Histórias da Ciência

Propaganda
ÀS 6as FEIRAS · 17 JUNHO ’05
18H30 · SALA 2 · ENTRADA GRATUITA
Produção Centro de Estudos da História das Ciências Naturais e da Saúde (CEHCNS) – Instituto de Investigação
Científica Bento da Rocha Cabral (IICBRC) / Culturgest
Com o apoio da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT)
Histórias da Ciência
Os Dez Primeiros Capítulos
Coração, cabeça e estômago
Dos Protozoários, como dos fracos nos evangelhos triunfalistas,
não reza a História. Não tivesse um holandês inventado o
microscópio e nem sequer se saberia que existiam: esperneariam
sem fim ao anonimato das gotas de água, juntamente com toda a
sua mobília, pobres criaturas que a vida engendrou nos seus
primeiros ensaios, espécie de párias a que longamente os primeiros
espreitadores do mundo minúsculo nem souberam que fazer.
Chegaram a propor para eles um reino à parte, como os leprosos
se trancavam nas garrafas, como muita gente gostaria de trancar
as pessoas com SIDA numa ilha da Antárctida: seriam, à margem
da lei e da ordem dos seres superiores, os piolhos invisíveis do
reino dos Protistas; e, destes, os mais elementares de todos, os
que nem sequer tinham um núcleo individualizado dentro da célula
única que os constituía, iriam para a gaveta do grupo Monera. Os
Metazoários, isso sim: animais de várias células, organizadas,
especializadas, outra qualidade. Se julgam que este prelúdio racista
se podia dispensar estão muito enganados. Já vão ver.
No desenvolvimento embrionário dos Metazoários existe uma
etapa inicial a que se chama a gastrulação; e nessa fase, os embriões
recebem o nome de gástrulas. É logo ao princípio, quando, pela
primeira vez, as células deixam de estar apenas em incessante
divisão a partir da massa e da energia herdadas do ovo e se começam
a movimentar, a interactuar, a agrupar, formando esboços pioneiros
de tecidos e de estruturas. O termo foi proposto em 1874, por um
inteligente chamado Haeckel, que para o efeito se baseou em
estudos feitos com Celenterados, o grupo a que pertencem as
alforrecas. Em centenas e centenas de páginas, nesse tempo em
que sobrava aos notáveis uma grande disponibilidade para escrever,
para ler e para pensar, a Gastraetheorie afirmava que todos os
embriões de todos os Metazoários começam por se organizar sob
a forma de um saco de parede dupla: duas camadas de células e
um estômago lá dentro. As alforrecas têm, de facto, esta
organização, até na vida adulta. São como pequenos estômagos
que nadam, daí a sua alcunha de gastreados. E as alforrecas são
muito primitivas. São horrorosamente primitivas, mesmo,
praticamente os únicos dos Metazoários que mantêm no estado
adulto o eixo de simetria do embrião. Então Haeckel tirou da cartola
um corpo teórico elegantíssimo.
Estava na época muito em moda a chamada lei ontogénica
fundamental, ou a lei de Fritz-Muller: a ontogenia repete a filogenia,
não ouviram já isto em qualquer parte? Quer dizer que, por exemplo,
o embrião humano começa por ter arcos branquiais como os peixes,
por ter cauda como os répteis, passando por todas as etapas de
evolução que a animalidade empreendeu antes de lograr a suprema
engenharia humana. De facto, nos seus primeiros momentos, todos
os embriões são iguais embora evidentemente, uns sejam mais
iguais do que outros; e esta semelhança e tanto mais notória quanto
mais perto se estiver do princípio. Não começamos todos nós por
ser um ovo, logo unicelulares, recapitulando a hora dos
Protozoários? Portanto, concluiu Haeckel, todos os Metazoários
têm que passar, no seu desenvolvimento embrionário, pela fase
de gástrula, reconstituindo o estômago duplamente forrado das
alforrecas, de todos os mais primitivos dos animais superiores.
Estão a ver? Antes ainda de termos já vagamente uma forma e
sermos então peixes, muito antes de a nossa cauda recapitular o
apogeu dos répteis, a iniciação tinha que vir pelo corpo mole das
alforrecas. Memorizando tudo do princípio até ao fim, como na
hora da morte veremos tudo do fim para o princípio, persistente,
religiosa, a ontogenia lá estava, a recapitular a filogenia. Não é
brilhante?
Bem. É preciso ver que Darwin tinha então acabado de lançar
a febre sobre o mundo assinando a ideia da origem das espécies
pela acção multissecular da selecção natural. Excitada, aquela gente
via evolução como a Branca de Neve via anões: por toda a parte.
A vida fizera-se de repente plástica e modelada por mil dedos na
cruzada diabólica da sobrevivência do mais apto. Maravilhosamente
acertada pelo ar do tempo, com os embriões a percorrerem toda
a escala evolutiva antes de por fim desabrocharem no seu corpo
de adultos, a lei ontogénica fundamental enchia as medidas e podia
explicar quase tudo. Explicava, por exemplo, porque é que os óvulos
dos mamíferos, no momento em que se desprendem do ovário e
estão aptos a serem fertilizados, não apresentam um núcleo
individualizado. Na realidade, não o apresentam porque estão a
meio de um processo de divisão, com os cromossomas entabulando
a sua dança reprodutiva. Mas naquela altura era muito mais bonito:
os óvulos não apresentavam núcleo, dizia-se, porque estavam a
recapitular a fase ancestral em que despontava o grupo Monera.
E monérulas lhes chamaram, muito coerentemente.
Depois como sempre, quanto mais se foi descobrindo mais
excepções se penduraram na regra. A teoria da gástrula ganhou
rombos e perdeu brilho, passou a não ser sempre assim, acabou
por não ser bem assim, e hoje só o conceito persiste. A tese
unificadora, tão linda, murchou; mas pela gastrulação continuamos
a jurar: e mesmo verdade, seja como for, que o esforço inicial de
organização dos embriões vai no sentido da formação de um
primeiro estômago, peça rudimentar, aberta ainda só de um lado,
mas que importa. A coluna vertebral que nos aguenta direitos, o
sistema nervoso que nos abre as portas do pôr do sol, tudo isso
de que nos podemos orgulhar só virá depois. Muito antes dos olhos
e dos ouvidos, abrem-se os percursores da boca e do ânus. Antes
ainda que bata o coração, lá está o estômago. Muito antes de a
cavidade cefálica abrigar os neurónios, lá está a cavidade digestiva
pronta a entrar em acção. Coração e cabeça, pois sim, mas mais
tarde. Antes de mais nada, o estômago. A ontogenia pode já não
cintilar como o espelho de toda a gesta evolutiva, revolvidas as
eras propedêuticas em que tudo era confortavelmente taxativo e
unilateral. Mas uma coisa vai ela repetindo, frontal e pragmática:
primum vivere, deinde philosophare. É tudo muito bonito, dizem
as células. Mas quando é que a gente almoça?
CLARA PINTO CORREIA
17 DE JUNHO · DR. ANTÓNIO JOSÉ ALBUQUERQUE Hospital Júlio de Matos
Personagens históricos e literários e síndromas
psiquiátricos associados
A Psicopatologia é um desenvolvimento recente e relativamente
complexo da Patologia Médica clássica.
No seu início, a ausência de modelos indutivos naturais, que
lhe permitissem auscultar o carácter específico da doença mental,
impôs-lhe a necessidade de se apropriar de metáforas culturais,
descritivas, históricas e analógicas que, por aproximação,
iluminassem os seus mecanismos de produção.
Assim, as classificações, as nomenclaturas e alguma parte do
discurso psiquiátrico tiveram de pedir ajuda às mitologias, à história
literária, à etnologia e a outras fontes igualmente interessantes...
António José Albuquerque
Médico Psiquiatra
Director de Serviço do Hospital Júlio de Matos
Informações 21 790 51 55 • Edifício Sede da Caixa Geral de Depósitos, Rua Arco do Cego, 1000-300 Lisboa
[email protected] • www.culturgest.pt
Download