COMETAS

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COMETAS
Oscar Toshiaki Matsuura
Professor associado aposentado do Depto. de Astronomia do IAG/USP
[email protected]
Qual é a aparência de um cometa no céu?
Um cometa vistoso a olho nu não é muito comum. Mas também não é tão raro que uma pessoa
não possa ver alguns em sua vida. Quando surge, podemos distinguir a olho nu uma região
central mais brilhante chamada núcleo fotométrico (Figura 1). Ao seu redor se forma uma
extensa nuvem aproximadamente esférica, com centenas de milhares de quilômetros, chamada
coma ou cabeleira1 . A coma, por sua vez, se alonga formando as caudas. Há uma cauda
mais larga, mais difusa e com tendência a se curvar, e outra mais delgada, mais estruturada
e geralmente mais retilínea. A primeira é constituída de finos grãos de poeira. A segunda
de moléculas e átomos do gás exalado pelo próprio cometa, ionizado depois pela radiação
ultravioleta do Sol.
A Figura 2 ilustra a constatação feita pelo astrônomo alemão Petrus Apianus (1495-1552) em
1532, que as caudas dos cometas apontam sistematicamente para a direção anti-solar, ou seja,
as caudas jazem de um modo geral no prolongamento da reta que une o Sol ao cometa.
Em quê consistem os cometas?
Cometas são bolas de gelo sujo, de forma irregular, medindo cerca de 10 km (Figura 3). Em
relação aos demais astros do universo, inclusive ao nosso planeta, são objetos muito pequenos.
Essas bolas de gelo sujo constituem o núcleo físico dos cometas. Embora o núcleo físico guarde
uma relação posicional com o núcleo fotométrico, ambos não devem ser confundidos. Cometas
têm sido observados por nossos ancestrais desde a mais remota antigüidade. Mas a teoria
correta sobre a sua natureza só foi estabelecida em meados do século XX. As várias sondas
espaciais enviadas para abordar o cometa Halley em 1986 confirmaram pela primeira vez essa
teoria.
O gelo do cometa em sua maior parte é de água comum (H2 O), mas inclui também hidratos de
substâncias tais como o metano (CH4 ), o dióxido de carbono (CO2 ) e a amônia (NH3 ). A “su1
O nome cometa deriva de coma e significa astro cabeludo.
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Figura 1 – Nesta imagem do cometa Mrkos (1957) são indicadas as principais
partes morfológicas de um cometa típico: núcleo fotométrico, coma, cauda gasosa e cauda de poeira
Figura 2 – Observando um cometa em 1532 Apianus constatou que a cauda dos
cometas aponta na direção anti-solar. Astronomicum Caesareum (1540)
jeira” misturada ao gelo consiste em finos grãos de poeira e fragmentos de variados tamanhos
de matéria rochosa. Quando um cometa se aproxima do Sol menos que cerca de 5 UA (Júpiter
se encontra a 5,2 UA), devido ao aquecimento pela radiação solar os gelos, por serem voláteis,
começam a sublimar (passam do estado sólido para o estado gasoso). Um fluxo de gás começa
então a escapar. Sendo muito pequenos, os cometas não têm atração gravitacional suficiente
para reter o gás vaporizado. Portanto toda a matéria presente na coma (e nas caudas) é matéria
do cometa que será irremediavelmente perdida para o espaço interplanetário.
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Figura 3 – A sonda espacial Giotto, da Agência Espacial Européia, passou a
cerca de apenas 800 km do núcleo do cometa Halley e colheu esta imagem que
confirmou, pela primeira vez, que cometas são bolas de gelo sujo. As estruturas
mais claras são jatos de gás ejetados por áreas ativas do núcleo.
Enquanto os gelos são voláteis, a “sujeira” é refratária e permanece no estado sólido. Mas os
grãos de poeira e os fragmentos sólidos passam a ser arrastados pelo gás, tanto mais facilmente
quanto menor for o seu tamanho e massa. Por isso a coma também contém poeira.Cometas
só desenvolvem coma e caudas quando se aproximam do Sol. Sendo 1 UA a distância média
do nosso planeta ao Sol, temos a oportunidade de observar esses fenômenos. Longe do Sol
os cometas são meras bolas de gelo sujo que aí têm conseguido hibernar desde a formação do
Sistema Solar há 4,6 bilhões de anos.
O que acabamos de descrever explica a formação de comas, mas não explica a formação das
caudas. Então vem a propósito a seguinte pergunta:
Porque os cometas têm caudas?
Os minúsculos grãos de poeira que formam a cauda de poeira podem ser tão pequenos quanto o
décimo do mícron (0,1 µm). Além da atração gravitacional do Sol que atua sobre esses grãos, a
radiação solar composta na maior parte de fótons de luz visível também atua sobre eles, porém
no sentido oposto, empurrando-os. Imaginemos para simplificar que os grãos sejam esféricos.
Para grãos de uma dada composição química, a força de atração gravitacional é proporcional
à massa do grão ou ao cubo do seu raio. Já a força exercida pela radiação é proporcional à
área que intercepta o fluxo de radiação ou ao quadrado do raio do grão. Dividindo a força da
radiação pela força gravitacional obteremos o inverso do raio, ou seja, uma razão que cresce à
medida que o raio diminui. Portanto, para grãos de uma determinada composição, há um raio
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crítico abaixo do qual eles são mais repelidos para longe do Sol pela radiação, do que atraídos
pela gravidade. É nesse regime que se encontram os grãos da cauda de um cometa.Os gases
vaporizados pelos cometas são inicialmente grandes moléculas das mais variadas composições
químicas. No espaço interplanetário a radiação solar tem componente ultravioleta que provoca
a dissociação, ou seja, a fragmentação das moléculas tornando-as cada vez menores até reduzilas a átomos e radicais. A mesma radiação pode ainda ionizar os átomos, moléculas e radicais.
Inicialmente cada átomo ou molécula é eletricamente neutro, ou seja, possui igual número
de cargas positivas e negativas. A ionização remove um elétron (carga negativa) ou mais,
dando origem a elétrons livres com cargas negativas. Ao mesmo tempo o átomo ou molécula,
agora desprovido daquele(s) elétron(s), acaba ficando com igual número de carga(s) positiva(s)
excedente(s), transformando-se em íon. Diferentemente do ar que respiramos que, na maior
parte é formado de moléculas eletricamente neutras, o gás presente nas partes mais externas da
coma tende a ser ionizado.
O detalhe importante é que um gás ionizado é sensível ao campo magnético. Nas proximidades
do cometa há um campo magnético de origem solar trazido pelo vento solar2 . A cauda de gás
do cometa consiste em moléculas de gás cometário que, por terem sido ionizadas, “aderem” ao
campo magnético do vento solar, de cujo escoamento passam a compartilhar.
Como são as órbitas dos cometas?
Uma das primeiras aplicações da teoria universal da gravitação foi feita pelo próprio Newton em
Principia Mathematica ao cometa de 1680 usando a aproximação de órbita parabólica. Desde
então, as observações de cometas e a determinação de suas órbitas têm sido feitas de forma
sistemática. Somente se considera identificado um cometa quando a sua órbita é conhecida.
Não basta a mera descrição da forma, tamanho, cor etc. Dentre os 810 cometas compilados na
edição de 1989 do Catalogue of Cometary Orbits, 655 (81%) são de longo período (período
orbital > 200 anos) e 155 (19%) de curto período (período orbital < 200 anos). Esse critério de
classificação é um tanto quanto arbitrário, mas cometas com período < 200 anos são aqueles
cujo retorno pôde estatisticamente ser observado ao menos uma vez.
O histograma do semi-eixo maior a dos cometas de longo período apresenta um pronunciado
pico em a ⇡ 50 mil UA. Para essa mesma população de cometas, a função de distribuição da
inclinação orbital é senoidal, indicando que as órbitas não se confinam ao plano da eclíptica,
mas têm orientações quaisquer no espaço. Já os cometas de curto período têm órbitas com
afélios associados a Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, sugerindo captura gravitacional por esses
planetas. Suas órbitas geralmente jazem na eclíptica ou perto dela.
De onde vêm os cometas?
Com base nas características orbitais acima descritas, admite-se que a maioria dos cometas de
longo período esteja hibernada numa concha esférica ao redor do Sistema Solar, com raio interno de 50 mil UA e externo de 100 mil UA. Essa concha chamada Nuvem de Oort3 (Figura
4), conteria estimativamente 10 bilhões de cometas. Considerando que 1 AL = 63.200 UA, um
cometa na Nuvem de Oort já se encontra a uma fração considerável da distância do Sol à estrela
mais próxima (4,3 AL), distância essa que não difere muito da distância média entre as estrelas
2
Vento solar é o gás quente e ionizado da atmosfera solar (coroa) que escapa continuamente do Sol e flui pelo
meio interplanetário. Ele varre a Terra e os demais planetas.
3
O astrônomo holandês Jan Hendrik Oort (1900-92) propôs em 1950 a hipótese dessa Nuvem que leva o seu
nome.
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Figura 4 – Representação esquemática da Nuvem de Oort e do Cinturão de Kuiper.
da nossa Galáxia. Assim sendo, um cometa da Nuvem de Oort estaria sujeito a perturbações
gravitacionais de estrelas vizinhas e poderia ser ocasionalmente arremessado para o interior
do sistema solar (assim como para o exterior). Os cometas de longo período observados da
Terra em órbitas altamente excêntricas seriam aqueles arremessados para o interior do sistema
solar.Até 1980 pensava-se que os cometas de curto período também provinham da Nuvem de
Oort. No entanto o número desses cometas excedia de longe a quantidade predita por cálculo
pelo processo de captura deles por algum planeta. Os cálculos indicaram também que os cometas da Nuvem de Oort tendem a manter suas inclinações originais, mesmo depois de terem
seus períodos encurtados. Foi então sugerido que os cometas de curto período (sobretudo com
período orbital < 20 anos) proviriam de um anel chamado Cinturão de Kuiper4 (Figura 4) alojado no plano da eclíptica, com a borda interna além de Netuno, por volta de 35 UA, e a externa
a cerca de 50 UA (a distância heliocêntrica média de Netuno é 30 UA e a de Plutão 39,4 UA).
Assemelhando-se ao anel dos asteróides como fonte de meteoróides, esse Cinturão seria uma
fonte de cometas de curto período quando seus objetos, depois de perturbados ocasionalmente
por planetas gigantes, seriam levados a cruzar a órbita de Netuno e a se aproximar às vezes
desse planeta para serem, ou expulsos do sistema solar, ou capturados em órbitas menores. O
Cinturão todo deve abrigar cerca de 10 trilhões de cometas.
As observações têm confirmado a hipótese do Cinturão de Kuiper, pois já foram descobertos
nele cerca de mil objetos com diâmetro da ordem de centenas de quilômetros. Plutão, seu
satélite Caronte e o satélite Tritão de Netuno seriam os objetos de maior porte desse Cinturão.
Onde e quando se formaram os cometas?
Os cometas da Nuvem de Oort não podem ter se formado onde se encontram, pois lá a densidade de matéria na Nebulosa Solar Primitiva seria demasiadamente baixa para possibilitar
isso. A formação deve ter ocorrido concomitantemente à formação do Sistema Solar em regiões mais internas da Nebulosa Solar Primitiva, provavelmente entre as órbitas de Urano e de
Netuno. Daí os cometas teriam sido rapidamente expulsos para a Nuvem de Oort, ou pelo relaxamento da atração gravitacional do Sol após a fase T Tauri, caracterizada por expressiva perda
de massa pelo Sol ao ingressar na Seqüência Principal, ou por perturbação gravitacional cau4
Gerard Peter Kuiper (1905-1973), de origem holandesa, pioneiro da astronomia planetária e de infravermelho
nos Estados Unidos.
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Figura 5 – Árvores derrubadas numa única direção perto do local do evento de
Tunguska segundo fotografia tirada em 1927.
sada por Urano e/ou Netuno.Já os cometas de curto período podem ter se formado no próprio
Cinturão de Kuiper. Devido à baixa densidade aí, a matéria da Nebulosa Solar Primitiva não se
agregou formando um grande planeta, mas muitos objetos com cerca de centena de quilômetros
que puderam permanecer em órbitas relativamente estáveis. Contudo, perturbações seculares
de planetas gigantes e ressonâncias devidas a Netuno podem ter transformado o Cinturão de
Kuiper numa fonte de cometas de curto período.
Podem os cometas colidir com a Terra e outros corpos do sistema solar?
Sim. Mesmo hoje isso pode acontecer. Mas a probabilidade de colisão com a Terra é extremamente baixa e, felizmente, tanto menor quanto maior for o cometa e a conseqüente magnitude
da catástrofe. A probabilidade de colisão com um objeto de 10 km é estimada em um evento a
cada 100 milhões de anos. A cratera resultante teria cerca de 100 km de diâmetro. Uma colisão
como essa teria ocorrido há 65 milhões de anos causando a extinção dos dinossauros e de mais
da metade das espécies vivas então existentes. As mesmas colisões que hoje podem ser letais,
foram mais intensas até cerca de 3,9 bilhões de anos atrás, como atestam as crateras lunares.
Paradoxalmente elas também podem ter sido vitais para o surgimento da vida na Terra!
Na manhã de 30 de junho de 1908 passageiros do trem trans-siberiano observaram uma bola
brilhante de luz riscando o céu e deixando atrás um rastro de fumaça. Antes tinham ouvido um
estrondo que foi percebido num raio de mil quilômetros. Houve um abalo sísmico e perturbação
no magnetismo terrestre. Do local da queda (Figura 5) subiu fumaça até uns 20 km de altura.
Até na Inglaterra as primeiras horas da noite ficaram claras durante várias semanas por causa da
poeira que se dispersou na atmosfera. Só 20 anos depois o local foi visitado por uma expedição
de cientistas. Acredita-se que um objeto de natureza cometária, não asteroidal, com cerca
de apenas 40 m teria explodido antes de chegar ao solo. Um objeto dessas dimensões tem a
probabilidade de colidir com a Terra uma vez a cada mil anos.
Cometas rasantes ao Sol e colidindo com ele foram observados várias vezes. Em 1995 o Observatório Solar SOHO foi lançado pela NASA e ESA para pesquisas solares. Como subproduto
de sua missão científica, completada nominalmente em 1998, realizou a façanha de descobrir
nada menos que mil cometas em 7 anos bem próximos ao Sol. Muitos cometas rasantes ao
Sol têm órbitas similares e correspondem a pedaços de um mesmo cometa maior que sofreu
fragmentação por efeito de maré quando se aproximou antes do Sol. Em julho de 1994 foi
observada a seqüência de colisões de fragmentos do cometa Shoemaker-Levy 9 (Figura 6) com
Júpiter. Esse cometa já tinha passado perto de Júpiter em 1992 quando se fragmentou por forças
de maré.
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Figura 6 – Fragmentos do Cometa Shoemaker-Levy 9 antes de colidirem com
Júpiter.
Figura 7 – Chuva de meteoros Leônida em 2002.
Há alguma relação entre estrelas cadentes e cometas?
Primeiro devemos esclarecer o que é uma estrela cadente. Ao pé-da-letra quer dizer estrela que
está caindo. De fato, o fenômeno se parece com isso, contudo não envolve nenhuma estrela. A
estrela cadente consiste naquele efêmero risco de luz que ocorre no céu durante a penetração
na atmosfera da Terra de pequenos fragmentos cósmicos a alta velocidade. A maioria dos
fragmentos tem em geral cerca de 1 mm. Cada dia cai na Terra cerca de 100 toneladas de
matéria cósmica dessa natureza. A designação técnica de estrela cadente é meteoro.
Há dois tipos de meteoros: os esporádicos e as chuvas de meteoros (Figura 7). Nas chuvas, se
desenharmos o prolongamento de vários riscos luminosos no céu, notaremos que todos convergem num ponto de onde parecem provir. Esse ponto no céu é chamado radiante. Os radiantes
em geral recebem nomes associados à constelação onde ocorrem. Por exemplo, Oriônida ocorre
em Orion, Leônida em Leão e assim por diante. Os riscos brilhantes são paralelos e a convergência do radiante é um efeito de perspectiva. A chuva é devida a fragmentos deixados por
cometas ao longo de suas órbitas que cruzam a órbita da Terra. Quando a Terra em seu movimento anual cruza uma dessas órbitas, ocorre a chuva de meteoros. Por isso a mesma chuva
costuma se repetir mais ou menos na mesma época do ano quando a Terra passa de novo pelo
mesmo ponto de sua órbita.
Os meteoros esporádicos provavelmente fizeram parte de uma chuva no passado que, com o
tempo, se desintegrou.
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Portanto os meteoros têm associação com os cometas, embora alguns possam estar relacionados
com asteróides.
Cometas emitem raios X?
O telescópio espacial ROSAT detectou em 1996 raios X emitidos por vários cometas quando
eles se encontravam a menos de 3 UA do Sol. Isso foi surpreendente, pois essas emissões
estão associadas aos eventos mais violentos do universo ou a gases extremamente quentes, com
temperaturas da ordem de bilhões K. Não é o caso de gases produzidos por cometas.
Nos últimos anos o telescópio espacial Swift de raios X, lançado em 2005, confirmou essas
emissões. Elas são produzidas quando íons energéticos do vento solar capturam elétrons de
átomos neutros do cometa. Esse processo é denominado troca de carga.
Porque é importante estudar os cometas?
Na aula sobre “Vida Extraterrestre” argumentamos que cometas devem ser cometesimais remanescentes da formação do sistema solar. Cometesimais e planetesimais são objetos quilométricos que se formaram, a partir do gás e poeira da Nebulosa Solar Primitiva, no disco
protoplanetário num estágio da formação dos planetas e satélites. Os cometesimais teriam mais
substâncias voláteis em sua composição e os planetesimais, mais substâncias refratárias. Os
cometesimais que não foram incorporados nos planetas gasosos e sobraram, seriam os atuais
cometas. Os planetesimais que também não foram incorporados nos planetas rochosos seriam
os atuais asteróides.
Cometas são preciosas relíquias do sistema solar primitivo, pois, sua composição química e suas
propriedades físicas constituem registros praticamente intactos das condições que prevaleceram
na formação do sistema solar. Para isso concorrem dois fatos:
1. Cometas são objetos pequenos. Sua matéria não sofreu alterações induzidas por elevadas pressões e temperaturas vigentes no interior de objetos suficientemente grandes, tais
como, satélites, planetas, estrelas etc
2. Cometas hibernam a maior parte do tempo em locais bem distantes do Sol, protegidos do
aquecimento e da vaporização.
A análise em laboratório de grãos do cometa Wild 2 coletados em 2004 e trazidos à Terra em
2006 pela missão Stardust, revelou que eles foram formados a temperaturas surpreendentemente elevadas. Trata-se de matéria que sofreu intenso aquecimento e radiação nas proximidades do Sol ainda em seu primeiro milhão de anos de existência. Mas se os cometas se formaram
longe do Sol, essa descoberta impõe a necessidade de um eficiente processo de mistura em escala global na Nebulosa Solar Primitiva, algo que até agora não estava sendo cogitado pelos
cientistas. Mais recentemente essas pesquisas revelaram, pela primeira vez, a existência do
aminoácido glicina em um cometa. O excesso do isótopo C-13 corroborou que não se tratava
de contaminação terrestre. Isso sugere que um aminoácido fundamental para a vida na Terra
pode ter se formado fora da Terra e sido transportado para cá por cometas. A missão Rosetta,
da Agência Espacial Européia (ESA) foi lançada em 2004 e será a primeira a pousar na superfície de um cometa. O cometa alvo é o 67P/Churyumov-Gerasimenko cujo núcleo deverá ser
estudado em detalhe durante cerca de dois anos a partir de novembro de 2014.
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Uma das pesquisas mais importantes sobre os cometas consiste em conhecer detalhadamente
a sua composição química. Ela tem sido estudada classicamente através da espectroscopia do
gás da coma nas mais diferentes partes do espectro eletromagnético. Assim já sabemos que os
cometas contêm cianeto de metila (CH3 CN), cianeto de hidrogênio (HCN), metanol (CH3 OH),
formaldeído (HCHO), ácido fórmico (HCOOH), água (H2 O), carbono di- e triatômico (C2 , C3 ),
os radicais CN, OH, CH, NH2 , hidrogênio atômico etc. A espectroscopia do gás da cauda revela
a presença de CO+, CN+, H2 O+ etc. Mas todos esses compostos são na maioria subprodutos
dissociados de moléculas mais complexas. Daí a importância do envio de sondas para a coleta
in loco e análise da matéria original que compõe os cometas. Vários autores acham que a vida
na Terra, no nível molecular, começou no “mundo do RNA”. Esse mundo teria as ribozimas,
enzimas de RNA com capacidade catalítica de polimerizar RNA, atuando numa sopa de compostos orgânicos. São apenas 30 as biomoléculas requeridas pela vida e elas podem ter sido
trazidas para a Terra pelos cometas que devem ter bombardeado a Terra intensamente entre
4,1 e 3,9 bilhões de anos atrás. A análise química de amostras cometárias coletadas no espaço constitui a tarefa mais promissora para responder questões sobre a química prebiótica em
nosso planeta. Poderemos elucidar até que ponto os processos ocorridos na Nebulosa Primitiva
(aquecimento, colisões, radiação etc) alteraram os gases e os grãos interestelares originais.
SUGESTÕES DE LEITURA:
• Matsuura, Oscar T.: “Cometas: do Mito à Ciência”, Editora Ícone, São Paulo, 1985
• Matsuura, Oscar T.: “Bem-vindo, Halley”, Artigo de capa, Ciência Hoje, 4, 21, 1985
• Matsuura, Oscar T. e Picazzio, Enos: “O Sistema Solar”, Cap. 6, Astronomia, uma visão
do Universo, 103-134, Edusp, 2000
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