A CATEGORIZAÇÃO SEMÂNTICA DOS USOS DO CONECTOR SEM (QUE) EM TEXTOS ARGUMENTATIVOS E AS POSSÍVEIS INTERPRETAÇÕES A ELE ATRIBUÍDAS POR PROFESSORES Marta Anaísa Bezerra Ramos (UFPB) [email protected] Camilo Rosa Silva (UFPB) [email protected] INTRODUÇÃO É comum, ao se estudar o processo de articulação de orações, quando realizado entre a oração nuclear (principal) e a oração que expressa uma circunstância (subordinada adverbial), atribuir-se uma classificação semântica específica a esta última, levando em conta o conteúdo unitário expresso pelo conector que a introduz, entendendo-se por “unitário”, segundo Bechara (1999), o sentido fundamental ou primário desse conector. É consenso também que a criatividade lingüística, influenciada por fatores de ordem cognitiva e discursiva, ao mesmo tempo em que permite a incorporação de múltiplas noções a um item gramatical, expandindo o seu valor semântico, pode provocar, em certos casos, o esvaziamento do conteúdo original. As pesquisas voltadas para o processo de gramaticalização confirmam esse fato, a exemplo dos estudos sobre os conectores “assim” e “mas”1. Nesse contexto, emergem as construções oracionais encabeçadas pela locução conjuntiva “sem que” junto a verbo no subjuntivo ou a estrutura “sem” junto a verbo no infinitivo, que imprimem diferentes matizes semânticos ao texto, pondo em xeque a classificação apresentada nas gramáticas – quando não entendida como condição, como concessão. Entre as relações estabelecidas pelo conector em foco destacam-se ainda as de consequência e modo. Por outro lado, nem todos os gramáticos compartilham da idéia de incluir este último tipo de relação - a modal - no rol das orações adverbiais, o que parece duplamente contraditório. Primeiramente porque os gramáticos admitem o adjunto adverbial de modo na oração simples; depois, porque a preposição “sem” também encerra valor modal, conforme os próprios gramáticos. Neste artigo focalizamos as orações adverbiais introduzidas pelo conector SEM QUE, presentes em 27 textos de teor argumentativo2 - 15 entrevistas e 12 artigos de opinião, instigados pelo interesse em: 1. compreender o comportamento dessa partícula nos textos, a partir do estabelecimento de sua categorização estrutural3 e, sobretudo, semântica; e 2. da perspectiva da recepção, identificar, com base em um exercício de sondagem respondido por (05) cinco professores de língua portuguesa, todos atuantes 1 Ver SILVA, Camilo Rosa. Mas tem um porém...: mapeamento da oposição e seus conectores em editoriais jornalísticos. Tese de Doutorado. João Pessoas, 2005. 2 A escolha desses gêneros textuais – coletados em 28 periódicos da VEJA, no intervalo de janeiro a agosto de 2009, dentre os quais 07 (sete) não apresentam exemplos, deveu-se à suposição de que eles favoreceriam a presença de orações adverbiais. 3 Evidenciamos que, do ponto de vista da freqüência de uso, a estrutura oracional reduzida é mais recorrente. Resta saber se essa maior incidência se deve ao fato de este tipo de construção aparentar ser mais simples se comparada à estrutura desenvolvida, que, além da imposição do uso do verbo no subjuntivo, controla a concordância verbal - logo, a motivação serie de ordem estrutural - ou se há outros fatores intervenientes; e ainda se um modelo estrutural elege uma dada interpretação, ou seja, se há correlação, por exemplo, entre oração reduzida e o valor modal. no ensino superior, que matizes semânticos estes atribuem às orações em análise e qual a classificação proposta quando do estabelecimento de um vínculo entre as sentenças. Para atender ao primeiro objetivo, categorizamos estrutural e semanticamente os dados evidenciados no corpus delimitado, a partir do qual evidenciamos 39 (trinta e nove) ocorrências, das quais 06 (seis) são orações desenvolvidas, constituídas pelo SEM QUE junto a verbo no subjuntivo e o restante, 33 (trinta e três) são reduzidas, formadas pela preposição SEM junto a verbo no infinitivo4. Para atender ao segundo objetivo, analisamos as respostas fornecidas pelos professores ao exercício proposto, comparando-as, de modo a identificar uma regularidade. Organizamos esta exposição atendendo à seguinte distribuição: dada a presença da preposição SEM no construto SEM QUE/ SEM+ VERBO NO INFINITIVO, apresentamos, na seção II, a seguir, a visão de Romero (2009) a respeito da relação entre as conjunções e as preposições; na seção III, a configuração sintática desse elemento; logo após, seção IV, a categorização semântica, fazendo-se, posteriormente, na seção V, a análise dos exercícios de sondagem. Como aporte teórico, teremos como referência, além de gramáticas de autores como Bechara (1999), Rocha Lima (2000), Mateus (2000), pesquisas realizadas por Romero (2009), Neves (2006), entre outros estudos de base funcionalista que destacam o papel das orações adverbiais na interpretação dos textos. 1. Preposição e conjunção: convergências semânticas Observando-se a constituição do item gramatical ora em foco - SEM QUE e sua variável - SEM+VERBO NO INFINITIVO, percebe-se que, se de um lado a função de conexão na primeira estrutura é assumida pelo construto preposição + conjunção que, na segunda, de outro lado, essa função fica sob a responsabilidade apenas da preposição. Esse aspecto chama a atenção porque as definições de preposição atêm-se normalmente ao seu caráter sintático, de forma que, quando de uma análise sob o critério distribucional, registra-se que a preposição antecede um substantivo, um adjetivo ou um verbo, servindo unicamente como índice de função gramatical do termo consequente; e ao ignorar seu papel de conector, fica à margem a sua função relacional ou textual, função tipicamente exercida pela conjunção. Neves (2000, p. 601) respaldada numa visão funcionalista, refere-se às preposições e conjunções como palavras que atuam na esfera semântica das relações e processos, sendo responsáveis pela junção dos elementos do discurso, “isto é, ocorrem num determinado ponto do texto indicando o modo pelo qual se conectam as porções que se sucedem”. Conforme a autora, a junção que se estabelece entre satélites adverbiais e seus núcleos pode ser viabilizada tanto pelas preposições quanto pelas conjunções conhecidas como subordinadas, denominação esta que, para a autora, é inadequada, pois só se aplicaria aos casos em que a ligação se dá entre uma oração substantiva ou adjetiva e a principal. Entende Neves (op cit.) que as relações mantidas entre a oração nuclear e a adverbial são 4 Romero (2009), através de um estudo diacrônico do português brasileiro em que focaliza o processo de gramaticalização/lexicalização/semanticização do SEM em comparação ao COM, tendo como corpus textos dos séculos XV e XIX, destaca a primazia da estrutura reduzida no século XV, justificando que “o surgimento da conjunção complexa sem que está relacionado à expansão do uso de que como uma espécie de complementizador universal, iniciada no latim vulgar”. (p. 551). Além do que “desde as primeiras ocorrências, no século XIV, todas as orações introduzidas por sem que exigiam o verbo no subjuntivo, uso que se manteve no século XIX e permanece ainda hoje”. (p.551). percebidas, sob a perspectiva da gramática de usos, “como análogas às relações retóricas que constroem o texto.” (p. 601). Obedecendo a essa mesma linha de pensamento, Romero (2009), subsidiada pela abordagem multissistêmica da língua, defendida por Castilho, para quem na expressão lingüística se conjugam as propriedades lexicais, semânticas, discursivas e gramaticais, destaca alguns pontos que consideramos pertinente recuperar no momento por ajudar a explicar os fatos sintáticos em estudo, dada a estreita relação, sob os aspectos estrutural e semântico, entre o comportamento das orações adverbiais introduzidas pelo conector SEM QUE ou a oração reduzida e o da preposição SEM, embora, como se verá adiante, as gramáticas não deixem clara essa correlação. Romero (op cit.) adverte primeiramente quanto ao fato de as definições de preposição enfatizarem seu papel de constituinte do sintagma preposicional em detrimento do seu valor relacional, que, como já dito, não é exclusivo da conjunção. Nesse caso, a preposição pode acompanhar um substantivo, adjetivo ou um verbo, resultando em uma locução prepositiva, conjuntiva ou numa estrutura oracional. Mais adiante, citando Castilho (2004), a autora frisa que o contraste entre a preposição e a conjunção, sob o aspecto semântico, está associado ao fato de a preposição ter a função de situar o referente no espaço e no tempo, propriedade que não assume a conjunção. Atente-se ainda para um ponto entre as conclusões a que chega Castilho (apud Romero, 2009): “a gramaticalização (melhor diria, a semanticização) das preposições abre caminho a muitas derivações de sentido, de que resultam os sentidos metafóricos, os papéis temáticos e as expressões idiomáticas preposicionadas.” (p. 521). Essa ideia de incorporação de significados já fora percebida por Borba (1971 apud Castilho 2009) ao se referir à origem e ao sentido das preposições5. As considerações até aqui apresentadas conduzem ao entendimento de que os conectores vão acumulando significações, sendo o contexto situacional determinante para a interpretação. Porém, isso parece ser ignorado nas gramáticas, talvez por falta de sistematização metodológica, o que se constata em relação ao tratamento do SEM QUE, quando da falta de correspondência entre os valores semânticos atribuídos ao SEM no capítulo destinado às preposições e aqueles atribuídos ao SEM QUE no capítulo destinado às conjunções6. Sintetizamos, no quadro abaixo, a posição de alguns gramáticos quanto à categorização deste item gramatical: 5 As preposições indo-européias se originaram de certas partículas de caráter adverbial [...]. Serviam para determinar, para denotar, com maior precisão, certas circunstâncias e matizes do enunciado verbal, sobretudo as relações de espaço, tempo e direção, das quais, por translação semântica, nasceram outras, como as de fim, modo, meio, causa, etc.[...] (BORBA, 1971 apud Castilho 2009, p. 282). 6 Além disso, há uma falta de consenso entre os gramáticos quanto ao sentido unitário ou fundamental atribuído ao conector. Quadro 01: categorização semântica do SEM (QUE) em algumas gramáticas7: Categoria gramatical/ Valores semânticos PREPOSIÇÃO Bechara (1999) CONJUNÇÃO RELAÇÕES ADVERBIAIS Condição, Concessão, Consequênc. Modo, Causa Cunha e Cintra (2001) Rocha Lima (2002) Moura Neves (2000) subtração, ausência, desacompanha mento. negação, ausência, desacompanhame nto. Condição (sem que = se não) Condição privação, ausência, estabelece relações semânticas correspondentes a de advérbio de modo e condição. Condição, modo Concessão Condição Modo Condição, Concessão, Conseqüência Vilela e Koch (2001) Como podemos ver, de acordo com os papéis semânticos dispostos no quadro, a caracterização semântica da preposição apresenta pontos convergentes, o que não se pode afirmar em relação à caracterização da conjunção e menos ainda quando se trata das relações adverbiais. O valor de condição é preponderante, seguido de concessão, conseqüência, modo e causa. Saliente-se, porém, que das relações adverbiais elencadas, uma delas – a de modo – não é legitimada pela Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB). A esse respeito Rocha Lima (2002) faz a ressalva de que, apesar de a circunstância de modo, tal como as de tempo e lugar, ser uma das circunstâncias mais importantes, não há conjunção modal que a represente, sendo esta expressa apenas através de oração reduzida de gerúndio. Nos termos do autor: “[...] Mas em português, assim como não existem conjunções locativas, assim também não existem conjunções modais; de sorte que, no plano do período composto por subordinação, a circunstância de modo somente aparece sob a forma de oração REDUZIDA (de gerúndio)” (p.283). Vilela e Koch (2001) inserem as orações proporcionais e conformativas no conjunto das orações adverbiais e, tal como Rocha Lima, ressaltam que a NGB já as admite no grupo, mas exclui as orações modais. Cunha e Cintra (2001) não fazem alusão ao assunto e Moura Neves (2000, p. 929), ao tratar da circunstância de modo o faz sinteticamente, fazendo o seguinte comentário: “Não é muito usual a expressão da relação adverbial modal por meio de uma oração. Ela se faz especialmente com SEM QUE, e com verbo no subjuntivo”: a) Os momentos passaram, todavia, SEM QUE lograsse coordenar um só pensamento. E sobre a oração reduzida de infinitivo, ela afirma: “Orações modais com verbo no infinitivo se constroem com a preposição SEM”. b) O jovem tentou respirar SEM fazer ruído. 7 Referimo-nos a Neves (2000) e Vilela e Koch, (2001) pressupondo que estes apresentariam uma visão mais ampliada. De todos os autores citados, Bechara é o que oferece uma caracterização mais abrangente, esclarecendo que, apesar de a locução SEM QUE ser normalmente enquadrada no conjunto das conjunções condicionais, ela reúne diversos sentidos contextuais. Citamos abaixo a categorização tal como proposta pelo autor: 1. condição (subordinada condicional): Sem que estude, não passará. 2. nega uma consequência (subordinada consecutiva): Estudou sem que conseguisse aprovação. 3. exprime uma conseqüência esperada (depois de negativa): Não brinca sem que acabe chorando (todas as vezes que brinca acaba chorando). Ele é responsável, sem que o saiba, por todas essas coisas erradas. 4. nega uma causa, chegando quase a exprimir concessão (subordinada causal ou concessiva): Estudou sem que seus pais lho pedissem (nega-se a causa ou uma das causas do estudo: o pedido dos pais, e vale quase por: estudou ainda que seus pais não lho pedissem). 5. “denota simplesmente que tal ou qual circunstância não se deu, aproximando-se da idéia de modo (subordinada modal): Entrou em casa sem que tomasse nenhum alimento. Retirou-se sem que chamasse seus colegas. (BECHARA, 1999, p. 506) Feita a exposição, o autor adverte que a Nomenclatura Gramatical Brasileira “desprezou as orações modais”. Em linhas gerais, conclui-se que a abordagem da relação modal ainda não é satisfatória, se se considerar o fato de que a menção ao tema normalmente implica na interrelação do valor semântico de MODO com as noções de conformidade, conformação, comparação ou de concessão. Ou seja, as orações adverbiais modais ficam em segundo plano. A fluidez de significação, no que respeita às três primeiras noções, reflete-se no enunciado quando se parafraseia a estrutura formada pela locução conjuntiva SEM QUE (+ verbo no subjuntivo) ou sua variante SEM (+ verbo no infinitivo) usando os conectores como/como se, sendo o conector sem que também responsável pela proximidade de conteúdo em relação à última noção – de concessão. Acrescente-se que essa flutuação provavelmente ocorre porque o conteúdo expresso na sentença iniciada por esses conectores pode atender a uma pergunta cuja resposta seria anaforizada pelas construções - assim/desse modo/dessa maneira (que confirma a relação de modo). Já a ligação com concessão estaria relacionada ao valor da preposição sem, que indica também ausência, negação, daí favorecer a idéia de contraste. 2. Configuração estrutural das orações adverbiais desenvolvidas e reduzidas: particularmente as introduzidas por SEM QUE e SEM + VERBO NO INFINITIVO Neste item apresentamos uma descrição da organização sintática das estruturas em foco neste trabalho, com o propósito de pôr em relevo os traços que caracterizam cada modelo oracional e que permitem distingui-las, na tentativa de dar sustentação à tese de que a maior freqüência de uso das orações reduzidas está associada ao menor grau de complexidade desta modalidade de oração. Nessa perspectiva, um traço caracterizador da oração reduzida é a elipse do sujeito (ou sujeito oculto), combinado com o infinitivo não-flexionado, provavelmente por não haver ambigüidade estrutural ou semântica na frase, mesmo quando o sujeito da oração principal está distante da forma verbal e sob a forma plural, já que o sujeito da oração subordinada é o mesmo da principal, como revelam os dois exemplos abaixo: 1. “O presidente deixa que se entretenham com isso; sabe quanto é bom, para todos eles, poderem viver o papel de revolucionários com risco zero, sem ter de fugir da polícia e no conforto de cargos em comissão, com cargo oficial e cartão de crédito corporativo.” (Veja, 27/01/10) 2. “Para o presidente do Banco do Brasil, as instituições financeiras públicas devem contribuir mais para o crescimento do país sem abrir mão da rentabilidade.” (Veja, 03/03/10) em que os sujeitos “eles” e “as instituições financeiras” não impuseram o uso da marca plural nos verbos da oração subordinada, o que não foi viável aos verbos “poder”, presente em (1) e dever, em (2), que estão próximos do sujeito. As estruturas desenvolvidas, inversamente, apresentam, com raras exceções, o sujeito da oração subordinada marcado lexicalmente (sujeito determinado simples), exibindo também no sintagma nominal o pronome demonstrativo com função anafórica. Ao contrário da estrutura anterior, a presença do sujeito interfere no estabelecimento da concordância, exigindo do escritor maior atenção em relação a esse aspecto, sobretudo quando o sujeito estiver oculto, pois o uso do verbo na forma finita implica obrigatoriedade de harmonia entre sujeito e predicado, a exemplo do que se vê em (3) e (4) a seguir: 3. “Recentemente estava fazendo exercício em uma máquina que me permite caminhar. Senti um desconforto e achei que era vontade de ir ao banheiro. Na verdade, o equipamento estava esfolando meus tornozelos, sem que eu percebesse.” (Veja, 12/05/10) 4. “Digo sempre que minha luta é pelo básico do básico: garantir que todo e qualquer candidato suba o morro sem que seja barrado pelo tráfico e impedido de fazer ali sua campanha.” (Veja, 21/07/10) A estratégia da paráfrase (mudança de desenvolvida para reduzida) torna mais nítida a ideia de que o segundo tipo de estrutura requer controle da concordância. 3’. “...o equipamento estava esfolando meus tornozelos, sem eu perceber.” 4’“Digo sempre que minha luta é pelo básico do básico: garantir que todo e qualquer candidato suba o morro sem serem barrados(?) pelo tráfico e impedido de fazer ali sua campanha.” (Veja, 21/07/10) Observemos ainda a aplicação da estratégia da paráfrase em relação às primeiras estruturas (mudança de reduzida para desenvolvida): 1’. “... para todos eles, poderem viver o papel de revolucionários com risco zero, sem que tenham de fugir da polícia” 2’. “Para o presidente do Banco do Brasil, as instituições financeiras públicas devem contribuir mais para o crescimento do país sem que abram mão da rentabilidade.” O que parece evidente é que enquanto a oração reduzida traz o mesmo sujeito na oração principal e na subordinada – eles, em (1) e instituições em (2), a desenvolvida pode ou não apresentar o mesmo sujeito – em (4) os sujeitos das formas verbais garantir e ser barrado são diferentes – eu, no 1º caso e todo e qualquer cidadão, no 2º, ambos não expressos. Restringindo-nos à organização distribucional do predicado, em se tratando da oração reduzida, observamos uma diversidade de combinações. Há estruturas aparentemente cristalizadas, em que o verbo prescinde de complemento (sem querer/sem parar); há aquelas cujos termos argumentais são: objeto direto, complemento preposicionado (ou relativo); há formas verbais no tempo composto e, por fim, há casos de difícil classificação, por envolver estruturas lexicalizadas (sem levar em conta; sem jogar luz; sem dar a impressão de...). O quadro abaixo ilustra essa configuração, apresentando um exemplo representativo de cada categoria, e sinaliza o número de ocorrências evidenciado no total dos dados analisados. Quadro 02: Descrição dos contextos estruturais: oração reduzida ESTRUTURA VERBO SEM COMPLEMENTO VERBO + OBJ. DIR. (sem determ.) VERBO + OBJ. DIRETO (determinado ou oracional) VERBO + COMPL. PREPOS. PREP. SEM + T. COMPOSTO + OBJETO OUTROS: (ADJUNTO. ADV. DE CAUSA; EXPRESSÃO LEXICALIZADA + OBJ. DIR. OU COMPLEMENTO RELATIVO EXEMPLOS mude, sem parar 0, todas as leis; NÚMERO DE OCORRÊNCIAS 06 sem deixar vestígios; 05 sem considerar os ganhos para o país sem saber que dessa forma mais nos aprisionamos 09 Sem ter de fugir da polícia e no conforto.. 05 sem ter feito uma única refeição decente na... 01 sem se deter por causa da “pregação moralista” contra ditaduras. sem levar em conta o papel das emoções (CONSIDERAR) sem abrir mão da rentabilidade (DESCONSIDERAR) 07 Em se tratando da oração desenvolvida - bem menos frequente, também faz parte da constituição do predicado verbos que não exigem complemento, e há os verbos de ligação, que requerem um predicativo do sujeito; aparece ainda a forma passiva, seguida do agente da passiva, como demonstra o quadro abaixo. Quadro 03: Descrição dos contextos estruturais: oração desenvolvida ESTRUTURA EXEMPLOS NÚMERO DE OCORRÊNCIAS SUJEITO + VERBO SEM COMPLEMENTO SUJEITO + VERBO + OBJETO DIRETO Na verdade, o equipamento estava esfolando meus 01 tornozelos, SEM QUE eu percebesse. PDTVO. SUJEITO SUJEITO + VERBO + ADJ. ADVERB. SUJEITO NÃO EXPRESSO + FORMA PASSIVA livro não se tornasse um peso. [...] para mero divertimento, SEM QUE sua conversa acabe numa conspiração contra o público [...] (Serra) Parece imaginar que, na Presidência, 01 consertaria um “erro calamitoso” do BC SEM QUE isso significasse “virar a mesa.” SUJ. + VERB + Não haveria modo de escrever sobre o tema SEM QUE o 02 01 [...] garantir que todo e qualquer candidato suba o 01 morro SEM QUE seja barrado pelo tráfico e impedido de fazer ali sua campanha. Observamos, ainda, no que respeita à ordem (posição da oração subordinada), o predomínio da oração subordinada após a principal, sendo apenas 02 casos, no total dos dados analisados, de anteposição, sob a forma reduzida, como no exemplo abaixo. Quadro 04: Anteposição da oração subordinada Oração subordinada anteposta à principal 1. [...] Sem mexer nessas duas questões..., não haverá como reduzir significativamente os juros bancários neste momento. Quanto à sinalização de pausas na escrita, predomina o encadeamento mais ligado, sem uso de vírgulas, havendo (11) onze ocorrências em que a subordinada posposta vem separada por vírgula, e (02) duas construções justapostas ou intercaladas, com teor de comentário, avaliação, que vêm isoladas por vírgulas. Segue ilustração. Quadro 05: marcação de pausas na escrita: uso da vírgula Oração subordinada posposta, separada por vírgula 1. [...] viver o papel de revolucionários com risco zero, sem ter de fugir da polícia. 2. [...] Fez isso de forma responsável, sem piorar os níveis de impontualidade. 3. [...] Viramos homens e mulheres pós-modernos, sem saber (2) o que isso significa; 4. [...] o Brasil onde quer que eles possam existir, sem se deter por causa da “pregação moralista” contra ditaduras. 5. [...] o equipamento estava esfolando meus tornozelos, SEM QUE eu percebesse. 6. [...] para mero divertimento, SEM QUE sua conversa acabe numa conspiração contra o público [,..] Oração isolada por vírgulas 7. [...] Considera perfeitamente normal que o comandante Chávez mude, sem parar, todas as leis [..] 8. [...] Um sargento detonou, sem querer, uma bomba de gás lacrimogêneo perto [...] Os aspectos aqui destacados merecem uma análise mais acurada, mas a princípio arriscamos dizer que a estrutura reduzida é mais simples, podendo quase sempre ser parafraseada pela estrutura desenvolvida – a exceção compreende as orações justapostas, formadas com verbo sem complemento. Já a estrutura desenvolvida não favorece a paráfrase, resultando em estruturas estranhas, o que pode ser uma evidência de que as escolhas de certas estruturas linguísticas é determinada por motivação interna. 3. Relações semânticas estabelecidas entre as orações adverbiais introduzidas pelo conector SEM QUE ou a preposição SEM + V. NO INF.: uma proposta de análise A articulação de orações se realiza por meio de dois mecanismos assim caracterizados: a coordenação implica combinação de orações de mesma natureza e função, já que uma oração não é termo da outra; portanto, nenhuma exerce função em outra, daí serem sintaticamente independentes; e a subordinação implica sobreposição de camadas, já que uma oração, obedecendo à estrutura de constituintes, é termo de outra, portanto ocorre dependência sintática. O termo oracional (complemento) que está em relação argumental com o predicador (verbo) é caracterizado como subordinado, dando origem à oração subordinada, esta subclassificada em substantiva, adjetiva ou adverbial. Em se tratando desta última, a função exercida pelo constituinte é de adjunto adverbial. Quanto à oração maior que as contém, chama-se principal. A gramática tradicional, ao abordar o tema guiando-se pelas noções de dependência ou independência, provoca confusão quanto aos critérios sintático e semântico, dando ênfase ao primeiro critério, quando da divisão entre substantiva e adjetiva, mas, em relação à oração adverbial, explora o aspecto semântico, ao fazer a especificação das circunstâncias expressas entre as orações. Abordagens funcionalistas, por outro lado, apontam outros níveis de análise além do sintático. Halliday (1985, apud NEVES, 2006), discordando da separação feita pela tradição entre coordenação e subordinação, vistos como processos estanques, propõe um novo modelo, alicerçado no estabelecimento de dois eixos que, integrados, terminam por reorganizar o quadro das orações complexas, delineando três categorias - a relação paratática, a relação hipotática e a relação de constituência. Os dois eixos que norteiam essa visão são: o sistema tático e o sistema lógicosemântico. O primeiro eixo leva em conta a correlação entre elementos, daí denominar de parataxe a relação entre elementos de mesmo estatuto e de hipotaxe, a relação entre elementos de estatuto diferente; o segundo eixo considera o papel semântico-funcional, daí a divisão entre relação de expansão e a de projeção. No caso específico da relação de expansão, situam-se, de acordo com Neves (2006, p.228), relações lógico-semânticas como: a) elaboração, em que “uma oração elabora o significado de outra, especificandoa; o modelo de conjunção é isto é”; b) extensão, “em que uma oração amplia o significado da outra, acrescentando algo novo a ela; a conjunção típica desse processo é e”; e c) realce, em que “uma oração realça o significado da outra, qualificando-a quanto a tempo, lugar, modo, causa ou condição; as conjunções típicas são assim e então”. Modelo mais amplo que o de Halliday é oferecido por Matthiessen e Thompson (1988), que sinalizam para as funções discursivas, ancoradas na visão de que: em enunciados complexos, o grau de interdependência “tem de completar-se com a consideração das funções discursivas, isto é, não pode resolver-se totalmente no nível interno à frase”. (NEVES, 2006, p.229); e na defesa de que a combinação de orações, referindo-se às orações adverbiais, “reflete a organização retórica do discurso: relações como causa, condição, concessão, etc. são relações que existem entre quaisquer partes de um texto, e que podem gramaticalizar-se na combinação de orações [...]”. Nessa relação retórica situam-se as relações de listagem (parataxe) e relações núcleo-satélite (hipotaxe). Quanto a este último tipo de estrutura, considera-se que uma informação realiza o objetivo central do autor e a outra serve de suporte para esses objetivos ou um objetivo suplementar. A decisão quanto ao grau de importância da informação – se é nuclear ou subsidiária – será determinada na interação, pois, no processo de elaboração textual, já há uma expectativa do falante/escritor de que o interlocutor/leitor faça um julgamento sobre a “nuclearidade ou a suplementaridade das partes, julgamento que é regido cognitivamente” (NEVES, 2006, p. 230). No processo de articulação entre a oração nuclear e a oração satélite/adendo, o conector SEM QUE e a estrutura reduzida formada por SEM + VERBO NO INFINITIVO favorecem uma multiplicidade de relações de sentido, confirmando a nãofixidez ou não- discretude de função desse item lingüístico. Tais relações são elencadas nos quadros de 07 a 10 a seguir, nos quais citamos alguns exemplos representativos das categorias por nós determinada e tecemos comentários. Relação de modo: Vilela e Koch (2001), em dois segmentos da Gramática da Língua Portuguesa – a gramática da frase e a do texto -, definem os adverbiais modais, equivalentes a advérbios, como elementos que caracterizam, explicam e especificam o estado de coisas representado no enunciado. Acrescentam que a caracterização da qualidade do acontecer (grifo dos autores, p.382) é marcada pelos advérbios em mente ou equivalentes, a exemplo de “Ele aprende facilmente/com facilidade. E ainda: “a indicação de uma circunstância que acompanha o acontecer realiza-se por grupo de palavras [...], por frase subordinada: Ele foi-se embora sem que apresentasse cumprimentos de despedida a ninguém, por grupo inf.: Ele foi-se embora sem se despedir de ninguém [...]”. (p. 383). No caso da oração modal, eles a definem como aquela em que uma das orações indica o modo como se realiza a ação ou evento expresso na outra. Quadro 06: Exemplificação da relação adverbial modal RELAÇÃO DE MODO 1. [...] parte do que ocorreu antes desaparece sem deixar vestígios. (= assim/ misteriosamente) 2. [...] ficasse por aqui durante uma semana sem conversar com ninguém, só vendo televisão, ele acharia que o Brasil foi descoberto em 2003 e ... (= assim: isolado) 3. [...] Num mundo onde cresce sem parar a compulsão para .... (= de forma incessante) 4. [...] chegam aos 30 anos de idade, ou mais, praticamente sem ter feito uma única refeição decente na vida. (= como? com uma alimentação saudável, mas sem sabor) 5. [...] isso passa a ser, sim, um problema do clube, que precisa resolvê-lo sem passar a mão na cabeça de ninguém. (= desse modo/ Como? com rigor) Passando à relação de concessão (ou oposição), expressa, conforme Rocha Lima (2002, p. 276), “um fato real, ou suposto – que poderia opor-se à realização de outro fato principal, porém não frustrará o cumprimento deste”. Quadro 07: Exemplificação da relação adverbial de contraposição RELAÇÃO DE CONCESSÃO 1. [...] as instituições financeiras públicas devem contribuir para o crescimento do país sem abrir mão da rentabilidade. (= mas, sem se desvencilhar da rentabilidade) 2. [...] Humanidade florescia ali, aos vapores do lixo, e – repito ainda outra vez – sem saber disso. (embora não soubesse.../...mas não sabia...) 3. [...] uma sociedade imbecilizada pela ordem geral de que ser moderno é liberar-se cada vez mais, sem saber que dessa forma mais nos aprisionamos [...]. (= embora não saiba.../mas que não sabe que...) 4. [...], consertaria um “erro calamitoso” do BC sem que isso significasse “virar a mesa” (ainda que isso não significasse...) 5. [...] vestindo a roupa errada, ou acertando lindamente até sem querer. (mesmo não querendo; ainda que não quisesse) A relação de condição também se fez muito presente no corpus em estudo. Segundo Neves (2000), nesse tipo de relação uma das orações expressa a condição para a realização de um fato e a outra, a conseqüência da condição enunciada. Podem-se distinguir ainda três tipos de relação nesse grupo, conforme a condição enunciada se realize ou deixe de se realizar – factual, contrafactual e eventual, assim materializadas: “a) realização/fato; b) não-realização/não-fato; ou c) realização eventual/fato eventual.” (p. 832). Segue o quadro: Quadro 08: Exemplificação da relação adverbial condicional RELAÇÃO DE CONDIÇÃO 1. [...] Nossa associação foi concebida para dividir o ônus sem sobrepor tarefas. (desde que não sobreponha; mas se não sobrepuser...) 2. [...] os ciclos de euforia e depressão da economia não podem ser entendidos sem levar em conta o papel das emoções nos processos de tomadas de decisão dos consumidores... (= se não considerar...) 3. [...] Não é viável almejar uma democracia digna e condizente com os avanços do século XXI sem equacionar essa grande anomalia... (= se não equacionar) 4. [...] Não dá para entender o cenário eleitoral sem também jogar luz sobre o vácuo de poder. (= se não alertar para ...) Em se tratando da relação de consequência, implica em que uma oração expressa o efeito do fato mencionado na outra. Segue o quadro: Quadro 09: Exemplificação da relação adverbial consecutiva RELAÇAO DE (negação de) CONSEQUÊNCIA 1. Para crescer sem poluir (= de modo a não poluir) 2. [...] é possível continuar a crescer sem que o preço ambiental seja tão alto. (=de modo que o preço ambiental não aumente... 3. [...] homens de negócio do mesmo ramo raramente se encontram, ainda que para mero divertimento, sem que sua conversa acabe numa conspiração contra o público,... (= a ponto de a conversa não acabar em...) 5. [...] o Brasil onde quer que eles possam existir, sem se deter por causa da “pregação moralista” contra ditaduras. (= de modo que...) A relação de causa evidencia-se quando uma oração anuncia “a razão, o motivo do pensamento expresso na oração principal” (BECHARA, 1999, p. 493). Por outro lado, no exemplo exposto a seguir, ocorre, segundo o autor, a negação da causa, caso em que o escritor, através da informação expressa na subordinada, oferece uma justificativa para as ações negativas, absurdas, de muitos políticos, como o desinteresse pelos ganhos para o país, em prol dos seus próprios interesses. Observemos: Quadro 10: Exemplificação da relação adverbial causal CAUSA 1. Tomados de corporativismo e sem considerar os ganhos para o país, muitos políticos tentam, e frequentemente conseguem, impedir avanços que contrariam seus interesses. Da descrição semântica realizada, evidenciamos que entre as relações semânticas expressas pelas orações adverbiais em estudo, duas se sobressaem – a de modo e a de contraposição (concessão /oposição), como atesta o quadro abaixo. A inferência desta última função, como mencionado no início deste trabalho, pode ser explicada pela correspondência com o valor de negação expresso pela preposição SEM. Mas, se esse caso se justifica pela transferência de significado, não ocorre o mesmo quanto à noção de modo, sendo necessárias outras razões. Quadro 11: Quantificação das ocorrências de acordo com as categorias semânticas RELAÇÕES SEMÂNTICAS Modo8 Condição Concessão /Oposição Consequência Causa TOTAL SEM + V. INFINITIVO 12 07 10 03 01 33 SEM + QUE 01 02 03 06 TOTAL DE OCORRÊNCIAS 13 07 12 06 01 39 4. A interpretação dos usos do SEM (QUE) + verbo inf. da perspectiva dos professores Até aqui cremos estar clara, para o leitor, a flutuação dos sentidos expressos pelas orações adverbiais em foco. Mas, para dar mais veracidade aos fatos, passemos à análise das respostas oferecidas pelos professores ao exercício de sondagem9 antes referido. Convém esclarecer que o exercício se constituiu de 3 (três) categorias de questões, conforme os objetivos estabelecidos. Vejamos os resultados dessas categorias, nos 3 (três) subitens abaixo, trazendo como amostragem dois ou três fragmentos representativos de cada categoria. 4.1 Categoria (01): O foco do primeiro tipo de questão era a avaliação do julgamento do falante/ professor em relação à aceitabilidade ou não das versões parafrásticas sugeridas para cada sentença. Nesse caso, o professor deveria sinalizar a(s) paráfrase(s) que julgasse se adequar ao contexto ou que julgasse indevida(s). Para melhor compreendermos essa situação, tomemos o fragmento textual abaixo transcrito, para o qual sugerimos cinco versões, com os matizes de oposição, concessão, conseqüência, causa e explicação, respectivamente: 1. Assinale, com (V) a(s) paráfrase(s) que se adéqua(m) à versão original e, com (F) a que julgar não ser permitida. a. “Negócios são negócios”, explicou o chanceler Amorim, assumindo uma inesperada postura de homem de mercado implacável, que busca lucros para o Brasil onde quer que eles possam existir, sem se deter por causa da “pregação moralista” contra ditaduras.” (ARTIGO: Ilusões perdidas – J. R. Guzzo, 21/07/10) ( ) ... que busca lucros para o Brasil onde quer que eles possam existir, mas não se detém por causa da “pregação moralista” contra ditaduras.” ( ) ... que..., embora não se detenha por causa da “pregação moralista” contra ditaduras.” ( ) ... que..., de modo que não se detém por causa da “pregação moralista” contra ditaduras.” ( ) ... que ..., por não se deter por causa da “pregação moralista” contra ditaduras.” ( ) ... que..., ou seja, não se detém por causa da “pregação moralista” contra ditaduras.” Na nossa perspectiva duas interpretações seriam viáveis – primeiramente a de conseqüência, depois a de explicação/reforço, orientados pela identificação de algumas pistas presentes no entorno da oração subordinada, a exemplo de “negócios são negócios”, “homem de mercado implacável”, “onde que eles (lucros) possam existir”, pois, dado o perfil do indivíduo citado, nada poderia deter as suas ações. Por outro lado, 8 Dentre as relações semânticas elencadas, chamamos a atenção particularmente para a de modo, em virtude de a quase ausência de abordagem nas gramáticas ir de encontro à realidade lingüística. 9 Toda a atividade de sondagem se constituiu de 15 fragmentos textuais para análise. todos os matizes semânticos foram sinalizados pelos professores – houve apenas uma indicação para a noção de conseqüência e uma para a de explicação. Ressaltamos que todos julgaram inadequada a noção de causa. Passemos a um outro fragmento, para o qual sugerimos os valores de concessão, oposição, condição, conseqüência e causa, respectivamente: c. “Serra é um grande líder político, culto e experiente. Parece imaginar que, na Presidência, consertaria um “erro calamitoso” do BC sem que isso significasse “virar a mesa”. Creio que não cometeria a temeridade. Falariam mais alto o bom senso e o peso do cargo. Ele não confundiria ousadia com irresponsabilidade.” (ARTIGO: O Banco Central erra, mas... – Maílson da Nóbrega, 02/06/10) ( ) ... consertaria um “erro calamitoso” do BC, embora isso não signifique “virar a mesa”. ( ) ... consertaria um “erro calamitoso” do BC, porém isso não significaria “virar a mesa”. ( ) ... consertaria um “erro calamitoso” do BC, se isso não significasse “virar a mesa”. ( ) ... consertaria um “erro calamitoso” do BC, o que não significaria “virar a mesa”. ( ) ... consertaria um “erro calamitoso” do BC, porque isso não significaria “virar a mesa”. Nesse caso, primávamos pelo matiz de concessão, seguido de oposição. Frisamos que essa distinção não significa que esses valores sejam excludentes - a distinção é condicionada apenas pelo tipo de conector selecionado (embora ou mas). Também aqui as respostas oscilaram, havendo duas respostas contrárias à noção de concessão, mas houve uma regularidade – todos julgaram inadequadas as noções de condição e causa. 4.2 Categoria (02): O segundo tipo de questão visava à obtenção de uma classificação para a oração subordinada. Sugerimos algumas, o que não impedia que o professor acrescentasse outras, se considerasse necessário. Vejamos o enunciado e três dos fragmentos propostos: 2. Todos os excertos abaixo transcritos apresentam orações subordinadas introduzidas por um mesmo conectivo: SEM QUE ou sua variante SEM + v. no infinitivo. Porém, a relação de sentido expressa entre as orações é variável, podendo expressar explicação, conclusão, causa, oposição, modo, concessão ou condição. • Indique o valor semântico correspondente a cada excerto, e, caso seja possível atribuir mais de um valor, indique numa gradação esses valores. a. “O mais interessante, no episódio todo, é a tranqüilidade com que o presidente vai levando adiante a sua balada. O decreto que assinou é coisa de sanatório? Sua desculpa é que assinou sem ler; são previstas nesse trem fantasma mais de 500 decisões, que [...]”(ARTIGO: Trem fantasma – J. R. Guzzo, 27/01/10) e. “‘Homens de negócios do mesmo ramo raramente se encontram, ainda que para mero divertimento, sem que sua conversa acabe numa conspiração contra o público, ou em alguma tramóia para aumentar preços.’ Quem escreveu isso, para possível surpresa de economistas ou intelectuais de esquerda, não foi Karl Marx, nem qualquer outro pensador que conte com sua aprovação, mas Adam Smith.” (ARTIGO: Para o bem de todos – J. R. Guzzo, 07/07/10) Em relação ao primeiro fragmento, nossa expectativa era a de que predominasse a interpretação de concessão ou oposição, com base na inferência de que o uso do “embora”, resultando em (8’):“assinou embora não tivesse lido” favoreceria a interpretação de que a leitura do documento era um requisito realmente necessário, da perspectiva de quem escreveu o texto; enquanto o uso do “mas”, resultando em (8’’) “assinou mas não leu/tinha lido.”, conduziria ao entendimento de que o fato de ler não era, naquele contexto, tão relevante. Ou seja, a opção por uma ou outra classificação estaria condicionada ao modo como o leitor, a partir da leitura do texto como um todo, percebe a argumentação do escritor. Acreditamos que o grau de comprometimento com a leitura do documento é visto diferentemente, por diferentes leitores; trata-se de uma escolha subjetiva. Além disso, considerando uma diferença mínima quanto à significação dessas duas estruturas, pode-se entender também que o mesmo valor pode ser expresso seja através da oração subordinada seja através da coordenada. Acreditamos ainda que, no caso da escolha do conector “sem que”, a responsabilidade por esse matiz semântico é da preposição “sem”, que carrega o significado de “negação”. Quanto aos valores indicados pelos professores, incluem explicação, modo e causa. Embora tenham contrariado as nossas expectativas, acreditamos que os últimos valores expressos se devem à presença do vocábulo “desculpa” bem como ao fato de o presidente estar sempre justificando os seus atos, ou seja, provavelmente houve interferência do contexto extra-linguístico nas leituras realizadas. No segundo fragmento, temos o que Bechara (1999) chama de realização de uma conseqüência esperada, viável nas estruturas em que a oração consecutiva vem posposta a uma oração afirmativa. Logo, na oração subordinada em destaque informa-se que a conspiração contra o público é tida como certa, como procedimento típico nas reuniões de homens de negócios. 4.3 Categoria (03): A terceira categoria de questões reunia as duas competências anteriores. Logo, o professor deveria não só classificar, mas propor uma nova versão para a oração adverbial em destaque. Observemos dois dos excertos indicados para análise. 3. Especifique a relação de sentido expressa entre as orações subordinadas em destaque e a sua principal e, logo após, parafrasei-as utilizando conectivos de valor correspondente, sem alterar a idéia central dos textos. b. “Legislar sem sair do gabinete é um risco? [...] Há pessoas que acham que podem legislar à margem da realidade, sem conhecer as necessidades do país e das pessoas [...]”(ENTREVISTA: Com o pé na estrada - Aldo Rebelo, 04/08/10) Resp.: 1ª ocorrência – MODO (Criar leis trancafiado no gabinete é um risco? 2ª ocorr. – CONCESSÃO (Muitos pensam que...., apesar de não conhecer as necessidades...) c. “[...] Sem mexer nessas duas questões (referindo-se à inadimplência e à própria eficiência operacional do banco), não haverá como reduzir significativamente os juros bancários neste momento.” (ENTREVISTA: O lucro não é vergonha, 03/03/10) Resp.: CONDIÇÃO (Se não mexer nessas duas questões.../Caso não se mexa nessas duas questões..) d. “Nesse sentido, toda a experiência mostra que, sim, é possível continuar a crescer sem que o preço ambiental seja tão alto.” (ENTR.: Para crescer sem poluir, 30/06/10) Resp.: CONCESSÃO (...é possível continuar a crescer, embora o preço ambiental seja tão alto... (?)/ ...é possível continuar a crescer, de forma que o preço ambiental seja tão alto...) As paráfrases correspondentes ao primeiro excerto foram prioritariamente de concessão, havendo em relação à primeira ocorrência do conector as indicações de modo e explicação. É provável que a atribuição do valor modal tenha relação com o uso da estratégia da pergunta: Legislar como?, cuja resposta poderia ser introduzida por conectores de valor equivalente: dessa forma/dessa maneira/assim, ou um adjetivo. E na segunda ocorrência, o autor nos informa que, para algumas pessoas (políticos), a falta de conhecimento sobre as necessidades do país não se configura como um obstáculo ao estabelecimento de leis. Portanto, o conteúdo da oração principal se mantém inalterado. O segundo excerto foi o único que obteve uma leitura unificada – a noção de condição, ou seja, a informação expressa na oração principal – “redução dos juros” só é tomada como certa uma vez atendida a condição enunciada na oração subordinada “mexer em duas questões”. Quanto ao terceiro excerto, foram atribuídos valores de concessão, oposição, e uma indicação de relação de modo/conseqüência. Acreditamos que a interpretação que melhor se aplica ao trecho selecionado é a de conseqüência, ou melhor, a de negação de uma conseqüência, nos termos de Bechara (1999), pois, anuncia-se, na oração principal, a possibilidade de crescimento e nega-se, na subordinada, que o crescimento anunciado provocará muito custo ao ambiente. É provável que essa tenha sido uma estratégia do autor em negar uma inferência, um contra-argumento, por entender que: o crescimento não incidirá (como muitos poderiam argumentar) em custo alto para o ambiente. CONCLUSÃO A análise do emprego do conector SEM QUE e sua estrutura correlata de infinitivo permitiu-nos a constatação de que a variabilidade de matizes semânticos envoltos num só item gramatical conforme os contextos de uso pode estar associada com o sentido inerente do termo (valor lexical) como também pode sofrer pressão do contexto discursivo. Desse modo, qualquer modalidade de relação resultaria do conteúdo inferido das duas orações constitutivas do período, como se observou nas sentenças nas quais se estabelecia relação de contraposição que admitiram o uso de qualquer um dos conectivos - sem que, embora ou mas, mas a relação poderia vir igualmente expressa, sem prejuízo de compreensão, sem o conector, considerando-se o conteúdo de cada oração, como ocorre com as coordenadas assindéticas. Essa pluralidade de sentidos, comprovada nas leituras dos professores, revela que o estudo do processo de articulação dos períodos vai além do nível sintático, da mera rotulação de orações coordenadas ou subordinadas, pois, independentemente do saber metalingüístico, o leitor deve compreender os usos das estruturas lingüísticas para interpretar os textos. Do exposto, importa ressaltarmos que os resultados aqui considerados, apesar de não poderem se impor como categóricos, devido à limitação quantitativa dos dados examinados, podem ser considerados indícios relevantes de um comportamento mais generalizado a ser constatado em análises vindouras. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 38. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999. CUNHA, Celso; CINTRA, Luís F. L. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. CRHISTIANO, Maria Elizabeth A., SILVA, Camilo Rosa; HORA, Dermeval da. (orgs.) 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