PORTUGAL COURRIER INTERNACIONAL 16 WWW.COURRIERINTERNACIONAL.COM.PT PORTUGAL Darfur: quantos mortos mais? O conflito que devasta a região sudanesa do Darfur, desde Fevereiro de 2003, já causou 300 mil mortos e dois milhões de deslocados sobrevivendo em condições inenarráveis. Mas não se trata aqui apenas, nas palavras do secretário-geral das Nações Unidas, da «maior crise humanitária do planeta»: o conflito contribui para a desestabilização do maior país ANA GOMES africano e de toda a região. A guerra no Darfur tem origens na negligência a que foi votada a região pelas cliques dominantes em Cartum, que exploram os recursos naturais — petróleo incluído — do país com um zelo só comparável à ânsia de centralizar o poder e reprimir qualquer tipo de oposição. Há três anos que movimentos rebeldes combatem o exército e as brutais milícias «janjawid» apoiadas pelo Governo, numa guerra insidiosa que transformou a região num pesadelo de pilhagens e atrocidades. O procurador do Tribunal Penal Internacional sublinhou há dias as «intenções genocidas» dos crimes contra a Humanidade que está a investigar. De facto, combater a impunidade, em Darfur como noutros lados, é essencial também para travar o conflito. Inúmeros cessar-fogos foram violados por todas as partes e a AMIS, missão militar da União Africana (só sete mil elementos numa região do tamanho da França), apoiada pela UE para ajudar a aplicar os acordos, tem sido impotente para pôr fim à matança. Entretanto, o conflito internacionaliza-se: num jogo de «se-tu-apoias-os-meus-rebeldes-eu-apoio-os-teus», o Sudão tenta desestabilizar o vizinho Chade, permitindo a grupos revoltosos que ataquem a partir do Darfur (um golpe de Estado em Abril contra o regime de Déby foi preparado no Darfur). Por sua vez, o envolvimento do Chade foi decisivo na criação de uma aliança militar entre dois dos movimentos rebeldes que lutam contra o governo de Cartum. Neste quadro acabrunhante, não admira que a assinatura de um acordo de paz, a 5 de Maio, entre a principal facção rebelde e o Governo, tenha sido recebida internacionalmente com alívio. Mas, apesar de o acordo finalmente abrir o caminho para uma missão de paz robusta da ONU, o Governo do Sudão (apoiado pela falta de escrúpulos de Moscovo e Pequim) tem feito tudo para impedir, ou adiar, a presença de capacetes azuis no Darfur, manifestamente necessários para complementar/integrar a AMIS. Cartum conseguiu impedir a visita de uma missão de planeamento da ONU durante três meses e por isso só em finais de Junho saberemos os possíveis parâmetros de uma missão ONU. As últimas informações indicam que a chegada dos primeiros capacetes azuis está a ser adiada de Outubro deste ano para Janeiro de 2007. Quantos mortos e deslocados mais vai esse adiamento implicar? Enquanto tropas da ONU — para as quais a UE vai ter de contribuir substancialmente, no mínimo em apoio logístico e financeiro — não aparecem no terreno, é preciso garantir que o acordo de paz de Maio sobreviva. É por isso imperativo que a comunidade internacional não poupe esforços em reforçar desde já a AMIS, que foi incumbida da tarefa ciclópica de monitorizar a aplicação do acordo até chegar a ONU. Entretanto, Cartum, valendo-se da desunião dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, continua a ganhar tempo para cimentar a posição de supremacia militar no Darfur, fomentar divisões internas nos movimentos rebeldes e promover a variante sudanesa de «regime change» no Chade. Pelo andar da carruagem, quando a ONU chegar, o caos organizado e dirigido por Cartum terá atingido os seus objectivos: destruir os povos do Darfur e impor uma paz podre. A paz de aldeias arrasadas e populações exangues. AÇORES Ilhas que sabem voar A economia da região autónoma lusa, cujo Governo gere portos, aeroportos e uma linha aérea, está a florescer, diz este jornal espanhol. LA VANGUARDIA Barcelona arquipélago dos Açores comemora 30 anos de autonomia com um balanço económico promissor. Aquela que foi a região mais pobre de Portugal converge, ano após ano, com a média nacional e europeia, ao ponto de apenas Lisboa, Algarve e a Madeira desfrutarem de maior bem-estar. Desde há 15 anos, a sangria de emigrantes para os Estados Unidos e o Canadá inverteu-se e a região tem vindo a recuperar população. A reforma constitucional de 2004 abriu as portas para que, na actual legislatura, a Assembleia Regional reveja o estatuto de autonomia, fixe as competências exclusivas e aprove uma nova lei das finanças. A condição ultraperiférica das ilhas permite-lhes até 85 por cento de financiamento comunitário para projectos públicos e 50 por cento para os privados. A pressão fiscal é muito mais baixa do que em Portugal continental: menos 20 por cento para os rendimentos do trabalho e 30 por cento para os rendimentos empresariais. Por último, a titularidade regional da maioria dos aeroportos insulares e da principal linha aérea (SATA), assim como dos portos mostra até que ponto o governo regional identificou a autonomia com a capacidade de decidir sobre as suas ligações ao mundo. O afã de promover a coesão do arquipélago favoreceu a propriedade, pelo Executivo, de um destacado sector empresarial que emprega aproximadamente 2.575 trabalhadores e que, em 2005, movimentou 403 milhões de euros, com lucros de 12 milhões. Não obstante, o Governo do socialista Carlos César já declarou que, na próxima legislatura, pretende largar mão, gradualmente, dos sectores com lucros. A jóia da coroa é a citada SATA (1.082 empregados) que, em 2005, voltou a dar lucro, desta vez três milhões de euros para um volume de negócios de 108 milhões. Mas nem tudo são elogios para a linha aérea regional. Tanto os utilizadores como os empresários turísticos exigem uma maior liberalização das rotas aéreas, pelo menos nas ligações da capital, Ponta Delgada (ilha de São Miguel) com o continente, a fim de baixar os preços. O secretário regional da Economia, Duarte Ponte, argumenta que grande parte das rotas foram lançadas a concurso e que, de qualquer modo, a SATA compete com outras com- O Porto de Ponta Delgada Foto: RUI OCHÔA TODO-O-TERRENO panhias em mais de 60 por cento das rotas. A companhia aérea voa regularmente para Boston, Oakland, Toronto, Montreal, Providence, Londres, Frankfurt, Zurique e Madrid (no Verão), entre outros destinos, além de Lisboa, Porto e Funchal. Duarte Ponte critica a suposta pretensão centralista de converter o aeroporto de Lisboa num «hub», ou plataforma para todas as regiões turísticas do país, e defende as ligações directas ou, pelo menos, os códigos partilhados com a empresa pública TAP, algo que já é frequente. Bilhetes baratos para os ilhéus A SATA é a companhia aérea mais antiga de Portugal. Nascida como linha privada nos anos 40, foi adquirida pelo Governo regional na década de 80. Também é desde essa altura que todos os novos portos e aeroportos construídos nas ilhas são propriedade do poder autónomo. Importa referir que a SATA conta com marcas próprias para os EUA (Air Azores) e Canadá. Uma vez no arquipélago, as deslocações são relativamente económicas, graças aos preços subsidiados para viagens às chamadas ilhas da coesão: Corvo, Flores, São Jorge, Graciosa e Santa Maria. Os menores de 25 anos também podem viajar de barco de uma ilha para a outra por um euro, após a compra de um passe anual de 50 euros. Há vários anos que não existem linhas de passageiros com o continente, numa viagem que durava dois ou três dias. De referir ainda que o arquipélago dos Açores se estende ao largo de 600 quilómetros, a não menos de duas horas de avião do continente. Para avaliar a boa saúde macroeconómica dos Açores, o seu vice-presidente, Sérgio Ávila, sublinha que 70 por cento do orçamento estão cobertos por receitas próprias e a existência de um défice zero. O arquipélago é a região portuguesa com maior crescimento do turismo, embora a oferta de camas (nove mil) esteja muito aquém da da Madeira (30 mil). Portugueses e nórdicos, em partes iguais, representam 80 por cento da ocupação. O grupo empresarial liderado por Artur Suqué, da Casinos da Catalunha, conseguiu a licença para o primeiro casino dos Açores, na ilha de São Miguel, que ainda não abriu as portas. Também está prevista a construção de um porto para cruzeiros em Ponta Delgada. E as relações com a Madeira e as Canárias estão a consolidar-se. Não obstante, o sector primário, em especial a criação de gado e a indústria do leite e do queijo, ainda pesam muito na economia insular. Um terço dos produtos lácticos consumidos em Portugal é originário dos Açores. E foram igualmente relançados os vinhos do Pico, cujo cultivo é considerado Património da Humanidade, e os verdelhos da Terceira. Após atingirem a cifra dos 330 mil habitantes, em 1960, as também chamadas ilhas do Espírito Santo entraram num ciclo de perda progressiva de população, que só se inverteu a partir de 1990. Actualmente, voltam a exceder o quarto de milhão de habitantes e, além da natureza, a economia também começa florescer. As transferências de Bruxelas, por um lado, e as da emigração de Boston e Toronto por outro, trouxeram uma nova prosperidade. Em ilhas como a Terceira ou São Miguel não se vêem as bolsas de pobreza detectáveis em Portugal Continental. Contudo, a dispersão das ilhas e a limitação do mercado, assim como os próprios recursos humanos, constrangem o dinamismo. Algo que, por outro lado, preservou uma autenticidade difícil de encontrar em qualquer outro arquipélago europeu. A companhia SATA, de titularidade regional, tem 1082 empregados e em 2005 registou três milhões de euros de lucros. Jordi Joan Baños (em Ponta Delgada)