Diálogo com o editor Nancy Alfieri Nunes FOL: Prof. Dr. Fábio Luiz Coracin, gostaria que apresentasse seu currículo com brevidade a fim de que os leitores possam ter acesso à sua caminhada profissional. Prof. Dr. Fábio Luiz Coracin: Concluí meu curso de graduação em Odontologia pela Faculdade de Odontologia de Lins/Unimep na 64a turma, no ano 2000. Já com interesse na área das patologias bucomaxilofaciais, fui buscar cursos que me formassem para essa área. Fui apresentado à área de hematologia e transplante de medula óssea e suas interrelações com a estomatologia, na qual concluí e apresentei minha dissertação de mestrado em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Unicamp, em 2005. Depois disso, procurando um curso de doutorado na área de Odontologia, mas seguindo a mesma linha de pesquisa, ingressei no doutorado em Patologia Bucal na Universidade de São Paulo, defendendo a tese de doutoramento em 2009. No momento, participo como coordenador da Comissão de Odontologia da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, como membro do Conselho Diretor do Colégio Brasileiro de Odontologia Hospitalar e Intensiva e como membro do Grupo de Estudos sobre Cuidados Bucais e do Grupo de Estudos sobre a Mucosite1 da Associação Multinacional de Cuidados e Assistência ao Câncer.2 Desde 2013, participo como Clinical Fellow no Centro Oncológico Memorial SloanKettering3 dos Estados Unidos. Minha atividade docente desenvolve-se na Universidade Nove Oral Care Study Group e Mucositis Study Group. Multinational Association of Supportive Care in Cancer (Mascc). 3 Memorial Sloan-Kettering Cancer Center. 1 2 de Julho, ministrando aulas de Estomatologia e Patologia nos cursos de Odontologia e Medicina. FOL: Quais as suas áreas de atuação profissional no momento? Prof. Dr. Fábio Luiz Coracin: Atualmente minhas áreas de atuação focam a odontologia hospitalar como assistente do serviço de hematologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e da equipe de odontologia hospitalar do Hospital Samaritano de São Paulo. No campo acadêmico e assistencial, estou focado nas áreas de Estomatologia e atuo como patologista bucal do Curso de Odontologia da Universidade Nove de Julho. FOL: O senhor é professor de Patologia e tem trabalhado com médicos e patologistas em escolas e hospitais. Como vê o atendimento ao paciente transplantado hoje no Brasil? Prof. Dr. Fábio Luiz Coracin: O trabalho da Odontologia tem mudado seu panorama nos últimos anos. A inserção da Odontologia no âmbito hospitalar, com os projetos de lei que estão em tramitação nas esferas governamentais, está solidificando uma área de atuação bastante importante. Embora existam filosofias diferentes em relação à atuação da Odontologia dentro do hospital, sigo aquela em que temos que saber, além da nossa formação, uma grande parcela de clínica médica, imaginologia, exames complementares diversos, farmacologia, bioquímica, dentre outras áreas. O diálogo entre profissionais nas FOL • Faculdade de Odontologia de Lins/Unimep • 24(1) 7-10 • jan.-jun. 2014 ISSN Impresso: 0104-7582 • ISSN Eletrônico: 2238-1236 7 Nancy Alfieri Nunes equipes exige muito conhecimento e vivência para que os pacientes sejam bem conduzidos. Os espaços conquistados devem ser mantidos, e isto ocorrerá com seriedade, profissionalismo, muita dedicação e conhecimento. Nunca se pode parar de estudar. A dedicação é a alma deste plano de negócios que a odontologia hospitalar exige. Além disso, a gestão de uma equipe deve ser feita por bons profissionais que entendam deste assunto. Os médicos e os outros profissionais respeitam o cirurgiãodentista que agrega à equipe na assistência ao paciente e demonstra segurança e conhecimento. De acordo com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, o número de cirurgias, seja com doador vivo ou doador cadáver, aumentou bastante nos últimos anos, melhorando, inclusive, a sobrevida dos pacientes. Com um número maior de pacientes transplantados e vivos, a inserção destes indivíduos na sociedade, nesta nova condição, exige que os profissionais de Odontologia conheçam sua condição para poder atendê-los. Sempre é necessária uma ótima inter-relação com a equipe que já lhes presta assistência. Novamente, os pacientes apresentam condição clínica diversificada, de acordo com sua doença e seu tipo de transplante, o que exige de seu cirurgiãodentista o conhecimento de todas para conduzi-los da melhor forma. E sempre que alguma dúvida ocorrer, fazer contato com as equipes transplantadoras ou com colegas que tenham maior expertise na área para discutir as condutas. Eu vejo, atualmente, que a área de Odontologia em Transplantes, seja de órgãos sólidos ou tecidos, tem crescido bastante, e muitos pacientes estão sendo beneficiados com a dedicação dos cirurgiões-dentistas que militam nesta área. Posso falar em nome da Comissão de Odontologia da Associação 8 Brasileira de Transplante de Órgãos, onde temos nos dedicado a melhorar a qualidade do atendimento odontológico a estes pacientes. FOL: Poderia revelar aos leitores o que tem observado e pesquisado nas complicações do tratamento oncológico no âmbito odontológico? Prof. Dr. Fábio Luiz Coracin: Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), a estimativa anual da incidência e óbitos por câncer tem aumentado. As modalidades de tratamento também têm sofrido uma melhora com estudos, pesquisas e aplicações clínicas. Com isto, a sobrevida destes pacientes também sofreu uma melhora. Os pacientes apresentam toxicidades agudas durante a quimioterapia e radioterapia na região da cabeça e pescoço, chamada mucosite oral, e risco de contrair infecções oportunistas. Na região de cabeça e pescoço ocorrem alterações de curto e longo prazos que colocam estes pacientes na lista dos retornos frequentes e das consultas de rotina com o cirurgião-dentista, pois existe a ocorrência de alterações nas glândulas salivares, na qualidade e quantidade da saliva, cáries de radiação e risco de osteorradionecrose. Com as novas modalidades de tratamento do câncer, novas alterações têm ocorrido, e a mucosa oral não está livre de sofrer estas alterações. A Odontologia tem papel importante, seja na fase da toxicidade aguda, participando de seu acompanhamento e manejo clínico e, também, no diagnóstico e tratamento de possíveis infecções oportunistas. As alterações tardias devem fazer parte de um protocolo odontológico intensivo para estes pacientes. FOL: Sabe-se que os períodos de radioterapia e quimioterapia produzem danos mais severos no organismo humano. Como é feita a prevenção e o tratamento nos hospitais de oncologia? FOL • Faculdade de Odontologia de Lins/Unimep • 24(1) 7-10 • jan.-jun. 2014 ISSN Impresso: 0104-7582 • ISSN Eletrônico: 2238-1236 Diálogo com o Editor Prof. Dr. Fábio Luiz Coracin: A quimioterapia, dependendo das drogas, e a radioterapia na região de cabeça e pescoço trazem alterações inerentes a cada modalidade. O cirurgiãodentista deve conhecer a farmacologia das drogas citostáticas utilizadas como quimioterapia do câncer, bem como a física envolvida na radioterapia. Com isto, o manejo e a prevenção das toxicidades tornam-se mais efetivos. De acordo com nossa experiência, o preparo bucal com remoção de focos infecciosos antes do tratamento do câncer reduz a incidência da mucosite oral, e a manutenção de uma completa higiene oral com escova macia e creme dental não agressivo durante a quimioterapia também promove melhores resultados na mucosite oral. O laser de baixa potência como medida profilática e/ ou terapêutica para a mucosite oral também tem sido utilizado com excelentes resultados. Em suma, o uso de um protocolo de higiene oral durante a quimioterapia e radioterapia de cabeça e pescoço e a utilização de métodos auxiliares, como o laser de baixa potência e a crioterapia com gelo, favorecem a melhora do quadro clínico dos pacientes. FOL: Dentro de sua linha de pesquisa, o que mais o entusiasma no atendimento qualificado ao paciente oncológico, tendo em vista todas as dores (inclusive da alma ferida!) pelas quais ele passa durante esse processo? Prof. Dr. Fábio Luiz Coracin: É muito gratificante quando vemos e ouvimos nosso paciente referir melhora depois de nossa intervenção. Outra coisa importante é entender a fase em que o paciente encontra-se – saber ouvir e compreender a situação muitas vezes leva à melhora do estado psicológico do paciente. A qualidade da assistência deve ser feita pensando, também, no conforto e atenção ao paciente. O que motiva e entusiasma é poder reduzir, mesmo que minimamente, o desconforto, a dor física e psicológica, e participar de um processo e um momento tão delicados dos pacientes. FOL: Como seu trabalho tem contribuído para a prevenção, diagnóstico e tratamento de complicações provocadas pelo tratamento oncológico? Prof. Dr. Fábio Luiz Coracin: O trabalho em equipe é um aprender e um construir constantes. Sabemos que as complicações do tratamento oncológico apresentam diversas manifestações clínicas. Sabemos, também, que cada paciente manifesta de forma diferente as mesmas situações. Este incremento de experiência mostra que podemos participar de forma bastante efetiva no controle das toxicidades dos pacientes, no diagnóstico e conduta das infecções oportunistas. Porém o mais importante de tudo isso: a inserção em uma equipe de oncologia com respeito, com conhecimento, com referência e contrarreferência faz com que estes pacientes sejam muito mais bem assistidos. FOL: Fale-nos sobre suas atividades didáticas e profissionais, inteirando os leitores sobre a importância de suas pesquisas e participação como membro da Associação Multinacional de Cuidados e Assistência ao Câncer. Prof. Dr. Fábio Luiz Coracin: As atividades clínicas e didáticas são complementares. Procuro ensinar o que vivo no dia a dia e o que busco de conhecimentos durante a vida clínica, profissional e pessoal. Durante minha formação, fui apresentado a diversas situações que me conduziram a esta trajetória; momentos bons, momentos ruins, momentos dolorosos fazem um ser humano crescer. Procuro incentivar meus alunos e colegas a estarem FOL • Faculdade de Odontologia de Lins/Unimep • 24(1) 7-10 • jan.-jun. 2014 ISSN Impresso: 0104-7582 • ISSN Eletrônico: 2238-1236 9 Nancy Alfieri Nunes sempre atualizados, a terem espírito de equipe e a discutirem as situações. A verdade absoluta não existe e juntos formamos opinião. Com estes ideais agregadores, fui convidado a fazer o Clinical Fellow no Centro Oncológico Memorial Sloan-Kettering nos Estados Unidos e iniciei minha participação na Associação 10 Multinacional de Cuidados e Assistência ao Câncer. Estou buscando mais conhecimento e parcerias para desenvolver nossa área no âmbito da oncologia para que os profissionais e futuros colegas possam conhecer e entender como conduzir estes pacientes e quando necessitam de atenção complementar. FOL • Faculdade de Odontologia de Lins/Unimep • 24(1) 7-10 • jan.-jun. 2014 ISSN Impresso: 0104-7582 • ISSN Eletrônico: 2238-1236