Acidente de Trânsito. DPVAT. Fundo Nacional de Saúde

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Nota Técnica nº 010/2009
Assunto: Promotoria de Justiça da Comarca de Oliveira. DPVAT. Atendimento às
vítimas de acidente de trânsito. Repasse de recursos. Fundo Nacional de Saúde.
Municípios limítrofes às Rodovias Federais/Estaduais. Medida Provisória n° 451 de
2008. Lei Federal n° 6.194/74. Lei Federal n° 8.212/91. Lei Federal 9.503/97. Lei
Federal n° 11.945/2009.
1. DPVAT: do Seguro Obrigatório
O acidente de trânsito é um problema grave em todo o mundo. De
acordo com estimativa apontada pela Organização Mundial de Saúde 1, em torno de 1,2
milhão de pessoas morrem por ano em consequência de acidentes de trânsito nas
rodovias. Os acidentes de trânsito são a segunda causa de morte entre jovens de 5 a
29 anos e a terceira causa de morte entre pessoas de 30 a 44 anos. Além dessas
mortes, estima-se que, por ano, em torno de 50 milhões de pessoas saiam feridas ou
incapacitadas em decorrência de acidentes de trânsito nas rodovias.
1
Organização Mundial de Saúde. Faces behind figures: voices of road traffic crash victims and their families.
Genebra: OMS; 2007.
O seguro DPVAT, como o próprio nome diz, indeniza vítimas de
Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre. Determina que
motoristas, passageiros ou pedestres tenham suas despesas médicas ressarcidas ou
sejam indenizados em caso de morte ou invalidez. O DPVAT é cobrado anualmente
como uma taxa exigida para fazer o licenciamento dos veículos. Tem como finalidade
amparar a vítima, independente de o motorista ser ou não culpado. Toda pessoa que
depende de atendimento hospitalar após se envolver em algum acidente de trânsito
com veículo automotor (carro, moto, caminhão, ônibus etc) tem direito a receber o
seguro.
2. Fundamentação
O Seguro Obrigatório previsto na Lei 6.194/74 – DPVAT – é um
seguro pago por todos os proprietários de veículos do País, que tem passado por
diversas alterações legislativas. Até a entrada em vigor da MP 451/2008, quando
alguém sofria um acidente de trânsito e era levado a um hospital credenciado pelo
SUS, tinha o direito de optar pelo atendimento em caráter particular coberto pelo
DPVAT. Até então, ao atenderem pacientes acidentados, em caráter particular, os
hospitais credenciados podiam receber o reembolso das despesas dos serviços médicos
prestados. Estes estabelecimentos conseguiam, por meio de procuração assinada pelo
paciente, requisitar o ressarcimento do DPVAT.
Com
a
edição
da
MP
451/2008
retirou-se
dos
hospitais
credenciados junto ao SUS a possibilidade do ressarcimento direto dos gastos com
atendimento a vítimas de acidentes de trânsito. Nesse sentido, seu artigo 20, § 2º é
expresso em afirmar que:
Art. 20, § 2°: “O seguro previsto nesta lei não contempla as despesas
decorrentes do atendimento médico ou hospitalar efetuado em
estabelecimento ou em hospital credenciado ao Sistema Único de Saúde
– SUS, mesmo que em caráter privado, sendo vedado o pagamento de
qualquer indenização nesses casos.” (NR)
Em razão disso, o custeio do tratamento de segurados nesses
hospitais passaria a ser feito exclusivamente com verba do SUS, cuja tabela remunera
com valores abaixo daqueles constantes na tabela do DPVAT.
Assim, o atendimento médico- hospitalar de vítima de acidente de
trânsito, na modalidade particular, com cobertura do DPVAT, ficou restrita aos
estabelecimentos privados que não sejam conveniados ao SUS.
Duas vertentes se formaram com o advento da MP 451/2008.
As entidades hospitalares credenciadas junto ao SUS alegam que,
com a proibição do ressarcimento, elas terão que obrigatoriamente cobrar essas
despesas do Sistema Único de Saúde, ou seja, do Ministério da Saúde, e não das
Seguradoras. Alegam também, uma perda expressiva da renda para os principais
hospitais filantrópicos responsáveis pelo atendimento da grande maioria dos
acidentados que chegam aos pronto-socorros. Entre outras questões, apontou-se que a
proibição em tela praticamente inviabilizaria o atendimento médico-hospitalar de vítima
de acidente, na modalidade particular com cobertura do DPVAT, já que essa hipótese
ficaria restrita aos estabelecimentos privados que não ofereçam atendimento pelo SUS.
Em contrapartida, a SUSEP (Superintendência de Seguros Privados)
rebate as alegações, afirmando que o DPVAT já passa 45% de sua arrecadação ao
SUS. Sustenta, também, que a receita para o SUS provém de várias fontes, dentre elas
o DPVAT. E ainda, ressalta um crescimento elevado dos pedidos de ressarcimento de
despesas desse tipo nos últimos anos, com a agravante de que a grande maioria deles
são feitos não pelos beneficiários, mas pelos hospitais que os atenderam. Em vez de
apresentarem sua fatura ao SUS – sistema com o qual mantêm convênio ou contrato -,
os hospitais preferem requerer a indenização ao consórcio de seguradoras que
administra o seguro DPVAT, obtendo da vítima do acidente a cessão de seus direitos.
O objetivo almejado pelos idealizadores do Seguro Obrigatório –
DPVAT – foi a criação de um seguro de caráter estritamente social, visando atingir a
máxima proteção e garantia das vítimas de trânsito.
Nos termos do parágrafo único do art. 4°, da Lei n° 6.194/74, o
beneficiário da cobertura de despesas médicas e suplementares é a própria “vítima de
acidente de trânsito”, devendo a ela ser feito diretamente o pagamento, por “cheque
nominal ao beneficiário” ou “depósito para conta corrente ou conta de poupança do
beneficiário”, exigências estas contidas nos parágrafos 1° e 6° do art. 5°, da Lei n°
6.194/74, verbis:
“Art. 5o :
§ 1°: A indenização referida neste artigo será paga com base no valor
vigente na época da ocorrência do sinistro, em cheque nominal aos
beneficiários, descontável no dia e na praça da sucursal que fizer a
liqüidação, no prazo de 30 (trinta) dias da entrega dos seguintes
documentos:
§ 6°: O pagamento da indenização também poderá ser realizado por
intermédio de depósito ou Transferência Eletrônica de Dados - TED para
a conta corrente ou conta de poupança do beneficiário, observada a
legislação do Sistema de Pagamentos Brasileiro.”
O que ocorre com grande freqüência é a obtenção, pelos hospitais,
de procuração e/ou cessão de crédito das vítimas de acidente de trânsito para agirem
em seu nome.
Era pernicioso ao próprio sistema quando estes hospitais e clínicas,
credenciados ao SUS, recebiam o pagamento do Seguro DPVAT e não prestavam essa
informação ao Sistema, o qual acabava pagando pelo mesmo serviço prestado. É
interessante observar que 85% dos pedidos de indenização são feitos por hospitais e
clínicas conveniados, e não pelo próprio beneficiário do seguro (de acordo com a nota
de esclarecimento da SUSEP – MP 451/2008 – SEGURO DPVAT), a quem é destinada,
de forma personalíssima, a cobertura.
Nesse sentido é a Jurisprudência:
(...) Não se nega o dever de atender às vítimas decorrentes
do acidente descrito na inicial, bem como o direito ocorre
que a autora está credenciada ao SUS, e o recebimento do
auxílio necessário decorrente de seguro obrigatório é feito
por intermédio do INSS.
Nota-se que o acidente reclamado na inicial ocorreu em
1998, quando já estava em vigência a Lei 8.212/91, que
estabelece no § único do artigo 27 o seguinte:
“As companhias seguradoras que mantém o seguro
obrigatório de danos pessoais causados por veículos
automotores de vias terrestres, de que trata a Lei
6.194, de 19 de dezembro de 1974, deverão repassar
à seguridade social cinqüenta por cento (50%) do
valor total do prêmio, recolhido e destinado ao
sistema único de saúde (SUS), para custeio de
assistência médica hospitalar dos segurados vítimas
em acidente de trânsito”.
Posteriormente
houve
uma
redução
de
5%
desse
percentual, estabelecido na Lei n° 9.503, de 23 de
setembro de 1997, e repassado ao Coordenador do Sistema
Nacional
de
Trânsito,
para
aplicação
de
programas
destinados a prevenção de acidentes.
De tal sorte, que não é possível reclamar a importância
pretendida da requerida ou qualquer das empresas que
foram o ‘pool’ de seguradoras do seguro obrigatório de
acidente de trânsito, pois já há o devido repasse ao SUS, e
caberia à autora pleitear diretamente do SUS essa
importância,
se
é
que
não
recebe
mensalmente
a
importância necessária para atendimento de diversas
vítimas que são levadas, em decorrência de acidente de
trânsito(...)”. (Apelação n°. 1.201.198-4; Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo. 1ª Câmara do Primeiro Tribunal de
Alçada Civil; Relator Heraldo de Oliveira Silva).
Importante destacar a parte final da redação do parágrafo único
do art. 27 da Lei Federal n° 8.212/91. Referido normativo reza que o repasse de parte
do prêmio do Seguro DPVAT ao SUS possui um fim específico, ou seja, que sua
destinação é para o custeio da assistência médico-hospitalar dos segurados vitimados
em acidente de trânsito. A esse respeito:
Parágrafo único. “As companhias seguradoras que mantêm o seguro
obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de vias
terrestres, de que trata a Lei nº 6.194, de dezembro de 1974, deverão
repassar à Seguridade Social 50% (cinqüenta por cento) do valor total
do prêmio recolhido e destinado ao Sistema Único de Saúde-SUS, para
custeio da assistência médico-hospitalar dos segurados vitimados em
acidentes de trânsito.” (alterado pela Lei 9.503/97, que diminuiu o
percentual para 45%) (grifo nosso)
Existe, portanto, efetivamente, uma receita específica
e destinada exclusivamente ao SUS para arcar com as despesas decorrentes do
atendimento às vítimas de acidentes de trânsito. Trata-se, assim, de recursos oriundos
diretamente dos valores pagos por todos os proprietários de veículos automotores do
Brasil.
Também, a Lei Federal nº 6.194/74, no seu artigo
3º, §§ 2º e 3º procurou solucionar a distorção em relação aos objetivos do Seguro
DPVAT. Nesse sentido:
§ 2o “Assegura-se à vítima o reembolso, no valor de até R$ 2.700,00
(dois mil e setecentos reais), previsto no inciso III do caput deste artigo,
de despesas médico-hospitalares, desde que devidamente comprovadas,
efetuadas pela rede credenciada junto ao Sistema Único de Saúde,
quando em caráter privado, vedada a cessão de direitos.” (Incluído pela
Lei Federal n° 11.945, de 2009)
§ 3o “As despesas de que trata o § 2o deste artigo em nenhuma hipótese
poderão ser reembolsadas quando o atendimento for realizado pelo SUS,
sob pena de descredenciamento do estabelecimento de saúde do SUS,
sem prejuízo das demais penalidades previstas em lei.” (Incluído pela
Lei n° 11.945, de 2009)
Deve-se ter em vista, principalmente, que o seguro DPVAT teve
como objetivo garantir às vítimas de acidentes causados por veículos, ou por suas
cargas, indenizações em caso de morte e invalidez permanente e o reembolso de
despesas médicas. Não se pode olvidar que as indenizações do DPVAT são pagas
independentemente de apuração de culpa, da identificação do veículo ou de outras
apurações, desde que haja vítimas, transportadas ou não.
3. Da distribuição dos recursos
A dinâmica de repasse dos recursos do DPVAT é complexa. O
montante arrecadado com o pagamento anual da taxa, que é obrigatório para os
milhões de motoristas brasileiros, é dividido em três partes: 45% vão para o Fundo
Nacional de Saúde, que remete a verba para o SUS; 5% são destinados a programas
de educação no trânsito; e o restante, 50%, fica sob o controle do convênio de
seguradoras que administram o seguro obrigatório.
Ocorre que, provenientes de várias fontes e reunidos no Fundo
Nacional de Saúde, os recursos do SUS são gerenciados em globo, não sendo,
portanto, os recursos do DPVAT transferidos especificamente para os hospitais públicos
que mais acolhem as vítimas de acidentes de trânsito.
Importante reconhecer que muitos municípios mineiros, em razão
de sua posição geográfica (ao lado de rodovias federal ou estadual) ou mesmo nos
casos de prestadores com referência destacada, como, por exemplo, o hospital João
XXIII, são os mais acionados (referenciados) para as ocorrências com vítimas de
acidentes de trânsito, conduzidas pela Polícia Rodoviária Federal ou estadual, Corpo de
Bombeiros e SAMU para atendimento, por seus prestadores SUS, às pessoas vítimas de
acidentes de trânsito. Por isso, a destinação dos recursos do DPVAT deveria se tornar
mais estreitamente vinculada aos seus propósitos.
Tramita no Congresso Nacional um Projeto de lei (PLS 16/08) de
autoria do senador Marconi Perillo (PSDB-GO) pretendendo que parte dos recursos do
seguro obrigatório sejam repassados diretamente para estados e municípios. Na
justificação da proposta o senador explica que, em sua maior parte, os gastos
hospitalares no atendimento e tratamento das vítimas de acidentes de trânsito recaem
sobre os estados e municípios que dispõem de unidades de saúde destinadas a
urgências e emergências. Na defesa deste Projeto de lei apresentado, o senador João
Vicente Claudino argumenta que um maior percentual dos recursos arrecadados com
os prêmios do DPVAT precisa ser destinado aos municípios em virtude da quase
totalidade de atendimento de urgência a vítimas de acidentes de trânsito serem
realizados nos municípios.
Não se pode questionar a necessidade de destinar mais recursos
aos Fundos Estaduais e Municipais de Saúde em virtude da assistência médicohospitalar aos vitimados em acidentes de trânsito ocorrer, em sua maioria, em
estabelecimentos assistenciais das redes estaduais e municipais.
É sabido que a lógica de distribuição dos recursos na saúde
também é fator que promove a desigualdade, por se basear na capacidade instalada,
em critérios per capita, ou na capacidade de vocalização das lideranças.
Assim, para romper essa lógica perversa, a SES/MG elaborou, em
parceria com a Fundação João Pinheiro, uma nova metodologia para alocação de
recursos financeiros, baseada em dois índices:
(1) Índice de Necessidade em Saúde (INS): combina as principais
variáveis epidemiológicas e socioeconômicas: mortalidade de
crianças menores de cinco anos, taxa de fecundidade, proporção de
óbitos por causas mal definidas, taxa de alfabetização, percentual de
indivíduos com renda domiciliar menor que meio salário mínimo e
percentual de indivíduos que vivem em domicílios urbanos com
coleta de lixo.
(2) Índice de Porte Econômico (IPE): mede a capacidade de
autofinanciamento dos municípios, com base no valor repassado a
título de quota-parte do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias
e Serviços (ICMS) per capita, em 2002.
A média desses dois índices gera o Fator de Alocação que, dividido
em quartis, possibilita o repasse de mais recursos aos municípios com maior
necessidade.
A partir da nova metodologia de distribuição dos recursos, todos os
repasses feitos pela SES/MG aos municípios seguem o princípio constitucional da
equidade e a diretriz determinada no PMDI (Plano Mineiro de Desenvolvimento
Integrado), de forma diferenciada os municípios mineiros, segundo suas necessidades
de saúde e de financiamento.
Assim, perfeitamente possível que aqueles municípios afetados
pelo recorrente atendimento de vítimas de acidentes de trânsito possam discutir essa
problemática dentro da conceituação dada para Índice de Necessidades em Saúde
(INS).
Referida discussão encontra ressonância dentro da Deliberação
CIB-SUS/MG nº 404, de 06 de dezembro de 2007, que se refere à Câmara de
Compensação de Média e Alta Complexidade no âmbito do Estado de Minas Gerais.
Referido normativo administrativo permite o ressarcimento dos
extrapolamentos das metas físicas/financeiras pactuadas na PPI, para internações de
média e alta complexidade, relativos ao atendimento das referências realizado além
dos pactuados ou mesmo dos não pactuados na PPI Assistencial.
Portanto, há a possibilidade de que esses referidos municípios ou
mesmos prestadores, públicos ou credenciados, nessas condições específicas de
demandados recorrentes, possam discutir o fato junto à Comissão Paritária
SES/COSEMS (Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais e Colegiado dos
Secretários Municipais de Saúde), por força da Deliberação CIB-SUS/MG nº 397, de 22
de novembro de 2007.
4. CONCLUSÃO
Diante da análise técnica jurídica acima descrita, possível apresentar
as seguintes conclusões e sugestão:
(1) É plausível que os atendimentos prestados às vítimas de
acidentes de trânsito no âmbito do SUS sejam, exclusivamente, por este remunerados,
tendo em vista os recursos repassados ao Fundo Nacional de Saúde pelo seguro
DPVAT para este fim. Em termos práticos, a Medida Provisória n° 451/2008
simplesmente ratifica os termos da Lei n° 8.212/91 (art. 27, parágrafo único).
(2) Os municípios notoriamente afetados pela nova sistemática
legal (DPVAT), dentro da atual lógica de distribuição de recursos na saúde pela
SES/MG, com apoio nas Deliberações CIB-SUS/MG nº 397, de 22 de novembro de 2007
e nº 404, de 6 de dezembro de 2007, poderão discutir essa problemática
(remanejamento
de
aportes
financeiros
decorrentes
do
elevado
número
de
atendimentos de ocorrências de acidentes com vítimas de veículos automotores) no
foro competente da Comissão Paritária SES/COSEMS, inclusive com possibilidade de
recurso para o Conselho Nacional de Saúde (CNS), se for o caso.
É a presente Nota.
Belo Horizonte, 10 de dezembro de 2009.
LAÍS DE SOUZA PIUZANA
Analista do Ministério Público
Mamp: 4334
GILMAR DE ASSIS
Promotor de Justiça
Coordenador do CAO-SAÚDE
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