PARECER REFERENTE À INDICAÇÃO 123/2011 A IMPOSIÇÃO DO ESTUDO DE RISCO SÍSMICO ATRAVÉS DA LEI 6.938/81 EMENTA: INDICAÇÃO 123/2011, RELATIVA AO PL 1700/2011, QUE PRETENDE ALTERAR A LEI Nº6.938/1981, QUE "DISPÕE SOBRE A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, SEUS FINS E MECANISMOS DE FORMULAÇÃO E APLICAÇÃO, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS", PARA ESTABELECER QUE OS RISCOS SÍSMICOS SEJAM CONSIDERADOS NO ÂMBITO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL. DISPOSITIVO: A proposição é no sentido de introduzir no texto da Lei 6.938/81, a exigibilidade de que os riscos sísmicos sejam considerados no âmbito do licenciamento ambiental. O autor do Projeto de Lei anota na peça de justificação que acompanha a proposta legislativa, que a inspiração reside no desastre da usina nuclear de Fukushima, no Japão, que, segundo o deputado, demonstra de forma inequívoca a importância de análises tecnicamente consistentes. Dado ao caráter multidisciplinar da matéria, a análise reclama alguns esclarecimentos inerentes à geofísica. Os estudos disponibilizados em cadernos diversos mostram que a litosfera (camada superficial da terra) é fragmentada em grandes e pequenas placas em movimento, assentando-se sobre uma camada estrutural volúvel. As placas tectônicas podem ser concebidas como retalhos, embora rígidos, que formam uma colcha flutuante sobre o manto (segunda camada do globo) que possui consistência pastosa, proporcionando seu deslizamento. Os blocos em movimento ocasionam zonas de convergência (colisão de placas) assim como zonas de divergência (distanciamento das placas), causando efeitos, dentre eles, os terremotos. Bem de ver que os processos mecânicos dos movimentos tectônicos causam a deformação da litosfera, construindo novas estruturas, realocando os mares, as terras, criando novos vales e montanhas. Conforme estudos de Aline Naoe, registrados no artigo Centro do IAG monitora atividades sísmica no Brasil (Ciências, USP OnLine Destaque), embora esteja bem no centro de uma placa tectônica, e por isso afastado dos atritos que geram os terremotos de grandes proporções, o Brasil também sente as consequências dos movimentos no interior da Terra. Sem embargo da existência de sismicidade no Brasil, conquanto de discreta repercussão, faltou ao legislador a percepção de que a imposição do estudo da ação sísmica consiste num desdobramento do licenciamento ambiental, ferramenta prevista na Lei 6.938/81, e este tipo de exigência não se ajusta ao corpo da citada Lei. A configuração aspirada pelo autor do Projeto de Lei não pode ser depositada na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, porquanto trata-se de uma Lei Quadro, o que significa dizer que não comporta esta camada de particularidade. É de se sublinhar que na norma em tela, não há qualquer elenco de atividades a serem licenciadas e nem os pontos que devem ser objeto dos estudos. Notadamente, o detalhamento quanto às modalidades de estudos necessários para a concessão da Licença Ambiental é arranjado em outro ambiente normativo, por meio de normas administrativas editadas pelo próprio órgão licenciador, sem prejuízo de normas advindas do Conama e outras fontes extraordinárias, sendo relevante registrar que há expressa previsão na Lei 6.938/81, quanto ao papel do Conama para estabelecer tais regramentos, o que, d.m.v., mostra que o legislador manteve-se jejuno de analisar o inteiro teor do texto da Lei que pretende alterar. Cabe salientar que o indicativo da necessidade de cuidados especiais é a propensão à ação sísmica na localidade, e isso está desenhado na Norma NBR 15421, que faz o mapeamento das 5 zonas passíveis dos tectônicos das placas, cuidando de dispensar a análise sísmica para as zonas que sofrem acelerações insignificantes, assim como estabelece análise dinâmica simplificada para as estruturas em áreas menos suscetíveis, utilizando como régua, a velocidade de onda do cisalhamento e o quantitativo de golpes. O rigor da norma quanto ao empreendimento é diretamente vinculado ao tipo de zona sísmica, à classificação do terreno, à categoria de ocupação e à configuração estrutural, ressaltando-se que a categoria de utilização das estruturas define-se pelo grau de ocupação do prédio, valendo exemplificar que um hospital é considerado como categoria de suma importância. Finalmente merece destaque que a aplicação do estudo da ação sísmica deve ser estabelecida no âmbito do processo de licenciamento, independentemente da exigência de EIA/RIMA. É neste ambiente técnico que deve ser definida a necessidade de estudos da ação sísmica, valendo marcar que a Norma Técnica NBR 15421 disponibiliza diretrizes e indica zonas propensas a abalos sísmicos, cabendo ao órgão ambiental competente, no exercício do poder discricionário, impor os estudos da ação sísmica como condição para o licenciamento ambiental. Pelos fundamentos fáticos e legais, o Parecer é pela rejeição do Projeto de Lei 1700/2011. Vanusa Murta Agrelli Presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros 1 1. A Indicação 123/2011 Trata-se de Indicação concernente ao PL 1700/2011, de autoria do Dep. Silas Câmara (PSC/AM), que pretende alterar a Lei nº6.938, de 31 de agosto de 1981, que "dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências", para estabelecer que os riscos sísmicos sejam considerados no âmbito do licenciamento ambiental. O Instituto dos Advogados Brasileiros - IAB através do Despacho 161 proferido em 7.7.2011, recebeu a citada Indicação encaminhando-a para a Comissão de Direito Ambiental, por meio da SE-1506/2011. O Projeto de Lei de que trata a Indicação foi arquivado, entretanto em 4 de fevereiro do ano em curso, o despacho exarado no REQ-5/2015 determinou o desarquivamento, e em atendimento ao requerimento apresentado pelo ilustre Sr. Rogério Rosso, o Plenário, em 22 de março próximo passado, determinou urgência para a apreciação. Nesse passo, na qualidade de Presidente da Comissão de Direito Ambiental, assumi a relatoria da Indicação, passando a apreciar a matéria com vistas a elaborar Parecer, cujas razões fáticas e legais foram aprovadas no âmbito da Comissão de Direito Ambiental, o que na forma regimental encontra-se maduro para sustentação em Plenário, que na forma regimental definirá o destino das conclusões alcançadas pela relatora e aprovadas pela referida Comissão temática. 2. A motivação disposta na justificação apresentada pelo legislador: O autor do Projeto de Lei anota na peça de justificação que acompanha a proposta legislativa, que a inspiração reside no desastre da usina nuclear de Fukushima, no Japão, que segundo o deputado, demonstra de forma inequívoca, a importância de análises tecnicamente consistentes. Considera que o licenciamento será apoiado nos dados disponibilizados pelas universidades públicas, e que regulamento estabeleça as hipóteses de inexigibilidade de análise dos riscos sísmicos. 3. O Parecer. Ab initio vale ressaltar 2 (dois) pontos essenciais para as conclusões que serão apresentadas no presente Parecer, quais sejam: (i) A proposição refere-se à inclusão dos riscos sísmicos no âmbito do licenciamento ambiental, mas o faz por meio da Lei Quadro do Licenciamento Ambiental. 2 (ii) Risco sísmico consiste no risco de abalo sísmico, risco de tremor de terra, risco de terremoto, não se confundindo com atividade sísmica, relacionada a pesquisa sísmica, tratando-se de temas distintos, conforme será demonstrado no desenvolvimento do Parecer. Dado à natureza multidisciplinar das questões ambientais, a construção do presente Parecer requer sejam deslocadas para cotejo, algumas informações de natureza técnica. É o que passamos a fazer, quando pontuaremos a definição de ação sísmica e de atividade sísmica. 3.1. Notas introdutórias relativas ao estudo da sísmica: Os estudos da sísmica, objeto do Projeto de Lei, são realizados pela geofísica, cuja definição pode ser conferida pela Sociedade Brasileira de Geofísica – SBGf. Vejamos: ‘Geofísica é o estudo da Terra usando medidas físicas tomadas na sua superfície. Nem sempre é fácil estabelecer uma fronteira entre Geologia e Geofísica. A diferença fica, primariamente, no tipo de dados com os quais se manipula. A Geologia envolve o estudo da Terra através de observações diretas de rochas que estão expostas na superfície ou de amostras retiradas de poços perfurados com esta finalidade e a conseqüente dedução de sua estrutura, composição e história geológica pela análise de tais observações. A Geofísica, por outro lado, envolve o estudo daquelas partes profundas da Terra que não podemos ver através de observações diretas, medindo suas propriedades físicas com instrumentos sofisticados e apropriados, geralmente colocados na superfície. Também inclui a interpretação dessas medidas para se obter informações úteis sobre a estrutura e sobre a composição daquelas zonas inacessíveis de grandes profundidades. A distinção entre estas duas linhas de ciências da Terra não é muito bem percebida. Perfis de Poços, por exemplo, são largamente usados em estudos geológicos, embora eles apresentem resultados meramente obtidos em observações instrumentais. O termo "Geofísica de Poço" geralmente é usado para designar tais medições. De uma maneira geral, a Geofísica fornece as ferramentas para o estudo da estrutura e composição do interior da Terra. Quase tudo o que conhecemos 3 sobre a Terra, abaixo de limitadas profundidades que os poços e as minas subterrâneas atingem, provém de observações geofísicas. A existência e as propriedades da crosta terrestre, do manto e do núcleo foram basicamente determinadas através de observações das ondas sísmicas geradas por terremotos, assim como por medições das propriedades gravitacionais, magnéticas e térmicas da Terra. Muitas das ferramentas e técnicas desenvolvidas para tais estudos têm sido usadas na exploração de hidrocarbonetos e de minérios. Ao mesmo tempo, os métodos geofísicos usados nas aplicações de prospecção têm sido aplicados em pesquisas mais acadêmicas sobre a natureza do interior da Terra.’1 (g.n.) A citada Sociedade de Geofísica - SBGf 2 elenca as principais categorias de métodos geofísicos usados para prospecção e pesquisa: Gravitacional 3 ; Magnético 4 ; Elétricos 5 ; Resistividades 6 ; Potencial espontâneo 7 ; Polarização induzida 8 ; Magnetotelurico 9 ; Bletromagnetico10; Radioativo11; Perfilagem de poços12 e finalmente o Sísmicos, que consistem 1 http://www.sbgf.org.br/geofisica/geofisica.html http://www.sbgf.org.br/geofisica/geofisica.html 3 Mede as variações do campo gravitacional terrestre provocadas por corpos rochosos dentro da crosta até poucos quilômetros de profundidade. Estas variações são influenciadas pelas diferentes densidades das rochas, tendo as mais densas, maior influência no campo gravitacional. A figura abaixo serve para ilustrar a variação deste campo gravitacional: um mesmo corpo (massa constante) mostrará pesos diferentes para diferentes locais, se as rochas subjacentes tiverem densidades diferentes, o que normalmente acontecerá. Entretanto, estas variações são de uma magnitude muito pequena, podendo apenas serem quantificadas por aparelhos especiais, denominados gravímetros. 4 Este método mede as variações do campo magnético da Terra, atribuídas a variações na estrutura da crosta ou na susceptibilidade magnética de certas rochas próximo à superfície. Emprega-se este método na prospecção de materiais magnéticos, como minérios de ferro, principalmente a magnetita. 5 Os métodos elétricos fazem uso de uma grande variedade de técnicas, cada uma baseada nas diferentes propriedades elétricas e características dos materiais que compõem a crosta terrestre. 6 Este método fornece informações sobre corpos rochosos que tenham condutividade elétrica anômala. É empregado pela engenharia para estudos de salinidade de lençóis de água subterrânea. 7 É usado para detectar a presença de certos minerais que reagem com eletrólitos na subsuperfície de maneira a gerar potenciais eletroquímicos. Um corpo de sulfeto oxidado mais no seu topo do que na sua base dará origem a tais correntes elétricas, que são detectadas na superfície com o auxilio de eletrodos e galvanômetros. 8 Fornece leituras diagnósticas onde existem trocas iônicas na superfície de grãos metálicos, tal como acontece em sulfitos. 2 9 Usa correntes naturais no interior da Terra e as anomalias são procuradas quando da passagem destas correntes através dos materiais. É bastante empregado na Rússia no mapeamento de bacias sedimentares no início de uma prospecção para petróleo. 10 Como o nome sugere, este método baseia-se na propagação de campos eletromagnéticos de baixas freqüências que variam ao longo do tempo, de dentro para fora e de fora para dentro da Terra. Este método é mais comumente usado na prospecção mineral. 11 Este método baseia-se nas propriedades radioativas de certos minérios (minerais de urânio são bons exemplos). Através de aparelhos especiais (contadores geiger e cintilômetros) estes minérios podem ser detectados a partir da superfície da Terra. 12 Os perfis de poços são usados principalmente na prospecção de petróleo e de água subterrânea. Eles têm sempre como objetivo principal, a determinação da profundidade e a estimativa do volume da jazida de hidrocarboneto ou do aquífero. Para fazer uma perfilagem em um poço, são usadas diversas ferramentas (sensores) acopladas a sofisticados aparelhos eletrônicos. Estes sensores são introduzidos poço adentro, registrando, a cada profundidade, as diversas informações relativas às características físicas das rochas e dos fluidos em seus insterstícios (poros). As ferramentas utilizam diversas características e propriedades das rochas, que podem ser elétricas, nucleares ou acústicas. Com os sensores elétricos, detecta-se, por exemplo, 4 em métodos que baseiam-se na emissão de ondas sísmicas artificiais em sub-superfície ou no mar (geradas por explosivos, ar comprimido, queda de pesos ou vibradores), captando-se os seus "ecos" depois de percorrerem determinada distância para o interior da crosta terrestre, serem refletidas e refratadas nas suas descontinuidades e então retornando à superfície. Segundo a SBGf, os métodos sísmicos são agrupados em 2 (dois) eixos, quais sejam: (i) Reflexão: Neste método, observa-se o comportamento das ondas sísmicas, após penetrarem na crosta, serem refletidas em contatos de duas camadas de diferentes propriedades elásticas e retornarem à superfície, sendo, então, detectadas por sensores (geofones ou hidrofones). É o principal método usado na prospecção de hidocarbonetos (petróleo e gás) por fornecerem detalhes da estrutura da crosta, bem como de propriedades físicas das camadas que a compõem; (ii) Refração: Aqui as ondas sísmicas propagam-se em sub-superfície e viajam a grandes distâncias, sendo após captadas por sensores (geofones). As informações obtidas por este método geralmente são de áreas em grande escala, trazendo informações pouco detalhadas das regiões abaixo da superfície, situadas entre o ponto de detonação e o ponto de captação. Após a breve digressão acerca das observações geofísicas, que nos fazem conhecer as camadas internas da Terra, localizadas aquém da camada visualizada através de poços e de minas subterrâneas, seguimos com o intuído de estabelecer a diferença entre ação sísmica e atividade de pesquisa sísmica. 3.2. Notas quanto a atividade de pesquisa de dados sísmicos: O método sísmico consiste na geração de energia, que se propaga sob a forma de ondas acústicas na crosta terrestre. O objetivo de aquisição de dados sísmicos é conhecer e mapear as estruturas geológicas de superfície do fundo do mar, baseadas nas propriedades físicas das rochas. Tal método tem a finalidade de identificar as estruturas geológicas que possam conter a resistividade das rochas e a identificação das mesmas se dá através de comparações dos valores obtidos na perfilagem com os valores das resistividades de diversas rochas conhecidas e determinadas em testes de laboratório. Com os sensores nucleares, detecta-se a intensidade de radioatividade das rochas e dos fluidos em seus poros, podendo-se inferir a composição mineralógica das mesmas. Com as ferramentas acústicas, ultra-sons são emitidos em uma ponta da ferramenta a intervalos regulares e detectados em sensores na outra ponta. O tempo que o sinal sonoro levou para percorrer esta distância fixa e conhecida (chamado de tempo de trânsito) através da parede do poço (ou seja, pela rocha) é medido e gravado no perfil. O geofísico, mais tarde, compara estes tempos de trânsito com os tempos determinados em laboratório para rochas de composições conhecidas, inferindo, desta maneira, as composições mineralógicas das rochas atravessadas pelo poço e determinando suas profundidades. 5 acumulações de óleo e/ou gás em condições e quantidades que permitam o seu aproveitamento econômico.13 É de se esclarecer que a pesquisa sísmica possui regulação desde 1994, através da Resolução Conama 23/94. Em 2011 foi editada a controversa Portaria Ibama 422/2011 que dispõe sobre os procedimentos para o licenciamento ambiental federal de atividades e empreendimentos de exploração e produção de petróleo e gás natural no ambiente marinho e em zona de transição terra-mar. A aludida Portaria do Ibama orienta a realização do Estudo Ambiental de Sísmica 14 e seu relatório - EAS/RIAS, sem prejuízo do EIA/RIMA, quando se tratar de pesquisas em profundidade entre 50 e 200 metros (Classe 2). No ambiente que estuda e fiscaliza as atividades de pesquisa sísmica, marcou-se importante avanço no país. A Informação Técnica ELPM IBAMA 12/2003, avalia os efeitos ambientais da atividade de prospecção sísmica, a partir e uma revisão bibliográfica sobre os impactos já conhecidos, considerando as modalidades do método sísmico e as características do pulso sonoro gerado pelos canhões de ar. O IBAMA fez uma compilação de impactos descritos na literatura, valendo citar a evasão de organismos marinhos de áreas biologicamente importantes para a reprodução, alimentação e desova; redução na captura de pescado e restrição de acesso aos pesqueiros. Como se vê, os impactos advindos da atividade sísmica são conhecidos e estão delineados, atendendo-se ao princípio da precaução. 3.3. Notas quanto a ação sísmica: A ação sísmica refere-se aos movimentos das placas tectônicas, ou tectônica de placas. Projetando uma melhor percepção quanto aos sismos, vale trazer à colação que a estrutura do planeta Terra é composta pelas seguintes camadas: núcleo (1/3 da massa da Terra é formado substancialmente pelos elementos ferro e níquel); manto (segunda camada, formada por minerais, como por ex. silício, ferro e magnésio) e crosta (módulo superficial constituído por granito na parte continental e basalto na parte oceânica). Os estudos disponibilizados em cadernos diversos mostram que a litosfera (camada superficial da terra) é fragmentada em 13 Informação Técnica ELPM IBAMA 12/2003. 14 Documento elaborado pelo empreendedor que apresenta a avaliação dos impactos ambientais não significativos da atividade de pesquisa sísmica marítima nos ecossistemas marinho e costeiro (art 2, Inciso VIII, Portaria 422/2011 Ibama). 6 grandes e pequenas placas em movimento, assentando-se sobre uma camada estrutural volúvel, menos rígida. Para efeito de descomplexificação, considera-se uma placa como uma laje composta por rochas rígidas. As placas tectônicas podem ser concebidas como retalhos, embora rígidos, que formam uma colcha flutuante sobre o manto (segunda camada do globo) que possui consistência pastosa, proporcionando seu deslizamento. Além deste elemento propulsor da ação sísmica, os blocos são atingidos pelas novas placas formadas pelas lavas expelidas. Estes fenômenos desencadeiam a liberação de energia acumulada, provocando a ação sísmica, em especial nas zonas de divisa das placas. As placas em movimento ocasionam zonas de convergência dos blocos (colisão de placas) assim como zonas de divergência dos blocos (distanciamento das placas). Estes movimentos causam efeitos, dentre eles, os terremotos. Bem de ver que os processos mecânicos dos movimentos tectônicos causam a deformação da litosfera, construindo novas estruturas, realocando os mares, as terras, criando novos vales e montanhas. As considerações acima dispostas mostram que a ação sísmica é assunto desconectado com a atividade de pesquisa de dados sísmicos, não obstante ambos serem portadores da potencialidade de causar abalos. 3.4. Notas quanto as estações sismológicas que monitoram a ocorrência de sismos no Brasil: De acordo com as análises de Aline Naoe, registradas no artigo Centro do IAG monitora atividades sísmica no Brasil (Ciências, USP OnLine Destaque), embora esteja bem no centro de uma placa tectônica, e por isso afastado dos atritos que geram os terremotos de grandes proporções, o Brasil também sente as consequências dos movimentos no interior da Terra – o caso recente na cidade de Montes Claros, em Minas Gerais, é um exemplo disso. Diariamente, os eventos sísmicos que acontecem em nosso território são registrados pelas 73 recéminstaladas estações que compõem a Rede Sismológica Brasileira (RSBR), formada pelo Observatório Nacional, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a Universidade de Brasília (UnB) e pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP.15 15 http://www5.usp.br/43382/atividade-sismica-no-brasil-e-monitorada-em-centro-do-iag/ 7 Aline Naoe descreve a rotina dos técnicos em sismologia do Centro de Sismologia do IAG – USP, enfatizando que sinais anômalos podem fazer correspondência com a explosão de uma pedreira ou mesmo com um simples tremor de um caminhão passando por uma estrada próxima da estação sismológica. Vejamos: ‘O Centro recebe, em tempo real, os dados de toda a Rede Sismológica Brasileira, que são exibidos em um painel e processados por sistema automático. Quando o sistema identifica um sinal anômalo, a estação que registrou o sismo fica na cor vermelha e começa a piscar. “Mas para realmente conseguir localizar um terremoto, ele deve ser registrado em várias estações. O que parece ser um sismo pode ser, na verdade, um caminhão passando em uma estrada próxima a estação ou mesmo, uma explosão de pedreira”, esclarece o geofísico. Para o sistema emitir um alerta, é necessário que várias estações registrem o mesmo sinal anômalo, de forma progressiva com a distância do evento até cada estação. Os tremores induzidos, causados por ação humana, também geram ondas, mas elas têm menores magnitudes e atingem poucas estações. A rotina dos técnicos de sismologia do Centro envolve, principalmente, garantir que os dados cheguem ao centro em tempo real para possibilitar as leituras e revisões dos registros obtidos. Nas leituras, são conferidas e marcadas, por exemplo, as ondas primárias e secundárias liberadas com a ocorrência de um terremoto, e que permitem estimar a localização do epicentro, ou seja, o ponto que originou o tremor. Essas informações alimentam o catálogo sísmico brasileiro divulgado e mantido pelo Centro, que apresenta o histórico de eventos sísmicos do país. Foto: Marcos Santos / USP Imagens Sismômetro é instalado nas estações para medir as vibrações do solo 8 O acompanhamento destes eventos revela que há regiões no território brasileiro onde é mais frequente a ocorrência de terremotos. Isso permitiu ao professor Marcelo Assumpção, coordenador do Centro e professor que introduziu a sismologia no IAG, a elaboração de uma hipótese que associa a quantidade de sismos em uma determinada região com a espessura da litosfera (camada rígida mais externa da Terra). Segundo Marcelo Bianchi, não há perspectivas de prever terremotos, mas conhecendo melhor a estrutura da terra e a distribuição de terremotos ao longo do tempo, é possível afirmar com mais segurança quais zonas têm mais chance de sofrer abalos, ainda que não se saiba quando eles podem acontecer. Um dos projetos atuais do Centro é justamente compreender melhor uma das regiões do país, a bacia do Pantanal-Chaco, próxima à Bacia do Paraná, investigando como é a estrutura interna da Terra neste local. A região foi escolhida pois resultados de pesquisa anteriores indicam um possível afinamento na crosta terrestre e na litosfera nessa região, que pode estar associado à sismicidade apresentada ao longo dos anos. Para confirmar a hipótese, pretendese fazer um adensamento temporário de estações sismográficas na região durante o período de estudos.’ 16 O Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo mantém a parte Sul e Sudeste (correspondente ao projeto BRASIS) da Rede Sismográfica Brasileira em conjunto com outros experimentos sismológicos temporários e mesmo conduz estudos regionais de sismicidade. O Centro é responsável pela aquisição, curadoria e disseminação dos dados de forma de onda das redes sismográficas de códigos internacionais BL e BR e a partir destes dados atualiza e distribui o Boletim Sísmico Brasileiro (BSB) e seus sub-produtos.17 A estações sismográficas, situadas nas regiões sul, sudeste e norte do país, num lapso temporal de aproximadamente 30 segundos, transmitem os dados para o Centro de Sismologia. Parte dos dados armazenados são abertos ao público. 16 17 http://www5.usp.br/43382/atividade-sismica-no-brasil-e-monitorada-em-centro-do-iag/ http://www.moho.iag.usp.br/rq/ 9 3.5. O Licenciamento Ambiental.18 A Lei 6.938/81 consagrou a racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar ao tornar obrigatório em todo o país, o licenciamento ambiental e a revisão das atividades efetiva ou potencialmente poluidoras (art.9°, IV), alicerçados nos planos de zoneamento e no controle prévio do uso dos recursos naturais, e na fiscalização da operação das atividades. Com efeito, com o advento do citado diploma, algumas atividades e empreendimentos com potencial de causar impacto ambiental acima do limite da tolerabilidade do ecossistema, ficaram sujeitos ao poder de polícia preventivo, que deve ser exercido pelo ente competente que tem a atribuição de exigir o licenciamento. Assim, o licenciamento já instituído em alguns Estados 19 , foi uniformizado e tornou-se obrigatório, em todo o território nacional, para a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental (art.10). A Resolução CONAMA 237/97 funciona como uma cartilha para o licenciamento, valendo registrar as etapas do processo: (i) definição dos documentos, projetos e estudos ambientais; (ii) requerimento da licença instruído com documentos, projetos e estudos ambientais; (iii) análise do processo e realização de vistorias técnicas; (iv) solicitação de esclarecimentos e complementações; (v) realização de audiência pública, quando couber; (vi) solicitação de esclarecimentos e complementações decorrentes de audiências públicas; (vii) emissão de parecer técnico conclusivo e, quando couber, parecer jurídico; (viii) deferimento ou indeferimento do pedido de licença (art.10). Todas as etapas norteadas pela publicidade, com vistas a atender ao direito à informação. O procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, é pautado nas disposições legais e regulamentares e nas normas técnicas aplicáveis ao caso (art.1º, I, Res. CONAMA 237/97), não cabendo à Lei 6.938/81 que estabelece a licença como um dos instrumentos da 18 Procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso (art.1º, I, Res. CONAMA 237/97). 19 No Estado do Rio de Janeiro o licenciamento ambiental foi instituído pelo art.8o do Decreto 134/1975, que assim dispõe: Art. 8º - As pessoas físicas ou jurídicas, inclusive as entidades da administração indireta estadual e municipal que vierem a se instalar no território do Estado, cujas atividades industriais, comerciais, agropecuárias, domésticas, públicas, recreativas e outras, possam ser causadoras de poluição, ficam obrigadas a, sob pena de responsabilidade: I – submeterem à aprovação da FEEMA, anteriormente à sua construção ou implantação, os projetos, planos e dados característicos relacionados à poluição ambiental; II – prévia autorização da CECA para operação ou funcionamento de suas instalações ou atividades que, real ou potencialmente se relacionem com a poluição ambiental. 10 política nacional de meio ambiente, determinar as atividades sujeitas ao licenciamento, nem entabular quais as exigências técnicas que devem ser impostas. 3.6. A proposta de exigibilidade de análise sísmica através da Lei 6.938/81: A proposição é no sentido de introduzir no texto da Lei 6.938/81, a exigibilidade de que os riscos sísmicos sejam considerados no âmbito do licenciamento ambiental. Faltou ao legislador a percepção de que a imposição do estudo da ação sísmica consiste num desdobramento do licenciamento ambiental, ferramenta prevista na Lei 6.938/81, e este tipo de exigência não se ajusta ao corpo da citada Lei, por se tratar de uma Lei Quadro, o que não comporta o projeto do legislador. Note-se, por oportuno, que na norma em tela, não há qualquer elenco discriminativo de atividades a serem licenciadas e nem os pontos que devem ser objeto dos estudos. Notadamente, tal detalhamento quanto às modalidades de estudos necessários para a concessão da Licença Ambiental é arranjado em normas administrativas editadas pelo próprio órgão licenciador, sem prejuízo de normas advindas do Conama e outras fontes extraordinárias, mas jamais no corpo da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente. Vale dizer, as exigências relativas à diversidade dos estudos que devem ser impostas pelo órgão ambiental no curso do processo de licenciamento, melhor situam-se em normas administrativas. A despeito de divergências doutrinarias quanto à possibilidade de delegação de competência, cumpre destacar que a Lei 6.938/81 indica a competência do Conama para estabelecer tais regramentos o que afasta o desenho idealizado pelo ilustre autor do Projeto de Lei em exame. Cabe salientar que o indicativo da necessidade de cuidados especiais reativos à ação sísmica é a propensão à ação sísmica na localidade, e isso está desenhado na Norma NBR 15421 (ABNT), que faz um mapeamento das zonas passíveis dos tectônicos das placas, cuidando de dispensar a análise sísmica para as zonas que sofrem acelerações insignificantes, assim como estabelece análise dinâmica simplificada. Conforme se verifica no texto da NBR 15421 o Brasil possui 5 (cinco) zonas sísmicas e 6 (seis) classes de solo, utilizando-se como régua, a velocidade de onda do cisalhamento e o quantitativo de golpes. O rigor da norma quanto ao empreendimento é diretamente vinculado ao tipo de zona sísmica, à classificação do terreno, categoria de ocupação e configuração 11 estrutural. A categoria de utilização das estruturas define-se pelo grau de ocupação do prédio, como exemplo da categoria de suma importância aponta-se o hospital. Ressalte-se que um dos objetivos da citada norma, criada em 2006, consiste em ‘estabelecer requisitos de projeto para estruturas civis, visando a preservação de vidas humanas, a redução de danos esperados em edificações e a manutenção de operacionalidade de edificações críticas durante e após um evento sísmico.’ Nesse passo, com vistas a alcançar a finalidade proposta, estabelece regramento quanto aos projetos de estruturas resistentes a sismos e disponibiliza diretrizes que disponibilizam distintos métodos de cálculo que se enquadrem ao caso concreto. Considerando todo o exposto, o estudo, quando necessário, deve ser realizado mediante determinação proveniente do órgão licenciador, pelo poder discricionário na condução do licenciamento. Bem de ver que o Direito Ambiental embora nascido no Direito Administrativo, libertouse e adquiriu força de tamanha envergadura que impõe a releitura dos direitos tradicionais. A licença ambiental, cuja nomenclatura apropriada é autorização ambiental, tem natureza composta, por ora o poder é vinculado e por ora discricionário, cabendo marcar que a discricionariedade advém da maestria da expertise dos técnicos que conduzem o licenciamento. Evidentemente, as determinações emanadas pelo viés do poder discricionário devem ser norteadas por fundamentos técnicos, observando-se o amplo contraditório. Neste modelo, aplica-se o poder discricionário no processo de licenciamento, determinando-se as análises técnicas relacionadas ao tipo de empreendimento e às características da área do projeto. A conclusão: A narrativa da justificativa apresentada pelo ilustre autor do Projeto de Lei baseia-se no acidente da Central Nuclear de Fukushima, em 2011, causado pelo derretimento de seis reatores nucleares em decorrência de um tsunami provocado por um terremoto de magnitude 9,0. Como se depreende, o legislador trata como igual os movimentos das placas tectônicas sitiadas no Japão e no Brasil, sendo que naquele país a incidência dos movimentos das placas é amplamente constatada enquanto no Brasil a ocorrência é em escala reduzida. Sem embargo da existência de sismicidade no Brasil, conquanto de discreta repercussão, a configuração aspirada pelo autor do Projeto de Lei, não pode ser depositada no corpo da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, porquanto trata-se de uma Lei Quadro, o que significa 12 dizer que não comporta esta camada de particularidade, que deve ser disciplinada em outro ambiente normativo, voltado para o estabelecimento de normas e critérios técnicos para o licenciamento. É neste ambiente técnico que deve ser definida a necessidade de estudos da ação sísmica, valendo marcar que a ABNT, por meio na Norma Técnica NBR 15421, disponibiliza diretrizes, e indica zonas propensas a abalos sísmicos, cabendo ao órgão ambiental, no exercício do poder discricionário, impor os estudos da ação sísmica como condição para o licenciamento ambiental. Diante as razões fáticas e legais acima aduzidas, entendemos pela rejeição do Projeto de Lei 1700/2011. Rio de Janeiro, 10 de maio de 2016 Vanusa Murta Agrelli Presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros 13