Poluição aquática

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Poluição aquática
SONIA DOS SANTOS, LUCIANA CAMARGO DE OLIVEIRA,
ADEMIR DOS SANTOS, JULIO CÉSAR ROCHA e ANDRÉ HENRIQUE ROSA
Objetivos do capítulo
Neste capítulo são abordadas as principais fontes e tipos de poluição em sistemas
aquáticos, destacando as características e propriedades dos principais contaminantes orgânicos, inorgânicos e emergentes em águas superficiais e subterrâneas. Os
aspectos gerais relacionados ao transporte, à reatividade e aos processos que os
poluentes podem sofrer no corpo hídrico são discutidos, assim como a preocupação atual em relação à contaminação de águas subterrâneas.
INTRODUÇÃO
Nos últimos 50 anos, devido ao elevado
crescimento populacional associado à busca
por melhor qualidade de vida, ocorreu um
aumento na produção industrial e agrícola
caracterizada pela intensa fabricação e utilização de compostos químicos sintéticos
(inseticidas, herbicidas, plásticos, entre outros). Seja de maneira natural ou antrópica,
os resíduos gerados por esses compostos
aportam aos recursos hídricos com consequente alteração da qualidade da água.
Por ser um recurso natural de fonte
esgotável, a Organização Mundial da Saúde
estima que a água se tornará cada vez mais
uma fonte de tensão e competição por parte
de diversas nações, fazendo com que os problemas referentes à deterioração da qualidade da água se tornem objeto de preocupação. O conhecimento e a compreensão
das fontes de poluição, interações e efeitos
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dos poluentes aquáticos são essenciais para
o controle destes em um ambiente seguro e
economicamente sustentável.
O planeta Terra é o único do nosso
sistema solar que apresenta moléculas de
água na forma líquida, na maior parte da
superfície, sendo 97,5% da água existente
no planeta, marinha, enquanto apenas 2,5%
restantes são de água doce. Ressalta-se que a
maior parcela dessa água doce (68,9%)
forma as calotas polares, geleiras e neves. Os
29,9% restantes constituem as águas subterrâneas. A umidade dos solos e as águas
dos pântanos representam cerca de 0,9% do
total, e a água de rios e lagos aproximadamente 0,3% (Rebouças et al., 2006).
De acordo com relatório divulgado
pela Organização das Nações Unidas para
Educação Ciência e Cultura (UNESCO), durante a terceira edição do Fórum Mundial da
Água ocorrido em Kyoto em 2003, o Brasil é
o país mais rico do mundo em recursos hí-
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dricos, com 6,2 bilhões de m3 de água doce
(17% do total disponível no planeta) (Água:
Fórum Econômico Mundial, 2008).
Sabe-se, porém, que a distribuição de
água em nosso país é bastante desigual, pois a
maior parte desse recurso está disponível em
regiões com baixa densidade populacional
(região norte), sendo frequentes os problemas
de abastecimento nas regiões mais populosas
(grandes capitais da região sudeste).
A água própria para o consumo humano se chama água potável e, para ser considerada como tal, ela deve obedecer a certos padrões de potabilidade necessitando muitas
vezes de tratamento para se adequar ao consumo. Os métodos vão desde a simples fervura até operações mais complexas.
A água potável e de boa qualidade é
fundamental para a saúde dos seres humanos (o corpo humano é constituído por 70
a 75% de água e, na ausência dela, alguns
órgãos vitais deixam de funcionar), entretanto, a maioria da população mundial não
tem acesso a esse bem precioso.
Apesar da importância da água para
os seres humanos, ela também é considerada um dos meios mais comuns de transmissão de doenças. Se a água que utilizamos,
seja para aliviar a sede ou para regar os alimentos, não apresentar a qualidade necessária, estes serão igualmente infectados e,
consequentemente, o corpo que os ingere
será alvo de inúmeras doenças. O Quadro
1.1 apresenta algumas doenças infecciosas
de veiculação hídrica.
Muitas das doenças transmitidas por
veiculação hídrica podem ser prevenidas
por um tratamento adequado da água antes
de seu uso. As estações de tratamento de
água se utilizam de vários procedimentos
como a decantação, a filtração, além da cloração para eliminar os microrganismos
causadores de doenças.
DEFINIÇÃO, FONTES
E TIPOS DE POLUIÇÃO
A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente
(Lei No 6.938, de 31 de agosto de 1981) define como poluição:
(...) a degradação da qualidade ambiental
resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) Prejudiquem a saúde, a segurança e o
bem-estar da população.
QUADRO 1.1
Doenças de veiculação hídrica
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DOENÇASTRANSMISSÃO
PREVENÇÃO
Cólera, febre tifoide
Contaminação no sistema de distribuição Desinfecção adequada
Sarna, infecções oculares, diarreia
Falta de água suficiente para
um consumo adequado
Provisão de quantidades suficientes para
banhos e limpezas gerais
Esquistossomose
Invertebrados aquáticos
Distribuição de água potável, e
educação sanitária
Malária, febre Organismos patogênicos
amarela, dengue
Aplicação de inseticidas, evitar acúmulo
de água em recipientes abertos, drenar
áreas inundadas e evitar saturação de
áreas agrícolas
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Meio ambiente e sustentabilidade
b) Criem condições adversas às atividades
sociais e econômicas.
c) Afetem desfavoravelmente a biota.
d) Afetem as condições estéticas ou sanitárias do Meio Ambiente.
e) Lancem matéria ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos (art.3o, III).
A poluição das águas é consequência
principalmente de atividades humanas (antrópicas) como: lançamento de efluentes
domésticos e industriais sem tratamento
prévio. Condições geoquímicas específicas,
como chuvas e atividade vulcânica, também
podem elevar a concentração de alguns
compostos em determinado ecossistema
podendo causar problemas locais (poluição
natural).
A poluição aquática pode ser classificada em:
n
Poluição térmica: proveniente do descarte nos rios de grandes volumes de
água aquecida utilizada em processos
de refrigeração em refinarias, siderúrgicas e usinas termoelétricas. Como consequências têm-se: diminuição do tem­
po de vida de espécies aquáticas e alteração nos ciclos reprodutivos, diminuição
da solubilidade dos gases, inclusive a
concentração de oxigênio dissolvido dificultando a respiração de peixes e animais aquáticos. O aumento de temperatura também pode potencializar a ação
de poluentes presentes na água, pois aumenta a velocidade das reações, bem
como a solubilidade de compostos.
n Poluição sedimentar: se dá mediante o
acúmulo de partículas em suspensão
(partículas de solo e/ou produtos químicos orgânicos ou inorgânicos insolúveis). Tais partículas bloqueiam a entrada de raios solares na lâmina d’água, interferindo na fotossíntese de plantas
aquáticas, podendo também carregar
poluentes químicos e biológicos absorvidos em sua superfície.
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O assoreamento dos corpos d’água é
uma das consequências mais graves da
poluição sedimentar e deve ser evitado
com medidas preventivas no controle da
erosão.
n Poluição biológica: resulta da presença
de microrganismos patogênicos causadores de doenças que se encontram frequentemente presentes nos excrementos
humanos e animais, tais como:
a)Bactérias: provocam infecções intestinais epidêmicas e endêmicas (febre
tifoide, cólera, leptospirose);
b)Protozoários: amebíase e giardíase;
c)Vírus: provocam hepatites e infecções
nos olhos;
d)Verminoses: esquistossomose.
Por meio de águas residuárias, os microrganismos aportam em corpos aquáticos receptores podendo contaminar
outros indivíduos. Medidas de saúde
pública como desinfecção da água destinada ao consumo humano, coleta e tratamento de efluentes (esgotos) têm sido
adotadas visando minimizar os efeitos
de tais doenças.
n Poluição radioativa: a existência de radioatividade natural na água não traz
efeitos nocivos para a saúde por apresentar níveis muito baixos. A poluição
por resíduos radioativos lançados ao
mar, afundamento de arsenais nucleares, explosões atômicas submarinas ou
fugas radioativas, po­rém, têm consequências graves. Em geral, os tecidos mais
prejudicados pela radiação são os que se
reproduzem em velocidade rápida,
como a medula óssea, os tecidos formadores do sangue e os nódulos linfáticos.
Compostos radioativos não apresentam
cor, sabor e odor na água, sen­do de difícil detecção e, geralmente, o principal
efeito da exposição prolongada a baixas
doses de radiação é o câncer.
n Poluição química: causada pela presença
de compostos químicos indesejáveis, tais
como:
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a)Compostos biodegradáveis: produtos
químicos que, após determinado tem­
po, são decompostos pela ação de bactérias. Alguns exemplos desses contami­
nantes são: matéria orgânica, sabões,
proteínas, carboidratos e gorduras.
b)Compostos persistentes: milhões de
toneladas de compostos químicos
são produzidos e utilizados mundialmente na produção de plásticos, fibras sintéticas, tintas, borracha, solventes, agroquímicos, agentes preservantes em geral, entre outros. Em
função de sua estrutura química, são
muito estáveis (resistentes), característica desejável que torna tais compostos de grande utilidade. Tal propriedade, porém, tem se tornado um
grave problema ambiental visto que
esses compostos não se degradam facilmente. Os efeitos de tais compostos sobre a biota aquática estão sendo
estudados e muitos ainda são desconhecidos, particularmente no caso
de exposições prolongadas a concentrações muito baixas (toxicidade crônica) podem ser mutagênicos, carcinogênicos ou teratogênicos (problemas em recém-nascidos), podendo
ainda causar disfunções nos rins e fígado, esterilidade e problemas neurológicos.
Os poluentes alcançam águas superficiais e subterrâneas de diversas formas,
que podem ser classificadas para efeitos
de legislação como:
n
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Fontes pontuais: são fontes de fácil identificação e monitoramento. É possível
identificar a composição dos resíduos,
bem como prever seu impacto ambiental e responsabilizar o agente produtor.
Como exemplos, pode-se citar: a descarga de efluentes de indústrias e de estações de tratamento água/efluentes.
n
Fontes difusas: apresentam características diferenciadas e se espalham por inúmeros locais sendo difíceis de serem determinadas em função das características intermitentes de suas descargas e da
abrangência sobre extensas áreas. As atividades agrícolas, deposições atmosféricas, os resíduos de construção civil são
exemplos de fontes difusas de poluição.
POLUENTES AQUÁTICOS
Efluente (esgoto) é o termo usado para as
águas que, após a utilização humana, apresentam as suas características naturais alteradas. São constituídos por excretas humanos (fezes e urina) e água de origem doméstica, comercial e industrial.
Um dos principais problemas enfrentados pelo Brasil, no que diz respeito à preservação de seus recursos hídricos, é a poluição por efluentes domésticos, apesar de
ser bastante difundida a crença de que os
efluentes industriais sejam os grandes responsáveis pela degradação de tais recursos
(Rocha et al., 2009).
O Brasil apresenta um quadro bastante crítico com relação à coleta e tratamento
de efluentes. A população brasileira estimada pelo IBGE em 2007 é de 183.987.291 de
habitantes, distribuídos em 5.564 municípios. As Figuras 1.1 e 1.2 mostram a situação do Brasil com relação ao tratamento e
coleta de efluentes.
Com relação ao tratamento de efluen­
tes, dos 184 milhões de brasileiros apenas
59,8 milhões (32,5%) têm seus efluentes tratados, enquanto a maioria, 124,2 milhões
(67,5%) não é beneficiada com o sistema de
tratamento como mostra a Figura 1.2.
Na Figura 1.3 tem-se um panorama
nacional mostrando o índice de atendimento de efluentes em 2007, tal parâmetro indica
apenas o percentual de efluente coletado,
não incluindo o tratamento do mesmo.
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Sem coleta de esgotos efluentes
Com coleta de esgotos
106,7
milhões
58%
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77,3 milhões
42%
Figura 1.1
Coleta de efluentes no Brasil.
Fontes: IBGE e Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, 2007.
No Brasil, os sistemas locais de tratamento de efluentes ainda são caracterizados
principalmente pelo uso de fossas e sumidouros. Tais procedimentos são utilizados
nas zonas rurais, onde a densidade populacional é baixa, e na zona urbana, principalmente nas periferias, onde o nível socioeco-
nômico da população é baixo, não existindo
rede pública para coleta e tratamento de
efluentes.
De maneira geral, os poluentes aquáticos podem ser divididos em categorias. No
caso de efluentes domésticos os principais
poluentes são: matéria orgânica e organis-
Com tratamento dos efluentes gerados
Sem tratamento dos efluentes gerados
124,2
milhões
67,5%
59,8
milhões
32,5%
Figura 1.2
Tratamento de efluentes no Brasil.
Fontes: IBGE e Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, 2007.
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Índice de atendimento
total de efluentes
< 10,0%
10,0 a 20%
10,0 a 20%
40,1 a 70%
> 70%
Figura 1.3
IN056 – Índice de atendimento total de esgotos no Brasil.
Fonte: Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, 2007.
mos patogênicos. Com relação aos efluentes
industriais, a contaminação, além da matéria orgânica, envolve espécies metálicas (essenciais e/ou potencialmente tóxicas) e
compostos organossintéticos. O Quadro 1.2
apresenta a classificação dos poluentes
aquáticos discutidos neste capítulo e os
possíveis efeitos que podem causar ao ambiente.
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Poluentes inorgânicos
Metais:
essencialidade X toxicidade
Os metais apresentam propriedades físicas
comuns como: maleabilidade, ductibilidade, conduzem eletricidade e calor, além de,
via de regra, serem sólidos (com exceção do
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Meio ambiente e sustentabilidade
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QUADRO 1.2
Classificação e efeitos ao ambiente por poluentes aquáticos.
CLASSES DE POLUENTES
Poluentes inorgânicos
Espécies metálicas essenciais
Espécies metálicas potencialmente tóxicas
Amônia, cianeto, compostos de enxofre e dióxido de carbono
Fosfatos e nitratos
EFEITOS AO AMBIENTE
Alterações na biota aquática e toxicidade
Alterações na biota aquática e toxicidade
Alterações na biota aquática e toxicidade
Eutrofização
Poluentes orgânicos
Tensoativos: sabões e detergentes
Eutrofização, alterações na biota, alterações
estéticas
Petróleo e BTX
Alterações na biota, alterações estéticas
Interferentes endócrinos
Efeitos biológicos
Bifenilas policloradas
Toxicidade e efeitos biológicos
Pesticidas
Toxicidade e efeitos biológicos
Dioxinas
Toxicidade e efeitos biológicos
mercúrio que é líquido). Algumas características químicas também são comuns aos
metais, dentre elas podemos citar: presença
de 1 a 4 elétrons no orbital mais externo,
baixo potencial de ionização com formação
de cátions por perda de elétrons, são bons
agentes redutores, apresentam estados de
oxidação positivos, reatividade frente a ácidos, formam óxidos básicos e halogenetos
iônicos (Atkins, 2006).
Os metais se diferenciam dos poluentes orgânicos por serem não degradáveis
podendo se acumular nos diversos compartimentos ambientais influenciando em sua
toxicidade. São amplamente utilizados na
indústria, particularmente na laminação de
metais, estando também presentes nas formulações de pesticidas e até mesmo em medicamentos podendo ser utilizados em pigmentos, esmaltes, tintas e corantes.
Devido ao vasto espectro de utilização,
tais elementos podem chegar aos sistemas
aquáticos mediante várias fontes sendo em
sua maioria transportados de um lugar a
outro por via aérea, como gases ou espécies
adsorvidas sobre ou absorvidas no material
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particulado em suspensão. A persistência
dos metais no ambiente garante os efeitos ao
longo do tempo ou de longo prazo mesmo
depois de interrompidas as emissões.
As fontes de metais para o ambiente
podem ser de origem natural (geoquímica)
ou antrópica. Muitos metais presentes no
ambiente são originários de rochas sendo
extraídos por processos naturais (atividades
geológicas) como: intemperismo e vulcanismo. Em relação às atividades antrópicas
(oriundas de ações humanas), as principais
fontes de poluição por metais são: mineração, efluentes industriais, domésticos e agrícolas (Alloway e Ayres, 1997). Além dessas
fontes, os metais podem se distribuir no
ambiente devido a:
a) impurezas em fertilizantes: cádmio, cro­
mo, molibdênio, chumbo, urânio e vanádio (cádmio e urânio em fertilizantes
fosfatados);
b) formulação de pesticidas: cobre, mercúrio, chumbo, manganês, zinco (cobre,
zinco e manganês em fungicidas);
c) preservativos de madeira: cobre e crômio.
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d) dejetos da produção intensiva de porcos e
aves: cobre e zinco.
A toxicidade do metal está diretamente relacionada à dose ou tempo de exposição, à forma físico-química do elemento e
da via de administração, podendo esses metais serem classificados de acordo com o
grau de toxicidade em metais essenciais ou
potencialmente tóxicos.
Metais essenciais são importantes para
a vida vegetal e animal em baixas concentrações se tornando tóxicos quando encontrados em altos níveis: sódio, potássio, cálcio, cobre, ferro e zinco são exemplos de
metais essenciais. Tais espécies químicas são
utilizadas para manter funções fisiológicas
vitais e sua deficiência impede um ciclo de
vida normal, pois muitos estão presentes
em proteínas que exercem funções biológicas importantes como é o caso do ferro na
hemoglobina, proteína responsável pelo
transporte de oxigênio pelo corpo humano.
Alguns metais, no entanto, não apresentam nenhuma função fisiológica conhecida sendo denominados não essenciais,
muitos deles como: chumbo, mercúrio e arsênio são considerados potencialmente tóxicos, pois os organismos vivos tendem a
ser tolerantes na presença de baixas concentrações, se tornando tóxicos e até letais em
altas concentrações.
Um aspecto importante a ser considerado quando nos referimos aos metais
diz respeito à forma físico-química na qual
se encontram em solução, sendo tal consideração denominada especiação química. A
compreensão da especiação de um elemento metálico é fundamental, pois influencia diretamente as propriedades, a
biodisponibilidade e a toxicidade dos mesmos tanto em águas naturais como em
águas residuárias.
Os metais potencialmente tóxicos estão
entre os mais perigosos poluentes aquáticos, principalmente pelas altas concentra-
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ções em que podem ser encontrados em
águas superficiais e/ou subterrâneas, bem
como pela sua capacidade de se acumular
ao longo da cadeia trófica. Em geral, são
metais de transição e alguns elementos representativos como chumbo e estanho,
além de metaloides (elementos localizados
entre metais e não metais) como, por exemplo, o arsênio e antimônio.
Os metais potencialmente tóxicos:
mercúrio (Hg), chumbo (Pb), cádmio (Cd)
e arsênio (As), nas suas formas de elementos livres condensados (exceto o vapor de
mercúrio) não são particularmente tóxicos, porém, em suas formas catiônicas e
também quando ligados a cadeias curtas de
átomos de carbono são considerados perigosos.
Compostos orgânicos de mercúrio,
por exemplo, possuem grande afinidade
por componentes celulares de organismos
vivos (baixa solubilidade em água e grande
afinidade por gorduras) podendo ser bioacumulados em tecidos biológicos (concentrados na biomassa de seres vivos).
Muitos metais potencialmente tóxicos
apresentam forte afinidade por enxofre alterando a velocidade de reações metabólicas importantes para o corpo humano ao
formar ligações com grupos sulfidrila
(-SH). Grupos carboxílicos e amino de proteínas também são quimicamente atraídos
por mercúrio (Hg), chumbo (Pb), cádmio
(Cd) e arsênio (As).
Íons cádmio, cobre, chumbo e mercúrio são danosos para membranas celulares,
dificultando o processo de transporte celular. Podem precipitar biocompostos de fosfato ou catalisar sua decomposição.
As concentrações da maioria dos metais potencialmente tóxicos encontrados
em água potável são normalmente pequenas não causando problemas diretos à
saúde. Na sequência são descritos alguns
metais potencialmente tóxicos de importância ambiental.
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Meio ambiente e sustentabilidade
Mercúrio
Conhecido desde a Grécia Antiga, o mercúrio é um metal líquido à temperatura ambiente, pertencente ao grupo 12 da Tabela
Periódica sendo classificado como metal de
transição. Ocorre no ambiente associado a
outros elementos, como o enxofre, com
quem forma o minério cinabre. Pode ser
encontrado em diversas formas (metálico,
inorgânico e orgânico) e em três estados de
oxidação: 0, +1 e +2 facilmente interconvertíveis, não sendo considerado elemento
químico essencial aos organismos vivos.
Processos naturais como ressuspensão
de partículas do solo por ventos e enxurradas, emanações vulcânicas, queimadas e
emanações do solo e águas superficiais
podem contribuir como emissões naturais
para o ambiente. O intemperismo pode disponibilizar o metal contido em rochas,
porém, as atividades humanas são as que
mais contribuem para o aumento dos níveis
globais de mercúrio no ambiente. Indústrias termoelétricas movidas a carvão, processamento de metais, incineração de resíduos (lixo), lâmpadas fluorescentes, baterias e a mineração são alguns exemplos de
atividades que podem gerar mercúrio para
o ambiente.
A conversão entre as diversas formas
químicas proporciona a base para o ciclo do
mercúrio, bem como para a sua distribuição biológica nos organismos, sendo que as
substâncias húmicas (presentes nos solos e
nos corpos d’água) influenciarão diretamente o transporte, a especiação, a solubilidade e a biodisponibilidade em determinado ambiente (Oliveira, L.C. et al., 2007;
Rocha e Rosa, 2003).
Uma pequena porção de Hg0 (mercúrio metálico ou elementar) que atinge a atmosfera é convertido em espécies solúveis
em água (provavelmente Hg+2), podendo
ser reemitidas para a atmosfera como Hg0,
mediante deposição em solo ou troca na in-
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terface água/ar. A retenção de mercúrio elementar na atmosfera ocorre por longos períodos, o que tem como consequência o
transporte dessa espécie metálica por longas distâncias.
Nos sedimentos do fundo dos oceanos,
o mercúrio é depositado na forma insolúvel
(HgS), sendo que uma pequena parte pode
sofrer redissolução. A conversão de espécies
inorgânicas de mercúrio para as formas metiladas (orgânicas) é o primeiro passo para a
bioacumulação. Atualmente, considera-se
que o processo ocorra tanto na coluna d’água
quanto nos sedimentos, e o mecanismo de
síntese ainda não está completamente elucidado (Micaroni, 2000).
Uma vez formado, o metilmercúrio
entra na cadeia alimentar devido à rápida
difusão e forte ligação com as proteínas da
biota aquática podendo ser bioacumulado
(acumulado na biomassa dos seres vivos) e
biomagnificado (transferido de um ser para
outro ao longo da cadeia alimentar). O metilmercúrio também pode ser demetilado a
Hg2+ e posteriormente reduzido a Hgo retornando a atmosfera, porém, em menor
extensão.
As primeiras evidências dos efeitos toxicológicos do MeHg foram observadas na
cidade de Minamata, Japão em 1950, onde
crianças foram contaminadas em conse­
quência da ingestão de alimentos contaminados, onde o MeHg resultante de processo
industrial atingiu as águas da baía local
contaminando os peixes consumidos pela
população.
Nesse acidente, amostras de moluscos
foram coletadas, e as concentrações de mercúrio encontradas estavam entre 11 e 40 mg
kg-1. A população afetada apresentou problemas neurológicos, e as crianças nascidas
de mães contaminadas tiveram deficiências
no desenvolvimento neural mesmo em
casos em que havia ausência de sinais clínicos nas mães. Concluiu-se, a partir disso,
que o cérebro fetal é suscetível aos efeitos do
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MeHg em níveis mais baixos que aqueles
capazes de causar efeitos deletérios em recém-nascidos e crianças. Esse composto organometálico atravessa facilmente a barreira placentária, concentrando-se no cérebro,
o que inibe potencialmente o desenvolvimento cerebral do feto, tal fato explica a
grande preocupação com a exposição de
mulheres em idade fértil e crianças.
No organismo, esse metal se difunde
dos pulmões chegando à corrente sanguínea, no cérebro causa danos ao sistema nervoso central (dificuldades na coordenação,
visão e tato).
Quanto à carcinogenicidade do MeHg,
não foi estabelecida nenhuma relação significativa entre bioacumulação e câncer. Estudos, porém, mostraram que a exposição ao
mercúrio pode causar alterações no sistema
imunológico (National Research Council,
2000).
Dadas as características alarmantes
tanto do ponto de vista ambiental quanto
toxicológico, as emissões antrópicas em
muitos países têm diminuído em virtude de
um maior controle dos órgãos governamentais, embora ainda se verifiquem altas
concentrações desse elemento em muitas
regiões específicas. Fontes locais como lugares onde ocorre a extração de ouro contribuem para concentrações elevadas desse
metal. Devido à estabilidade e consequente
persistência no ambiente, o mercúrio pode
ser transportado para regiões distantes das
áreas de mineração contribuindo para a reserva global em longo prazo.
Chumbo
Considerado um dos primeiros metais trabalhados pelo ser humano, o chumbo (Pb)
encontra-se no estado sólido à temperatura
ambiente, se funde com facilidade, é maleável e apresenta baixa condutividade. Devido
a essas características físico-químicas, é amplamente utilizado na indústria em mate-
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riais para telhado, isolamento acústico e
chapas para cobrir juntas. Serve como proteção contra raios-X, podendo ser encontrado em formulações para tintas, inseticidas (arsenato de chumbo), munições de
armas de fogo, pilhas, baterias e chumbadas
para pescarias. Quando combinado com estanho, forma liga metálica utilizada na produção de soldas e fusíveis.
O mineral de chumbo mais comum é
a Galena (PbS) e em alguns locais tal mineral se torna uma fonte de chumbo para o
ambiente. Emissões vulcânicas e erosão
também são consideradas fontes naturais
deste metal.
Geralmente o chumbo não é considerado um problema ambiental até que se dissolva originando sua forma iônica. Chumbo inorgânico é proveniente de resíduos industriais ocorrendo em meio aquoso no
estado de oxidação +2.
Devido à intensa utilização, pode chegar ao ambiente aquático devido descarga
de efluentes industriais de acumuladores
(baterias), eletrodeposição e metalurgia, além
do uso inadequado de tintas, tubulações e
acessórios à base de chumbo. Pode ser encontrado na água devido também à corrosão de encanamentos antigos. Isso ocorre
com águas ligeiramente ácidas, sendo este
um dos motivos para ajustar o pH em águas
de uso doméstico nas estações de tratamento de água.
Durante muitos anos incorporou-se à
gasolina o composto Tetraetilchumbo (Figura 1.4) ou chumbo tetraetila (Pb (C2H5)4)
com o objetivo de aumentar sua octanagem
melhorando assim o rendimento do automóvel. O chumbo proveniente da queima
desses combustíveis pode ter sido a maior
fonte desse metal potencialmente tóxico
para a atmosfera, muito desse metal foi levado aos ecossistemas aquáticos. Nos últimos anos, porém, com o crescimento da
preocupação ambiental e devido aos danos
causados nos conversores catalíticos dos
automóveis, tal composto foi suprimido da
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Meio ambiente e sustentabilidade
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Figura 1.4
Estrutura química do tetraetilchumbo.
composição da gasolina. O Japão e o Brasil
(1989) foram os primeiros países a retirarem o chumbo de suas gasolinas automotivas, no caso do Brasil houve a substituição
de tal aditivo pelo álcool anidro.
Pouca ou nenhuma reação de metilação é observada na natureza com o chumbo, ao contrário do que acontece com o
mercúrio, não sendo encontrados compostos orgânicos de chumbo no ambiente em
concentrações significativas.
Apesar da intensa utilização, estudos
com amostras biológicas têm mostrado
haver uma diminuição crescente da concentração de chumbo em organismos vivos
ao longo das últimas décadas. Isso pode se
dar em parte como resultado da menor utilização desse metal em tubulações, nas formulações de gasolina e outros produtos industrializados.
O chumbo não apresenta função essencial conhecida no corpo humano sendo
extremamente danoso quando absorvido
pelo organismo, seja pelo alimento ou água
contaminada. O envenenamento agudo (ex­
posição a altas doses por curtos períodos de
tempo) em seres humanos pode causar sérias doenças podendo levar à morte. Sabe-se que este metal pode afetar a biossíntese
de hemoglobina resultando em anemia, aumento da pressão sanguínea, causar danos
aos rins, abortos e diminuição da fertilida-
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de dos homens. Problemas no sistema nervoso central e retardo mental em crianças
também são considerados efeitos das intoxicações.
Em longo prazo, em intoxicações crônicas (exposição a baixas doses por longos
períodos) pode-se desenvolver uma doença
denominada saturnismo (plumbismo) que
consiste na ação sobre o sistema nervoso
central e tem como consequências: tontura,
cefaleia, dores abdominais, úlceras orais,
constipação intestinal, anemia, hepatite, irritabilidade e perda de memória.
Crômio
O crômio é o vigésimo elemento mais
abundante da crosta terrestre. Na Tabela Periódica é classificado como um elemento de
transição podendo ser encontrado nas formas Cr+3 e Cr+6. Como fontes naturais
desse metal para o ambiente podemos citar
o mineral cromita, o qual apresenta viabilidade econômica para obtenção do crômio.
A presença no ambiente também pode
ocorrer como consequência de atividades
industriais como em processos de galvanoplastia, fabricação de produtos químicos
utilizados como pigmentos em curtumes,
siderurgia, indústrias de cimento, pilhas, lixões, aterros industriais/sanitários e incine-
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Rosa, Fraceto e Moschini-Carlos (Orgs.)
radores. Alguns fertilizantes também
podem conter crômio em sua composição.
A toxicidade depende do estado de
oxi­dação em que é encontrado no ambiente, o crômio (III) ocorre naturalmente sen­
do considerado um nutriente essencial na
metabolização de açúcares, gorduras e proteínas. Porém, o crômio (VI) é altamente
tóxico sendo considerado cancerígeno
(ATSDR, 2008).
O crômio apresenta alto potencial de
bioacumulação ao longo da cadeia alimentar, e a exposição da população se dá via alimentação, ingestão de água contaminada e
pelo ar. Suas concentrações em água doce
são muito baixas, normalmente inferiores a
1 μg L-1, e os limites máximos permitidos
são normalmente expressos em termos de
crômio hexavalente (CETESB, 2010).
após incineração de plásticos e outros materiais que o contenham. Também ocorre
emissão para a atmosfera quando o aço laminado com o cádmio é reciclado. A exposição a esse metal se dá via oral (por ingestão de alimentos e águas contaminadas),
bem como por inalação (os fumantes são
constantemente expostos, pois o cigarro
contém cádmio).
Efeitos de intoxicação por cádmio são
perigosos e observa-se aumento de pressão
sanguínea, distúrbios nas hemácias, irritações no estômago, enfisema pulmonar,
além de danificar tecidos como fígado, testículos e o sistema imunológico. Devido à
similaridade com zinco, pode ser substituído em algumas enzimas alterando a estrutura química e prejudicando atividades catalíticas importantes para o organismo.
Cádmio
Arsênio
O cádmio se encontra no mesmo grupo da
Tabela Periódica que o mercúrio e o zinco,
sendo muito similar ao último, atuando em
muitos processos geoquímicos. Assim como
o zinco, é encontrado na água em estado de
oxidação +2.
A maior parte do cádmio é produzido
como subproduto da fusão do zinco e a
combustão de carvão e resíduos também
contribui para emissões desse elemento no
ambiente. Pode ser utilizado como um dos
eletrodos de baterias recarregáveis (níquel-cádmio) para calculadoras e outros aparelhos, sendo grande parte volatilizada para o
ambiente quando tais baterias gastas são incineradas como componentes dos resíduos
sólidos (lixo). Assim vê-se a importância de
separar baterias dos resíduos sólidos visando sua reciclagem.
Na forma iônica, é usado em pigmento para plásticos coloridos (CdS) e tintas
amarelas, bem como em dispositivos fotovoltáicos, monitores de TV e galvanoplastia.
Tal metal pode ser liberado para o ambiente
O arsênio pertence ao grupo 15 da Tabela
Periódica, sendo classificado como um metaloide. Compostos de arsênio foram venenos muito comuns utilizados em assassinados e suicídios até a Idade Média além de
serem amplamente utilizados também co­mo
inseticidas (arseniato de chumbo) e herbicidas (arsenito de sódio), pigmento em pirotécnica (dissulfeto de arsênio) e descolorante na fabricação de vidro (trióxido de arsênio). Recentemente o trióxido de arsênio
tem sido utilizado também no tratamento
de pacientes com leucemia.
Embora sua utilização tenha diminuído substancialmente, a contaminação por
tal elemento ainda constitui um problema
ambiental. As fontes para o ambiente se
devem ao uso como pesticida e devido a liberação durante a mineração e fundição de
ouro, chumbo, cobre e níquel, pois ocorre
naturalmente nos minérios de onde são extraídos além de ser emitido na produção de
ferro e aço e na combustão de carvão no
qual é encontrado como contaminante.
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Meio ambiente e sustentabilidade
Na água, as formas mais comuns de
arsênio são o íon arseniato e seus ânions de
hidrogênio protonado (AsO43-, HAsO42-,
H2AsO4-) e o íon arseniato e suas formas
protonadas (AsO33-, HAsO32-, H2AsO3- e
H3AsO3). Nessas espécies químicas, o arsênio se encontra com número de oxidação
+5 e +3.
O arsênio (V) é predominante em
águas superficiais ricas em oxigênio (condições aeróbias), enquanto arsênio (III) é
mais provavelmente encontrado em lençóis
subterrâneos pobres em oxigênio (condições anaeróbicas). Em valores de pH de 4 a
10, encontra-se arsênio (V) nas formas
HAsO42-, H2AsO4-. Arsênio (III) está presente principalmente como ácido neutro
H3AsO3 (Brown, 2005).
Tecnologias existentes atualmente
para remoção de arsênio em água potável
são eficientes para retirada apenas de arsênio (V), sendo necessária assim uma pré-oxidação da água para converter o arsênio
III em V e posterior eliminação.
Um dos desafios na determinação toxicológica de arsênio em águas potáveis
consiste nas diferentes formas químicas
encontradas, bem como nas diferentes
concentrações necessárias para as respostas fisiológicas em diferentes indivíduos.
Estudos, porém, indicam como efeitos toxicológicos: conjuntivite, hiperqueratose,
hiperpigmentação, doenças cardiovasculares, distúrbios no sistema nervoso central e
vascular periférico, alto risco de câncer de
pele, pulmão e bexiga e gangrena nos
mem­bros.
Existem evidências de que a associação do fumo com intoxicações provocadas
por tal metal produza efeito sinérgico (o
efeito dos dois fatores juntos é maior do que
a soma de seus efeitos individuais) causando câncer de pulmão.
Seu efeito letal, quando consumido em
altas doses (intoxicação aguda), se deve a
danos gastrointestinais resultando em vômito e diarreia.
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29
O As (III) inorgânico é mais tóxico
que o As (V), embora no corpo humano
este último possa também ser reduzido ao
primeiro. Acredita-se que a maior toxicidade do arsênio (III) se deve a sua capacidade
de ficar retido no organismo por mais
tempo devido à afinidade por grupos sulfidrila afetando diretamente enzimas essenciais à respiração celular. A desintoxicação
do arseniato fitotóxico por biometilação
ocorre nos rins resultando no composto orgânico arsenobetaína, o qual apresenta
menor afinidade com os tecidos sendo eliminado pela urina justificando assim a
menor toxicidade de arsênio (V).
Assim como o mercúrio, o arsênio
pode ser encontrado em formas orgânicas
como ácidos solúveis em água que podem
ser excretados, sendo, por isso, menos tóxicos que suas formas inorgânicas.
Sua principal fonte na dieta humana
provém de alimentos de origem marinha,
onde encontramos arsênio em sua forma
orgânica como arcenobetaína, praticamente não tóxica, sendo excretada pela urina
sem modificações estruturais com tempo
de residência relativamente curto (entre 6 a
24 horas). Organismos marinhos acumulam quantidades substanciais de arsênio de
modo mais eficiente que os terrestres. Informações sobre espécies de arsênio são importantes tanto para avaliar implicações toxicológicas, quanto para elucidar o ciclo
biogeoquímico desse metaloide em ambiente marinho.
Fosfatos, nitratos e eutrofização
Entre os fenômenos poluidores da água, po­
de-se considerar a eutrofização como o mais
complexo por se tratar de um processo de
base química e biológica, difícil de ser previsto. Em regiões de clima tropical, a dificuldade ainda é maior, pois a dinâmica dos processos é bastante acelerada em virtude das
altas temperaturas.
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Na América Latina, existem diversos
ambientes eutrofizados como o Lago de
Chapala no México, o Lago de Ypacaraí
(Paraguai) e o Lago de Amatitlán (Guatemala). No Brasil, diversos reservatórios urbanos têm apresentado eutrofização como
a Represa de Guarapiranga – São Paulo e a
Lagoa da Pampulha – Belo Horizonte.
O fenômeno é causado pelo excesso
de nutrientes (íons fosfato e nitrato) originados na descarga de efluentes agrícolas,
urbanos ou industriais e/ou lixiviação de
nutrientes/fertilizantes do solo para os corpos d’água, levando à proliferação excessiva
de algas. Ao entrarem em decomposição,
após a morte, tais algas levam ao aumento
do número de microrganismos que diminuem drasticamente a quantidade de oxigênio dissolvido na água, deteriorando sua
qualidade. O rápido aumento na população
de algas se deve ao acúmulo de nutrientes
derivados de nitratos, fosfatos e sulfatos,
bem como de potássio, cálcio e magnésio.
A eutrofização torna a água esverdeada ou acastanhada, pobre em oxigênio provocando a morte de peixes e outros animais
aquáticos e a liberação de gases com cheiro
desagradável. Algumas espécies de algas
produzem toxinas que poluem a água potável podendo ocasionar perda de biodiversidade (alterações na composição das espécies) e efeitos tóxicos.
As cianobactérias são exemplos de microrganismos presentes em ambientes eutrofizados que podem produzir gosto e
odor desagradável desequilibrando os ecossistemas aquáticos. Algumas cianobactérias
são capazes de liberar toxinas, que não
podem ser retiradas pelos sistemas de tratamento de água tradicionais (neurotoxinas
ou hepatotoxinas). Originalmente, essas toxinas são uma defesa contra organismos
que se alimentam de algas, mas com a proliferação das cianobactérias nos mananciais
de água potável das cidades, estas passam a
ser uma grande preocupação para as companhias de tratamento de água.
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Ambientes eutrofizados também po­
dem estar relacionados a processos naturais
sem intervenção antrópica, como em ambientes pantanosos.
É possível recuperar sistemas aquáticos anteriormente eutrofizados recuperando a qualidade da água como é o caso da
Represa de Paranoá em Brasília.
Amônia
A amônia está presente naturalmente nos
corpos d’água como produto de degradação de compostos orgânicos e inorgânicos,
excreção da biota, reações de redução do
nitrogênio gasoso da água por microrganismos ou mediante trocas gasosas com a
atmosfera. É um constituinte comum no
efluente sanitário, resultado direto de descargas de efluentes domésticos e industriais.
Em solução aquosa pode ser encontrada como o íon amônio (NH4+) e o gás
amônia (NH3). Tais espécies químicas se
convertem uma na outra e a soma de suas
concentrações constitui a amônia total ou
nitrogênio amoniacal.
O equilíbrio entre as diferentes espécies de amônia depende das características físicas e químicas dos corpos d’água.
O aumento de pH ou da temperatura deslocarão o equilíbrio no sentido da formação do gás amônia (não ionizado). A
equação abaixo mostra o equilíbrio químico dos compostos de amônia em solução aquosa. A força iônica também é importante para a definição do equilíbrio
entre as espécies de amônia em águas com
salinidade elevada.
NH4+(aq) + H2O(i)NH3(aq) + H3O+(aq)
Quanto à toxicidade, esta dependerá
das condições do meio, pois a forma não ionizada é considerada mais tóxica.
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Meio ambiente e sustentabilidade
Íons cianeto
A toxicidade do íon cianeto (CN-) é conhecida há mais de dois séculos, porém,
compostos que contêm esse ânion são tóxicos somente se liberarem gás cianídrico
(HCN) em uma reação de acidificação de
íons cianeto.
A ação tóxica se deve à capacidade de
se ligar fortemente a íons metálicos da matéria viva, como, por exemplo, ao ferro das
proteínas (hemoglobina) que são necessárias para que o oxigênio molecular seja utilizado pelas células, que, nesse caso, pode
causar a morte por asfixia.
Cianeto é importante na síntese de vários compostos orgânicos, principalmente
de acetonitrila, produto importante na manufatura de tecidos sintéticos, utilizado
também na mineração, refino e eletrodeposição (galvanoplastia) de metais como ouro,
cádmio e níquel.
Nos corpos d’água pode ser encontrado como ácido fraco HCN (ácido cianídrico), tendo como origem os efluentes industriais, que é uma espécie muito estável
e não se decompõe no ambiente. Por essas
características, é um poluente aquático
importante, devendo ser destruído por via
química.
Compostos de enxofre
O enxofre também está presente em moléculas orgânicas importantes para os organismos vivos como, por exemplo, os aminoácidos. Quando tais substâncias se decompõem
anaerobicamente, são emitidos muitos gases
que contém enxofre em sua estrutura originando odor desagradável.
Nos sistemas aquáticos, o sulfeto de hidrogênio dissolvido em água pode ser oxidado devido à ação de microrganismos até enxofre em sua forma elementar (S0 – estado de
oxidação 0) ou se a oxidação for completa
chega a produzir íons sulfato (SO42-).
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Bactérias anaeróbicas utilizam o íon
sulfato como agente oxidante para conversão de matéria orgânica. Nesse processo, os
íons SO42- são reduzidos até enxofre elementar ou sulfeto de hidrogênio. Tais reações são importantes na água do mar, onde
a concentração de íons sulfato é muito
maior que em sistemas de água doce.
O sulfeto de hidrogênio (H2S) é muito
tóxico, ataca metais diretamente corroendo
tubulações de concreto porque pode ser
oxidado biologicamente a ácido sulfúrico
nas paredes das tubulações segundo a reação abaixo:
H2S(aq) + 2O2 (g)H2SO4(aq)
Compostos de enxofre podem ser lançados nas águas juntamente com os efluentes
de indústrias químicas, têxteis e de papel.
Dióxido de carbono
Dióxido de carbono é frequentemente encontrado na água em altas concentrações
devido à decomposição de matéria orgânica. Excessivos níveis de tal composto podem
tornar a água mais corrosiva danificando os
sistemas de distribuição além de ser perigoso para a vida aquática.
Poluentes orgânicos
Tensoativos: Sabões e
detergentes
Detergentes sintéticos apresentam boas
propriedades para limpeza, não formando
sais insolúveis na presença de “água dura”
(água com alta concentração de íons cálcio
e magnésio). Além disso, por serem produzidos a partir de ácidos fortes, não precipitam, na presença de água com propriedades
ácidas, características indesejáveis do sabão.
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Rosa, Fraceto e Moschini-Carlos (Orgs.)
O principal componente de um detergente são os tensoativos ou surfactantes,
compostos orgânicos que apresentam comportamento anfifílico; isto é, possuem em
sua estrutura molecular uma região hidrofóbica (aversão à água) e outra hidrofílica
(forte afinidade por água) como mostra a
Figura 1.5.
O primeiro tensoativo sintético aniônico surgiu na década de 1940 (alquilbenzeno sulfonato – ABS, Figura 1.6) e teve grande aceitação por parte dos consumidores
devido ao melhor desempenho comparado
aos sabões. Problemas nas estações de tratamento de efluentes, porém, foram observados devido à presença de densas camadas de
espumas dificultando processos de aeração
nos tanques de tratamento de efluentes
transportanto inúmeros poluentes e bactérias a longas distâncias.
A presença de carbonos quaternários
na cadeia hidrofóbica do ABS impede a degradação microbiológica deste composto, o
que levou a substituição por tensoativos
biodegradáveis que apresentam em sua estrutura cadeias alquílicas lineares como o
alquilbenzeno sulfonato linear (LAS) (Figura 1.7).
A partir de 1965, a utilização de compostos não degradáveis nas formulações de
detergentes foi proibido em todos os países
industrializados. Países da América Latina,
porém, ainda utilizam compostos não biodegradáveis na formulação de produtos
para limpeza devido ao baixo custo (Penteado, 2005).
É importante salientar que a biodegradabilidade é uma característica desejável
para tensoativos (sabões e detergentes),
porém, ser biodegradável não indica que tal
produto não cause danos ao ambiente, mas,
sim, que o mesmo é decomposto por microrganismos.
A biodegradação ocorre devido à ação
de microrganismos e outras formas de remoção também são possíveis como precipitação e adsorção. Vários fatores influenciam
a biodegradação, entre eles podemos citar:
concentração de oxigênio dissolvido, complexação com tensoativos catiônicos provenientes de outros produtos de limpeza (amaciantes de roupas, por exemplo), presença de
nutrientes orgânicos e variação de pH.
O potencial dos detergentes como
contaminantes aquáticos ocorre devido ao
intenso uso pela sociedade. Em 2000, foram
utilizados mundialmente cerca de 2,5 milhões de toneladas, e a perspectiva de produção para 2010 está em torno de 3,4 milhões de toneladas (Sans et al., 2003).
Vários problemas ambientais têm
sido apontados devido ao acúmulo de tensoativos nos recursos hídricos, tais como:
a) eutrofização devido à presença de fosfatos em várias formulações de detergentes;
b) diminuição do oxigênio dissolvido e da
permeabilidade de luz fundamental para
a vida aquática devido à diminuição da
tensão superficial na interface água/ar;
c) aumento da concentração de xenobióticos como PCBs e pesticidas organoclorados presentes nos sedimentos por solubilização micelar, inibindo a degradação;
d)bioacumulação: capacidade dos seres
vivos concentrarem determinadas espécies químicas em sua biomassa;
Figura 1.5
Estrutura química de um tensoativo.
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Meio ambiente e sustentabilidade
33
Figura 1.6
Estrutura química de um alquilbenzeno sulfonato – ABS.
e) interferência em processos biológicos:
inibe o processo de nitrificação (conversão oxidativa de amônia em nitrato)
promovido por determinadas bactérias
autótrofas (nitrossomas) devido à mortandade desses organismos;
f) intoxicação na população;
g) aumento dos custos para tratamento de
efluentes.
O petróleo e os BTX
(BenzenoToluenoXileno)
Os tensoativos apresentam elevada
taxa de toxicidade. Dentre os 39 componentes utilizados na formulação de detergentes, verificou-se que vários tensoativos
são responsáveis por 10,4 a 98,8% da toxicidade medida em testes biológicos em que o
aumento da cadeia alquílica demonstrou
aumento na toxicidade (Penteado, 2005).
Em águas continentais, o tempo de
meia vida para remoção natural de tensoa-
O petróleo presente no subsolo se encontra
sob pressão e pode ser extraído mediante
perfurações feitas nas rochas. Após a retirada, segue então para refinarias, onde é feita
a separação dos diversos compostos originando combustível e outras substâncias.
A contaminação por petróleo é uma
das formas mais visíveis de poluição aquática e ocorre devido a derramamentos acidentais de navios petroleiros. Durante tais
tivos é de 3 horas, produzindo outros compostos após esse período. Em estações de
tratamento, níveis altos de biodegradação
(97 a 99%) têm sido encontrados quando se
utiliza processos aeróbios.
Figura 1.7
Estrutura de um alquilbenzeno sulfonato linear – LAS.
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Rosa, Fraceto e Moschini-Carlos (Orgs.)
acidentes, os petroleiros derramam, quase
sempre, enormes quantidades de petróleo
que, flutuando e se alastrando progressivamente, formam extensas manchas negras.
São as chamadas marés negras. As correntes
marinhas facilitam a formação de marés
negras, que chegam às praias e outras zonas
costeiras. Com efeitos altamente destrutivos, elas provocam enormes agressões na
fauna e flora marinhas, na maior parte das
vezes irreversíveis.
Além dos acidentes com navios petroleiros, pode-se ter contaminação dos sistemas aquáticos em plataformas marítimas
de exploração de petróleo, limpezas de tanques no mar, além de trocas de óleos em
motores sem infraestrutura adequada onde
não há coleta do produto descartado. Vazamentos de óleos combustíveis também
acontecem nas ruas e estradas chegando aos
mananciais pela ação das chuvas.
No ambiente aquático, poucos são os
animais que sobrevivem ao impacto am-
biental causado. Os hidrocarbonetos de
maior massa molecular formam gotas pegajosas que aderem nas penas de pássaros,
nos mamíferos marinhos e nas rochas.
Os raios solares não ultrapassam a camada de petróleo formada na superfície da
água. Assim, seres autótrofos fotossintetizantes, como as algas, não podem fazer fotossíntese, processo metabólico do qual depende toda a biota marinha resultando em
eutrofização.
Hidrocarbonetos ingeridos por organismos marinhos atravessam a parede intestinal incorporando-se às moléculas proteicas e aos tecidos lipídicos podendo assim
ser bioacumulados. Além dos danos ambientais, têm-se também prejuízos financeiros devido à poluição de praias e impossibilidade da pesca.
O petróleo contém também alguns hidrocarbonetos aromáticos, dentre eles encontram-se Benzeno, Tolueno e um grupo
de três isômeros denominados Xilenos. No
Benzeno
o-Xileno
Tolueno
m-Xileno
p-Xileno
Figura 1.8
Estrutura dos compostos conhecidos por BTX.
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Meio ambiente e sustentabilidade
conjunto, o componente da gasolina Benzeno + Tolueno + Xileno é chamado de BTX.
A Figura 1.8 mostra as estrutura desses hidrocarbonetos aromáticos.
A contaminação de águas subterrâneas por compostos orgânicos desse tipo também representa sérios problemas à saúde
publica, devido a vazamentos de tanques de
estocagem nos postos de gasolina.
Compostos aromáticos são geralmente mais tóxicos que os compostos alifáticos
com o mesmo número de carbonos e apresentam maior mobilidade em água devido à
sua solubilidade ser da ordem de 3 a 5 vezes
maior. Hidrocarbonetos aromáticos têm
também maior mobilidade nos sistemas solo-água, característica que é representada
pelo menor coeficiente de partição octanol-água (Kow) onde um menor coeficiente implica lenta absorção no solo e consequentemente transporte preferencial via água (Tiburtius et al., 2004).
O Quadro 1.3 mostra alguns parâmetros físico-químicos importantes na determinação da mobilidade no ambiente para
compostos alifáticos e aromáticos.
Além de migrarem mais ­rapidamente
através das águas, atingindo mananciais
de abastecimento, os compostos aromáticos apre­sentam toxicidade crônica elevada
quan­do comparados aos compostos alifáti-
35
cos, influenciando nos sistemas endócrinos
e enzimáticos. O caráter tóxico do benzeno
está diretamente ligado ao seu potencial
carcinogênico (leucemias) e mutagênico. As
doses tóxicas para benzeno estão entre 10 a
90 mg L-1 e para naftaleno de 4 a 5 mg L-1.
Em função dos fatores mencionados, a
legislação tem se tornado restritiva; a Portaria no 1.469/2000 do Ministério da Saúde determina que os limites máximos para Benzeno, Tolueno e Xileno são: 5, 170 e 300 μg L-1,
respectivamente, para que a água seja considerada potável.
Interferentes endócrinos
Os processos fisiológicos do corpo humano
são controlados pelos sistemas nervoso e
endócrino. O sistema nervoso atua nos processos fisiológicos por meio de impulsos
nervosos que são conduzidos via neurônios, enquanto o sistema endócrino se utiliza de mensageiros químicos denominados
hormônios para mediar tais processos.
Hormônios são substâncias químicas
produzidas pelas glândulas endócrinas que,
lançadas na corrente sanguínea, coordenam
o funcionamento do organismo como um
todo. A atividade de órgãos completos, níveis de sais, açúcares e líquidos no sangue,
QUADRO 1.3
Parâmetros físico-químicos que representam a mobilidade
de compostos orgânicos em sistemas aquáticos
COMPOSTOS
Benzeno
Decano
Dodecano
Nonano
Tolueno
Xileno
LOG KOW
2,1
6,7
7,2
4,7
2,7
2,9-3,3
SOLUBILIDADE EM ÁGUA mg L-1
1760
0,021
0,005
0,122
532
163-185
Fonte: Baseado em Tiburtius et al., 2004
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Rosa, Fraceto e Moschini-Carlos (Orgs.)
uso e armazenamento de energia, crescimento e desenvolvimento, reprodução e as
caraterísticas sexuais são exemplos de algumas funções controladas por hormônios
(Ghiselli e Jardim, 2007).
Os interferentes endócrinos são substâncias de diferentes origens, estruturas e
usos que interferem no funcionamento natural do sistema endócrino de espécies animais. Acredita-se que os alteradores endócrinos possam interferir nesse complexo
sistema pelo menos de três formas distintas:
a) Minimizando a ação dos hormônios produzidos naturalmente.
b)Bloqueando receptores hormonais nas
células e impossibilitando a ação dos
mes­mos.
c) Interferindo na síntese, transporte, metabolismo e secreção de hormônios com
alteração das concentrações normais
dos mesmos.
Mundialmente, tais substâncias são
denominadas endocrine disruptors (EDs) ou
endocrine disrupting compounds or chemicals (EDCs) sendo conhecidas no Brasil
como desreguladores ou interferentes endócrinos.
Vários estudos têm relacionado a presença de alteradores endócrinos no organismo humano com doenças como: câncer
nos testículos, mama e próstata, queda na
taxa de espermatozoides, deformidades nos
órgãos reprodutivos, disfunção na tireoide e
alterações relacionadas ao sistema neurológico. Inúmeras moléculas orgânicas sintéticas podem atuar como alteradores endócrinos podendo ser classificadas em:
nHormônios
naturais: estrogênio, progesterona e testosterona presentes naturalmente no ser humano e animais.
nFitoestrogênios: substâncias contidas em
plantas como a soja.
nSubstâncias sintéticas (hormônios sintéticos): utilizados como contraceptivos
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orais e/ou aditivos na alimentação animal.
nXenoestrogênios: substâncias produzidas
na indústria e/ou utilizadas na agricultura tais como pesticidas, aditivos plásticos, bifenilas policloradas, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, compostos de organoestanho, alquilfenóis e
subprodutos de processos industriais
como as dioxinas e os furanos.
O destino e comportamento dos alteradores endócrinos tanto nos organismos
vivos quanto no ambiente estão diretamente
relacionados às propriedades físico-químicas de cada composto. Entretanto, dada a
grande variedade das substâncias, é possível
afirmar que estas podem ser encontradas em
todos os compartimentos ambientais: no ar,
a partir de poluição atmosférica, nos corpos
d’água devido à alta solubilidade de alguns
compostos, nos sedimentos e no solo por
causa do alto coeficiente de adsorção, em
frutas e vegetais, bem como ao longo da cadeia alimentar dada a capacidade de bioacumulação e biomagnificação (Sodré et al.,
2007).
As Estações de Tratamento de Efluentes (ETEs) são uma possível fonte de interferentes endócrinos para o ambiente, descarregando-os diretamente nos corpos
d’água superficiais, pois os processos de tratamento convencionais não foram desenvolvidos para remover tais compostos e sim
para estabilização dos efluentes, clarificação, desinfecção e remoção de nutrientes
(Silva, 2009).
No Brasil, porém, boa parte dos processos de tratamento de efluentes se dá por
meio de lodos ativados, que, quando bem
operados, podem apresentar significativa
capacidade de remoção para alguns interferentes endócrinos (Teske e Arnold, 2008).
Nos próximos tópicos, serão discutidas
as características particulares de algumas
classes de compostos classificados atual­men­
te como alteradores endócrinos.
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Meio ambiente e sustentabilidade
Pesticidas
Devido ao grande crescimento populacional e à consequente necessidade do aumento na produção agrícola, houve a necessidade da utilização de pesticidas para melhorar
a produção agrícola, diminuir a mão de
obra necessária e consequentemente o
preço dos alimentos.
Pesticidas, agrotóxicos, agroquímicos
ou defensivos agrícolas são substâncias destinadas a prevenir a ação ou destruir insetos,
ácaros, fungos, roedores, nematoides, ervas
daninhas, bactérias e outras formas de vida
animal e vegetal prejudiciais à lavoura, à pecuária e a seus produtos. Nessa definição, incluem-se desfolhantes, dessecantes e as substâncias reguladoras de crescimento vegetal;
excluem-se as vacinas, os medicamentos, antibióticos de uso veterinário e agentes de
controle biológico (Santos et al., 2001).
São compostos de utilização principalmente agrícola, podendo ser também usados
em ambientes domésticos, industriais e urbanos. Pesticidas podem ser classificados
quanto ao raio de ação como inseticidas (extermina insetos), herbicidas (plantas daninhas), molusquicidas (moluscos) e rodenticidas (roedores) entre outros. Quanto à estrutura química, os pesticidas podem ser:
organoclorados (presença de átomos de
cloro na molécula), organofosforados (átomos de fósforo nas moléculas), glicinas, triazinas, carbamatos, fenoxiácidos, piretroides,
etc. Na Figura 1.9 são apresentados alguns
pesticidas comumente utilizados.
ácido 4-cloro
2-metilfenoxiacético
atrazina
37
ácido 2,4diclorofenoxiacético
metribuzin
Figura 1.9
Estruturas químicas de pesticidas.
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Ainda que empregados de modo correto, tais compostos podem causar problemas de ordem ecológica e de saúde pública
como: desequilíbrio nos balanços ecológicos favorecendo o aparecimento de novas
pragas, ou o retorno de outras que estavam
sob controle.
Entre as diversas classes de pesticidas
os organoclorados (exemplo: pentaclorofenol) merecem especial atenção devido à toxicidade e persistência no ambiente. De
forma geral, todos os pesticidas organoclorados apresentam estabilidade química, são
insolúveis em água, relativamente inertes
frente a ácidos e bases e sob a luz solar sofrem reações químicas formando compostos com estabilidade maior ou similar que
os compostos de origem.
Muitos pesticidas são altamente tóxicos ao ser humano e a outros animais, seja
por exposição direta, seja por acumulação
no organismo via ingestão de alimentos ou
águas contaminadas. Tais compostos podem
contaminar os seres humanos de quatro formas distintas: exposição oral, inalação, ocular e dérmica. Dependendo do grau de toxicidade, podem produzir três tipos de efeitos:
agudos, crônicos e alérgicos.
Os efeitos agudos são doenças ou
danos que aparecem imediatamente após a
exposição (em geral em menos de 24 horas),
são facilmente diagnosticados e tratados,
considerados reversíveis desde que o tratamento seja administrado imediatamente.
Efeitos crônicos são aqueles que surgem após longos períodos de exposição a
baixas concentrações do composto tóxico,
resultando em doenças graves, tais como
tumores (efeitos oncogênicos), câncer (efeitos carcinogênicos), alterações nos genes e
cromossomos (efeitos mutagênicos). Já os
efeitos alérgicos se caracterizam por reações
que determinadas pessoas apresentam
quando expostas a determinado produto.
Entre os efeitos alérgicos causados por pesticidas têm-se irritação na pele, irritação
dos olhos, ouvidos, asma e bronquites.
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Em água potável podem aumentar os
riscos de ocorrência de câncer, danos ao sistema nervoso, cardíaco, endócrino e reprodutivo (Risseto et al., 2004).
Compostos organoclorados têm se
propagado via transporte aéreo de longo alcance e se depositado nos corpos d’água por
ação das chuvas.
As principais fontes de emissão de pesticidas encontrados em águas naturais são:
n escoamento de águas de áreas cultivadas;
nentrada direta por pulverização, durante
a aplicação;
nefluentes industriais e domésticos;
nlixiviação provocada por águas pluviais.
Bifenilas policloradas
Bifenilas policloradas (PCBs) são compostos produzidos a partir da cloração direta
da molécula bifenila, usando cloreto férrico
e/ou iodetos como catalisadores (Penteado
e Vaz, 2001).
A molécula é composta de dois anéis
de seis átomos de carbono, podendo apresentar múltiplos átomos de cloro ligados resultando em 209 congêneres como mostra a
Figura 1.10.
Esses compostos foram disponibilizados com vários nomes comerciais tais como
Aroclor (EUA), Chlophen (Alemanha), Kanechlor (Japão), Ascarel (Brasil) (Antonello
et al., 2007). Cada formulação é uma mistura de muitos congêneres, podendo conter
impurezas muitas vezes mais tóxicas como
dibenzofuranas cloradas, naftalenos clorados e dibenzo p-dioxinas cloradas.
Cada produto apresenta um sistema
de numeração de 4 dígitos, sendo que os
dois primeiros representam o esqueleto
carbônico composto de 12 átomos e os dois
últimos significam o conteúdo de cloro em
porcentagem de peso: Aroclor 1242 possui
42% de cloro na massa total. De acordo
com a quantidade de cloro, as propriedades
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Meio ambiente e sustentabilidade
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Figura 1.10
Estrutura molecular dos PCBs. Fórmula molecular C12HXCly onde x =1-9 e y =10-x.
físico-químicas do composto podem variar,
podendo ser utilizados para diferentes propósitos (Santos, 2000).
Dentre as mais importantes propriedades desses compostos, podemos citar que
são líquidos de baixa pressão de vapor,
baixa solubilidade em água e apresentam
excelentes propriedades dielétricas, são estáveis à oxidação, resistentes à chama e relativamente inertes. Devido a essas propriedades, foram intensamente utilizados na fabricação de transformadores e capacitores
elétricos como fluidos isolantes, em tintas e
vernizes como plastificantes, em borrachas
e resinas de poliéster como retardantes de
chama e como óleo lubrificante em máquinas agrícolas, além de terem efeito sinérgico
no período de vida ativa dos inseticidas organoclorados.
Quanto à toxicidade, o sintoma mais
comum devido à exposição ocupacional é a
cloracne (infecções cutâneas) e danos hepáticos. Significativo aumento no número de
proteínas oncogênicas e aberrações cromossômicas em linfócitos humanos têm
sido observados em trabalhadores expostos
a PCBs. Estudos feitos nos Estados Unidos
mostraram que pessoas expostas à ação de
bifenilas apresentam redução no QI de toda
uma geração, pois esses compostos reduzem a memória, diminuindo o desenvolvimento mental, além de causar depressão.
A partir de 1972, vários países proibiram ou restringiram o uso e a fabricação.
No Brasil, a regulamentação só ocorreu em
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1981, e, em 1983, a Secretaria do Meio Ambiente disciplinou as condições de manuseio, transporte e armazenamento. Assim,
houve a necessidade de substituição das bifenilas presentes nos transformadores por
outros produtos menos tóxicos e danosos.
Entretanto, após a retirada mediante drenagem, é necessário fazer a lavagem com solvente orgânico, o que produz um resíduo
tóxico que se mistura com o novo produto
isolante utilizado. Apesar de sua proibição,
muitos transformadores utilizados ainda
nos dias de hoje contêm bifenilas em seu interior.
Dioxinas
Dioxinas são subprodutos indesejáveis às atividades humanas, não sendo, portanto produzidos para utilização (com exceção dos
padrões utilizados no monitoramento ambiental). Podem ser originadas como subprodutos de uma grande variedade de processos, entre os quais estão o branqueamento
de polpa celulósica, incineração de resíduos,
reciclagem de metais e a produção de solventes (tricloroeteno e percloroeteno).
Chamas que ocorrem em incêndios
florestais e em incineradores também emitem para o ambiente vários congêneres da
família das dioxinas, tais compostos são
produzidos como subprodutos minoritários a partir de cloro e matéria orgânica
presentes no material combustível. A preo-
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cupação com tais compostos iniciou-se em
1983 com o acidente ocorrido em Time
Beach, onde o solo foi contaminado pela
disposição de sobras de produção de herbicidas contaminadas com 2,3,7,8-TCDD (tetraclorodibenzo-p-dioxina) (Jones, 1993).
A cloração na molécula pode ocorrer em diversas posições resultando na formação de
75 congêneres. A Figura 1.11 apresenta a estrutura química das dioxinas.
As propriedades físico-químicas e
consequentemente o comportamento no
ambiente e a toxicidade dependerão do número de átomos de cloro na estrutura,
sendo mais comuns os congêneres com número relativamente alto de substituintes
cloro. A Agência de Proteção Ambiental dos
Estados Unidos (USEPA) classificou a dioxina 2,3,7,8 –TCDD como carcinogênica,
sendo considerado o mais potente carcinogênico até hoje avaliado por essa agência
(Dempsey e Oppelt, 1993).
A TCDD apresenta baixa pressão de
vapor (1,7 X 10-6 mmHg à 25 ºC), alto ponto
de fusão 305 ºC e baixa solubilidade em
água (0,2 μg L-1). Sua estabilidade térmica
(acima de 700 ºC) provém do alto grau de
estabilidade química, que tem como principal consequência alta persistência no ambiente (Manahan, 2001).
Uma vez produzidas, as dioxinas são
transportadas de um local a outro pela atmosfera, sendo depositadas por ação das
chuvas podendo entrar na cadeia alimentar,
tornando-se bioacumuladas em animais e
plantas. A exposição dos seres humanos a
esses compostos se dá principalmente via
alimentação. Quanto à toxicidade, tais compostos têm sido considerados extremamente tóxicos para alguns animais (toxicidade
aguda) porém, para humanos o grau e tipo
de toxicidade ainda é desconhecido.
A exposição ocupacional acidental a
2,3,7,8-TCDD ou outras dioxinas tem sido
associada ao aparecimento de cloracne (infecções cutâneas) e alterações de enzimas
hepáticas. Seis anos após um acidente ocorrido na Itália (Givadan-La Roche – Icmesa),
em 1986, ainda se observou o nascimento
de crianças com má formação. Atualmente,
as dioxinas são consideradas alteradores endócrinos (Ghiselli e Jardim, 2007).
TRANSFORMAÇÃO,
TRANSPORTE E ACÚMULO
DE POLUENTES AQUÁTICOS
A avaliação da concentração de um composto e a forma em que se encontra no ambiente são parâmetros importantes que
muitas vezes determinam se este será essencial ou tóxico àquele ecossistema.
Uma das características que diferenciam
os metais (essenciais e potencialmente tóxicos) dos poluentes orgânicos é a não degrada-
Figura 1.11
Estrutura molecular das dioxinas.
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Meio ambiente e sustentabilidade
ção. Metais não são degradados, passando
apenas de um compartimento ambiental à
outro mediante mudanças físicas (mudanças
de estado físico ou no número de oxidação).
Compostos orgânicos (pesticidas, bifenilas, dioxinas entre outros) podem sofrer degradação fotoquímica (mediante ação da luz
solar) e/ou microbiana (ação de microrganismos) resultando muitas vezes em compostos
com estabilidade e toxicidade similar ou até
maior que aqueles de origem, frequentemente
observadas em compostos organoclorados.
No ambiente aquático, os poluentes se
distribuem na fase aquosa (coluna d’água e
água intersticial), na fase sólida (suspensa e
sedimentada) e nos organismos aquáticos.
A troca entre essas fases é dinâmica e varia
de um ecossistema para outro, e o tempo de
residência no ambiente depende de vários
processos no meio, os quais promovem a fixação ou degradação.
A fixação da espécie química pode
ocorrer mediante processos de adsorção e/
ou complexação. A adsorção é um processo
físico em que o composto ou elemento químico fica ligado à superfície de um determinado material, enquanto a complexação
corresponde a um processo químico em
que o elemento está fortemente ligado a
uma determinada substância.
Os principais agentes complexantes
orgânicos naturais, presentes em sistemas
aquáticos, são as substâncias húmicas (SH).
Tais substâncias são originadas da decomposição de restos animais e vegetais que se
depositam no solo e/ou sedimentos, apresentam elevada massa molecular e estrutura química bastante complexa e indefinida,
sendo responsáveis pela coloração escura
das águas naturais (Rocha e Rosa, 2003).
Em função de sua estrutura molecular
complexa, com diferentes grupos funcionais presentes, as SH possuem alta capacidade de complexação e adsorção influenciando diretamente o comportamento dos
poluentes aquáticos.
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41
A presença de matéria orgânica nos
corpos d’água influenciam diretamente a
concentração, transporte, acúmulo e muitas vezes a toxicidade dos poluentes, isso
pode ser demonstrado ao observar o comportamento do ferro: cerca de 90% do ferro
solúvel está ligado às substâncias húmicas e
sua solubilidade é aproximadamente 1010
vezes maior que a esperada por seu produto
de solubilidade (Resende et al., 2002).
Quando se trata de questões ambientais, é
importante salientar que existem relações
complexas entre os diferentes compartimen­
tos ambientais sendo impossível avaliar a
poluição de um compartimento isoladamente.
O transporte pela atmosfera ocorre
porque alguns compostos se volatilizam se
agregando ao material particulado, sendo
carregados pelo vento. Assim, podem atingir ambientes distantes das áreas onde inicialmente foram utilizados e até regiões remotas, como a Antártica, apresentam índices de contaminação. Sabe-se hoje, por
exemplo, que tecidos gordurosos de pinguins apresentam resíduos de pesticidas organoclorados.
Aspectos climáticos das regiões tropicais (chuvas fortes e altas temperaturas) facilitam a rápida dispersão de tais substâncias pela atmosfera e pela água.
Os solos são importantes depósitos
terrestres de pesticidas e metais, controlando o transporte dessas substâncias por processos de adsorção, degradação e vaporização; podendo ser carreados para ambientes
aquáticos via lixiviação e/ou erosão.
Fatores como pH, temperatura, estrutura química do pesticida e matéria orgânica dissolvida determinam a solubilidade e
permanência desses compostos na água. Ao
aportarem nos corpos d’água, os poluentes
são adsorvidos ao sedimento e ao se associarem ao material particulado em suspensão são transportados com ele. O material
em suspensão é disperso pela ação das on­
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das e correntes e então depositado no
fundo, podendo ser ressuspendido e novamente disperso por uma série de ventos
contínuos até ser transportado para fora do
sistema ou reiniciar sedimentação.
Sedimentos contaminados apresentam ameaça potencial para a saúde humana, vida aquática e ambiente. A taxa de degradação de muitos contaminantes tóxicos
é lenta, e tais compostos tendem a permanecer no sedimento durante longos períodos.
Seres no fundo dos rios e lagos (crustáceos
e larvas de insetos) podem ingerir ou absorver substâncias químicas tóxicas dos sedimentos contaminados. Tais poluentes po­
dem ser eliminados do sistema aquático por
volatilização, degradação (compostos orgânicos) ou como resíduos em peixes, pássaros e outros animais.
Fenômenos de bioacumulação (capacidade dos seres vivos concentrarem espécies químicas em sua biomassa) e biomagnificação (transferência de compostos químicos de um ser para outro) são respon­sáveis
pelo aumento das concentrações acima dos
níveis existentes no meio onde vivem.
A extensão na qual uma substância se
acumula em determinado organismo vivo
depende da taxa ingerida da fonte e do mecanismo pelo qual ela é eliminada. A velocidade de eliminação é discutida em termos
do período de meia vida (t1/2) que pode ser
definido como tempo requerido para que
metade da substância seja eliminada. Logo,
os fenômenos de bioacumulação e biomagnificação se encarregam de transformar
concentrações normais em concentrações
tóxicas para diferentes espécies da biota,
bem como para o próprio ser humano. Os
contaminantes podem afetar diretamente
os humanos via cadeia alimentar. Quando
peixes pequenos e moluscos se alimentam
de materiais contaminados, os contaminantes se acumulam em seus corpos. Peixes
maiores são contaminados ao ingerir peixes
menores. O ser humano pode correr riscos
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ao se alimentar de peixes e animais contaminados.
POLUIÇÃO DE ÁGUAS
SUBTERRÂNEAS
As águas subterrâneas representam a parcela da hidrosfera que ocorre na subsuperfície da Terra, sendo de extrema importância no abastecimento doméstico, industrial
e agrícola.
O Brasil se encontra em situação privilegiada com relação à ocorrência de águas
subterrâneas, uma vez que dispõe de 10
províncias hidrogeológicas em seu território. Dentre os aquíferos brasileiros está o
maior manancial de água doce subterrânea
transfronteiriço do mundo, o aquífero Guarani, que se estende pelo Brasil, Paraguai,
Uruguai e Argentina. Sua maior ocorrência
se dá em território brasileiro abrangendo os
estados de Goiás, Mato Grosso do Sul,
Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
As interferências antrópicas no ciclo de
renovação das águas superficiais mediante a
extração excessiva, uso inadequado de recursos hídricos, lançamento de efluentes nos
corpos d’água, ausência de controle de erosão, diminuição de matas ciliares, aumento
da população e aumento nos custos de tratamento têm diminuído a quantidade e qualidade da água disponível para o consumo humano gerando problemas de abastecimento.
Diante disso, as águas subterrâneas
vêm assumindo importante papel como
fonte de água potável. O interesse pelas
águas subterrâneas surgiu devido à grande
disponibilidade (quantidade) e excelente
qualidade natural associados ao desenvolvimento tecnológico facilitando sua extração.
Atualmente, mais da metade da água de
abastecimento público no Brasil provém de
reservas subterrâneas (ANA, 2006).
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Meio ambiente e sustentabilidade
No Estado de São Paulo, por exemplo,
80% dos municípios são totalmente ou parcialmente abastecidos por águas subterrâneas, atendendo uma população de mais de
5,5 milhões de habitantes. O mapa abaixo
(Figura 1.12) mostra o uso de águas subterrâneas para abastecimento público no estado de São Paulo.
A qualidade natural (propriedades físico-químicas) das águas subterrâneas está
diretamente relacionada ao tipo de rocha
que constitui o aquífero (formação geológica capaz de armazenar e transmitir água),
bem como das atividades humanas desenvolvidas na região e sua disponibilidade dependerá da capacidade de recarga e do volume que se pretende extrair.
O armazenamento de água em um
aquífero faz parte do ciclo hidrológico. As
águas das chuvas, neblinas, neves e geadas
43
fluem lentamente pelos poros das rochas formando e realimentando os aquíferos. Normalmente, esses reservatórios subterrâneos
possuem água de boa qualidade para o consumo por serem relativamente protegidos, uma
vez que não ficam na superfície e assim não
têm contato direto com os poluentes.
As camadas de solo funcionam como
filtro que restringe a poluição dos aquíferos,
porém, dependendo da concentração e características físico-químicas dos poluentes
de­positados no solo, esse filtro não é eficiente
permitindo que os compostos atinjam águas
subterrâneas. Como essas águas apresentam
baixa capacidade de depuração devido à
baixa atividade biológica e pequena capacidade de diluição, os poluentes são de difícil
remoção. Nas áreas de afloramento das formações geológicas, onde a rocha está exposta
ou apenas recoberta por camadas de solo, a
Total
Parcial
Não utiliza
Figura 1.12
Utilização de água subterrânea para abastecimento no Estado de São Paulo (CETESB, 2007).
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recarga dos aquíferos (infiltração de água) é
direta, transformando essas áreas em pontos
vulneráveis onde o risco de poluição se torna
maior. As fontes de poluição estão diretamente relacionadas ao uso do solo. A disposição inadequada de resíduos sólidos e infiltração de efluentes, além de fontes difusas
como a agricultura (adubação excessiva e
uso inadequado de pesticidas) são algumas
das atividades antrópicas responsáveis pela
contaminação das águas subterrâneas.
Atualmente, o grande número de postos
de serviços com tanques de combustíveis com
possibilidades de vazamentos vem fazendo
dessa atividade uma das principais fontes de
poluentes em águas subterrâneas em áreas urbanas, o que vem exigindo maior controle e
fiscalização por parte do poder público.
A preocupação com a poluição de
águas subterrâneas é recente e restrita no
Brasil, pois boa parte dos usuários de tais
recursos (particular ou governamental)
ainda desconhece sua importância ignorando as consequências da poluição.
Ao contrário do que ocorre com águas
superficiais, onde a poluição na maior parte
das vezes é identificada, em águas subterrâneas a mesma não é visível e a exploração
muito distribuída dificultando a identificação de problemas; assim, ações protetoras
ou de interrupção são tardiamente aplicadas (Ribeiro, M.L. et al., 2007).
Para o desenvolvimento sustentável, a
gestão dos recursos hídricos subterrâneos
torna-se de importância estratégica. O conhecimento brasileiro sobre os impactos na
qualidade dessas águas se encontra ainda
em estágio inicial quando comparado a outros países, como os Estados Unidos, Canadá e Alemanha, necessitando de ações imediatas do poder público e conscientização
por parte da população.
EXERCÍCIOS
1. Com base na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, defina o que seria poluição.
2. Os termos poluição e contaminação podem ser considerados sinônimos? Explique as diferenças e
como podemos definir se um ambiente está contaminado ou poluído. (Sugestão: procure na literatura
o significado de background do ponto de vista de avaliação de possíveis impactos ambientais).
3. Quais os principais tipos de poluição aquática?
4.Cite os principais poluentes inorgânicos, destacando suas possíveis fontes, ocorrências
e impactos ambientais que possam causar.
5. Cite os principais poluentes orgânicos, destacando suas possíveis fontes, ocorrências e impactos
ambientais que possam causar.
6. O que são interferentes endócrinos e quais suas implicações quando presentes em sistemas aquáticos?
7. Qual a relação entre solubilidade em água, coeficiente de partição (Kow) e a mobilidade de poluentes
orgânicos em água?
8. Discorra sobre os possíveis processos de acúmulo, transporte e transformação de compostos orgânicos e inorgânicos em águas superficiais.
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<http://www.nap.edu/openbook.php?isbn=0309071402>.
Acesso em: 17 abr. 2012.
14/6/2012 15:17:25
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