Artigo Original - Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e

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Artigo Original
Níveis de depressão em portadores de câncer
de cabeça e pescoço
Depression level in patients with head and neck cancer
RESUMO
Letícia Willeman Bastos1
Ricardo de Souza Tesch2
Odilon Victor Porto Denardin3
Fernando Luís Dias4
ABSTRACT
Objetivos: avaliar os níveis de sintomas depressivos em pacientes
com dor orofacial crônica por câncer de cabeça e pescoço e
verificar a associação destes com a gravidade da dor crônica.
Método: o protocolo seguido foi observacional e transversal. A
casuística foi composta de sessenta pacientes com diagnóstico de
câncer na região de cabeça e pescoço, divididos igualmente em
portadores ou não de dor orofacial crônica relacionada ao processo
de câncer. Os níveis de sintomas depressivos e a intensidade e
severidade da dor foram avaliados pelo eixo II do RDC/TMD.
Resultados: não foram encontradas diferenças estatisticamente
significantes entre os níveis de sintomas depressivos presentes
nos dois grupos de pacientes com câncer de cabeça e pescoço,
havendo uma moderada correlação estatisticamente significante
entre os níveis de sintomas depressivos e a severidade da dor
crônica sentida nos pacientes com dor. Conclusões: podemos
concluir que existe uma correlação positiva moderada entre os
níveis de severidade da dor e de sintomas depressivos.
Objective: to assess the levels of depression symptoms in head
and neck cancer patients with chronic orofacial pain and to verify
the association between them and the chronic pain severity.
Methods: it was an observational and sectional protocol. The
sample consisted of sixty patients, uniformly divided in having
chronic orofacial pain related to cancer process or not. Depression
levels, pain intensity and severity were assessed with RDC/TMD
axis II. Results: the study did not demonstrate statistically
significant difference in depression levels in both head and neck
cancer pain groups, with the occurrence of moderate statistically
significant correlation between depression levels and chronic pain
intensity felt in pain patients. The study demonstrated a moderate
statistically significant correlation between chronic pain severity
and depression levels presented by pain patients. Conclusions:
there is a positive moderate correlation between chronic pain
severity graduation and depression levels.
Key words: depression; head and neck cancer; pain
Unitermos: depressão; câncer de cabeça e pescoço; dor.
INTRODUÇÃO
O câncer é uma doença genética complexa derivada do
acúmulo de várias modificações no genoma celular,
associadas ou desencadeadas por fatores ambientais1. Por ser
potencialmente gerador de risco de vida, seu impacto
psicológico nos pacientes representa um importante aspecto
da clínica oncológica2.
A análise criteriosa dos pacientes com câncer levou à descrição
de uma série de síndromes dolorosas comuns e únicas a esse
processo patológico3, 4. A dor por câncer pode ser definida como
a dor que é atribuída ao câncer ou a sua terapia5, podendo ser
crônica, severa e persistente a despeito do tratamento
oncológico empregado6. Cerca de 40% a 80% dos pacientes
que sofrem de câncer na região de cabeça e pescoço
enfrentam dores de diferentes intensidades7.
A avaliação dos sintomas depressivos nos pacientes com dor
crônica é de particular interesse, pois essas condições estão
comumente correlacionadas8-11, podendo tal correlação sofrer
influências de gênero e idade12-14. Foram avaliados 121
pacientes hospitalizados com câncer, incluindo o diagnóstico de
câncer de cabeça e pescoço, categorizados como deprimidos
(n=30) e não deprimidos (n=91)15. Foi verificado que a dor
ocorreu de maneira significantemente mais freqüente nos
pacientes deprimidos. Os autores concluíram que pacientes
que experimentam simultaneamente insônia, dor, anorexia e
fadiga demonstram maior risco de desenvolver depressão
(OR=5,03).
Relatou-se a prevalência de desordens psiquiátricas em
pacientes que sofriam de câncer, sendo que cerca da metade
dos pacientes apresentava desordens psiquiátricas, entre elas,
a depressão (13%)16. Nesse estudo, 215 pacientes com câncer
selecionados aleatoriamente e recém-admitidos foram
submetidos a entrevista psiquiátrica e testes psicológicos
padronizados e, então, classificados como portadores ou não
de transtornos psiquiátricos, a partir de critérios específicos
(DMS-III). Aproximadamente 85% dos pacientes positivos para
transtornos psiquiátricos experimentavam como sintoma
central depressão ou ansiedade. A grande maioria dessas
condições foi considerada altamente tratável.
(1) Pós-Graduanda do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis – HOSPHEL
(2) Mestre pelo Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis – HOSPHEL; Coordenador do Curso de Especialização em Distúrbios Têmporo-Mandibulares e Dor
Facial da Faculdade de Medicina de Petrópolis
(3) Doutor em Medicina pelo Curso de Pós-Graduação em Endocrinologia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina; Professor do Curso de Pós-Graduação em
Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis – HOSPHEL
(4) Doutor em Medicina pelo Curso de Pós-Graduação em Oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Coordenador do Departamento de Cirurgia de Cabeça e
Pescoço do Instituto Nacional de Câncer, Rio de Janeiro
Instituições: Petrópolis e Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Instituto Nacional do Câncer (INCA), Rio de Janeiro.
Correspondência: Ricardo de Souza Tesch, Rua Nelson de Sá Earp, 85, 1º andar – 25680-111 Petrópolis, RJ
Recebido em: 15/10/2006; aceito para publicação em: 18/12/2006.
12
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 36, nº 1, p. 12 - 15, janeiro / fevereiro / março 2007
A prevalência de sintomas depressivos em pacientes com
câncer depende de sua localização, estadiamento e métodos
de avaliação16, 17, sendo a prevalência média geral estimada em
cerca de 20%18. Por enfrentarem incapacidade funcional e
alteração das feições faciais causadas pelo câncer e/ou seu
tratamento, elevados níveis de transtornos psicológicos são
observados em pacientes com câncer de cabeça e pescoço19- 22.
Fatores que afetaram a qualidade de vida em 35 pacientes, em
estádio I ou II de câncer de cabeça e pescoço e submetidos à
radioterapia, foram determinados em estudo prospectivo
realizado por meio de entrevistas psiquiátricas e questionários
de auto-relato. Ansiedade, depressão e dor foram mais severos
após um mês do que antes do início do tratamento. A ansiedade
diminuiu dois meses após o início do tratamento, mas os
sintomas depressivos permaneceram notáveis. Análise de
regressão revelou que mudanças no estado de humor
depressivo e dor contribuíram parcialmente pelas alterações na
qualidade de vida relacionada especificamente à doença23.
Os inúmeros aspectos abordados pelos pacientes para
descreverem a gravidade de suas dores crônicas podem ser
agrupados em duas amplas categorias, a sensorial e a
reacional. A aquisição de informação quantitativa de ambas as
categorias acima citadas permite uma satisfatória
representação da dor pelo paciente24, 25. O componente
quantitativo sensorial pode ser descrito como a intensidade da
dor, podendo ser mensurada por meio de escalas ordinais ou
visuais contínuas, que visam avaliar o quanto intensa uma
determinada dor apresenta-se ao paciente em um determinado
período ou intervalo de tempo. O componente quantitativo
reacional pode ser descrito como o grau com que a dor interfere
nas funções do paciente e em sua qualidade de vida26.
O reconhecimento dos níveis de sintomas depressivos
presentes em pacientes acometidos por câncer na região de
cabeça e pescoço e sua possível correlação com a gravidade
da dor crônica apresentada justifica-se pelos benefícios aos
pacientes advindos do redirecionamento da atenção dos
clínicos para a identificação precoce e controle das alterações
do estado de humor e da dor desses pacientes.
Os objetivos do presente trabalho foram avaliar os níveis de
sintomas depressivos presentes em pacientes com câncer na
região de cabeça e pescoço, com e sem dor crônica associada
e verificar a existência de correlação entre os níveis de
sintomas depressivos e a gravidade da dor crônica.
CASUÍSTICA E MÉTODO
A pesquisa foi realizada no setor de triagem do Serviço de
Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Instituto Nacional de Câncer
(INCA), Rio de Janeiro, Brasil, no período de junho a setembro
de 2006, seguindo protocolo observacional e transversal, com a
aferição da presença de dor e dos níveis de sintomas
depressivos em um único momento. O projeto de pesquisa foi
aprovado pelo Comitê Científico e de Ética na Pesquisa do
Instituto Nacional do Câncer – INCA.
A amostra foi composta por 30 indivíduos portadores de dores
crônicas associadas ao câncer de cabeça e pescoço (Grupo
DCCP) e o grupo controle incluiu 30 indivíduos portadores de
câncer de cabeça e pescoço sem a presença de dor aguda ou
crônica (Grupo CCCP). Esses pacientes foram avaliados no
momento do diagnóstico, imediatamente após a confirmação
histológica, não tendo, portanto, sido submetidos a qualquer
tipo de tratamento.
Estudos prévios demonstraram que distúrbios da fala, disfagia,
dor e depressão foram os efeitos colaterais pós-terapia que
mais comumente afetaram a qualidade de vida dos pacientes
com câncer de cabeça e pescoço, a despeito de modalidade
terapêutica empregada27. Dessa forma, o emprego de qualquer
modalidade terapêutica foi considerado fator de confusão e,
portanto, critério de exclusão.
Foram considerados critérios de inclusão, para o grupo
portador de dores crônicas associadas ao câncer de cabeça e
pescoço (DCCP), a presença de sintomatologia dolorosa por
pelo menos três meses, classificada por escala numérica de
dor. Os critérios de exclusão foram: (1) diagnóstico de
desordens têmporo-mandibulares (DTM) dolorosas; e (2)
presença de outras condições dolorosas crônicas envolvendo a
região orofacial. A presença de depressão crônica no grupo de
pacientes estudados, assim como no grupo de pacientes
controles, não foi considerada critério de exclusão, uma vez que
a ferramenta diagnóstica escolhida para avaliação transversal
desses pacientes (Research Diagnostic Criteria for
Temporomandibular Disorders – RDC/TMD) não é válida para
esse fim, tendo sido validada apenas para a avaliação dos
níveis de sintomas depressivos presentes em um determinado
momento.
Assim, a possibilidade do diagnóstico de depressão crônica
prévia foi considerada com igual probabilidade de ocorrência ao
acaso em ambos os grupos, assim como se procedeu para
outras variáveis de confusão, como a ingestão crônica de
bebidas alcoólicas. Além disso, a demora na busca por
atendimento primário foi evidenciada entre pacientes com
câncer de cabeça e pescoço. A decisão de procurar tratamento
demonstrou ser freqüentemente influenciada por sintomas
como dor e alterações percebidas no tamanho do tumor, não
tendo a depressão demonstrado ser um fator capaz de
influenciar essa escolha28.
Os critérios de inclusão e exclusão de pacientes do grupocontrole com câncer de cabeça e pescoço sem dor (CCCP)
foram semelhantes ao grupo DCCP, exceto pela ausência de
sintomas dolorosos.
Os dados clínicos, a intensidade e gravidade da dor e os níveis
de sintomas depressivos foram obtidos pela aplicação do
questionário Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD). O formulário de exame
clínico e o questionário que compõe o RDC/TMD foram
traduzidos para o português e re-traduzidos para o inglês, tendo
sido a re-tradução aprovada pelo autor original. A versão para a
língua portuguesa está disponível no website do consórcio
internacional, cujo endereço eletrônico é
www.rdcinternacional.org. Essa versão já foi aplicada na
avaliação dos níveis de sintomas depressivos presentes em
pacientes brasileiros com dor orofacial crônica, relacionada ao
câncer de cabeça e pescoço e DTM29.
Essa ferramenta foi escolhida por conter, simultaneamente,
métodos para a classificação diagnóstica das DTM, presentes
em seu eixo I e métodos para a avaliação da intensidade e
gravidade da dor crônica e dos níveis de sintomas depressivos
presentes em seu eixo II. A classificação do eixo I do RDC/TMD
foi utilizada para aplicação dos critérios de exclusão do
protocolo.
A intensidade da dor crônica sentida foi registrada de acordo
com a classificação da intensidade característica da dor
descrita no eixo II do RDC/TMD30 como a média da dor no
momento da coleta de dados, da pior dor sentida e da dor usual
sentida pelos pacientes. A graduação ordinal da gravidade da
dor crônica (I, II, III, IV) foi realizada de acordo com a descrição
presente no eixo II do RDC/TMD (Quadro 1)30. Os níveis de
sintomas depressivos presentes foram registrados pela escala
SCL90-r, também presente no eixo II do RDC/ TMD30 e
ajustados para gênero e idade.
Todos os dados obtidos para cada paciente, a partir dos
questionários e formulários de exame clínico presentes no
RDC/TMD, foram inseridos no programa NUS TMD v.1.1
desenvolvido pela Universidade Nacional de Singapura31. Os
dados acima relacionados foram automaticamente gerados
pelo referido programa e arquivados para análise estatística
pelo programa SPSS (SPSS Inc, Chicago).
A análise estatística contemplou o teste Qui-quadrado (x2) na
comparação da freqüência de níveis de sintomas depressivos
superiores a media populacional e o teste T de “student” para
13
amostras independentes para avaliação das diferenças entre
os níveis de sintomas depressivos, observados nos dois
grupos de estudo. A relação existente entre as variáveis níveis
de sintomas depressivos e intensidade da dor crônica foi
avaliada pelo coeficiente de correlação de Pearson e a relação
existente entre as variáveis níveis de sintomas depressivos e
gravidade da dor crônica foi avaliada pelo coeficiente de
correlação de Spearman. Foram considerados
estatisticamente significantes os resultados que apresentaram
uma chance menor do que 5% de ocorrência ao acaso
(p<0.05).
Quadro 1 – Classificação da gravidade da dor crônica, segundo
RDC/DTM.
0 – normalidade
ausência de dor nos últimos 6 meses
I – baixa incapacidade e baixa intensidade
intensidade característica da dor < 50
menos de 3 pontos de incapacidade
II – baixa incapacidade e alta intensidade
intensidade característica da dor > 50
menos de 3 pontos de incapacidade
III – alta incapacidade e moderada limitação
3 a 4 pontos de incapacidade a despeito da intensidade da dor
IV – alta incapacidade e severa limitação
5 a 6 pontos de incapacidade a despeito da intensidade da dor
RESULTADOS
Os pacientes do grupo DCCP apresentaram mediana de idade
de 55,5 anos (limites de 24 a 74 anos), sendo 23 indivíduos
(76,66%) do gênero masculino e sete (23,33%) do gênero
feminino. No grupo CCCP, a mediana de idade foi de 61 anos
(limite de 36 a 74 anos), sendo observados 19 pacientes
(63,33%) do gênero masculino e 11 (36,66%) do feminino.
A distribuição dos pacientes de acordo com os níveis de
sintomas depressivos acima da média populacional, corrigida
para gênero e idade, não demonstrou diferença estatística
significante (p=0.12) entre as freqüências observadas no grupo
DCCP (28/30) e CCCP (24/30), conforme apresentado na
Tabela 1.
Tabela 1 – Distribuição das proporções de pacientes com níveis de
depressão superior ou inferior à média, para gênero e idade.
Níveis de depressão
Grupos
Abaixo da média
Acima da média
Total
DCCP
2
28
30
CCCP
6
24
30
Total
8
52
60
A comparação dos níveis de sintomas depressivos presentes
evidenciou não haver diferenças estatisticamente significantes
(teste T de “student” para amostras independentes) entre os
dois grupos (p=0,61), sendo, no entanto, a média encontrada
para os pacientes sem dor (1,56 +/- 1,64) menor do que a
encontrada para os pacientes que referiam dor (1,92 +/- 1,67).
Os pacientes do grupo DCCP (n = 30) apresentaram
intensidade média da dor de 54,87, tendo 9 (30%) apresentado
grau I, 9 (30%) grau II, 4 (13,33%) grau III e 8 (26,67%) grau IV
de gravidade da dor crônica de acordo com a classificação de
Von Korff presente no eixo II do RDC/TMD30.
O coeficiente de correlação de Pearson demonstrou uma
moderada correlação (r=0,491), com significância estatística
(p=0,01) entre os níveis de sintomas depressivos e a
intensidade da dor crônica referida pelos pacientes.
O coeficiente de correlação de Spearman demonstrou haver
uma moderada correlação (0,584) estatisticamente significante
14
(p=0,01) entre a severidade da dor crônica e os níveis de
sintomas depressivos apresentados nos pacientes estudados.
DISCUSSÃO
No presente estudo, os dados referentes aos níveis de sintomas
depressivos foram distribuídos em uma tabela de contingência
tendo como ponto de corte a média populacional ajustada para
gênero e idade. Valores positivos foram considerados como
acima da média e os negativos, abaixo da média. A freqüência
extremamente elevada encontrada para níveis de sintomas
depressivos acima da média populacional, de 28/30 e 24/30 nos
pacientes portadores de câncer de cabeça e pescoço, com e
sem dor, respectivamente, não demonstrou diferença
estatística entre os dois grupos estudados. Da mesma forma, os
níveis de sintomas depressivos presentes em ambos os grupos
não demonstraram diferenças estatísticas.
Esses resultados confirmam os elevados níveis de sintomas
depressivos observados em outros estudos envolvendo
pacientes com câncer de cabeça e pescoço19- 22, justificando a
elevada freqüência de sintomas depressivos acima da média
populacional encontrada nesses pacientes, a despeito da
presença de dor. Embora o valor médio encontrado para os
níveis de sintomas depressivos em pacientes com a presença
de dor tenha sido maior do que a observada nos pacientes sem
dor, essa diferença não demonstrou ser estatisticamente
significante. Diferenças pequenas exigem amplas amostras
para que possam ser demonstradas estatisticamente, não
apresentando, em muitos casos, significância clínica relevante.
No presente estudo, para que a diferença nos valores médios
encontrados para níveis de sintomas depressivos pudesse ser
demonstrada estatisticamente, o número de pacientes
envolvidos no estudo, em cada grupo, seria de 356 indivíduos.
Os pacientes portadores de câncer de cabeça e pescoço, ao
procurarem o setor de triagem do Serviço de Cirurgia de
Cabeça e Pescoço do INCA, não conheciam as características
de suas condições, tais como o diagnóstico do tumor,
malignidade e estadiamento. O fato de o diagnóstico de câncer
ser potencial gerador de risco de vida representa um profundo
impacto psicológico nos pacientes, sendo, portanto, um
importante aspecto da clínica oncológica2. Além do desconforto
causado pelo processo de dor, a angústia sentida pelo paciente
pode ser aumentada por sua crença individual de que um
aumento na intensidade da dor pode significar uma piora no
quadro da doença33,34.
A possibilidade de malignidade de uma condição desperta, nos
pacientes, temores acerca da morte e da dor e sofrimento
relacionados à evolução do processo tumoral35. É provável que
a coleta de dados realizada após o paciente estar
completamente informado sobre sua condição proporcionasse
uma diminuição dos fatores de confusão envolvidos na dor
associada ao câncer de cabeça e pescoço. Assim, a presença
de dor poderia demonstrar maior importância na determinação
dos achados de sintomas depressivos nesses pacientes.
Os resultados do presente estudo estão de acordo com os
encontrados em outros10 e demonstram uma moderada
correlação entre a intensidade da dor e os níveis de sintomas
depressivos avaliados. No presente estudo, a correlação entre
dor e níveis de sintomas depressivos foi melhor representada
pela avaliação da gravidade da dor, que engloba não somente
medidas de intensidade da dor, mas também medidas da
incapacidade por esta gerada, resultados esses que confirmam
outros achados36.
Existe controvérsia na literatura sobre até onde alterações de
humor, entre elas a depressão, são causadas pela dor ou se
estados depressivos amplificam a percepção da dor37. O
desenho transversal do presente estudo não contribui para o
esclarecimento dessa questão, uma vez que os dados
referentes às duas variáveis em estudo foram coletados em um
mesmo momento, o que impossibilita inferências causais.
Intervenções terapêuticas que incluem controle psiquiátrico da
depressão e físico da dor parecem ser cruciais para preservar a
qualidade de vida dos pacientes com câncer de cabeça e
pescoço. Esses pacientes apresentam muitos dos mesmos
fatores de risco para suicídio apresentados por pacientes com
outras formas de câncer. A redução desse risco parece
depender da avaliação dos pacientes para o diagnóstico da dor,
depressão e outros fatores importantes com potencial de eleválo37.
Os resultados deste estudo devem ser complementados com
pesquisas longitudinais que avaliem o comportamento do
binômio dor-depressão ao longo da história natural do câncer
de cabeça e pescoço, levando em consideração os aspectos
de personalidade prévios ao acometimento da doença.
CONCLUSÕES
Podemos concluir que pacientes com câncer de cabeça e
pescoço apresentam níveis elevados de sintomas depressivos
a despeito da presença de dor, havendo correlação positiva
moderada entre os níveis de gravidade da dor e sintomas
depressivos.
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