courrier/courrier 30-06-06

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PORTUGAL
COURRIER INTERNACIONAL
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PORTUGAL
Darfur: quantos
mortos mais?
O
conflito que devasta a região sudanesa do Darfur,
desde Fevereiro de 2003,
já causou 300 mil mortos e dois milhões de deslocados sobrevivendo
em condições inenarráveis. Mas não
se trata aqui apenas, nas palavras
do secretário-geral das Nações Unidas, da «maior crise humanitária
do planeta»: o conflito contribui para a desestabilização do maior país
ANA GOMES
africano e de toda a região.
A guerra no Darfur tem origens
na negligência a que foi votada a região pelas cliques dominantes em Cartum, que exploram os recursos naturais — petróleo incluído — do país com um zelo só comparável à ânsia
de centralizar o poder e reprimir qualquer tipo de oposição.
Há três anos que movimentos rebeldes combatem o exército
e as brutais milícias «janjawid» apoiadas pelo Governo, numa
guerra insidiosa que transformou a região num pesadelo de
pilhagens e atrocidades. O procurador do Tribunal Penal Internacional sublinhou há dias as «intenções genocidas» dos
crimes contra a Humanidade que está a investigar. De facto,
combater a impunidade, em Darfur como noutros lados, é essencial também para travar o conflito. Inúmeros cessar-fogos
foram violados por todas as partes e a AMIS, missão militar da
União Africana (só sete mil elementos numa região do tamanho da França), apoiada pela UE para ajudar a aplicar os acordos, tem sido impotente para pôr fim à matança.
Entretanto, o conflito internacionaliza-se: num jogo de
«se-tu-apoias-os-meus-rebeldes-eu-apoio-os-teus», o Sudão
tenta desestabilizar o vizinho Chade, permitindo a grupos revoltosos que ataquem a partir do Darfur (um golpe de Estado
em Abril contra o regime de Déby foi preparado no Darfur).
Por sua vez, o envolvimento do Chade foi decisivo na criação
de uma aliança militar entre dois dos movimentos rebeldes
que lutam contra o governo de Cartum.
Neste quadro acabrunhante, não admira que a assinatura
de um acordo de paz, a 5 de Maio, entre a principal facção
rebelde e o Governo, tenha sido recebida internacionalmente
com alívio. Mas, apesar de o acordo finalmente abrir o caminho para uma missão de paz robusta da ONU, o Governo do
Sudão (apoiado pela falta de escrúpulos de Moscovo e Pequim) tem feito tudo para impedir, ou adiar, a presença de
capacetes azuis no Darfur, manifestamente necessários para
complementar/integrar a AMIS. Cartum conseguiu impedir a
visita de uma missão de planeamento da ONU durante três
meses e por isso só em finais de Junho saberemos os possíveis parâmetros de uma missão ONU.
As últimas informações indicam que a chegada dos primeiros capacetes azuis está a ser adiada de Outubro deste
ano para Janeiro de 2007. Quantos mortos e deslocados
mais vai esse adiamento implicar?
Enquanto tropas da ONU — para as quais a UE vai ter de
contribuir substancialmente, no mínimo em apoio logístico e
financeiro — não aparecem no terreno, é preciso garantir que
o acordo de paz de Maio sobreviva. É por isso imperativo que
a comunidade internacional não poupe esforços em reforçar
desde já a AMIS, que foi incumbida da tarefa ciclópica de
monitorizar a aplicação do acordo até chegar a ONU.
Entretanto, Cartum, valendo-se da desunião dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, continua a ganhar tempo para cimentar a posição de supremacia
militar no Darfur, fomentar divisões internas nos movimentos
rebeldes e promover a variante sudanesa de «regime change» no Chade.
Pelo andar da carruagem, quando a ONU chegar, o caos
organizado e dirigido por Cartum terá atingido os seus objectivos: destruir os povos do Darfur e impor uma paz podre. A
paz de aldeias arrasadas e populações exangues.
AÇORES
Ilhas que sabem voar
A economia da região autónoma lusa, cujo Governo gere portos,
aeroportos e uma linha aérea, está a florescer, diz este jornal espanhol.
LA VANGUARDIA
Barcelona
arquipélago dos Açores
comemora 30 anos de autonomia com um balanço
económico
promissor.
Aquela que foi a região
mais pobre de Portugal
converge, ano após ano, com a média nacional e europeia, ao ponto de
apenas Lisboa, Algarve e a Madeira
desfrutarem de maior bem-estar.
Desde há 15 anos, a sangria de
emigrantes para os Estados Unidos
e o Canadá inverteu-se e a região
tem vindo a recuperar população.
A reforma constitucional de 2004
abriu as portas para que, na actual
legislatura, a Assembleia Regional
reveja o estatuto de autonomia, fixe
as competências exclusivas e aprove uma nova lei das finanças.
A condição ultraperiférica das
ilhas permite-lhes até 85 por cento
de financiamento comunitário para
projectos públicos e 50 por cento
para os privados. A pressão fiscal é
muito mais baixa do que em Portugal continental: menos 20 por cento para os rendimentos do trabalho
e 30 por cento para os rendimentos
empresariais. Por último, a titularidade regional da maioria dos aeroportos insulares e da principal linha
aérea (SATA), assim como dos portos mostra até que ponto o governo
regional identificou a autonomia
com a capacidade de decidir sobre
as suas ligações ao mundo.
O afã de promover a coesão do
arquipélago favoreceu a propriedade, pelo Executivo, de um destacado sector empresarial que emprega
aproximadamente 2.575 trabalhadores e que, em 2005, movimentou
403 milhões de euros, com lucros
de 12 milhões. Não obstante, o Governo do socialista Carlos César já
declarou que, na próxima legislatura, pretende largar mão, gradualmente, dos sectores com lucros. A
jóia da coroa é a citada SATA (1.082
empregados) que, em 2005, voltou
a dar lucro, desta vez três milhões
de euros para um volume de negócios de 108 milhões.
Mas nem tudo são elogios para
a linha aérea regional. Tanto os utilizadores como os empresários turísticos exigem uma maior liberalização das rotas aéreas, pelo menos
nas ligações da capital, Ponta Delgada (ilha de São Miguel) com o continente, a fim de baixar os preços. O
secretário regional da Economia,
Duarte Ponte, argumenta que grande parte das rotas foram lançadas a
concurso e que, de qualquer modo,
a SATA compete com outras com-
O
Porto
de Ponta
Delgada
Foto: RUI OCHÔA
TODO-O-TERRENO
panhias em mais de 60 por cento
das rotas. A companhia aérea voa
regularmente para Boston, Oakland, Toronto, Montreal, Providence, Londres, Frankfurt, Zurique e
Madrid (no Verão), entre outros
destinos, além de Lisboa, Porto e
Funchal. Duarte Ponte critica a suposta pretensão centralista de converter o aeroporto de Lisboa num
«hub», ou plataforma para todas as
regiões turísticas do país, e defende
as ligações directas ou, pelo menos,
os códigos partilhados com a empresa pública TAP, algo que já é frequente.
Bilhetes baratos para os ilhéus
A SATA é a companhia aérea
mais antiga de Portugal. Nascida como linha privada nos anos 40, foi
adquirida pelo Governo regional na
década de 80. Também é desde essa altura que todos os novos portos
e aeroportos construídos nas ilhas
são propriedade do poder autónomo. Importa referir que a SATA
conta com marcas próprias para os
EUA (Air Azores) e Canadá. Uma
vez no arquipélago, as deslocações
são relativamente económicas, graças aos preços subsidiados para viagens às chamadas ilhas da coesão:
Corvo, Flores, São Jorge, Graciosa e
Santa Maria. Os menores de 25
anos também podem viajar de barco de uma ilha para a outra por um
euro, após a compra de um passe
anual de 50 euros. Há vários anos
que não existem linhas de passageiros com o continente, numa viagem que durava dois ou três dias.
De referir ainda que o arquipélago
dos Açores se estende ao largo de
600 quilómetros, a não menos de
duas horas de avião do continente.
Para avaliar a boa saúde macroeconómica dos Açores, o seu vice-presidente, Sérgio Ávila, sublinha que 70 por cento do orçamento
estão cobertos por receitas próprias e a existência de um défice zero. O arquipélago é a região portuguesa com maior crescimento do
turismo, embora a oferta de camas
(nove mil) esteja muito aquém da
da Madeira (30 mil). Portugueses e
nórdicos, em partes iguais, representam 80 por cento da ocupação.
O grupo empresarial liderado
por Artur Suqué, da Casinos da Catalunha, conseguiu a licença para o
primeiro casino dos Açores, na ilha
de São Miguel, que ainda não abriu
as portas. Também está prevista a
construção de um porto para cruzeiros em Ponta Delgada. E as relações
com a Madeira e as Canárias estão
a consolidar-se. Não obstante, o sector primário, em especial a criação
de gado e a indústria do leite e do
queijo, ainda pesam muito na economia insular. Um terço dos produtos lácticos consumidos em Portugal é originário dos Açores. E foram
igualmente relançados os vinhos
do Pico, cujo cultivo é considerado
Património da Humanidade, e os
verdelhos da Terceira.
Após atingirem a cifra dos 330
mil habitantes, em 1960, as também
chamadas ilhas do Espírito Santo
entraram num ciclo de perda progressiva de população, que só se inverteu a partir de 1990. Actualmente, voltam a exceder o quarto de milhão de habitantes e, além da natureza, a economia também começa florescer. As transferências de Bruxelas, por um lado, e as da emigração
de Boston e Toronto por outro,
trouxeram uma nova prosperidade.
Em ilhas como a Terceira ou São
Miguel não se vêem as bolsas de pobreza detectáveis em Portugal Continental. Contudo, a dispersão das
ilhas e a limitação do mercado, assim como os próprios recursos humanos, constrangem o dinamismo.
Algo que, por outro lado, preservou
uma autenticidade difícil de encontrar em qualquer outro arquipélago
europeu.
A companhia SATA, de titularidade regional, tem 1082 empregados e em 2005 registou três milhões de euros de lucros.
Jordi Joan Baños (em Ponta Delgada)
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