EUA: Da Política do “Big Stick” à Diplomacia do Dólar

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2013/09/28
EUA: Da Política do “Big Stick” à Diplomacia do Dólar
Nuno Miguel Silva Domingos
Resumo
Os Estados Unidos são, atualmente, a principal
potência económica e militar do mundo. Esta
hegemonia teve início na revolução industrial e
acentuou-se a partir da segunda metade do século
XIX, designadamente no período que se seguiu à
Guerra de Secessão (1861-1865) fator que, de
resto, contribuiu significativamente para a expansão
económica norte-americana. O foco da política
externa dos Estados Unidos passou, então, a
direcionar-se para a América Latina, onde
intervieram militarmente em nove países da
América Latina, num total de trinta e quatro vezes, entre 1898 e 1932. Estas
intervenções permitiram aos Estados Unidos assegurar uma hegemonia continental,
sustentada no domínio económico. Na guerra hispano-americana puseram fim ao
império espanhol e controlaram Cuba. Na Venezuela desafiaram o Reino Unido, com
recurso à Doutrina Monroe. Em Santo Domingo assumiram o controlo das finanças
da República Dominicana para pagar aos credores europeus. No Panamá abriram
um canal que encurtou a distância marítima entre a costa Leste e Oeste dos
Estados Unidos. Na Nicarágua apoiaram a revolução e levaram adiante os seus
interesses económicos.
Introdução
Atualmente, os Estados Unidos da América, são a maior potência económica e
militar do mundo. Este trabalho irá focar o período em que emergiu a mentalidade
de imperialismo e expansionismo económico dos Estados Unidos, que ficou sem
dúvida marcada pela ascensão até à hegemonia continental e pelo desafio às
potências europeias, nomeadamente Espanha, Reino Unido e Alemanha, sob o
chapéu da Doutrina Monroe e posteriormente do Corolário de Roosevelt.
O século XIX foi marcado pela hegemonia britânica, que saiu vencedora das guerras
napoleónicas e do congresso de Viena e que, à luz das ideias de Alfred Mahan,
dominava o comércio marítimo mundial, com recurso à sua poderosa marinha. É
justamente na sequência da guerra civil americana, e da consequente
industrialização, que os Estados Unidos se vão virar para o mar como meio de
exercer domínio económico em todo o continente americano. Seguidamente iremonos debruçar sobre algumas intervenções dos Estados Unidos, em países da
América Latina, que representam o nascer da ação expansionista americana.
Tendo em conta esta conjuntura vamos colocar as seguintes questões:
Quais as causas que levaram os Estados Unidos a adotar uma
política de expansionismo económico em relação à América Latina?
O que levou os Estados Unidos a apoiarem a independência de
Cuba, e consequentemente entrar em guerra com Espanha?
Qual a importância do bloqueio à Venezuela, levado a cabo por
potências europeias em 1902, para a adoção do Corolário de Roosevelt
como postulado da política externa norte-americana?
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Como se caracterizou a intervenção dos Estados Unidos em
Santo Domingo em 1904?
Qual a real importância da construção de um canal
interoceânico na América Central, e quais foram as ações levadas a cabo
pelos Estados Unidos para o conseguir?
Qual o motivo da intervenção americana na Nicarágua em
1910?
São sobre estas questões que irá recair a nossa atenção nas páginas seguintes.
Estados Unidos: A emergência de uma potência
A segunda metade do século XIX nos Estados Unidos ficou marcada por quatro
anos de guerra civil, que embora nefasta para o país contribuiu significativamente
para definir a identidade nacional e definir com mais clareza o futuro da nação.
Com efeito, este conflito definiu a nova política económica americana. O norte anti
esclavagista venceu o sul e a indústria setentrional efetivamente ganhou um
impulso com a guerra. “Northern victory in the U.S. Civil War (1861-1865),
however, sealed the destiny of the nation and its economic system. The slave-labor
system was abolished, making the large southern cotton plantations much less
profitable. Northern industry, which had expanded rapidly because of the demands
of the war, surged ahead. Industrialists came to dominate many aspects of the
nation's life, including social and political affairs.”1
Três décadas depois da guerra civil, e da expansão para Oeste ter terminado, já os
EUA se tinham recomposto e, com efeito, por volta de 1890 “praticamente já todo o
território dos Estados Unidos, do Maine à Califórnia, fora explorado e ocupado e a
nação preparava-se para se expandir além-fronteiras. A sua indústria atingira tal
desenvolvimento que necessitava de mercados estrangeiros e o capital estava
disponível para investimentos noutras regiões”2. A industrialização dos Estados
Unidos constituiu assim um fator determinante para a emergência de uma
mentalidade expansionista. No ano de 1900 os Estados Unidos já se constituíam
como a maior economia do mundo, suplantando o Reino Unido e a Alemanha em
segundo e terceiro lugar respetivamente.
Neste cenário identificamos essencialmente três motivos, ou fatures, que ajudam a
explicar a mentalidade imperialista que surgiu nos Estados Unidos: um fator
económico, um fator político e um fator moral.
O fator económico já foi descrito e prende-se com a industrialização dos Estados
Unidos e a necessidade de explorar novos mercados, e consequentemente da
adoção da diplomacia do dólar3. “In addition to foreign financial advisers and their
gold standard-central bank agenda, three other turn-of-the-century developments
were critical to the emergence of dollar diplomacy: the spread of cultural
assumptions that linked ideas about race and manhood to the paternalistic
oversight of weaker states and darker peoples; the U.S. government’s new
economic and strategic priorities in the aftermath of the War of 1898; and
significant changes in the structure of U.S. investment banking. “4
1
(Conte e Carr) Disponível em: http://economics.about.com/
2
(Pendle, 1963)
3
A diplomacia do dólar foi caracterizada pela concessão de uma série de empréstimos aos países latino-
americanos, com o objetivo de criar dependência económica, e consequentemente a manipulação desses
Estados de acordo com interesses norte-americanos.
4
(Rosenberg, 1999: 31)
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O fator político, que veremos mais detalhadamente à frente, é a Doutrina Monroe
que rejeita colonização do continente americano por parte de potências europeias,
e que posteriormente através do corolário de Roosevelt vai impelir os Estados
Unidos a intervir várias vezes na América Latina. “From 1898 to 1932, the United
States intervened militarily in nine Caribbean nations a total of thirty-four times.”5
O fator moral prende-se com o chamado darwinismo social, que no início do século
vinte era um princípio generalizadamente aceite e segundo o qual os Estados
“civilizados” tinham o direito e o dever, simultaneamente, de civilizar os Estados
menos ordenados e organizados. Esta maneira de pensar era partilhada pelo
carismático presidente Theodore Roosevelt: “He believed in superiority of certain
races, especially the Anglo-Saxon, because, in his view, they had organized,
democratized, and especially industrialized and subdued “barbarians” more
effectively than other races.”6
A natureza cada vez mais imperialista da política externa dos Estados Unidos
também era defendida pelo senador Henry Cabot Lodge, que afirmava: “The
tendency of modern times is toward consolidation, It is apparent in capital and
labor alike, and it is also true of nations. Small States are of the past and have no
future. The modern movement is all toward the concentration of people and
territory into great nations and large dominions. The great nations are rapidly
absorbing for their future expansion and their present defense all the waste places
of the earth. It is a movement which makes for civilization and the advancement of
the race. As one of the great nations of the world, the United States must not fall
out of the line of march.”7
A expansão imperialista dos Estados Unidos estava a começar, e isso ficou bem
patente, para todo o mundo, depois da Guerra Hispano-Americana, que pôs fim ao
império espanhol.
Cuba e a guerra hispano-americana
Em 1895 Cuba estava à beira da insurreição contra o domínio colonial espanhol,
decadente, corrupto e ineficaz. As tentativas de revolta por parte dos
revolucionários cubanos iam-se sucedendo. “As simpatias dos Estados Unidos
estavam naturalmente com os patriotas cubanos na sua luta pela liberdade e
muitos norte-americanos tinham como certo que a ilha uma vez liberta ficaria sob
dependência deles.”8
Em 1898 o navio de guerra USS Maine havia sido destacado para o porto de
Havana, com o intuito de evacuar os cidadãos norte-americanos em território
cubano, em caso de emergência. No dia 15 de Fevereiro dá-se uma explosão, que
ainda hoje não tem explicação, e morrem duzentos e setenta homens. A opinião
pública americana, que já estava contra os espanhóis pela maneira bárbara como
tratavam os cubanos, exigiu ação por parte do seu Governo. Com efeito, “o
Congresso dos Estados Unidos votou uma resolução declarando a independência de
Cuba, exigindo a retirada de Espanha da ilha e convidando o Presidente a usar de
armas e navios para esses fins.”9
5
(Anon) Disponível em: http://www.casahistoria.net/
6
(LaFebber, 1994: 235)
7
(Lodge, 1895)
8
(Pendle, 1963: 200)
9
(Pendle, 1963: 201)
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Começou a guerra e em menos de três meses estava terminada. Entre 1898 e 1902
Cuba ficou sob o domínio militar dos Estados Unidos. Esta ação tinha como
objetivo, não só tornar Cuba um Estado independente, mas também torná-lo num
bom vizinho. Foi assinado o “Plat Amendment” que cedia bases navais aos Estados
Unidos na ilha bem como o direito de intervir caso fosse colocada em causa a
segurança de vidas ou propriedade privada americana. Neste período notou-se um
aumento significativo de investimento americano em Cuba, que agora gozava de
estabilidade interna, propícia para o desenvolvimento do comércio e,
invariavelmente, dos interesses económicos americanos.
O desafio ao Reino Unido: A questão da Venezuela
Esta disputa surgiu devido a uma questão de delineamento territorial entre a maior
potência mundial (Reino Unido) e um Estado jovem, a Venezuela, que se tornara
independente de Espanha em 1821. Com efeito existiu uma certa ineficácia, de
ambas as partes, em identificar as fronteiras territoriais. Por um lado a Venezuela,
aquando do acordo espanhol de 1845 que lhe reconhecia independência, definia as
suas fronteiras como o “território americano, conhecido formalmente pelo nome de
Capitania Geral da Venezuela.”10 Por outro lado, os “ingleses ficaram de posse de
sua parte das Guianas porque os holandeses, tendo apoiado o lado perdedor nas
guerras napoleónicas, foram obrigados em 1814 a transferir a propriedade das
colónias de Demerara, Essequibo e Berbice à Grã-Bretanha. Não havia nenhuma
menção de fronteiras no tratado.”11 Esta ausência de uma clara delimitação de
fronteiras originou uma disputa que se prolongou durante algumas décadas. Em
1841 a Venezuela contestou a demarcação, definida unilateralmente pelo Reino
Unido, e enviou uma missão diplomática a Londres para tentar resolver a questão.
As negociações prolongaram-se até que foi assinado o “Acordo de 1850” que
estipulava que “nenhum país ocuparia certas partes do território esparsamente
povoado, e o assunto foi esquecido durante mais de duas décadas”12.
Em 1876 a Venezuela reabre o assunto e pede a mediação dos Estados Unidos,
esperando que a Doutrina Monroe pudesse funcionar em seu beneficio já que
definia o seguinte “In the discussions to which this interest has given rise and in the
arrangements by which they may terminate the occasion has been judged proper
for asserting, as a principle in which the rights and interests of the United States
are involved, that the American continents, by the free and independent condition
which they have assumed and maintain, are henceforth not to be considered as
subjects for future colonization by any European powers.”13. Como podemos
verificar a Doutrina Monroe tinha implícita a ideia de que o continente Americano
era para os americanos, e que nenhuma potência europeia tinha legitimidade para
o colonizar.
Foi portanto nesta base, que a Venezuela pediu a mediação do problema aos
Estados Unidos, esperando que tomassem uma decisão a seu favor, e foi isso que
sucedeu. Em 1895 o secretário de Estado Richard Olney enviou uma extensa nota a
Londres, nota que posteriormente ficou denominada de Doutrina Olney, e que
ratificava o direito à hegemonia dos Estados Unidos no continente americano e
inerentemente à respetiva exclusão das potências europeias. Uma das afirmações
era a seguinte: “Hoje em dia os Estados Unidos são praticamente soberanos neste
continente e as suas decisões sobre assuntos confiados à sua mediação fazem
10
British and Foreign State Papers, vol.35 p.301
11
(Schoultz, 1999: 133)
12
(Schoultz, 1999: 134)
13
Mensagem do Presidente Monroe ao Congresso, em 2 de Dezembro de 1823.
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lei”14. Esta nota foi recebida pelo Marquês de Salisbury com alguma apreensão e a
sua resposta foi igualmente hostil. “O governo dos Estados Unidos não está
autorizado a afirmar uma proposição universal com referência a vários Estados
independentes por cuja conduta eles não assumem responsabilidade, que seus
interesses estão necessariamente relacionados com o que quer que seja que possa
dizer respeito a esses Estados simplesmente porque eles estão situados no
hemisfério Ocidental”15. Face a esta decisão dos Estados Unidos, e à medida que as
hostilidades iam aumentando, começavam proporcionalmente a aumentar as
preocupações de ambos os lados do Atlântico relativamente a um conflito entre as
duas maiores potências industriais do mundo, Estados Unidos e Reino Unido.
Eventualmente “o Governo Britânico, não estando disposto a agravar o conflito
sobre a questão das fronteiras, aceitou que esta fosse submetida ao arbítrio de um
tribunal internacional onde ficou pendente até os Venezuelanos levantarem de novo
o problema, em Novembro de 1962. O Orenoco foi, na verdade, justamente cedido
à Venezuela.”16
Este acontecimento marca não só a primeira manifestação de aplicabilidade da
Doutrina Monroe, mas marca também o começo da era imperial dos Estados
Unidos, e uma clara intenção de chamar a si a mediação dos problemas e a
definição dos destinos futuros do continente Americano. Podemos também concluir,
que este acontecimento marca a passagem de um sistema mundial unipolar,
dominado pelo Reino Unido, para um sistema mundial multipolar, encabeçado por
Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha.
Posteriormente, entre dezembro de 1902 e fevereiro de 1903 ocorreu novo
incidente na Venezuela, nomeadamente um bloqueio naval por parte do Reino
Unido, da Alemanha e da Itália, que exigiam o pagamento de dívidas e reembolso
de prejuízos e danos sofridos por cidadãos seus durante a guerra civil na
Venezuela. Nesta altura, Roosevelt ficou do lado das potências europeias,
ratificando o seu direito a intervir militarmente para receber o valor dos
empréstimos que tinham concedido justamente. Esta situação era aceitável na
condição de que a sua presença não fosse efetiva.
No entanto, a decisão de um tribunal internacional17 em dar razão aos europeus,
causou algum mau estar na opinião pública norte-americana. “The U.S. State
Department warned Roosevelt that the ruling put “a premium on violence” and
undermined the Monroe Doctrine”18. Roosevelt sabia que este tipo de situação não
podia ser novamente legitimado no futuro e como tal deveriam ser os próprios
Estados Unidos a garantir o cumprimento das obrigações dos países da América
Latina para com os credores estrangeiros. Isso iria de facto acontecer no ano
seguinte (1904) na República Dominicana.
O Corolário de Roosevelt: Invasão de Santo Domingo
Como referimos acima, o ano de 1904 ficou marcado pela extensão da Doutrina
Monroe através do Corolário de Roosevelt. Theodore Roosevelt foi sem dúvida um
presidente carismático. Nas palavras do galardoado com o prémio Nobel da
Literatura, V.S Naipaul: “People sometimes ask me who was the last great
14
(Perkins, 1943)
15
Instruções de Salisbury ao ministro britânico Sir Julian Pauncefote, em 26 de Novembro de 1895.
16
(Pendle, 1963: 198)
17
Em Fevereiro de 1904 o tribunal de Haia decidiu por unanimidade que as potências europeias que
tinham participado no bloqueio à Venezuela tinham direito a intervir militarmente.
18
(LaFebber, 1994: 247)
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President. Some say Kennedy. I don’t think so … I say Teddy Roosevelt. He was a
fighter, he was stubborn. He was almost a salesman for America”19. Tinha uma
personalidade vincada, sendo descrito como um “cowboy, crime-fighter, soldier and
explorer … he fulfilled as an adult the ambitions of every small boy”20.
Um episódio bastante curioso sucedeu quando Roosevelt, o embaixador francês
Jules Jusserand e o Major Archie Butt caminhavam em Rock Creek Park, durante o
inverno. O insólito aconteceu quando, ao se aproximarem de um lago gélido que só
recentemente principiava a derreter, Roosevelt sugeriu que aproveitassem para dar
um mergulho. O certo é que, sem hesitar, o embaixador francês tirou a roupa e
entrou no lago de água gelada. Segundo consta este episódio contribuiu para criar
uma forte amizade pessoal entre o presidente norte-americano e o embaixador
francês.
Durante a presidência de Roosevelt os poderes presidenciais haviam sido
enaltecidos pelo supremo tribunal. “Once when Congress refused to accept a treaty
he had made, Roosevelt circumvented Congress with an “executive agreement”.
Such an agreement could be one of two types: authorized by congressional
legislation, or, as became too common, made by a president on his own
authority”21. Este mecanismo dava ao Presidente poderes quase ilimitados,
prescindido da aprovação do congresso.
A verdade era que Roosevelt estava determinado a impedir os europeus de
coletarem coercivamente, isto é por via militar, as dívidas dos países da América
Latina. Em 1904 “uma decisão de arbitragem que deu à Companhia de
Melhoramentos de Santo Domingo, sediada nos EUA, o direito de receber ganhos
da alfândega de Puerto Plata até que uma dívida de $4.5 milhões tivesse sido paga.
Quando o governo dominicano faltou com seus pagamentos quase imediatamente,
a Companhia exerceu o seu direito sob a decisão da arbitragem e tomou a
alfândega”22 . Mas este acto desencadeou uma série de protestos de credores
europeus que reivindicavam direitos anteriores aos ganhos de Puerto Plata. E dado
o veredicto anterior do tribunal de Haia, no caso da Venezuela, era espectável uma
nova intervenção naval por parte dos credores europeus. Nesta situação o
Presidente dominicano Morales foi aconselhado pelo ministro americano Thomas
Dawson a pedir aos Estados Unidos que assumissem o controlo das finanças
dominicanas. Esta decisão não agradava ao senado americano, e a proposta de
tornar o país num protetorado americano foi rejeitada. Mas Roosevelt estava
decidido e assinou um acordo executivo com Morales. Desta forma, o pagamento
das dívidas aos europeus foi assegurado. Os Estados Unidos “antecipando-se a
nações europeias (nomeadamente Alemanha) que ameaçavam cobrar os seus
débitos pela força, encarregou um funcionário de tomar conta das alfândegas na
República Dominicana para receber os direitos e distribuir cinquenta e cinco por
cento do rendimento obtido pelos credores estrangeiros”23. Esta ação ia de
encontro aquilo que era o raciocínio de Roosevelt, de que os Estados civilizados têm
o direito de interferir, e consequentemente assegurar as obrigações de outros
Estados designados “não-civilizados”. “I want to do nothing but what a policeman
has to do in Santo Domingo. As for annexing the island, I have about the same
desire to annex it as a gorged boa constrictor might have to swallow a porcupine
wrong-end-to … I have asked some of our people to go there because, after having
19
(Naipaul, 1984: 17)
20
(Healy, 1970)
21
(LaFebber, 1994: 239)
22
(Schoultz, 1998: 211)
23
(Pendle, 1963: 205)
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refused for three months to do anything, the attitude of the Santo Domingans has
been one of the half chaotic war towards us”24.
Esta ideologia ficou denominada de política do “Big Stick” e permitiu aos Estados
Unidos assegurar os seus objetivos: Manter longe do continente americano as
potências europeias, principalmente a Alemanha e o Reino Unido, assegurando o
cumprimento e pagamento das dívidas das repúblicas da América Latina. Nas
palavras do próprio Roosevelt, num discurso no Minnesota em 1902: “There is a
homely adage that runs “speak softly and carry a big stick; you will go far”. If the
American Nation will speak softly and yet build and keep at a pitch of the highest
training a thoroughly efficient navy, the Monroe Doctrine will go far.”25
O canal do Panamá
Depois da vitória na guerra hispano-americana era uma evidência que os Estados
Unidos se tinham tornado numa potência mundial, com objetivos expansionistas.
Nesse sentido era imperativo encurtar a rota que constituía a única maneira de
navegar entre o oceano Atlântico e o Pacífico, para que a sua frota se pudesse
movimentar entre os dois oceanos, sem ter que invariavelmente dobrar o estreito
de Magalhães. A solução passava então pela abertura de um canal na América
Central. Para a administração Roosevelt a construção de um canal era efetivamente
fundamental: “To Roosevelt, a strong navy was essential. Influenced by Alfred
Thayer Mahan’s geopolitical theory of sea power, the Roosevelt administration
determined to accumulate bases and secure sea lanes. Building the Panama Canal
became the centerpiece of this “big navy” strategy because it facilitated a twoocean commercial and military posture.”26
Em 1876, uma expedição enviada pelo presidente Ulysses Grant, republicano e
antigo General da União na guerra civil, identificou uma rota pela Nicarágua como
sendo viável para a construção do canal interoceânico. No entanto, e apesar de os
Estados Unidos terem preparado um tratado para ser assinado com a Nicarágua “os
acordos não prosseguiram em virtude da oposição substancial nos países em
questão, e, no fim, a administração Grant pouco mais fez do que identificar a
Nicarágua como a rota mais adequada”27.
No entanto, os Estados Unidos não eram os únicos que tinham interesse em abrir
um canal na América Central. Os franceses também tinham interesse, e
efetivamente “em 1880 Fernando de Lesseps, que completara em 1869 a
construção do canal do Suez, preparava-se para repetir essa façanha no Panamá,
mas teve de abandonar o projeto depois de milhares de trabalhadores terem
morrido de febre-amarela e malária”28. Theodore Roosevelt, a bordo do U.S.S
Louisiana a 20 de novembro de 1906 escreveu ao seu filho Kermit a este propósito:
“Then the French canal company started work, and for two or three years did a
good deal, until it became evident that the task far exceeded its powers; and then
to miscalculation and inefficiency was added the hideous greed of adventurer,
trying each to save something from the general wreck, and the company closed
with infamy and scandal.”29
24
(Roosevelt, 1951-1954)
25
(Roosevelt, 1901)
26
(Rosenberg, 1999: 40)
27
(Schoultz, 1998: 180)
28
(Pendle, 1963: 203)
29
Excerto de uma carta escrita por Roosevelt ao seu filho Kermit durante uma visita de três dias ao
Panamá para ver o decorrer dos trabalhos no canal. Esta visita marcou a primeira viagem de um
presidente americano em funções ao estrangeiro.
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No entanto havia um entrave à construção: o tratado Clayton-Bulwer30. Este
tratado vinculava os Estados Unidos ao Reino Unido numa parceria para qualquer
eventual construção de um canal. Na lógica do corolário de Roosevelt esta hipótese
estava fora de questão. Os Estados Unidos estavam determinados a afastar
qualquer potência europeia de todos os interesses económicos no continente
americano. Eventualmente os ingleses cederam e consentiram a cessação do
tratado Clayton-Bulwer, e assinaram o tratado Hay-Pauncefote, em Novembro de
1901 que permitia aos Estados Unidos não só a construção de um canal, bem como
o direito de o fortificar. É de estranhar a decisão do Reino Unido, mas talvez possa
ser explicada pelo facto de a Inglaterra ter sofrido pesadas derrotas na guerra
Anglo-Boer, durante a denominada “Black Week” e cerca de um quinto dos custos
dessa guerra terem sido financiados por banqueiros americanos. Também é um
facto que a imagem do Reino Unido saiu enfraquecida deste conflito. Roosevelt
escreveu: “It certainly does seem to me that England is on the downgrade”.
Depois de assinado o novo tratado faltava definir a localização do canal. Como
vimos anteriormente os relatórios americanos, desde 1876 até 1901, apontavam a
Nicarágua como o local mais barato e eficiente. Isto porque a empresa francesa
detentora dos direitos económicos de um canal no Panamá exigia cerca de 100
milhões de dólares pela concessão. No entanto “as the second Hay-Pauncefote
Treaty took effect, the company fell under the control of two shadowy, skilled
lobbyist who changed the course of isthmian history … the two men reduced their
company’s asking price to $40 million.”31. Este evento alterou o destino da
localização do canal. Era, agora, mais barato construí-lo no Panamá. Faltava
convencer a Colômbia32. Com efeito, o secretário de Estado Hay propôs à Colômbia
uma verba de 10 milhões de dólares mais 250 mil dólares anuais. No entanto, a
Colômbia rejeitou e exigiu mais dinheiro. “Roosevelt blew up. Al his considerable
racism appeared. He refused to have those “banditti” in Latin America publicly
humiliate and rob the United States.”33. Esta intransigência por parte do Governo
da Colômbia levou a que os Estados Unidos apoiassem os movimentos nacionalistas
panamianos, que se desenvolviam desde 1880. Em novembro de 1903 houve uma
revolta nacionalista, e os navios de guerra norte-americanos impediram qualquer
desembarque de tropas colombianas, cujo intuito seria travar a revolução.
Dois dias após a revolta Roosevelt reconheceu a nova nação e assinou um acordo
com o Panamá, nas mesmas condições que a Colômbia havia rejeitado.
O canal foi inaugurado a 15 de agosto de 1914, naquele que foi sem dúvida um
esforço de engenharia tremendo. Uma importante descoberta médica relacionada
com a construção do canal foi a erradicação da malária e da febre-amarela.
Cientistas americanos descobriram uma maneira de encontrar e destruir os
mosquitos que provocavam estas doenças e que contribuíram em larga medida
para o fracasso da tentativa francesa, vinte anos antes. A partir deste dia, a viagem
marítima entre Nova Iorque e São Francisco passou de cerca 25.200 quilómetros
para aproximadamente 9.800 quilómetros.
Intervenção na Nicarágua: A diplomacia do Dólar
30
Tratado assinado em 1850 entre os Estados Unidos e o Reino Unido. Herdou o nome dos seus
negociadores John M. Clayton, advogado, membro do partido Whig e secretário de Estado na
administração de Zachary Taylor, e Sir Henry Lytton Bulwer, diplomata e representante do Governo
britânico.
31
32
(LaFebber, 1994: 242)
Devemos recordar que o território que hoje corresponde ao Panamá fazia, até 1903, parte da
Colômbia.
33
(LaFebber, 1994: 242)
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Tal como Roosevelt, o novo presidente Howard Taft, também ele republicano e
eleito em 1909, partilhava da ideia de que os povos da América Latina
necessitavam de supervisão. A esse propósito afirmou “o direito deles de bater as
suas cabeças umas nas outras até que eles mantenham a paz.”34. A sua
administração deu seguimento às políticas de Roosevelt e ao modelo que havia sido
aplicado na República Dominicana e procuraram aplicá-lo noutros países.
Designaram esta abordagem de Diplomacia do Dólar. “O termo “Diplomacia do
Dólar” não transmite o sentido claro de quem está fazendo o quê para quem. São
os dólares ajudando a diplomacia, ou a diplomacia estimulando o lucro em
dólares?”35. Como podemos verificar o próprio termo carece de ambiguidade. Mas
talvez seja legítimo inferir que o objetivo desta política fosse aumentar o comércio
americano, através de empreendimentos no estrangeiro. Huntington Wilson36 disse
a esse respeito: “Pequenos países fracos lá em baixo têm pesadas dívidas para com
a Europa. Eles não vão pagar. A Europa vem e exige pagamento. Os Estados
Unidos devem ou deixar a Europa desembarcar fuzileiros e tomar as alfândegas
como garantia, e deste modo abrir o caminho para penetração e para a flagrante
violação da Doutrina Monroe, ou os Estados Unidos devem compelir as pequenas
repúblicas a serem decentes e pagarem … Se os Estados Unidos estendem uma
mão de ajuda e auxiliam a América Central a pôr-se em pé e manter a paz o tempo
suficiente para começar a desenvolver-se, nós logo teremos bem nas portas dos
nossos estados do sul um grande e valioso comércio. Diplomacia do Dólar significa
simplesmente trabalho inteligente de equipa.”37
Um exemplo claro e flagrante desta confluência de ideias foi o empenho da
administração Taft em criar um protetorado na Nicarágua. Recordemos que até
1903 os Estados Unidos tinham a intenção de construir o canal interoceânico na
Nicarágua e efetivamente até 1903 os Estados Unidos mantinham relações cordiais
com a Nicarágua e com o seu Presidente José Santos Zelaya, porque lhes
interessava sobremaneira construir o canal naquele país. Com a decisão de
construir o canal no Panamá em 1903 as relações com Zelaya, que se preparava
para invadir El Salvador, rapidamente se deterioraram.
Em 1909 implode uma rebelião contra Zelaya na Nicarágua, liderada por Juan
Estrada em Bluefields38 e é apoiada pelo cônsul americano na Nicarágua Thomas
Moffat. As forças de Zelaya foram mobilizadas para combater a rebelião e pelo
caminho encontraram e fuzilaram dois americanos funcionários da United States
and Nicaragua Company. Isto deu aos Estados Unidos um motivo para atuar e
como efeito o senado aprovou uma resolução para depôr Zelaya, que uma semana
mais tarde renunciou ao cargo de Presidente e procurou asilo no México. Em Maio
de 1910 os Estados Unidos desembarcam 100 fuzileiros em Bluefields para,
alegadamente “proteger vidas e propriedade privada dos EUA.”39. Na verdade o que
fizeram foi proteger os rebeldes de um ataque do México, que apoiava Zelaya.
Os fuzileiros permaneceram na Nicarágua durante um ano e, apesar de ao contrário
da República Dominica, aquando da invasão de Santo Domingo, A Nicarágua não
34
Taft a Bellamy Storer, 23 de Março de 1903. Taft Papers, LC; Memorando de Conversa com Enrique
Creel, 21 de Dezembro de 1909. Arquivo num. 6369/400, NA M862/R507 apud (Schoultz, 1998: 237)
35
(Schoultz, 1998: 238)
36
Foi assistente do secretário de Estado Philander Knox durante a administração Taft.
37
Huntington Wilson, memorando sem data, provavelmente Fevereiro de 1913, assinalado “Confidential-
File” e dirigido ao Presidente eleito Wilson.
38
Muitos dos residentes desta cidade eram comerciantes norte-americanos.
39
(Schoultz, 1998: 242)
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estar sobrecarrega pela dívida externa, a administração Taft assumiu as finanças do
país. Simultaneamente os Estados Unidos procuravam aplicar um modelo
semelhante ao da República Dominicana nas Honduras.
Para pôr as finanças nicaraguenses em ordem Huntington Wilson instruiu Thomas
Dawson a “fazer o favor de esboçar uma carta para que o Sr. Castrillo40 assinasse
como representante do Governo Provisório, a ser enviada ao Secretário de Estado
contendo alguma expressão de reconhecimento pela atitude imparcial dos Estados
Unidos.” Na carta, Dawson deveria “inserir a Convenção original, e algo sobre a
exploração do país e a necessidade de pôr as suas finanças em bases melhores, e
uma declaração da sua intenção de entrar em negociações com vistas a fazer com
banqueiros americanos um arranjo financeiro satisfatório; também um parágrafo
garantindo tratamento justo e equitativo do comércio e negócios americanos; e
outro parágrafo comprometendo-se a restabelecer um regime constitucional e
manter eleições livres. Esboce, também, uma segunda carta anunciando a
ocupação de Manágua pelas forças provisórias e requerendo formalmente
reconhecimento.”41
Estrada assinou efetivamente o acordo mas ao fim de um ano, dadas as limitações
que lhe eram impostas, renunciou. Esta incidente colocou o Vice-Presidente Adolfo
Díaz na presidência. Nos dois anos seguintes, em 1911 e 1912, foram cedidos dois
empréstimos, por parte de bancos norte-americanos, ao Governo de Díaz em troca
“ do controlo pelos banqueiros do recém-criado Banco Nacional da Nicarágua e uma
opção para adquirir controlo maioritário da ferrovia da nação, o único bem de
capital significativo do governo”42.
Esta ação dos Estados Unidos na Nicarágua é um caso evidente da aplicação da
diplomacia do dólar.
Conclusões
Procurou-se, com este artigo, perceber quais as motivações e as origens da
mentalidade imperialista americana no início do século XX. Constatámos que a
industrialização e o crescimento económico criaram um excesso de capital
acumulado, que estava pronto para ser aplicado no estrangeiro. A justificação para
as intervenções nos países da América Latina é de natureza económica, politica e
moral.
Ao intervir em Cuba os Estados Unidos procuravam assegurar um regime estável e
portanto propício ao investimento por parte dos capitalistas americanos. Para esse
efeito apoiaram a independência de Cuba e entraram em Guerra com Espanha,
pondo fim ao seu império.
A decisão por parte do tribunal de Haia em atribuir razão às potências europeias no
caso do bloqueio à Venezuela despoletou a aplicação do Corolário de Roosevelt, ou
política do “Big Stick”. Os Estados Unidos perceberam que não podiam tolerar
intervenções europeias no continente americano.
A intervenção dos Estados Unidos na República Dominicana marca a primeira
materialização do corolário de Roosevelt, e teve como objetivo manter as potências
europeias afastadas de Santo Domingo. Para isso os Estados Unidos assumiram o
controlo das finanças do país e asseguraram o pagamento das dívidas aos credores
europeus.
40
Representante do governo de Estrada em Washington.
41
Huntington Wilson a Dawson, 24 de Fevereiro de 1910.
42
(Schoultz, 1998: 245)
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A construção de um canal na América central era fundamental para a estratégia
naval norte-americana. Para assegurar a construção do canal foi necessário apoiar
a independência do Panamá, e impedir a Colômbia de travar o movimento
nacionalista.
O motivo da intervenção na Nicarágua foi de natureza essencialmente económica.
Os Estados Unidos aproveitaram a instabilidade interna para apoiar um movimento
de revolta e posteriormente assinar com ele um acordo que assegurava aos Estados
Unidos e aos empresários norte-americanos um controlo considerável sobre os
destinos do país.
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