HISTÓRIA DAS SOLUÇÕES DAS EQUAÇÕES POR MEIO DE RADICAIS Wellington José Ferreira Licenciando em Matemática Universidade Católica de Brasília Orientador: Sinval Braga de Freitas RESUMO Este artigo apresentará alguns métodos usados para resoluções das equações algébricas por meio de radicais, como a regra da falsa posição usada pelos egípcios para resolverem as equações do primeiro grau e o completamento de quadrados usado pelos Hindus para encontrar soluções das equações do segundo grau. O método descoberto independentemente por Scipione Del Ferro e Nicolo de Fontana (Tartaglia) consistia em transformar toda equação do terceiro grau a uma forma chamada reduzida e dar uma solução por radicais. Mas tal método só produzia uma raiz como resposta. Quando se utilizava essa fórmula chegava-se, em alguns casos, à extração de raiz quadrada de números negativos que, naquela época, achavam ser impossível. Foi a partir das equações do terceiro grau que surgiram os números complexos, mas antes do surgimento desse conjunto numérico, um matemático chamado Ferrari encontrou uma fórmula geral para equações do quarto grau, que consistia em reduzir o grau da equação para três e então aplicar a fórmula encontrada por Tartaglia. Quase três séculos depois o matemático Abel demonstrou usando Álgebra Clássica que para as equações completas de grau superior a quatro não existem soluções por meio de radicais. Pouco depois, Galois mostrou o mesmo resultado usando Álgebra Moderna. Palavras-chave: equações algébricas; soluções por radicais, números complexos. 1. INTRODUÇÃO O interesse principal desse trabalho está em demonstrar as fórmulas das equações do primeiro, segundo e terceiro grau por meio geométricos e algébricos, enquanto que a equação de quarto grau será demonstrada algebricamente, uma vez que a fórmula para essa equação é encontrada por meio da redução de grau. Em seguida, faz-se um breve comentário sobre a impossibilidade das soluções das equações acima do quarto grau por meio de radicais e o surgimento dos números complexos. Para os propósitos do texto, uma equação algébrica será uma equação polinomial do tipo p ( x) = 0 , tendo o polinômio p (x) seus coeficientes no conjunto dos números reais. Um número a tal que p (a ) = 0 (uma raiz do polinômio) será uma raiz da equação algébrica e o grau do polinômio será o grau da equação. Assim, se p (x) tem grau um, então a equação algébrica terá grau um ou será uma equação do primeiro grau ou linear; se p (x) tem grau dois, a equação será do segundo grau ou quadrática; se p (x) tem grau três, a equação será do terceiro grau ou cúbica, e assim por diante. Com isto, uma equação algébrica de grau n terá a forma: a n x n + a n−1 x n −1 + K + a1 x + a 0 = 0 , para a 0 , a1 , K , a n números reais e a n ≠ 0 . Quando uma equação de grau n apresenta todos os termos ( a i ≠ 0 , para todo i ∈ {0,1,K, n} ), dizemos que ela é completa ou está na forma canônica. De modo geral, qualquer problema que possa ser solucionado por meio de números, certamente será tratado direta ou indiretamente através de equações. 1 Equacionar tornou-se um termo tão conhecido que todos entendem que é colocar um problema dentro de um mecanismo do qual ele sairá resolvido. Mas o que seria resolver uma equação por meio de radicais? É encontrar uma fórmula expressa através dos coeficientes da equação e que tenha apenas as seguintes operações: adição, subtração, multiplicação, divisão, potenciação e radiciação. Neste caso, diz-se que a equação tem uma solução por radicais (uma fórmula para encontrar raízes) 2. HISTÓRICO Embora as equações de primeiro e segundo graus já fossem conhecidas pelos babilônios e aparecessem em alguns textos desse povo, uma das primeiras manifestações históricas mais organizadas delas pode ser encontrada no papiro de Rhind (1650 a.C.), um dos mais antigos documentos matemáticos, onde um escriba com o nome de Ahmes ensina como resolver 85 problemas de geometria e aritmética. Esses problemas foram resolvidos por meio da Álgebra retórica uma vez que não eram conhecidas fórmulas para a resolução e não se tinha uma notação matemática eficiente. A equação de segundo grau foi resolvida algebricamente (solução por radicais) pelo matemático hindu Sridhara, mas a fórmula para resolver essa equação acabou levando o nome de Bhaskara, pelo fato da solução ter sido publicada por esse matemático. Sua demonstração hoje é considerada bem simples. As equações de terceiro e quarto grau têm histórias de soluções algébricas bastante parecidas e que acontecem no mesmo momento, na Itália do século XVI, envolvendo personagens pitorescos como Cardano e Tartáglia. A resposta definitiva sobre soluções por radicais para equações completas de qualquer grau só aconteceria na primeira metade do século XIX com Abel e Galois. No que diz respeito às soluções geométricas para algumas equações, elas são conhecidas desde a antiguidade. Os dados mais antigos sobre a resolução de problemas envolvendo equações do segundo grau foram encontrados em textos babilônicos escritos há cerca de 4.000 anos atrás. Embora os babilônios tivessem conseguido resolver muitos problemas matemáticos envolvendo equações quadráticas, cada problema exigia um método particular e sua solução era uma espécie de receita prática, que não especificava nem a sua fórmula geral (se houvesse), nem o modo como à solução havia sido obtida. Embora essas “receitas”, quando aplicadas a problemas do segundo grau, conduzissem de forma natural à dedução da fórmula de Bhaskara, os antigos babilônios não chegaram a generalizar tais fórmulas. 2.1 EQUAÇÕES DE PRIMEIRO GRAU Serão vistas algumas técnicas de resolução de equações do primeiro grau, geométricas e algébricas, presentes em alguns momentos da história. 2.1.1 Regra da falsa posição 2 As equações do primeiro grau eram resolvidas desde muito tempo através por vários métodos, entre os quais um dos mais interessantes é o método chamado de regra da falsa posição, empregado no Egito antigo, que consistia em fazer uma hipótese inicial qualquer a respeito da solução, verificar o que ocorria e encontrar a solução de fato. Como exemplo, suponha que se quer encontrar um número que somado a sua terça parte tem como resultado oito. Em notação moderna, tem-se x x+ =8. 3 Um número que facilitaria nossas contas, por eliminar a fração, seria x = 3 . Disto resultaria, 3+ 3 = 4. 3 Já que tomando o valor 3 tem-se o resultado 4 , então para chegar a 8 (dobro de 4 ) basta dobrar o valor de x , isto é, fazer x = 6 , que é a solução procurada. Isto dá uma regra: se tomando x = 3 temos a solução 4 , então para obter a real solução 8 , basta resolver a proporção 3: 4 = x :8. Disto, resulta a solução x= 3× 8 = 6. 4 De uma forma geral, seja a equação de primeiro grau ax = b , seja x0 o primeiro valor atribuído a x e y 0 o valor obtido (para a equação acima, y 0 = 3 ). Se o valor que se procura é k (para a equação acima, k = 8 ), então a solução final x será o resultado da proporção x0 : y 0 = x : k . De fato, a x0 k k k = ax0 = y0 =k. y0 y0 y0 2.1.2 Uma solução geométrica Se uma equação algébrica linear tem uma raiz positiva, ela poderá ser escrita como ax = b , com a e b positivos. Geometricamente, x é o quarto proporcional para os três segmentos de comprimento a , b , e 1, ou seja, a : b = 1 : x (de fato, a / b = 1 / x , o que leva a ax = b ) e x pode ser construído com régua e compasso da forma simples mostrada na Figura 1, onde a abertura do ângulo em O é qualquer, OA = a , OB = b , AC = 1 , e o ponto D é marcado de modo que CD seja paralelo a AB . Então x = BD é a solução. De fato, por semelhança de triângulos, temos 3 OA OC a a +1 . = , ou = OB OD b b+ x Disto resulta que a(b + x ) = b(a + 1) , ou ax = b . Figura 1 2.1.3 Solução algébrica A equação do primeiro grau pode ser escrita algebricamente assim: ax + b = 0 , com a ≠ 0, onde a e b são números reais. Para resolver essa equação soma-se o inverso de b dos dois lados da igualdade e tem se ax = −b . Posteriormente, multiplicando pelo inverso de a , chega-se a 1 1 −b × ax = −b × , ou x = . a a a 2.2 EQUAÇÕES DE SEGUNDO GRAU A exemplo das equações do primeiro grau, serão dadas soluções geométricas e algébricas. 2.2.1 Dois métodos geométricos: primeiro Na Grécia, as equações de segundo grau eram resolvidas por meio de construções geométricas, mas essas construções, em geral, eram aplicadas a equações específicas. Muito tempo depois, na Pérsia, Abu-Abdullah Muhammed ibn-Musa Al-Kowarismi (783-850), nascido na província persa de Khwarezm, de quem se herda as palavras algarismo e algoritmo, produziu uma obra popular sobre equações, a pedido do Califa Al-Mamun. A obra intitulada Al-Kitab al-jabr wa’l Muqabalah (O livro da restauração e do balanceamento) utilizava um método geométrico para achar a solução da equação x 2 + px = q (essa obra também ensinava os números hindu-arábicos), que consistia em pensar na quantidade x 2 + px como sendo uma área. Assim, era construída uma cruz formada pelo quadrado de lado x e por quatro retângulos de lados p / 4 e x. A área da cruz é exatamente x 2 + px . Então, 4 como mostra a figura 2, completa-se esta cruz com os quatros quadrados de lado p / 4 , para obter um “quadrado perfeito” de lado x + p / 2 . Figura 2 Fonte: retirada do site http://www.educ.fc.ul.pt/ dia 18/09/2008 Usando este artifício geométrico, Al-Khwarizmi demonstrou que adicionando quatro vezes p 2 / 16 (que é a soma das áreas dos quatros quadrados de lado p / 4 ), ao lado esquerdo da equação x 2 + px = q , obtinha-se a área do quadrado de lado x + p / 2 , isto é, 2 x 2 + px + 4 p2 p = x+ , 16 2 e a equação x 2 + px = q poderia ser escrita como 2 p p2 , x+ = q + 2 4 implicando que x=− p p2 ± q+ , 2 4 que é a fórmula de Bhaskara. Como a construção é geométrica, só faz sentido solução positiva. . 2.2.1.1 Segundo método geométrico Este método também devido a Al-Khwarizmi resolve uma equação completa da forma ax 2 + bx + c = 0 , desde que a solução faça sentido, isto é, que os cálculos com os números envolvidos resultem em áreas (números positivos). Dividindo a equação por a tem-se x 2 + bx / a = −c / a . Dando um tratamento geométrico para a equação, representa-se x 2 por um quadrado de lado x e que bx / a = x.b / a é um 5 retângulo de lado b / a e x (note que − c / a deverá representar uma área, portanto deverá ser positivo). Agora, dividindo esse retângulo ao meio pode-se formar o desenho da figura 3 e completar a área restante (quadrado tracejado) com o quadrado de lado b / 2a . Com isso chega-se à seguinte equação: 2 b2 bx b x 2 + 2 + 2 = −c + 2 . 4a 2a 4a Mas o lado esquerdo dessa equação representa a área do quadrado de lado x + b / 2a . Tem-se então 2 b b2 x + = −c + 2 , 2 4a que dá x = − b ± b 2 − 4ac . 2a Figura 3 2.2.2 Solução algébrica A solução algébrica da equação completa ax 2 + bx + c = 0 é feita mediante completamento de quadrados tal como na forma geométrica acima (aliás, completar quadrado nada mais é que encontrar os lados de um quadrado que resulte em determinada área). O processo é feito multiplicando a equação pelo inverso de a , a −1 , e subtraindo − c / a de ambos os lados da igualdade. Tem-se: bx c x2 + =− . a a Agora, pode-se pensar o que acrescenta nessa equação para que seu lado esquerdo possa ser um quadrado perfeito. Será visto que b 2 / 4a 2 é esse elemento e então se tem bx b 2 c b2 x + + =− + 2 , a 4a 2 a 4a 2 ou 6 2 b c b2 x+ =− + 2 . 2a a 4a Segue que x = − b ± b 2 − 4ac , uma velha fórmula conhecida. 2a 2.2.3 Solução algébrica de Bhaskara O método empregado por Bhaskara (1114-1185) na verdade é de Sridhara (991-?) e foi encontrado um século antes de ser publicada por Bhaskara. A fórmula de Sridhara considera encontrar dois números x e y cuja soma é p e cujo produto é q : x + y = p xy = q Logo, substituindo x = p p + a e y = − a , tem-se 2 2 2 p p p xy = + a − a = − a2 = q , 2 2 4 de onde a 2 = p2 p 2 − 4q −q = . Daqui se deduz que a = 4 4 p 2 − 4q . 4 Assim, x e y acabam sendo expressos como x= p + 2 p 2 − 4q 4 e y= p − 2 p 2 − 4q . 4 2.3 EQUAÇÕES DE TERCEIRO GRAU As equações do terceiro grau não têm soluções algébricas tão simples como as do primeiro ou segundo graus, mas com a ajuda de uma tábua que dá valores de n 3 + n 2 para alguns valores de n , os babilônios solucionaram certas equações cúbicas chamadas de especiais e o grande matemático Arquimedes chegou a discutir condições sob as quais uma equação de terceiro grau podia ter uma raiz positiva. Mas uma solução algébrica foi encontrada somente quase meio milênio depois da solução geométrica. 2.3.1 Uma solução geométrica O poeta-matemático persa Omar Khayyam fez um grande avanço encontrando um método geométrico para resolver as equações do terceiro grau. Em sua época, a matemática ocidental vivia uma grande crise, assim como toda a Europa medieval, sendo que quase nada de moderno tenha sido produzido (no ocidente) a não ser a inclusão dos números hindu-arábicos. 7 Omar (aproximadamente 1044 a 1123) foi um poeta, astrônomo e matemático, nascido e educado em Naishapur de Khorasan que fica no nordeste do Irã, mais conhecido no mundo ocidental pelos seus primorosos versos conhecidos como O Rubajyat. Ele também é conhecido pela reforma do calendário, seu tratamento crítico do postulado de Euclides que mostra ser ele o precursor das idéias de Saccheri que conduziram à criação da Geometria nãoeuclidiana, e pela sua contribuição para a álgebra árabe em que ele conseguiu resolver geometricamente, no que diz respeito a raízes positivas, equações do terceiro grau. O procedimento usado por Omar Khayyam gera soluções para equações da forma x 3 + b 2 x + a 3 = cx 2 , onde a , b , c e x são visto como comprimentos de segmentos de reta. O coeficiente de x 3 sendo diferente de um não é uma restrição, pois se tivermos a equação ax 3 + bx 2 + cx + d = 0, a ≠ 0 , então ela pode ser vista da seguinte forma x 3 + α x 2 + β x + ω = 0 , onde α = b c d , β = ,ω = . a a a Omar apresentava este tipo de cúbica retoricamente como “um cubo, alguns lados e alguns números são iguais a alguns quadrados”. Para resolver a equação cúbica tem-se que pensar o seguinte: dado um segmento unitário e os segmentos de reta a , b , c , construa um segmento de reta x tal que a relação apresentada entre a , b , c e x seja verdadeira. Logo, tem-se que construir x usando régua e compasso até onde for possível. Essa solução que utiliza somente régua e compasso é em geral impossível, pois em algum momento da construção tem-se que desenhar certa seção cônica unicamente definida. Uma construção muito usada na solução da cúbica é aquela de encontrar o quarto proporcional (Figura 4) para os segmentos de retas dados. Esse velho problema era conhecido pelos gregos. Suponha que u , v , w são três segmentos de reta dados e desejamos um segmento de reta x tal que tenhamos a proporção u : v = w : x . Isto é semelhante ao que foi usado para encontrar o quarto proporcional da equação do primeiro grau e é chamada de construção básica. Figura 4 A solução de Omar Khayyam para a equação cúbica x 3 + b 2 x + a 3 = cx 2 utiliza a construção apresentada acima do seguinte modo: ache o segmento de reta z tal que b : a = a : z . Então, novamente pela construção básica, ache o segmento de reta m tal que b : z = a : m . Logo, 8 encontra-se que m = a 3 / b 2 . Agora trace AB = m e BC = c (figura 5). Desenhe um semicírculo tendo AC como o diâmetro e trace a perpendicular a AC em B cortando o semicírculo em D . Sobre BD marque BE = b e por E puxe EF paralelo a AC . Pela construção básica, ache G sobre BC tal que ED : BE = AB : BG e complete o retângulo DBGH . Por H desenhe a hipérbole tendo EF e ED como assíntotas (quer dizer, a hipérbole por H cuja equação com respeito a EF e ED como eixos x e y é da forma xy = constante). A hipérbole corta o semicírculo em J , e a paralela a DE por J corta EF em K e BC em L . GH corta EF em M . Figura 5 Agora, segue: 1. 2. 3. 4. Já que J e H estão sobre a hipérbole, (EK )(KJ ) = (EM )(MH ) . Já que ED : BE = AB : BG , nós temos (BG )(ED ) = (BE )( AB ) . Então, de 1 e 2, (EK )(KJ ) = (EM )(MH ) = (BG )(ED ) = (BE )( AB ). Agora (BL )(LJ ) = (EK )(BE + KJ ) = (EK )(BE ) + (EK )(KJ ) = (EK )(BE ) + ( AB )(BE ) (por 3) (BE )(EK + AB ) = (BE )( AL ), de onde (BL )2 (LJ )2 = (BE )2 ( AL )2 . 2 Mas, da geometria elementar, (LJ ) = ( AL )(LC ) . 2 2 2 2 Então, de 4 e 5, (BE ) ( AL ) = (BL ) (LC ) , ou (BE ) (BL + AB ) = (BL ) (BC − BL ) . = 5. 6. 7. Pondo BE = b , AB = a 3 / b 2 , BC = c em 6, obtemos b 2 (BL + a 3 / b 2 ) = (BL )2 (c − BL ) . 8. Expandindo a última equação em 7, e organizando os termos, encontramos (BL )3 + b 2 (BL ) + a 3 = c(BL )2 , e segue que BL = x , uma raiz da equação cúbica dada. Deve-se admitir que o método de Omar seja muito engenhoso. Ademais, uma construção ponto-por-ponto da hipérbole (parte não construtível com régua e compasso), utilizando a construção básica, é fácil, pois se N é qualquer ponto em EF e se a perpendicular a EF em 9 N corta a hipérbole em P , então ( EM )( MH ) = ( EN )( NP ) , de onde EN : EM = MH : NP , e NP é o quarto proporcional para os três segmentos dados EN , EM , e MH . Deste modo vários pontos da hipérbole podem ser marcados e a hipérbole então esboçada como uma curva suave por esses pontos. 2.3.2 Solução algébrica Diz a historia que o professor de matemática da Universidade de Bolonha, Scipione del Ferro (1465-1526), achou uma solução geral das equações da forma x 3 + px + q = 0 . Porém morreu sem publicar sua descoberta, mas antes de morrer ele revelou ao seu aluno Antonio Maria Fior que tentou ganhar renome valendo–se da descoberta de seu professor. Nessa época era normal a disputa entre os sábios, então Fior desafiou Tartaglia (Nicolo Fontana (1499-1557), cujo apelido Tartaglia significava “o gago” em decorrência de um defeito na fala provocado por um golpe de sabre em seu maxilar quando ainda era criança) já muito conhecido por sua genialidade. A competição resumia-se em encontrar solução de diversos problemas que um deveria propor ao outro e Fior, pretendia propor questões que dependessem desse tipo de equação. Tartaglia descobriu que Fior tinha essa fórmula, então se mobilizou a encontrar uma solução para esse tipo de equação antes da disputa e acabou achando. Além disso, descobriu um método para resolver cúbicas da forma x 3 + ax 2 + b = 0 . Dessa forma, foi o ganhador. Nessa mesma época, um matemático e gênio sem princípios que também praticou medicina em Milão chamado Girolamo Cardano (1501-1576) escrevia um tratado englobando álgebra, aritmética e geometria. Ele acreditava que não existia solução algébrica para equações do terceiro grau e ao saber do feito de Tartaglia, solicitou que este lhe contasse a técnica para que fosse publicada. Tartaglia não concordou, dizendo que mais tarde publicaria, provocando assim desavenças com Cardano. Algum tempo depois, após jurar segredo, Cardano conseguiu convercer Tartaglia a revelar a chave do segredo da solução. Porém, Cardano acabou traindo Tartaglia, publicando tudo em seu Ars Magna, um grande tratado de álgebra, em latim, e o mais importante da época, publicado em 1545, em Nuremberg, Alemanha. Nesta obra, Cardano elogiava Tartaglia, mas afirmava que Scipione del Ferro já havia provado a mesma fórmula há trinta anos atrás. Logo Tartaglia revoltado publicou sua versão, denunciando Cardano por haver quebrado o pacto que tinha feito. Suas reclamações chegaram até Ludovico Ferrari (1522-1565), o aluno mais capacitado de Cardano, que argumentou que Cardano tinha recebido a informação de del Ferro por terceiros, e acusou Tartaglia de plágio da mesma fonte. Dali resultou uma disputa ácida da qual Tartaglia teve talvez a sorte de escapar com vida. Quando Tartaglia achou solução das equações x 3 + px + q = 0 , ele deu uma solução não apenas para esse tipo de cúbica, mas para a equação completa. De fato, seja a equação completa ax 3 + bx 2 + cx + d = 0 . Fazendo x = y + m , tem-se a ( y + m ) + b( y + m) 2 + c ( y + m ) + d = 0 3 ou ( ) ( ) ay 3 + y 2 (b + 3am ) + y 3am 2 + 2bm + c + m 3 a + bm 2 + cm + d = 0 . 10 Fazendo b + 3am = 0, tem-se m = −b / 3a e a nova equação do terceiro grau em y será do tipo y 3 + py + q = 0, com p = c − b 2 / 3 e q = 2a 3 / 27 − ab / 3 . Se se sabe resolvê-la, acha-se x que é y + m , solução da cúbica completa. A solução de Tartaglia para x 3 + px + q = 0 consistia em supor que a solução procurada era composta de duas parcelas x = a +b. De x 3 = (a + b ) = a 3 + b 3 + 3a 2 b + 3b 2 , colocando 3 x = a + b + 3ab(a + b ) , ou 3 3 a+b em evidência, tem-se que 3 x 3 = a 3 + b 3 + 3abx , já que a + b = x . ( ) Portanto x 3 − 3abx − a 3 + b 3 = 0 e x 3 + px + q = 0 , de onde se concluí que ( p = −3ab e q = − a 3 + b 3 ) ou p3 a b =− e a 3 + b 3 = −q . 27 3 3 Como a 3 e b 3 são números que se conhece a soma e o produto, eles podem ser encontrados como soluções de uma equação do segundo grau. Tomando a 3 = − q − b 3 e substituindo na primeira equação, tem-se que ( ) p3 b −q−b = − , 27 3 3 ou b 6 + qb 3 − p3 = 0. 27 Chamando b 6 = u 2 , tem-se que b 3 = u . Logo u 2 + qu − p3 = 0, 27 que dá u=− q ± 2 4 p3 27 . 4 q2 + 11 Substituindo em u = b 3 , tem-se 2 b3 = − q q p ± + 2 2 3 3 Agora substituindo b 3 na equação a 3 + b 3 = − q , obtem-se 2 q q p a = − ± + 2 2 3 Como x = a + b , segue então a solução 3 3 2 3 2 3 q q q p q p x = − + + +3 − − + . 2 2 2 3 2 3 3 Esta é a chamada fórmula de Cardano, que não foi descoberta por ele, mas sim por Tartaglia. Hoje ela é chamada de fórmula de Cardano-Tartaglia. Todos imaginaram que as equações do terceiro estavam vencidas, mas a ilusão durou pouco. Logo começaram a surgir raízes quadradas de números negativos, o chamado caso irredutível, e, além disso, essa fórmula só dava uma raiz como solução. Mas como poderia? Uma vez que a equação do segundo grau dava duas raízes, a equação do terceiro grau teria que apresentar três raízes. Iniciou-se uma busca que culminou na historia dos números complexos, que é outro assunto. Como exemplo do uso dessa técnica, seja a equação x 3 + 63 x = 316 . Sua solução será 2 3 2 3 316 316 316 63 316 63 x= + + − − − + +3 + + = 2 2 2 3 2 3 3 3 316 316 + 185 + 3 − 185 = 7 − 3 = 4 . 2 2 Logo x = 4 é uma solução desta equação. Um exemplo mais interessante é o da equação x 3 − 63 x = 162 . A solução empregando a fórmula seria 2 3 2 3 162 162 162 63 162 63 x= + − − − + − + 3 + − = 2 2 2 3 2 3 3 3 81 + − 2700 + 3 81 − − 2700 = 3 81 + 30 − 3 + 3 81 + 30 − 3 12 Sabe-se que uma das raízes é − 6 , no entanto não é simples ver que ela está expressa na solução acima (é fácil ver que 3 81 + 30 − 3 + 3 81 + 30 − 3 = −6 ?). Isto é difícil de resolver e era geralmente chamado de caso irredutível: encontrar a solução real a partir das raízes acima é tão difícil quanto resolver a cúbica, por isso esse caso é chamado de irredutível. Um exemplo como esse é discutido na seção 3, à frente. 2.4 EQUAÇÕES DE QUARTO GRAU Segundo Garbi (2007), a história da solução algébrica da equação do quarto grau vem junto com a do terceiro grau por ter sido encontrada na mesma época, pelo matemático Ludovico Ferrari. Nascido em Bolonha em 1522, discípulo de Cardano como já foi dito, trabalhou como servo na residência de seu mestre com apenas 15 anos de idade. Nessa época já se mostrava muito brilhante e logo foi reconhecido por Cardano, ganhando assim uma promoção a secretário. Com 18 anos, Ferrari começou a ensinar em Milão, protegido pelo Cardeal de Mantova, ganhando assim prestígio e muito dinheiro. Tornou-se professor de Matemática na Universidade de Bolonha, mas morreu aos 30 anos idade, talvez envenenado por sua própria irmã. Certo dia o Matemático Zuanne de Tonini da Coi propôs a Cardano o seguinte problema: “Divida 10 em três partes tal que elas estejam em proporção continuada e que o produto das duas primeiras seja 6”. Se as três partes são denotadas por x , y e z , tem-se x + y + z = 10, xz = y 2 (que vem de x : y = y : z ), xy = 6 . Esse sistema tem como conseqüência a equação y 4 + 6 y 2 − 60 y + 36 = 0 . Depois de várias tentativas sem sucesso, Cardano passou o desafio a Ferrari que acabou encontrando uma fórmula geral para as equações do quarto grau. Este processo também foi publicado por Cardano, como continuação da solução feita por Tartaglia das equações do terceiro grau, em sua obra Ars Magna. Dada a equação geral de quarto grau ax 4 + bx 3 + cx 2 + dx + e = 0 e substituindo x por y − b / 4a , tem-se como resultado a equação reduzida, sem o termo de terceiro grau, y 4 + py 2 + qy + r = 0 Foi esse tipo de equação que Ferrari resolveu (que pela substituição acima significa solução para a equação de quarto grau completa). Ele reagrupou os termos de modo que nos dois lados da igualdade houvesse polinômios quadrados perfeitos. Sendo isso possível, seriam extraídas as raízes quadradas, caindo em equações do segundo grau, e o problema estaria resolvido. Assim ele procedeu: 13 ( ) ( ) y 4 + 2 py 2 + p 2 = py 2 − qy − r + p 2 , ou x 2 + p 2 = px 2 − qx + p 2 − r . Tomando h arbitrário, (x 2 + p+h ) 2 = px 2 − qx + p 2 − r + 2h x 2 + p + h 2 ( ) = ( p + 2h )x 2 − qx + p 2 − r + 2 ph + h 2 . Agora escolhendo h de forma que o lado direito da equação acima seja um quadrado (a condição necessária e suficiente para que a equação ax 2 + bx + c = 0 seja um quadrado é ∆ = b 2 − 4ac = 0 ), tem-se ( ) 4( p + 2h ) p 2 − r + 2 ph + h 2 − q 2 = 0 . Esta é uma equação do terceiro grau em h e como se sabe resolvê-la, chega-se a um valor de h que reduz a solução da equação original à extração de raízes quadradas, pois teria-se (x 2 + p+h ) = (x − m) 2 2 . Conseqüentemente, x 2 + p + h = ±(x − m ) . Como exemplo, seja a equação x 4 − 15 x 2 − 10 x + 24 = 0 ( p = −15 , q = −10 e r = 24 ). Para sua solução tem-se x 4 − (15 − α )x 2 + (24 + β ) = αx 2 + 10 x + β . Segue que ∆ 1 = (15 − α ) 2 − 4(24 + β ) = 0 ∆ 2 = 100 − 4αβ = 0 Da segunda equação segue que β = 25 / α , o que leva à equação α 3 − 30α 2 + 129α − 100 = 0 . Agora usando a fórmula de Cardano-Tartaglia, chega-se as seguintes soluções: α 1 = 1, α 2 = 4 e α 3 = 25 . Logo: x 4 − (15 − 1)x 2 + (24 + 25) = x 2 + 10 x + 25 , ou x 4 − 14 x 2 + 49 = x 2 + 10 x + 25 . ( Assim, x 2 − 7 ) = ( x + 5) 2 2 ( ) , ou x 2 − 7 = ± ( x + 5) . Então x 2 − x − 12 = 0 , com soluções x1 = 4, x 2 = −3 , e x 2 + x − 2 = 0 , com soluções x3 = −2, x 4 = 1 . 14 2.4 EQUAÇÕES DE GRAU MAIOR OU IGUAL A CINCO Descoberta a fórmula para equação quártica, muitos matemáticos achavam que só seria uma questão de tempo para encontrar a resposta da equação de quinto grau aplicando a técnica de redução de grau, pois não é difícil ver que a transformação x = z − a n −1 / na n converte qualquer equação completa de grau n da forma a n x n + a n −1 x n −1 + K + a1 + a 0 = 0 em uma equação de grau n em z faltando o termo de grau n − 1 . Euler, em aproximadamente 1750, tentou reduzir a solução da equação do quinto grau para uma equação quártica, mas não teve sucesso, como também Langrange trinta anos depois. Um médico chamado Paola Ruffini (1765 – 1822), em 1803, 1805 e 1813 deu uma prova incompleta, ou melhor, sem muito rigor matemático, considerando impossível a solução por radicais para equações maiores ou iguais ao quinto grau. Niels Henrik Abel (1802-1829), tendo verificado este trabalho de Ruffini, conseguiu provar por meio da álgebra clássica a insolubilidade dessas equações por radicais. Em 1832, Evariste Galois (1811-1832) provou, antes de um duelo de pistola que o levaria à morte, a impossibilidade para as equações de grau maior ou igual cinco terem soluções por radicais, sendo a demonstração feita por meio da álgebra moderna. Em síntese, Galois construiu uma teoria nova (fundando a álgebra moderna) associando a cada polinômio com coeficientes reais uma estrutura chamada de Grupo de Galois. Ele conclui com um belíssimo teorema afirmando que uma equação algébrica tem solução por radicais se e somente se o grupo de Galois associado ao polinômio e solúvel (solubilidade de grupos foge ao objetivo deste trabalho). Como grupos de Galois de polinômio de grau maior ou igual a cinco são estruturas que estão contidas em grupos de permutação de grau n ≥ 5 , denotados por S n (todas as permutações de n objetos), e estes não são solúveis, nenhum desses grupos de Galois pode ser solúvel, apontando a impossibilidade de solução por radicais para equações algébricas de grau maior ou igual a cinco. 3. UM POUCO DE NÚMEROS COMPLEXOS As contribuições que foram feitas por meio dessas equações de terceiro e quarto grau levaram à criação de um dos mais fascinantes conjuntos, os números complexos, visto que algumas soluções encontradas eram raízes quadradas de números negativos, que até então não tinham sentido. O homem que conseguiu dar resposta satisfatória para aqueles números de raiz quadradas negativas foi Rafael Bombelli (1526-1572). Ele tentou entender como a equação do terceiro grau x 3 − 15 x − 4 = 0 tem como uma de suas raízes o número quatro (4), sendo que aplicando a fórmula, segue o seguinte resultado x = 3 2 + − 121 + 3 2 − − 121 . Bombelli escreveu como “pensamento rude” (nas palavras dele) 15 2 + − 121 = a + − b e 3 3 2 − − 121 = a − − b (complexos conjugado, na linguagem moderna) encontrou a = 2 e b = 11 , pois (2 + 11 − 1) = 2 + (2 − 11 − 1) = 2 − 3 3 ( ) ( − 121 e − 121 . ) Daí x = 2 + 11 − 1 + 2 − 11 − 1 = 4 , a solução real já conhecida. Bombelli criou as seguintes regras para trabalhar com −1 : − 1. − 1 = −1 − −1 −1 = 1 ( )( ) (− − 1)(− − 1) = −1 (± 1)( − 1 ) = ± − 1 Criou ainda uma regra para a soma de dois números da forma a + b − 1 : (a + b ) ( ) − 1 + c + d − 1 = (a + c ) + (b + d ) − 1 . As portas estavam abertas para o estudo dos números complexos (em notação moderna, temos = a + b − 1 / a, b ∈ R , aprimorado por Leonhard Euler no século XVIII. Mas esta é outra história. { } 4. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES As fórmulas das equações de primeira e segundo grau foram mais fáceis de serem encontradas, pois os babilônios, os egípcios, os hindus, os árabes e vários outros povos já trabalhavam com essas equações para fazerem construções e várias outras coisas, enquanto que as equações de grau três e quatro tiveram que esperar até o século XVIII para que pudessem ser encontradas fórmulas por radicais. Não foi por falta de mentes brilhantes trabalhando com elas que as fórmulas não foram achadas antes. Então porque será que foi tão difícil encontrar uma fórmula para equação do terceiro e quarto grau e responder satisfatoriamente a questão de existência ou não de tais fórmulas para equações de grau maior o igual cinco? Talvez por falta de uma simbologia matemática mais fácil de ser manipulada. Os matemáticos tentando resolver esse problema acabaram caindo em outro, pois tinha certas equações de terceiro grau que nas soluções tinha apareciam raízes quadradas de números negativos, até que Bombelli, com uma belíssima idéia, criou o conjunto dos números complexos. 16 Muitos matemáticos, tendo visto a invenção de Ferrari para redução do termo de grau n − 1 de qualquer equação, acharam que seria fácil encontrar uma solução para equação do quinto grau ou mais. Eles fizeram redução mais acabaram descobrindo que isto não funcionava. Esse enigma só foi respondido depois de três séculos pelos gênios Abel, por álgebra clássica, e Evariste Galois que com a resposta para essa pergunta criou o que hoje é chamado de álgebra moderna. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMO, H. Curso de álgebra. Rio de Janeiro: Impa, 1993. v.1. BOYER, C.B. História da matemática. São Paul.o: Edgard Blucher,1996. DOMINGUES, Hygino H. Álgebra moderna. São Paulo: Atual, 2003. EVES, Howard. Introdução à história da matemática. 2. ed. São Paulo: Unicamp, 1997. GARBI, Gilberto G. O romance das equações algébricas. São Paulo: Livraria da Física, 2007. GARDING Lars. Encontro com a matemática. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília (UNB), 1997. GOMES, A.M, Introdução à álgebra moderna. Rio de Janeiro: Faculdade Nacional de Filosofia, 1960. GONÇALVES, Adilson. Introdução à álgebra. Rio de Janeiro: IMPA, 2006. IEZZI, G. Fundamentos de matemática elementar. São Paulo: Atual, 1993.10. v. 6. Wellington José Ferreira ([email protected]) Curso de Matemática, Universidade Católica de Brasília EPCT – QS 07 Lote 01 – Águas Claras – Taguatinga – CEP: 72966-700 17