INFECÇÃO PELO ZIKA VIRUS. UMA BREVE

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INFECÇÃO PELO ZIKA VIRUS. UMA BREVE REVISÃO.
Heloisa Helena de Sousa Marques
Membro do Departamento de Infectologia – SBP
Doutora em Pediatria pela FMUSP-SP
Atualizado em 11/03/2016
Etiologia
O Zika virus (ZIKV) é um RNA vírus, do gênero Flavivírus, família Flaviviridae. Foi
identificado em 1947, na floresta Zika, em Uganda e recebeu a denominação do local de
origem, após a sua detecção em macacos sentinelas (Rhesus 766 e Rhesus 771) para
monitoramento da febre amarela (1,2). A infecção foi diagnosticada, através de estudos
sorológicos, em humanos em 1952 em Uganda e Nigéria. No entanto, o primeiro
isolamento do ZIKV em humanos foi realizado no soro de uma menina nigeriana de 10
anos de idade que apresentava a doença no 5º dia, com febre e cefaléia, durante a
investigação de um surto com suspeição de febre amarela (3).
Ao longo dos anos, foram detectados casos isolados em países de África, no final da
década de 70 na Indonésia. A partir 2007 foram descritas epidemias na Micronésia e
outras ilhas do Oceano Pacífico e, mais recentemente, no Brasil, e agora em vários
países da América Latina, América Central e Caribe.
Até o momento, são conhecidas e descritas duas linhagens do vírus ZIKV, uma africana
e outra asiática (4,5). Esta última é a linhagem identificada no Brasil e estudos
publicados em 25 de novembro de 2015 indicam adaptação genética da linhagem
asiática (6).
Modo de transmissão
O ZIKV é transmitido através da picada de mosquitos do genero Aedes, tendo sido
isolado em 1948 a partir de um macerado de mosquitos da espécie A. africanus colhidos
na floresta de Zika (7). Adicionalmente, este vírus veio a ser repetidamente isolado de
mosquitos quer na África, como na Ásia, permitindo sugerir que espécies como A.
africanus, A. aegypti e A. hensilliparticipem na sua manutenção em ambiente silvático
(8-11). A competência vetorial para transmissão do ZIKV pelo A. aegypti e pelo A.
albopictus impõe grande preocupação para a saúde pública. Estes artrópodes
encontram-se amplamente distribuídos em zonas tropicais, subtropicais (A. aegypti) e
temperadas (A. albopictus), abrangendo um enorme contingente de indivíduos
suscetíveis (12-14).
Menos frequentemente, a transmissão do ZIKV já foi descrita por via sexual, perinatal
(intraparto de uma mãe para a criança em período de viremia), por hemotransfusão e
transmissão ocupacional (15-18). Não há relato de transmissão através do aleitamento
materno apesar do RNA do ZIKV ter sido encontrado no leite humano (15).
A partir de outubro de 2015 foi relatado o aumento de crianças nascidas no Brasil com
microcefalia. Devido à ocorrência temporal e geográfica de infecção pelo Zika vírus em
gestantes em período anterior ao relato do aumento de microcefalia, uma possível
associação com infecção pré-natal foi postulada. As evidências laboratoriais a partir de
um número limitado de casos com microcefalia tem indicado para essa potencial
associação (19-22).
Manifestações Clínicas
Doença aguda
O período de incubação varia aproximadamente entre três a 12 dias depois da picada do
mosquito infectado (23). A maioria das infecções permanece assintomática (entre 60% e
80%) (24). As manifestações clínicas observadas, até o momento são: exantema,
prurido e febre baixa ou ausência de febre, acompanhado ou não de mialgias, artralgia,
edemas articulares e cefaleia. Os sinais e sintomas ocasionados pelo vírus Zika, em
comparação aos de outras doenças exantemáticas (DENV, CHIKV e sarampo), incluem
um quadro exantemático mais acentuado e hiperemia conjuntival, sem alteração
significativa na contagem de leucócitos e plaquetas (25). Em geral, o desaparecimento
dos sintomas ocorre entre 3 e 7 dias após seu início. No entanto, em alguns pacientes, a
artralgia pode persistir por cerca de um mês (26). Na tabela 1, é apresentada uma síntese
comparativa de sinais e sintomas das três doenças.
Tabela 1. Comparação de sinais e sintomas para Dengue, Chikungunya e Zika.
Sinais/Sintomas
Dengue
Chikungunya
Zika
Febre
++++
+++
0/++
Tempo de febre
4-7 dias
2-3 dias
1-2 dias
Mialgia/artralgia
+++
++++
++
Edema de extremidades
0
0
++
Exantema maculopapular
++
++
+++
Frequência do exantema
30%-50%
50%
90%-100%
Prurido
+
+
++/+++
Dor retroorbitária
++
+
++
Conjuntivite
0
+
+++
Linfadenopatia
++
++
+
Hepatomegalia
0
+++
0
Leucopenia/trombopenia
+++
+++
0
Sinais/Sintomas
Dengue
Chikungunya
Zika
Hemorragia
+
0
0
Adaptado de (25,27)
Descrição dos quadros de microcefalia possivelmente associados à infecção
intrauterina pelo Zika virus
Em 22 de janeiro o grupo Zika Embryopathy Task Force (SBGM–ZETF), da Sociedade
Brasileira de Genética Médica publicou o relato de 35 casos de crianças portadoras de
microcefalia e outras alterações neurológicas possivelmente relacionadas à infecção
pelo ZIKV. Foram revistos os dados referentes á gestação (história de exposição,
sintomas e testes de laboratório), exame físico das crianças e outras informações
segundo um protocolo padronizado. A microcefalia foi definida como perímetro
cefálico igual ou inferior a dois desvios-padrão para a idade gestacional e sexo da
criança ao nascimento. Os autores referem ainda a dificuldade de confirmar o
diagnóstico de infecção pelo ZIKV retrospectivamente. Dentre as mães, houve
referência de presença de exantema em 26 (74%), sendo que em 21, durante o primeiro
trimestre e em cinco, no segundo trimestre da gravidez. Todas as mães, mesmo aquelas
que não tiveram exantema na gravidez referiram que ou residiam ou viajaram para áreas
onde havia circulação do ZIKV.
Foram analisados os dados de 35 crianças, 25 (74%) crianças tinham microcefalia
grave (Perímetro Cefálico (PC) menor que três desvios-padrão). Os achados de
tomografia de crânio ou de ultrassom craniano transfontanela mostraram um padrão
consistente de calcificações cranianas disseminadas, particularmente nas áreas
periventriculares, parenquimatosas e talâmicas e nos gânglios da base e, estavam
associadas em cerca de 1/3 dos casos com anormalidades de migração celular
(lissencefalia, paquigiria). O aumento dos ventrículos secundário à atrofia
cortico/subcortical também foi frequentemente relatado. Em 11 (33%) crianças foi
observado excesso de couro cabeludo, indicando uma parada no crescimento cerebral
mas não do crescimento do couro cabeludo. Quatro (11%) das crianças tinham
artrogripose, indicativo de envolvimento do sistema nervosos periférico. Todas as 35
crianças dessa coorte tinham testes negativos para sífilis, toxoplasmose, rubéola,
citomegalovirus e vírus herpes simplex. Todas as amostras de líquido cefalorraquidiao
foram encaminhadas para laboratórios de referência para realização de testes para
identificar ZIKV, mas até o momento da publicação os resultados não estavam
disponíveis (28).
No dia 4 de março de 2016 foi publicado mais um artigo de autores brasileiros no New
England Journal of Medicine que estão avaliando a evolução de 88 gestantes do Rio de
Janeiro que apresentaram exantema durante a gravidez. Dentre as 88 mulheres, 72
(82%) apresentaram teste positivo para ZIKV no sangue, urina ou ambos. A infecção
aguda pelo ZIKV ocorreu entre 5 e 38 semanas de gestação. As manifestações clínicas
mais frequentes foram exantema macular ou maculopapular descendente e pruriginoso,
congestão conjuntival e cefaleia; 28% tiveram febre baixa e de curta duração. A
ultrassonografia fetal foi realizada em 42 (58%) das mães positivas ZIKV e em todas as
mães ZIKV-negativo. Anormalidades fetais foram detectadas em 12 (29%) de 42 das
gestantes ZIKV-positivas e em nenhuma das 16 gestantes ZIKV-negativas. Os achados
adversos encontrados até o momento (algumas gestações ainda estão em curso) foram
morte fetal com 36 e 38 semanas de gestação (2 fetos), restrição do crescimento
intrauterino com ou sem microcefalia (5 fetos), calcificações ventriculares ou outras
lesões em SNC (7 fetos) e volume do fluido amniótico anormal ou fluxo da artéria
umbilical alterado (7 fetos). Até o momento, oito das 42 mulheres que fizeram
ultrassonografia tiveram os bebes e os achados ultrassonográficos foram confirmados.
Os autores concluem que a despeito do quadro clinico ter sido leve nas gestantes, a
infecção pelo ZIKV durante a gestação parece estar associado com desfechos graves,
incluindo morte fetal, insuficiência placentária, restrição de crescimento fetal e lesões
do sistema nervosos central(29).
Há outras publicações com relatos de casos. Também tem sido identificadas
manifestações oftalmológicas publicadas por pesquisadores brasileiros (30).
Outras informações poderão ser encontradas no Protocolo de atenção à saúde e resposta
à ocorrência de microcefalia relacionada à infecção pelo vírus Zika, do Ministério da
Saúde do Brasil no seguinte endereço eletrônico
(31).http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2016/fevereiro/03/Protocolo-SAS-vers–
o-2.0.pdf
Síndrome de Guillain-Barré (SGB)
Recentemente, foi observada uma possível correlação entre a infecção ZIKAV e o
aumento de ocorrência de síndrome de Guillain-Barré (SGB) em locais com circulação
simultânea do vírus da dengue (32,33). O mesmo tem sido observado no Brasil.
Diagnóstico
O diagnóstico da infecção ou doença aguda é baseado na detecção do RNA viral em
espécimes clínicos de pessoas agudamente doentes ou infectadas. O período virêmico
parece ser curto, permitindo a detecção do vírus durante os primeiros 3 a 5 dias depois
do início dos sintomas. O vírus tem sido detectado na saliva com maior frequência do
que no sangue dentro da primeira semana de doença (34) e também tem sido detectado
na urina por mais de 10 dias (35). A partir do 5º dia de evolução é possível o
diagnóstico sorológico (ELISA ou imunofluorescência) através de pesquisa de
anticorpos IgM e IgG anti-Zika. Tem sido relatado reações cruzadas com outros
flavivírus como o vírus da dengue e da febre amarela, o que pode dificultar o
diagnóstico, e nas fases iniciais os títulos têm sido muito baixos (36) . Recomenda-se a
confirmação por técnica de neutralização, soroconversão ou o aumento de quatro vezes
os títulos, em amostras pareadas da fase aguda e de convalescência. Os resultados
deverão ser interpretados segundo a avaliação do estado vacinal contra a febre amarela e
de exposição prévia a outras infecções por flavivírus, particularmente pelos vírus da
dengue. (37,38).
No Brasil, recentemente, a ANVISA (fonte: www.anvisa.gov.br) aprovou o registro de
cinco diferentes produtos para detecção de infecção pelos três vírus, Zika, Dengue e
Chikungunya, tanto os testes moleculares como os sorológicos. Para maiores detalhes,
ler a nota da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica (39).
Toda a rotina para o diagnóstico de crianças nascidas com microcefalia ou outras
alterações possivelmente relacionadas com a infecção intrauterina está detalhadamente
descrita nos documentos oficiais, cuja última versão foi publicada em fevereiro de 2016
(30).
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