A SOCIEDADE DE GEOGRAFIA E O CONCEITO ESTRATÉGICO NACIONAL ADRIANO MOREIRA Presidente do Instituto de Altos Estudos da Academia das Ciências de Lisboa Professor Emérito da Universidade Técnica de Lisboa Antes de me debruçar sobre a presença secular da Sociedade de Geografia na vida portuguesa, quero insistir na tese de que os Lusíadas de Luís de Camões formularem, em vésperas de uma crise nacional que marcou para sempre o nosso povo, um conceito estratégico nacional, e também europeu. Ocupei-me pela primeira vez deste tema na apaixonante Manaus amazónica, quando fui recebido na sua Universidade, como Doutor H. C., no ano longínquo de 1972, já em vésperas do fim do Império Euromundista, cujo ponto final foi o 25 de Abril de 1974. Segundo Gomes Eanes de Azuzara, na Crónica da tomada de Ceuta por El Rei D. João I, foi no verdadeiro Conselho de Estado em que o Rei se reuniu com a Ínclita Geração dos altos infantes, que “foi resolvido o primeiro passo de um projeto que, na fala do Velho do Restelo, poderia ter ficado continental ainda, porque simplesmente marroquino”.1 Foi neste projeto que apaixonadamente alinhou o poeta, “escrevendo o mais glorioso dos manifestos para a mais espetacular gesta do Ocidente cristão… Lançando a mais solene das alegações no processo do desígnio nacional”.2 Nesse poema definiu a ambição de uma unidade europeia, sendo o Reino Lusitano “cabeça da Europa Toda”.3 Não foi demorada, no tempo longo da história, depois da India que a nova geração veria cair das mãos portugueses no século passado, para que Alcácer Quibir (1578), pela mão de um inocente elevado às responsabilidades de reinar, marcasse para sempre a maneira de ser portuguesa. De facto, são numerosos, e não apenas de estrangeiros, os comentários e diagnósticos, sempre de crítica compassiva ou desdenhosa, a respeito do carater do povo responsável pela mediação demorada até chegar ao globalismo, ou à mais humana conclusão da terra morada comum dos homens, e dignidade igual de todas as culturas, religiões, povos, e simplesmente seres humanos. O douto Jorge Dias, que tanto honrou a ciência portuguesa, esta casa, a Universidade de Coimbra e a hoje de Lisboa, escreveu que “o Português, é sobretudo, profundamente humano, sensível, amoroso e bondoso, sem ser fraco. Não gosta de fazer sofrer e evita conflitos, mas ferido no seu orgulho, pode ser violento e cruel”, ensinando ainda que o elemento unificador deste peso de múltiplas misturas étnicas, foi o Oceano Atlântico. 1 Adriano Moreira, Da Utopia à Fronteira da Pobreza, INCM, Lisboa, 2011, pg. 23. Idem, pg. 23 (a) Canto III – XX. 3 Idem, pg. 23 (a) Canto III – XX. 2 2 Ainda recentemente, o amigo de Portugal e dos portugueses, Barry Hatton, num livro traduzido para português neste ano, vai colecionando, ao lado de comentários de visitantes estrangeiros, que em regra estimam o clima, mas não louvam os habitantes, sentenças de intelectuais nacionais que o ajuízam do povo como que para comprovar que o olhar das coisas, muda as coisas. Alinha Teixeira de Pascoaes, D. Pedro V, o padre Vieira, e até Fernando Pessoa que terá escrito que Portugal era, no seu tempo, “um pingo de tinta seca da mão que escreveu Império”.4 Não é invulgar que o Fado sirva de testemunha da falta de vigor perante o infortúnio, fazendo avultar debilidades cívicas, discurso a que não faltam acompanhamentos de comentários de estadistas, alguns, como João Franco nas memórias sobrantes de um governo infeliz, pensando que a medida necessária, mas não tentada, seria mudar de povo, não de regime, de costumes das forças políticas, dos efeitos causados pelas estruturas governativas extrativas e não inclusivas, como o credo dos valores aconselha. Pela linha de estímulo que se encontra no livro recente do anúncio do Cardeal Manuel Clemente sobre A Nova Evangelização, podemos admitir que os juízos depreciativos tenham melhor visão em D. Pedro V, quando, no século XIX, que o citado autor lembra, escreveu que Portugal era “uma sociedade desmoralizada pelas memórias da grandeza do seu passado e pela visão de sua perda”. De facto, é surpreendente que um Rei vencido tenha sido transformado, com o sebastianismo, em esperança 4 Barry Hatton, Os Portugueses, Clube do Autor, Lisboa, 2013, passim. 3 de um futuro restaurado dos sofrimentos sofridos nesta terra que, como disse o Cardeal, “nos calhou ou em que encalhámos”. Talvez seja de pensar se não é ainda o luto não terminado pela morte do jovem Rei, e com ela da grandeza que, repetidamente, a evolução do mercado teimou em demonstrar que excedia a capacidade dos dirigentes, da estrutura política, dos sacrifícios impostos, e dos excessivos impostos. Talvez o primeiro escritor que chamou lucidamente a atenção responsável por este facto, tenha sido Almeida Garrett, que enunciou o tema de Portugal na Balança da Europa, uma condição que evoluiu, em nossos dias, para Portugal no Globalismo mal sabido, e com o nível do bem comum modestamente medido e subordinado a querelas secundárias que esquecem que uma das principais causas da pobreza das Nações tem origem na estrutura política extrativa. Justamente a Sociedade de Geografia surge num clima internacional em que avulta o Ultimatum de 1890, um golpe violento da balança da Europa, isto é, do alinhamento dos poderes dominantes no Mundo em mudança. Foi justamente o sentido patriótico, que animou o grupo de portugueses lúcidos, que não se perderam a meditar no pessimismo de Queiroz, na imagem de terra de suicidas como pareceu a Unamuno, mas que anteciparam o movimento internacional, que procuraram mobilizar o povo e não minimizar o povo, chamando o saber e o saber fazer a colocar um ponto final no luto pela morte de D. Sebastião. É de notar que a fundação da Sociedade de Geografia, em 1875, antecedeu o 4 ultimatum de 1890, porque os fundadores acompanhavam o movimento que na época multiplicou sociedades congéneres, conscientes de que o saber é uma componente da soberania, indispensável para salvaguardar os interesses nacionais. Nos Estatutos, ainda em vigor, afirma-se “o estudo e a consulta dos meios de melhorar, aproveitar e desenvolver as forças e recursos naturais e económicos de Portugal, e, especialmente dos seus domínios ultramarinos”. Conviria, num corolário deste preceito, lembrar especialmente o nome de Luciano Cordeiro, nascido na transmontana cidade de Mirandela, que foi morada dos Távoras, e viveu entre 1844-1900. Companheiro de Teófilo Braga e de Pinheiro Chagas, apercebeu-se da conjuntura internacional em mudança, e da ameaça aos interesses coloniais portugueses, em vista do movimento das potências, especialmente da incómoda aliada que foi a Inglaterra. É nas suas mãos que, nessa data, se levanta com maior firmeza a bandeira do conceito estratégico ultramarino português. Sem a sua obra não haveria o movimento nacional que militarmente teve o seu símbolo em Mouzinho de Albuquerque, mas nele estava o saber, o poder da voz contra a voz dos poderes que contrariavam os interesses portugueses. Devemos lembrar algumas das suas obras escritas: Primeira Exposição Portuguesa no Rio de Janeiro (1879), Emigração – Relatório e Projeto de Regulamento (1883), Exploração do Cunene (1877), Cours Colonial Portugais (1878), devendo-se à Agência Geral das Colónias a publicação, em 5 1935-36, dos três volumes sobre Questões Histórico-Coloniais, e a Cordeiro de Sousa o estudo sobre Luciano Cordeiro, de 1936, assim como a Joaquim Bensaúde o longo estudo, de 1927, sobre a sua obra. Nesta data de celebração não vale a pena perder tempo com as agressões que realmente sofreram os interesses portugueses, nem ela marca o sofrimento suicida que atingiu o herói Militar de África que foi Mouzinho, mas também o desiludido Antero, crente de que “a alma moderna morreu dentro de nós”, acusando a Igreja de ter gerado “imbecis obedientes”. Nem o primeiro optou por ter na outra mão “a pena”, nem o segundo compreendeu que não era razoável atribuir ao povo os “vícios da governação”, uma das principais causas da pobreza das nações. A Sociedade de Geografia sustentou uma filosofia diferente, quer mobilizando o saber, quer enriquecendo o sentido nacional, que nunca se recebe a beneficio de inventário, estimulando os estudos pelas suas múltiplas secções, criando as semanas do Ultramar devotadas à relação do passado vivido com o futuro a construir, enriquecendo a sua biblioteca, a cartografia, o museu, destacando a homenagem devida aos que aqui receberam o respeito e agradecimento pelo civismo da vida, documentando no valioso Boletim as suas atividades cientificas e culturais, nos domínios da história, da antropologia, da arqueologia, da geografia, sempre presidida e servida gratuitamente por uma longa série de dirigentes e colaboradores que vai tentando salvar do esquecimento. Mas se a fundação da Sociedade de Geografia antecipou, 6 pelo saber, a época de sofrimentos que incluiu o ultimatum, a mudança de regime que foi precedida do assassinato de D. Carlos, procurando mobilizar o saber fazer com a Escola Colonial que evoluiria para o atual Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, também foi pelo saber que antecipou o fim do colonialismo ocidental, e principalmente Euromundista, com os dois Congressos das Comunidades Portuguesas, o primeiro de 1964, decorrendo em Lisboa, Guimarães e Coimbra, o segundo de 1966, a bordo do Infante D. Henrique, na rota de Vasco da Gama para a Índia, partindo do então Lourenço Marques até Nacala, reunindo representantes das nossas comunidades ao redor da terra, e com a participação de respeitados e autorizados representantes de todas elas: foi na Ilha de Moçambique, numa cerimónia impressionante que pela primeira vez flutuaram juntas as bandeiras de Portugal e Brasil, sendo o ministro da educação do Brasil que proclamou: “acabamos de dar o primeiro passo da pátria maior”. A CPLP, como sempre reconheceu o Embaixador José Aparecido de Oliveira, brasileiro e verdadeiro dinamizador do aparecimento da organização, encontra ali a sua pedra fundadora, assim como o Instituto Internacional da Língua Portuguesa o teve na então fundada, pela Sociedade de Geografia que a alberga, Academia Internacional da Cultura Portuguesa. Porque é uma casa onde se sabe que não se constroem casas sobre água nem crescem as árvores sem raízes, não seriamos fieis às raízes se não nos inquietássemos com a 7 nova mudança da conjuntura mundial, com o globalismo de estrutura mal conhecida, com a crise mundial financeira e económica que ressuscitou na Europa o Limes Romano, ficando sem conceito estratégico e sem saber se teremos uma Alemanha europeia ou uma Europa alemã, abrangidos pela área europeia da pobreza, sofrendo um protetorado que deu por acabado no ano findo mas sem ter apagado os “passos na areia” de que falava o Professor Craveiro Lopes. E por tudo isto justificadamente inquietos com a deriva em curso da CPLP, com o enfraquecimento do atlantismo que salvou a Europa na guerra de 1939-1945, e com as ambições que crescem contra o direito nacional à sua plataforma continental, em perigo que acumula a decisão da Comissão Europeia de definir um “Mar europeu”, e com a paixão súbita do governo espanhol pelo que está marcado pelo que chama rochedos e são parte do Arquipélago da Madeira. O espirito da geração de Luciano Cordeiro não morreu nesta casa, e por isso celebrou a fundação do que foi a sua principal obra, a Sociedade de Geografia, voltando a assumir responsabilidades na busca de um futuro com dignidade igual e esperança entre as Nações, atendendo à realidade dos novos tempos, mas sabendo que as árvores não crescem sem raízes. Vamos continuar a cuidar da árvore. Sociedade de Geografia de Lisboa 28/01/2015 8