Biofísica Transmissão Sináptica 1 © 2015 Dr. Walter F. de Azevedo Jr. Prof. Dr. Walter F. de Azevedo Jr. Notícia Relacionada O aumento de pesquisas focadas no funcionamento do cérebro, criou uma quantidade enorme de informações científicas relevantes dispersas em milhares de artigos científicos. A proposta de um grupo de pesquisadores americanos da Carnegie Mellon University, é disponibilizar a informação sobre dados fisiológicos de neurônios de forma organizada e integrada. A partir de uma ferramenta computacional, foi organizada uma base de dados com esses resultados e disponibilizada no site: http://www.neuroelectro.org/. Este site funciona como uma base de dados sobre a fisiologia dos neurônios. Base de dados http://www.neuroelectro.org/ . Disponível em: < http://www.kurzweilai.net/a-wikipedia-forneurons >. Acesso em: 10 de setembro de 2015. 2 O que é a singularidade tecnológica ? O que é o modelo de Hogkin-Huxley? O que é sinapse? Como funcionam os fármacos anti-Alzheimer? 3 Fonte: http://www.kurzweilai.net/ Singularidade Tecnológica 80 Expectativa de vida Uma grande parte de cientistas da área de inteligência artificial, acredita que vivemos um momento especial da história do desenvolvimento científico. Devido à importância deste momento, destaco nos meus modestos cursos alguns aspectos relevantes do processo da singularidade tecnológica. Uma das características desta última é o aumento expressivo da expectativa de vida. Se compararmos a expectativa de vida hoje, com a de um brasileiro do início do século XX, vemos que mais que dobramos nossa expectativa. No gráfico ao lado, vemos que a expectativa de vida do brasileiro em 1910 era de 34 anos, e hoje está acima de 70 anos. O aumento deve-se a diversos fatores, tais como o desenvolvimento no saneamento básico e as conquistas científicas da medicina moderna. 70 60 50 40 30 20 10 0 1900 1920 1940 1960 1980 2000 2020 Ano Expectativa de vida do Brasileiro entre 1910 e 2009. Fonte dos dados: Informe da Previdência Social. Disponível em: < http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/4_110525171625-908.pdf >. Acesso em: 10 de setembro de 2015. 4 Dados para expectativa de vida, antes de 1910, indicam números ainda piores. Segundo algumas fontes, a expectativa de vida no Brasil em 1900 era inferior a 30 anos. Fonte: Laboratório de Demografia e Estudo Populacionais. Disponível em: < http://www.ufjf.br/ladem/2012/02/28/aume nto-da-longevidade-e-estancamento-daesperanca-de-vida-artigo-de-joseeustaquio-diniz-alves/ >. Acesso em: 10 de setembro de 2015. Um gráfico da evolução da expectativa de vida ano a ano (2000-2012), mostra aspectos curiosos do aumento. Vemos um avanço considerável entre 2002 e 2004. Este pulo na melhora da expectativa de vida, é, também, uma consequência direta de políticas públicas de redução da pobreza. Expectativa de vida Singularidade Tecnológica 80 78 76 74 72 70 68 66 64 62 60 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 Ano Expectativa de vida do Brasileiro entre 2000 e 2012. Fonte dos dados: Index Mundi. Disponível em: < http://www.indexmundi.com/g/g.aspx?c=br&v=30&l=pt >. Acesso em: 10 de setembro de 2015. 5 Singularidade Tecnológica Olhando para o futuro, a expectativa de vida traz grandes promessas. Um geneticista da Cambridge University Reino Unido, prevê que a primeira pessoa a viver mais de 1000 anos já está entre nós (Site da BBC. Disponível em: < http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/40030 63.stm >. Acesso em: 10 de setembro de 2015. Isto mesmo, mil anos! Não é erro de digitação. Eu sou cético com relação a este número, mas acredito, baseado na aceleração do desenvolvimento científico, que ultrapassaremos o limite de 120 anos nas próximas décadas. Página de entrada do site da Strategies for Engineered Negligible Senescence (SENS) Foundation. Disponível em: < http://sens.org/>. Acesso em: 10 de setembro de 2015. 6 Singularidade Tecnológica A evolução da ciência médica, nos deu nas últimas décadas desenvolvimentos como transplantes, vacinas, novos fármacos etc. Além disso, temos a expectativa da substituição de órgãos, como o rim crescido artificialmente mostrado ao lado (Song et al., 2013). Baseado neste cenário, podemos ser otimistas quanto à expectativa de vida do ser humano. Esperamos que, nas próximas décadas, teremos a possibilidade de substituição de nossos órgãos conforme envelhecemos. A substituição do rim por um crescido artificialmente tem uma perspectiva de ser possível numa década. Outros órgãos apresentam equivalente biomecânico, como o coração. Rim artificial testado em ratos. Disponível em: < http://www.bbc.co.uk/news/scienceenvironment-22149844>. Acesso em: 10 de setembro de 2015. Referência: Song JJ, Guyette JP, Gilpin SE, Gonzalez G, Vacanti JP, Ott HC. Regeneration and experimental orthotopic transplantation of a bioengineered kidney. Nat Med. 2013 Apr 14. doi: 10.1038/nm.3154 7 Singularidade Tecnológica Além do aumento expressivo do número de anos vividos, a humanidade usufruirá de facilidades tecnológicas, cada vez mais baratas. A evolução da medicina e da cibernética, permitirá o desenvolvimento de um equivalente computacional ao cérebro humano. Como o desenvolvimento concomitante da neurociência, espera-se que tenhamos a capacidade tecnológica de transferirmos o conjunto de nossas sinapses para um cérebro eletrônico, ou seja, a substituição do cérebro humano, por um equivalente computacional. Nessa fase a humanidade atingirá virtualmente a imortalidade. A situação onde esta transição ocorrerá, é chamada de singularidade tecnológica. Visão artística da modelagem matemática do cérebro. Disponível em: <http://www.kurzweilai.net/mind-uploadingfeatured-in-academic-journal-for-first-time>. Acesso em: 10 de setembro de 2015. 8 Singularidade Tecnológica O gráfico ao lado ilustra a lei de Moore, que estabelece que aproximadamente entre 18 e 24 meses o número de transistores por chip dobra. Esta lei foi proposta por Gordon Moore cofundador da Intel. Ou seja, considerando-se os processadores hoje, esperamos que em aproximadamente entre 18 e 24 meses teremos disponíveis, pelo mesmo preço, computadores com o dobro da capacidade de processamento. Uma extrapolação da lei de Moore para 2030, ou um pouco depois, indica que teremos computadores com a complexidade do cérebro humano. Disponível em: < http://www.kurzweilai.net/the-law-ofaccelerating-returns >. Acesso em: 10 de setembro de 2015. Evolução do número de transistores por chip em função do ano. Disponível em: http://library.thinkquest.org/4116/Science/moore%27s.htm. Acesso em: 10 de setembro de 2015. 9 Singularidade Tecnológica A pesquisa em singularidade tecnológica é uma atividade multidisciplinar, cujo o foco é o entendimento dos sistemas biológicos e computacionais, especificamente a interface do ser humano com máquinas. A partir deste conhecimento, teremos condições de prolongar nossa expectativa de vida, até termos condições tecnológicas de transferirmos nossa consciência para um sistema computacional, o que abre a possibilidade da imortalidade, bem como uma nova fase da evolução humana. Tal fase da evolução permitirá a integração das consciências computacionais, o que abre um amplo espectro de possibilidades. Tais tecnologias ainda não existem, mas se consideramos a lei de Moore, vemos que o rápido desenvolvimento tecnológico nos levará até este estágio. Visão artística do cérebro digital. Disponível em: < http://www.kurzweilai.net/critique-ofagainst-naive-uploadism#!prettyPhoto>. Acesso em: 10 de setembro de 2015. 10 Singularidade Tecnológica Muitos autores destacam que, as pesquisas mais importantes e desafiadoras nos dias de hoje, estão relacionadas com a singularidade tecnológica. A biofísica pode contribuir nesta área em duas frentes de atuação. Uma frente para entendermos as bases moleculares do funcionamento do cérebro, que permitirá seu entendimento e então sua modelagem computacional. Noutra frente, ao vivermos mais (aumento da expectativa de vida), nos tornamos sujeitos a novas enfermidades, que podem ser combatidas com abordagens do desenho de fármacos baseado em computadores. Página de entrada do site Kurzweil Accelerating Intelligence. Disponível em:<http://www.kurzweilai.net/ >. Acesso em: 10 de setembro de 2015. 11 Singularidade Tecnológica Ao atingirmos a singularidade tecnológica, abandonaremos as limitações biológicas do nosso ser e atingiremos um universo de novas possibilidades que tal fase nos trará. 12 Singularidade Tecnológica Maiores informações sobre a singularidade tecnológica podem ser encontradas nos artigos de Ray Kurzweil disponíveis on-line no site Kurzweil Accelerating Intelligence. ► Kurzweil responds: Don’t underestimate the Singularity. Disponível em: < http://www.kurzweilai.net/kurzweil-responds-dont-underestimate-the-singularity>. Acesso em: 10 de setembro de 2015. ► The new era of health and medicine as an information technology is broader than individual genes. Disponível em: < http://www.kurzweilai.net/the-new-era-of-healthand-medicine >. Acesso em: 10 de setembro de 2015. ► How my predictions are faring — an update by Ray Kurzweil. Disponível em: < http://www.kurzweilai.net/how-my-predictions-are-faring-an-update-by-ray-kurzweil >. Acesso em: 10 de setembro de 2015. ► The Law of Accelerating Returns. Disponível em: < http://www.kurzweilai.net/thelaw-of-accelerating-returns >. Acesso em: 10 de setembro de 2015. 13 Singularity University 14 Singularity University 15 Modelo de Hodgkin-Huxley O modelo de Hodgkin-Huxley foi proposto em 1952 para modelar o potencial de ação do axônio de sépia. Os dados sobre a corrente iônica foram obtidos a partir do uso da técnica de “voltage clamp”. Nesta técnica, o potencial elétrico da célula é mantido constante, independente das concentrações iônicas. Na situação abaixo as correntes iônicas são medidas. O diagrama esquemático abaixo ilustra a técnica. Um sistema de retroalimentação permite que o potencial seja mantido num valor de referência, onde toda vez que o potencial de membrana desvia-se um pouco do valor ajustado, uma tensão adicional, fornecida pela fonte de tensão, leva o potencial de membrana de volta ao valor ajustado. Fonte de tensão Amplificador do potencial de membrana Eletrodo intracelular Eletrodo extracelular Amplificador de retroalimentação Amperímetro Axônio 16 Modelo de Hodgkin-Huxley +Q I E +++++ Potencial de membrana O modelo de Hodgkin-Huxley usa o conceito de condutância (g), para elaborar uma equação diferencial que mostra o potencial de membrana em função do tempo E(t). Não é objetivo do presente curso detalhar a dedução de tal modelo, iremos somente ilustrar a equação, destacando as principais características. Quando analisamos o neurônio em repouso, vimos que o mesmo tinha um comportamento elétrico similar a um circuito resistivo-capacitivo (circuito RC) simples, ilustrado abaixo. R Q ----- Circuito RC -Q 0 Tempo(ms) Potencial limiar Potencial de repouso 17 Modelo de Hodgkin-Huxley Na figura ao lado, temos o circuito elétrico equivalente da membrana celular durante o potencial de ação, chamado de modelo de Hodgkin-Huxley. No circuito temos 3 tipos de correntes iônicas, a corrente do Sódio (INa), a corrente do Potássio (IK) e uma terceira corrente chamada em inglês Cm de “leak current” (IL), que é composta principalmente de íons de cloro. A principal contribuição do modelo HodgkinHuxley, foi a introdução das condutâncias na análise do comportamento elétrico do axônio. A condutância (g) é o inverso da resistência elétrica (R), conforme a equação abaixo: 1 g R A unidade de condutância é o Siemens (1 S = 1/Ohm). I Meio extracelular IÍon IC INa gNa ENa IL IK gK gL EK EL Meio intracelular Circuito elétrico equivalente a membrana celular, segundo o modelo de Hodgkin-Huxley. 18 Modelo de Hodgkin-Huxley Ao incluirmos as condutâncias (g), temos a possibilidade de modelar o potencial de ação, considerando o circuito equivalente ao lado. Temos as condutâncias para Sódio (gNa), Potássio (gK) e uma terceira para o termo “leak” (gL), ou seja, vazamento de íons. A corrente total (I) é a Cm soma da corrente iônica (Iíon) e a corrente capacitiva (IC), como segue: I = IC + Iíon . A corrente iônica total (Iion) é dada pela soma de todas as correntes devido a cada canal (INa e IK) e a terceira corrente (IL) é constante e minoritária. Assim temos, I Meio extracelular IÍon IC INa gNa ENa IL IK gK gL EK EL Meio intracelular Iion = INa + IK + IL Circuito elétrico equivalente a membrana celular, segundo o modelo de Hodgkin-Huxley. 19 Modelo de Hodgkin-Huxley Vemos no circuito equivalente a presença de 3 fontes de potencial, nominalmente Ena , EK e EL, relativas ao Sódio, Potássio e vazamento (leak). Tais potenciais podem ser determinados a partir da equação de Nernst, vista anteriormente. Assim, temos as seguintes equações para Cm as correntes que formam a corrente iônica, INa = gNa (V - ENa ) , Ik = gk (V - Ek ) I Meio extracelular IÍon IC INa gNa ENa IL IK gK gL EK EL e Il = gL (V - EL ) onde V é o potencial da membrana. Veja no circuito, que as condutâncias do Sódio (gNa) e do Potássio (gK) são variáveis e a condutância de vazamento é constante. Meio intracelular Circuito elétrico equivalente a membrana celular, segundo o modelo de Hodgkin-Huxley. 20 Modelo de Hodgkin-Huxley Usando o circuito equivalente, vemos que na fase de despolarização temos a condutância do Na+ alta, o que permitirá entrada de íons de Na+ na célula, elevando a corrente INa e o potencial de membrana (V). Na fase repolarização, teremos aumento condutância do K+, o que levará K+ para o meio extracelular e diminuirá potencial de membrana. I Meio extracelular IÍon IC INa Cm gNa ENa 2 3 IL IK gK gL EK EL 1 4 Gráfico do potencial contra o tempo (linha vermelha), gerado pelo HHSim (http://www.cs.cmu.edu/~dst/HHsim/). 21 Meio intracelular Modelo de Hodgkin-Huxley O modelo de Hodgkin-Huxley é um modelo computacional, sendo considerado o primeiro modelo da abordagem de biologia de sistemas. Tal modelo descreve a resposta do axônio de sépia a diferentes estímulos elétricos. Temos a implementação do modelo computacional de Hodgkin-Huxley (modelo HH) em diversos programas. Apresentaremos aqui um que foi implementado na linguagem MatLab, chamado HHSim que está disponível no site http://www.cs.cmu.edu/~dst/HHsim/ . Esse simulador do potencial de ação possibilita testarmos diferentes tipos de estímulos elétricos aplicados ao axônio, bem como o efeito de moléculas que interagem com os canais iônicos. Diagrama esquemático de uma seção do axônio de sépia. Axônio pré-sináptico da sépia, colorido em rosa para destaque. Disponível em: http://dels-old.nas.edu/USNC-IBRO22 USCRC/resources_methods_squid.shtml Acesso em: 10 de setembro de 2015. Modelo de Hodgkin-Huxley O diagrama esquemático abaixo ilustra o arranjo experimental, simulado no HHSim. Temos o cilindro representando uma seção do axônio da sépia, onde foram inseridos 2 eletrodos. Temos o eletrodo 1 responsável pelo estímulo, que será medido em unidades de corrente elétrica, nA (nanoAmpére, 10-9 A). Gerador de corrente elétrica (estímulo) Eletrodo 1 Seção do axônio de sépia. 23 Modelo de Hodgkin-Huxley Temos um segundo eletrodo (eletrodo 2), inserido após o eletrodo 1. O posicionamento de eletrodo 2 indica que ele está mais próximo do terminal axonal que o eletrodo 1. Assim, o estímulo gerado no eletrodo 1 pode propagar-se ao longo do axônio e ser registrado no eletrodo 2. O eletrodo 2 está ligado a um voltímetro, que registra o potencial de membrana em mV em função do tempo (eixo horizontal). Gerador de corrente elétrica (estímulo) Voltímetro (eixo vertical em mV) Eletrodo 1 Eletrodo 2 Seção do axônio de sépia. 24 Modelo de Hodgkin-Huxley Na situação ilustrada abaixo, temos que o voltímetro mostra a evolução temporal do potencial de membrana, num período de 20 ms, suficiente para vermos todas as fases do potencial de ação (despolarização, repolarização e hiperpolarização). Gerador de corrente elétrica (estímulo) Voltímetro (eixo vertical em mV) Eletrodo 1 Eletrodo 2 Seção do axônio de sépia. 25 Modelo de Hodgkin-Huxley Vamos usar o HHSim para destacar as características do potencial de ação. Na figura abaixo temos a situação de potencial de repouso. A linha vermelha indica o potencial da membrana (em repouso), a linha roxa indica o estímulo aplicado, a linha amarela a condutância do Na+ e a verde a condutância do K+ . Gráfico do potencial contra o tempo (linha vermelha), gerado pelo HHSim (http://www.cs.cmu.edu/~dst/HHsim/). Acesso em: 10 de setembro de 2015. 26 Modelo de Hodgkin-Huxley Aplicamos um estímulo, linha roxa, temos que o potencial de membrana atinge uma valor acima do potencial limiar (linha vermelha). Em tal situação, abrem-se os canais de Na+ dependentes de voltagem. Cofirmarmos a situação, verificando a condutância do Na+ (linha amarela), que começa a subir, indicado o influxo de Na+. O eixo horizontal é o do tempo. Todo evento está registrado em pouco mais de 20 ms. Gráfico do potencial contra o tempo (linha vermelha), gerado pelo HHSim (http://www.cs.cmu.edu/~dst/HHsim/). Acesso em: 10 de setembro de 2015. 27 Modelo de Hodgkin-Huxley Comparando-se as condutâncias, vemos que a condutância do Na+ (linha amarela) atinge o valor máximo, antes da a condutância do K+ (linha amarela). Isto deve-se ao fato do canal de Na+ dependente de voltagem abrir-se antes do canal de K+ dependente de voltagem. Gráfico do potencial contra o tempo (linha vermelha), gerado pelo HHSim (http://www.cs.cmu.edu/~dst/HHsim/). Acesso em: 10 de setembro de 2015. 28 Modelo de Hodgkin-Huxley Depois de poucos milisegundos, ambos canais estão fechados, como vemos com as condutâncias retornando para o valor zero. Depois de mais alguns milisegundos, o potencial de membrana (linha vermelha) retorna ao valor de repouso. Gráfico do potencial contra o tempo (linha vermelha), gerado pelo HHSim (http://www.cs.cmu.edu/~dst/HHsim/). Acesso em: 10 de setembro de 2015. 29 Cérebro Humano O cérebro humano é considerado por muitos como o mais capaz entre os animais do planeta Terra. Considerandose que, um maior número de neurônios significa maior poder cognitivo, espera-se que o cérebro humano seja o campeão entre os animais em número de neurônios. Na verdade, apesar de muitos livros textos estabelecerem o número redondo de 100 bilhões de neurônios no cérebro (1011 ) ( Williams & Herrup, 1988), tal número ainda é motivo de grande debate. Fonte: Williams RW, Herrup K. The control of neuron number. Annu Rev Neurosci. 1988;11:423-53. Imagem de CAT scan do cérebro. Disponível em : < http://netanimations.net/Moving_Animated_Heart_Beating_L ungs_Breathing_Organ_Animations.htm#.UXKY4rXvuSp >. Acesso em: 10 de setembro de 2015. 30 Cérebro Humano Se considerarmos que o cérebro humano é formado por aproximadamente 1011 neurônios, sendo que cada uma dessas células pode formar até 10.000 conexões, temos que o cérebro humano pode apresentar até 1014 sinapses. Tomamos um valor médio de 103 sinapses por neurônio. Um estudo sobre o assunto (Azevedo et al., 2009), estimou o número em 86,1 ± 8,1 bilhões de neurônios ( 8,61.1010) num adulto do sexo masculino. Revisões posteriores, sobre o número de neurônios no cérebro humano, ficam entre 75 e 124 bilhões (Lent, 2012), assim, o número de 100 bilhões, é um valor médio das estimativas. Fonte: Azevedo FA, Carvalho LR, Grinberg LT, Farfel JM, Ferretti RE, Leite RE, Jacob Filho W, Lent R, Herculano-Houzel S. Equal numbers of neuronal and nonneuronal cells make the human brain an isometrically scaled-up primate brain J Comp Neurol. 2009;513(5):532-41. Concepção artística do cérebro humano. Disponível em : < http://www.whydomath.org/ > Acesso em: 10 de setembro de 2015. 31 Cérebro Humano A complexidade dos pensamentos e do tráfego de sinais no organismo humano são resultados da interação entre neurônios conectados. O impressionante número de conexões entre os neurônios cria um sistema altamente complexo envolvendo 1014 sinapses. Os resultados da ação desse sistema vemos a cada segundo de nossas vidas, pensando, criando e aprendendo... As interações, que geram padrões complexos, são resultados das sinapses entre as células. Resumindo, tudo que pensamos e lembramos é resultado das interações dessa rede complexa de sinapses. Iremos ver as principais características das sinapses. Segundo alguns autores, o cérebro humano tem aproximadamente 1014 sinapses, uns apresentam um número menor... Fonte da imagem: http://images.fanpop.com/images/image_uploads/HomerBrain-X-Ray-the-simpsons-60337_1024_768.jpg Acesso em: 10 de setembro de 2015. 32 Sinapses As sinapses são junções estruturalmente especializadas, em que uma célula pode influenciar uma outra célula diretamente por meio do envio de sinal químico ou elétrico. A forma mais comum de sinapse é a sinapse química. Na sinapse temos a participação das células pré-sináptica e pós-sináptica. Célula pré-sináptica: É a célula que envia o sinal nervoso. Célula pós-sináptica: É a célula que recebe o sinal da célula pré-sináptica. Neurotransmissor Ca+2 Receptor Membrana pré-sináptica Canal de Ca+2 Vesícula Fenda sináptica Membrana pós-sináptica 33 Sinapse Química Na sinapse química, a comunicação entre a célula pré-sináptica e pós-sináptica dá-se por meio de neurotransmissores, que passam da célula pré-sináptica, ligando-se a receptores específicos na célula pós-sináptica. Os neurotransmissores ficam armazenados em vesículas e, uma vez que um potencial de ação chega ao terminal axonal, esses são liberados na fenda sináptica. Os neurotransmissores ligam-se a uma classe especial de proteínas transmembranares, chamadas receptores. Neurotransmissor Ca+2 Receptor Membrana pré-sináptica Canal de Ca+2 Vesícula Fenda sináptica Membrana pós-sináptica 34 De uma forma geral, as células nervosas comunicam-se através de neurotransmissores, que são pequenas moléculas que se difundem facilmente pela fenda sináptica. Os neurotransmissores ligam-se às proteínas transmembranares. Tal ligação promove uma mudança estrutural, permitindo a abertura dos receptores. A abertura permite um influxo de íons. Todo o processo demora milisegundos e há diversos tipos de neurotransmissores, como a acetilcolina e serotonina. O fechamento dos receptores também ocorre rapidamente, uma vez fechados, a entrada de íons para célula pós-sináptica é interrompida. Receptor (vista lateral) Membrana Receptor (vista superior) 35 Fonte: http://www.rcsb.org/pdb/static.do?p=education_discussion/molecule_of_the_month/pdb71_1.html Sinapse Química Um tipo especial de receptor é o receptor de acetilcolina, encontrado nas células do músculo esquelético e em neurônios do sistema nervoso central. A acetilcolina, indicada em vermelho na figura ao lado, liga-se nas cadeias alfa do pentâmero, indicadas em laranja, que formam o receptor de acetilcolina. A faixa cinza na figura indica a posição da membrana celular, vemos claramente que o receptor de acetilcolina atravessa a membrana celular. Como sempre, a parte de cima da figura indica o meio extracelular e a parte inferior o meio intracelular. A faixa cinza é a bicamada fosfolipídica. Receptor (vista lateral) Membrana Receptor (vista superior) 36 Fonte: http://www.rcsb.org/pdb/static.do?p=education_discussion/molecule_of_the_month/pdb71_1.html Sinapse Química Sinapse Química A acetilcolina (ACh) é liberada por exocitose da célula pré-sináptica, ligandose ao seu receptor na célula póssináptica. O receptor de acetilcolina é uma proteína transmembranar composta por 5 cadeias polipeptídicas (pentâmero), sendo duas cadeias alfa, uma beta, gama e delta. A ligação da acetilcolina promove uma mudança conformacional na estrutura do pentâmero, abrindo um poro no centro da estrutura. Tal poro permite a passagem de íons do meio exterior para o citoplasma, o influxo de íons de sódio eleva o potencial de membrana na região próxima à fenda sináptica. Na figura ao lado vemos o receptor de ACh visto de cima, do meio extracelular e de perfil, numa imagem deslocada 90º com relação à figura de cima. Código PDB: 2BG9 37 Sinapse Química Observando-se o pentâmero que forma o receptor de ACh por cima, vê-se claramente o poro, em formato de estrela no centro da estrutura. Cada cadeia polipeptídica está colorida de forma distinta. Na figura ao lado, temos uma visão de perfil do receptor de acetilcolina, o trecho transmembranar tem uma predominância de hélices alfa, um padrão comum em proteínas transmembranares. Código pdb: 2BG9 38 Sinapse Química A estrutura mostrada no slide anterior é o receptor de acetilcolina da raia elétrica (Torpedo marmorata), similar ao encontrado na junção neuromuscular de mamíferos. As arraias e enguias elétricas apresentam órgãos especializados capazes de gerar pulsos de eletricidade. Tais pulsos são capazes de paralisar suas presas. Os órgãos elétricos são células musculares modificadas de forma plana, que encontram-se empilhadas. O pequeno potencial gerado através de cada membrana celular, controlada pela grande densidade de receptores de acetilcolina, somam-se, gerando choques elétricos capazes de paralisar uma presa. Cada célula funciona como um gerador, que são colocados em série, o que tem como resultado, a soma dos potenciais individuais. Torpedo marmorata (Risso, 1810) fotografia de ©Bernard Picton. Disponível em: < http://www.habitas.org.uk/marinelife/photo.asp?item=tormar > Acesso em: 10 de setembro de 2015. 39 40 Fonte: Purves et al., Vida. A ciência da Biologia. 6a. Ed. Artmed editora, 2002 (pg. 787). Sinapse Química Acetilcolinaesterase A presença de ACh na fenda sináptica, deixaria os receptores de ACh abertos por um tempo maior que o necessário após a repolarização da célula pré-sináptica. Para evitar tal situação, entra em ação a enzima acetilcolinaesterase (EC 3.1.1.7), que catalisa a clivagem da molécula de ACh. A clivagem ocorre rapidamente, para garantir que a célula pós-sináptica retorne ao repouso, uma vez cessado o potencial de ação na célula pré-sináptica. A figura abaixo mostra a estrutura da enzima acetilcolinaesterase (AChE), onde vemos a tríade catalítica no sítio ativo. Em média a acetilcolinaesterase catalisa a clivagem de uma molécula de ACh em 80 microssegundos. H440 S200 E327 Tríade catalíca formada pelo resíduos: Ser 200, Glu 327 e His 440. Código de acesso PDB: 1ACJ 41 Acetilcolinaesterase A acetilcolinaesterase tem sido estudada intensamente por ser um alvo para o desenho de drogas contra o mal de Alzheimer. Pessoas com Alzheimer apresentam enfraquecimento do impulso nervoso. A inibição da enzima acetilcolinaesterase, permite que haja um número maior de neurotransmissores na fenda sináptica, aumentando o impulso nervoso. A reação química catalisada pela acetilcolinaesterase está mostrada abaixo. + H2O + Aceticolina Acetato Colina Reação de catálise da acetilcolina. Disponível em: < http://www.ebi.ac.uk/thornton-srv/databases/cgi-bin/enzymes/GetPage.pl?ec_number=3.1.1.7 > Acesso em: 10 de setembro de 2015. 42 Acetilcolinaesterase A estrutura abaixo mostra o complexo da aceticolinaesterase com a droga aricept, resolvido a partir da técnica de cristalografia por difração de raios X. Na estrutura temos a droga (aricept) bloqueando o sítio ativo da enzima, o que impossibilita a ligação da ACh, inibindo a reação de catálise da ACh. O inibidor aricept é um inibidor competitivo, pois compete com a acetilcolina, impedindo sua ligação. Usando o modelo chave-fechadura, o sítio ativo da enzima é a fechadura e o inibidor a chave. Droga aricept bloqueando o sítio ativo da enzima e prevenindo a clivagem de ACh. Código de acesso PDB: 1EVE 43 Sinapses Excitatórias Sinapses excitatórias levam a célula pós-sináptica a aumentar a probabilidade de disparo de potencial de ação, ou seja, há entrada de íons positivos na célula póssináptica. É o caso da junção neuromuscular no músculo esquelético, onde a célula pós-sináptica (fibra muscular) sofre despolarização devido à liberação do neurotransmissor acetilcolina da célula pré-sináptica. Acetilcolina Ca+2 Receptor de acetilcolina (canal de sódio) Membrana pré-sináptica Canal de Ca+2 Vesícula Fenda sináptica Membrana pós-sináptica 44 Sinapses Inibitórias Sinapses inibitórias são sinapses onde há entrada de íons negativos na célula póssináptica, levando esta à hiperpolarização. GABA (ácido -aminobutírico) e glicina são os neurotransmissores comumente encontrados em sinapses inibitórias. A presença de canais de cloro dependentes de ligantes nas células pós-sinápticas, permite a entrada de carga negativa, levando a célula à hiperpolarização. GABA Ca+2 Receptor de GABA (canal de cloro) Membrana pré-sináptica Canal de Ca+2 Vesícula Fenda sináptica Membrana pós-sináptica 45 Sinapses Elétricas As sinapses elétricas têm participação minoritária no sistema nervoso, contudo estão presentes inclusive no cérebro de mamíferos. São diferentes das sinapses químicas, porque acoplam neurônios eletricamente. Nesse tipo de sinapse, as membranas das células pré-sináptica e pós-sináptica estão separadas por uma distância entre 20 e 30 Å. 46 Sinapses Elétricas As membranas dos dois neurônios pré e pós-sinápticos estão bem próximas, e estão conectados por uma junção comunicante (gap junction). Tais junções apresentam pares de canais precisamente alinhados nos neurônios pré e pós-sinápticos, de forma que cada par forma um poro, conforme o diagrama abaixo. Os poros são maiores que os poros dos canais dependentes de voltagem. Proteínas específicas de membrana, chamadas conexinas ligam os dois neurônios, formando um túnel molecular entre as duas células. As sinapses elétricas funcionam permitindo o fluxo passivo de corrente iônica através dos poros de um neurônio para outro. O arranjo da sinapse elétrica permite que ela seja bidirecional. 47 Sinapses Elétricas O estudo da sinapse elétrica em crayfish determinou a rapidez da sinapse elétrica, quando comparada com a sinapse química (Furshpan & Potter, 1959). Um sinal póssináptico é observado em uma fração de milisegundo, após a geração do potencial de ação pré-sináptico. No caso do crayfish, as inteconecções das sinpases elétricas, permitem uma rápida resposta ao ataque de um predador. Sinapses elétricas também são usadas para sincronizar a atividade de populações de neurônios, como em neurônios de secreção de hormônio localizados no hipotálamo de mamíferos. Referência: Furshpan, E. J. & Potter, D. D. (1959). J. Physiol. 145:289-325. 48 Relação com Outras Disciplinas Na aula de hoje vimos detalhes sobre a sinapse e detalhes sobre a estrutura do neurônio, um tópico relacionado com a disciplina Biologia Celular e Tecidual. Vimos como os fármacos contra Alzheimer funcionam, um assunto que está relacionado com a disciplina Farmacologia, do sétimo semestre do curso de Biologia. Ao estudarmos as bases moleculares do sinapses química e elétrica, vimos um tópico de estudo da Química e Bioquímica Estrutural. O estudo do comportamento da raia elétrica está relacionada com as disciplinas Zoologia I e II. Zoologia I e II Bioquímica Estrutural Química Aula de hoje Biologia Celular e Tecidual Farmacologia 49 Material Adicional (Artigos Indicados) Selecionei 5 artigos, 3 trazem resultados interessantes sobre aplicações farmacológicas da inibição da acetilcolinaesterase, um quarto descreve a polêmica sobre o número de neurônios. O último artigo descreve a mudança do canal de Na+ dependente de voltagem da serpente que preda a salamandra. 1) Discovery of a novel acetylcholinesterase inhibitor by structure-based virtual screening techniques. Chen Y, Fang L, Peng S, Liao H, Lehmann J, Zhang Y. Bioorg Med Chem Lett. 2012 May 1;22(9):3181-7. 2) Synthesis, characterization, X-ray crystallography, acetyl cholinesterase inhibition and antioxidant activities of some novel ketone derivatives of gallic hydrazide-derived Schiff bases. Gwaram NS, Ali HM, Abdulla MA, Buckle MJ, Sukumaran SD, Chung LY, Othman R, Alhadi AA, Yehye WA, Hadi AH, Hassandarvish P, Khaledi H, Abdelwahab SI. Molecules. 2012 Feb 28;17(3):2408-27. 3) In silico methods to assist drug developers in acetylcholinesterase inhibitor design. Bermúdez-Lugo JA, Rosales-Hernández MC, Deeb O, Trujillo-Ferrara J, Correa-Basurto J. Curr Med Chem. 2011;18(8):112236. Review. 4) How many neurons do you have? Some dogmas of quantitative neuroscience under revision. Lent R, Azevedo FA, Andrade-Moraes CH, Pinto AV. Eur J Neurosci. 2012;35(1):1-9. 5) Mechanisms of adaptation in a predator-prey arms race: TTX-resistant sodium channels. Geffeney S, Brodie ED, Ruben PC, Brodie ED. Science 2002; 297 (5585): 1336–9. 50 Material Adicional (Filme Indicado) A sugestão de filme relacionado com a aula de hoje é a excelente comédia de Todd Phillips, Parto de Viagem. No elenco temos Robert Downey Jr e Zach Galifianakis. Durante o filme vemos os efeitos do THC no cérebro humano, de forma não científica, mas bem divertida. Cartaz do filme Parto de Viagem (Due Date) de 2010. Fonte da imagem: http://www.imdb.com/title/tt1231583/ Acesso em: 10 de setembro de 2015. 51 Material Adicional (Site Indicado 2) Segue uma breve descrição de um site relacionado à aula de hoje. Se você tiver alguma sugestão envie-me ([email protected]). http://www.whydomath.org/node/HHneuro/ index.html. O site www.whydomath.org apresenta modelos computacionais para simulação da dinâmica do cérebro. O site está em inglês. Animação com o disparo do potencial de ação. Disponível em: < http://www.whydomath.org/node/HHneuro/index.html >. Acesso em: 10 de setembro de 2015. 52 Questão Explique a sinapse química. Acetilcolina Ca+2 Receptor de acetilcolina (canal de sódio) Canal de Ca+2 Vesícula 53 Referências HODGKIN, ALAN L; HUXLEY, ANDREW F. "A quantitative description of membrane current and its application to conduction and excitation in nerve". Journal of Physiology, 1952; 117 (4): 500-544. OLIVEIRA, Jarbas Rodrigues de; WACHTER, Paulo Harald; AZAMBUJA, Alan Arrieira. Biofísica para ciências biomédicas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. 313 p. OKUNO, Emiko; CALDAS, Iberê Luiz; CHOW, Cecil. Física para ciências biológicas e biomédicas. São Paulo: Harper & Row do Brasil, 1982. 490 p. PURVES, W. K., SADAVA, D., ORIANS, G. H., HELLER, H. G. Vida. A Ciência da Biologia. 6a ed. Artmed editora. 2002. VOET, Donald; VOET, Judith G. Bioquímica. 3ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2006. 1596 p. 54