe
e
pertuzumabe aumentaria significativamente o tempo de vida de mulheres
com câncer de mama HER2 positivo metastático no Brasil e evitaria 768
mortes prematuras nos próximos 2 anos.
DOI: 10.1200/JGO.2016.005678
Publicado online em jgo.ascopubs.org em 20 de julho de 2016.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:
Concepção e planejamento: Márcio Debiasi, Tomás Reinart, Maira Claeffi,
Carlos Sampaio, Gustavo dos Santos Fernandes, Carlos H. Barrios
Coleta e compilação de dados: Márcio Debiasi, Tomás Reinart, Maira
Caleffi, Carlos H. Barrios
Análise de dados e interpretação: todos os autores
Redação do artigo: todos os autores
Aprovação final do artigo: todos os autores
Responsáveis por todos os aspectos do artigo: todos os autores
Potenciais conflitos de interesses divulgados pelos autores:
A seguir, serão apresentadas informações fornecidas pelos próprios autores
do artigo. Todas as relações são consideradas compensadas. As relações
são autocontidas a menos que indicado. As relações podem não estar
relacionadas ao assunto desse artigo. Para mais informações sobre as
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de
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da
ASCO,
por
favor
consulte
http://www.asco.org/rwc ou http://jco.ascopubs.org/site/ifc
Márcio Debiasi
Sem relação a divulgar.
Tomás Reinert
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Sem relação a divulgar.
Rafael Kaliks
Consultor ou papel consultivo: Roche, AstraZeneca
Grupo de palestrantes: Pfizer, Janssen, Roche
Viagem, acomodação, despesas: AstraZeneca, Novartis, Roche, Janssen
Gilberto Amorim
Consultor ou papel consultivo: Roche
Grupo de palestrantes: Roche, Novartis
Maira Caleffi
Sem relação a divulgar.
Carlos Sampaio
Sem relação a divulgar.
Gustavo dos Santos Fernandes
Consultor ou papel consultivo: Roche
Grupo de palestrantes: Roche
Depoimento de especialista: Novartis
Viagem, acomodação, despesas: Roche
Carlos H. Barrios
Honorários: Novartis, Genentech, Pfizer, GlaxoSmithKline, Sanofi, Boehringer
Ingelheim, Eisai
Consultor ou papel consultivo: Boehringer Ingelheim,Genentech, Novartis,
Astellas Pharma, GlaxoSmithKline, Eisai, Pfizer
Financiamento
de
pesquisa:
Pfizer,
Novartis,
Amgen,
AstraZeneca,
Boehringer Ingelheim,GlaxoSmithKline, Genentech, Eli Lilly, Sanofi, Taiho
Pharmaceutical, Mylan, Merrimack, Merck,
AbbVie, Astellas
Pharma,
Biomarin, Bristol-Myers Squibb, Daiichi Sankyo, Abraxis BioScience, AB
Science, Asana Biosciences, Medivation, Exelixis, ImClone Systems, LEO
Pharma, Millennium
Afiliações
Márcio Debiasi e Carlos H. Barrios, Latin American Cooperative Oncology
Group; Márcio Debiasi, Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul; Márcio Debiasi e Tomás Reinart, Hospital do
Câncer Mãe de Deus; Maira Caleffi, Federação Brasileira de Instituições
Página 15 de 18
Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama; Carlos H. Barrios, Escola de
Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre; Rafael Kaliks, Hospital Israelita Albert Einstein; Gustavo dos Santos
Fernandes, Hospital Sírio Libanês, São Paulo; Gilberto Amorim, Centro de
Oncologia
D’Or, São Cristóvão; Carlos Sampaio, Clínica Assistência
Multidisciplinar em Oncologia, Salvador; e Gustavo dos Santos Fernandes,
Sociedade Brasileira de Oncologia, Belo Horizonte, Brasil.
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