Comunicado145 Técnico ISSN 1809-502X Cruz das Almas, BA Dezembro, 2010 Detecção de Vírus Transmitidos por Ácaros Brevipalpus em seus Vetores Karen Sumire Kubo1 Marinês Bastianel 2 Valdenice Novelli 3 Marcos Antônio Machado4 Juliana Freitas-Astúa5 A importância dos ácaros do gênero Brevipalpus vem crescendo, tornando-se evidente seu potencial como praga de plantas, especialmente por sua capacidade de transmitir vírus (CHILDERS et al., 2003; KITAJIMA et al., 2010). Os vírus transmitidos por Brevipalpus sp. (VTBs) têm em comum, além do vetor, a morfologia das partículas e semelhanças em sintomas e efeitos citopatológicos que induzem nas plantas hospedeiras (KITAJIMA et al., 2003). Os sintomas nos hospedeiros consistem de lesões locais (cloróticas, necróticas, manchas verdes ou ainda manchas anelares) em folhas e ramos afetados (KITAJIMA et al., 2003). Ao contrário de outros vírus que invadem sistemicamente seus hospedeiros, as partículas dos VTBs permanecem concentradas nas lesões, não sendo capazes de circular nas plantas que infectam. A relação dos VTBs com seus vetores não é completamente conhecida. A otimização dos protocolos de extração de ácidos nucleicos e a possibilidade de se utilizar primers específicos não apenas para a sua detecção nos hospedeiros, mas também em seus vetores, são passos importantes para os estudos da interação vetor-patógeno-hospedeiro. Podem também ser úteis para o manejo de culturas com relação às doenças causadas pelos VTBs, como a mancha anular do cafeeiro, a leprose dos citros e a pinta verde do maracujazeiro, pois, em alguns casos, é possível a detecção precoce dos vírus nos ácaros antes mesmo do aparecimento dos sintomas no campo. Os Vírus Transmitidos por Ácaros Brevipalpus Dentro do gênero Brevipalpus, as espécies de maior importância econômica são B. californicus (Banks), B. obovatus (Donnadieu) e B. phoenicis (Geijskes) (Figura 1). Essas três espécies foram relatadas em 928 espécies pertencentes a 513 gêneros distribuídos em 139 famílias vegetais, compreendendo monocotiledôneas, dicotiledôneas, plantas anuais, perenes e ornamentais, entre outras (Childers et al., 2003). Engenheira-florestal, doutoranda da Unicamp, Campinas, SP, [email protected] Engenheira-agrônoma, D.Sc., pesquisadora do Centro APTA Citros Sylvio Moreira-IAC, Cordeirópolis, SP, [email protected] Bióloga, D.Sc., pesquisadora do Centro APTA Citros Sylvio Moreira-IAC, Cordeirópolis, SP, [email protected] 4 Engenheiro-agrônomo, D.Sc., pesquisador do Centro APTA Citros Sylvio Moreira-IAC, Cordeirópolis, SP, [email protected] 5 Engenheira-agrônoma, Ph.D., pesquisadora da Embrapa Mandioca e Fruticultura, Cruz das Almas, BA, [email protected] 1 2 3 2 Detecção de Vírus Transmitidos por Ácaros Brevipalpus em seus Vetores Os vírus transmitidos por Brevipalpus são divididos em dois tipos: nucleares (VTB-N) e citoplasmáticos (VTB-C), em função principalmente do seu local de maturação na célula hospedeira (KITAJIMA et al., 2003). Os vírus do tipo nuclear foram encontrados pela primeira vez em orquídeas infectadas pela mancha da orquídea (Orchid fleck virus, OFV) (DOI et al., 1969). Posteriormente, foram descritos em citros, café e em cerca de 20 espécies de plantas ornamentais, causando as doenças conhecidas como leprose dos citros do tipo nuclear (Citrus leprosis virus, nuclear type, CiLV-N) e mancha anular do cafeeiro (Coffee ringspot virus, CoRSV), entre outras (KITAJIMA et al., 2010). Esses vírus induzem a formação de um viroplasma eletrontransparente no núcleo da célula hospedeira. As partículas virais têm forma de bastonetes curtos, com largura de 40 nm e comprimento de 100 nm, que podem aparecer dispersos no viroplasma ou no nucleoplasma. Frequentemente, formam arranjos de membranas dispostas em círculo. Os vírions são organizados radialmente, gerando configurações conhecidas como “roda de carroça” (KITAJIMA et al., 2010). apresentando largura de 60 a 70 nm e comprimento de 110 a 120 nm. Estas ocorrem isoladas ou agrupadas sempre no lúmen do retículo endoplasmático. Ocasionalmente, as partículas baciliformes podem ser encontradas na cavidade perinuclear, possivelmente migrando do retículo endoplasmático. Diferente do tipo nuclear, o viroplasma dos vírus do tipo citoplasmático ocorre como inclusões citoplasmáticas eletrondensas e vacuoladas, de forma e dimensões variadas (KITAJIMA et al., 2003). Pouco se sabe ainda sobre a interação destes vírus com seus hospedeiros e vetores, mas supõe-se que os vírus do tipo nuclear interagem de forma distinta da dos citoplasmáticos. Embora durante muito tempo os VTBs tenham sido classificados como possíveis rhabdovirus, Locali-Fabris et al. (2006) propuseram, com base na sequência genômica do CiLV-C, a criação de um novo gênero de vírus, o Cilevirus, tendo como membro-tipo o CiLV-C. De acordo com Kondo et al. (2006), apesar de o OFV fazer parte da família Rhabdoviridae, deve ser considerado o membro-tipo do recém-proposto gênero Dichorhabdovirus. Como outros VTB-N apresentam similaridade de sequência com OFV, é possível que também pertençam ao mesmo gênero (Locali-Fabris, Machado & FreitasAstúa, dados não publicados). Detecção dos VTBs em seus Vetores Figura 1. Colônia de ácaros B. phoenicis mantidos em frutos de laranjeira doce Citrus sinensis (L.) Osbeck. Os vírus do tipo citoplasmático foram encontrados pela primeira vez em amostras de folha afetadas pela “lepra explosiva”, um isolado do vírus da leprose dos citros C (Citrus leprosis virus C, CiLV-C) da Argentina (KITAJIMA et al., 1974). Outros exemplos de VTB-C são os causadores da pinta verde do maracujazeiro (Passion fruit green spot virus, PFGSV), da mancha anular de Solanum violaefolium (Solanum violaefolium ringspot virus, SvRSV), além de cerca de 20 vírus distintos, a maior parte deles infectando plantas ornamentais (KITAJIMA et al., 2010). As partículas são curtas, baciliformes e com membrana, Os sintomas causados por VTB em seus hospedeiros vegetais são característicos e, no geral, facilmente identificáveis (Figura 2). Além disso, estão atualmente disponíveis primers específicos para o diagnóstico de algumas enfermidades causadas por esses fitovírus. No entanto, com exceção de um relato evidenciando a detecção do CiLV-C em ácaros virulíferos (Novelli et al., 2007), não há informação sobre a detecção de outros VTBs em Brevipalpus. Este trabalho mostra que é possível utilizar a técnica de RT-PCR com primers específicos para a detecção tanto de VTB-C (CiLV-C e SvRSV) quanto de VTB-N (OFV e Clerodendrum chlorotic spot virus - ClCSV) em seus vetores, o que abre importante caminho para estudos de interação vírus-vetor, além da possibilidade de usar essa técnica para o monitoramento de ácaros virulíferos nas culturas de importância econômica, como citros e orquídeas e, possivelmente, café e maracujá. Detecção de Vírus Transmitidos por Ácaros Brevipalpus em seus Vetores 2008). A extração de RNAs foi adaptada de Gibbs e Mackenzie (1997) por Novelli et al. (2007) para ácaros da espécie Brevipalpus phoenicis, possibilitando a otimização do protocolo para um resultado consistente a partir de apenas 10 ácaros. Com o intuito de verificar se o protocolo de extração de Novelli et al. (2007) seria aplicável a outras espécies de Brevipalpus e ainda se primers desenhados para amplificar SvRSV, OFV e ClCSV em plantas seriam eficientes na detecção dos vírus em seus vetores, foram instalados experimentos de aquisição desses VTBs e também de CiLV-C, como controle. Figura 2. Sintomas de lesões localizadas cloróticas ou necróticas anelares induzidas por A. CiLV-C em laranjeira doce; B. SvRSV em Solanum violaefolium (foto cortesia Prof. Elliot W. Kitajima, ESALQ/USP); C. OFV em orquídea; D. ClCSV em Clerodendrum speciosum. Com base em sequências genômicas virais, primers foram desenhados para amplificar fragmentos de CiLV-C (Locali et al., 2003), SvRSV (Ferreira et al., 2006), OFV (Kubo et al., 2009) e ClCSV (KUBO et al., cDNAs foram sintetizados com a enzima M-MLV-RT e primers randômicos (Invitrogen) e as reações de polimerase em cadeia (PCR) foram realizadas com a enzima Taq DNA polimerase (Invitrogen). Ácaros B. phoenicis alimentaram-se por cinco dias de lesões causadas por CiLV-C ou ClCSV, B. obovatus alimentaram-se de folhas com lesões de SvRSV e B. californicus, de folhas com sintomas causados pelo OFV. B. phoenicis utilizados para controle negativo de CiLV-C e ClCSV foram obtidos na criação do Laboratório de Acarologia do Centro APTA Citros Sylvio Moreira-IAC; as outras espécies de ácaros avirulíferos foram coletadas em plantas assintomáticas de S. violaefolium (B. obovatus) e orquídeas (B. californicus). O resultado da RT-PCR (Figura 3) evidencia, de maneira inequívoca e específica, a detecção de quatro VTBs, dois do tipo nuclear e dois do tipo citoplasmático, em seus ácaros vetores. Figura 3. Gel de agarose 1% evidenciando o resultado da RT-PCR para a detecção de Citrus leprosis virus C (CiLV-C), Orchid fleck virus (OFV), Clerodendrum chlorotic spot virus (ClCSV) e Solanum violaefolium ringspot virus (SvRSV) em ácaros virulíferos utilizando primers específicos para cada um dos respectivos vírus. Coluna 1) ácaros virulíferos para CiLV-C, OFV, ClCSV ou SvRSV, respectivamente; 2) ácaros avirulíferos; 3) controle positivo (folhas sintomáticas para cada um dos respectivos vírus: CiLV-C, OFV, ClCSV e SvRSV); 4) folhas sadias de citros, orquídea, clerodendron e solano, respectivamente. 3 4 Detecção de Vírus Transmitidos por Ácaros Brevipalpus em seus Vetores Considerações Finais Ainda existem muitos aspectos a serem elucidados em relação aos VTBs. O fato de esses vírus invadirem os hospedeiros de forma localizada e não sistêmica dificulta qualquer tipo de estudo aprofundado sobre as interações vírus-planta-vetor, incluindo a biologia da transmissão viral. A detecção de VTBs em seus vetores aumenta a confiabilidade na instalação de experimentos de transmissão destes patógenos, possibilitando a confirmação da condição virulífera de ácaros a serem utilizados. Ademais, a detecção de vírus no vetor abre portas para a possibilidade de monitorar populações virulíferas no campo, visando a auxiliar a tomada de decisão sobre aplicação de acaricidas para o manejo das doenças. Referências CHILDERS, C. C., RODRIGUES, J. C. V., WELBOURN, W. C. Host plants of Brevipalpus californicus, B. obovatus and B. phoenicis (Acari: Tenuipalpidae) and their potential involvement in the spread of virus diseases vectored by these mites. Experimental and Applied Acarology, v.30, n.1/3, p.29-105, 2003. DOI, Y.; ARAI, K.; YORA, K. 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Detecção de Vírus Transmitidos por Ácaros Brevipalpus em seus Vetores Comunicado Técnico, 145 Embrapa Mandioca e Fruticultura Endereço: Rua Embrapa, s/n, Caixa Postal 07, 44380-000, Cruz das Almas - Bahia Fone: (75) 3312-8048 Fax: (75) 3312-8097 E-mail: [email protected] 1a edição 1a versão (2010): online Comitê de publicações Expediente Presidente: Aldo Vilar Trindade. Secretária: Maria da Conceição P. Borba dos Santos. Membros: Abelmon da Silva Gesteira, Ana Lúcia Borges, Antonio Alberto Rocha Oliveira, Carlos Alberto da Silva Ledo, Davi Theodoro Junghans, Eliseth de Souza Viana, Léa Ângela Assis Cunha, Marilene Fancelli. Supervisão editorial: Ana Lúcia Borges. Revisão de texto: Eduardo Augusto Girardi e Francisco Ferraz Laranjeira. Revisão gramatical: Léa Ângela Assis Cunha. Tratamento das ilustrações: Maria da Conceição Pereira Borba dos Santos. Editoração eletrônica: Maria da Conceição Pereira Borba dos Santos. 5