PSICOTERAPIA COGNITIVA-COMPORTAMENTAL INFANTIL Ediane Fagundes da Silva Estagiária de Psicologia Jeane Lessinger Borges Professora Orientadora Introdução Este texto descreve brevemente um atendimento psicológico realizado dentro da linha teórica da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), em um viés de atendimento clínico infantil. Na terapia cognitivo-comportamental com crianças, vários princípios estabelecidos com adultos ainda se aplicam, tais como empirismo colaborativo e a descoberta orientada, estrutura da sessão flexibilizada com estabelecimento de agenda e evocação de feedback, tarefas de casa que possibilitam a criança experimentar habilidades no contexto real, entre outros (Friedberg & McClure, 2004). No entanto, algumas diferenças imperam. A Terapia Cognitiva baseia-se em uma abordagem empírica, uma vez que as crianças aprendem com facilidade fazendo, e a ação torna a terapia mais estimulante. Associar habilidades de controle a ação concreta auxilia as crianças prestarem mais atenção, a lembrar e realizar o comportamento desejado (Friedberg & McClure, 2004). Ronen (1998, citado em Friedberg & McClure, 2004) menciona que o foco da TCC está no tratamento de crianças no interior de seu ambiente, família, escola e grupo de iguais, pois elas agem dentro destes sistemas. Para que haja efetividade no tratamento, o terapeuta deve trabalhar junto com os pais para que os mesmos auxiliem a criança em casa na mudança de seus comportamentos e do mesmo modo com a escola. O terapeuta deve avaliar as questões sistêmicas complexas que circundam os problemas das crianças, pois os mesmos podem reforçar ou extinguir habilidades. Neste sentido, Silvares (1998) propõe o modelo triádico, no qual três pessoas estão envolvidas no processo terapêutico, ou seja, entre o terapeuta e o paciente inclui-se o mediador (orientado pelo clínico), função esta desenvolvida, se no âmbito escolar pelo professor, se no âmbito familiar pelos pais. Este modelo compreende alguns pressupostos básicos, dentre eles dois são primordiais. O primeiro afirma que para ocorrer mudanças comportamentais significativas devem-se reforçar os comportamentos adequados. O segundo considera que para haver essas mudanças comportamentais, as operações ambientais devem ser realizadas por quem disponha dos reforçadores (mediador). Desta forma, para a intervenção o terapeuta deve levar em consideração a idade da criança e suas habilidades sócio cognitivas (linguagem, capacidade de tomada de perspectiva, raciocínio e habilidades de regulação verbal). Caso as exigências excedem a capacidade sócio cognitiva da criança ela poderá mostrar-se resistente à terapia (Friedberg & McClure, 2004). Apresentação do Caso O caso aqui descrito será nomeado de Davi. O caso fora acolhido no SERCEPS por outra estagiária do serviço e passado para mim, o qual prossegui o atendimento. Desta forma, levando em consideração os princípios éticos foram utilizados nomes fictícios para proteção da identidade do paciente e sua família. Atendimento Psicológico O atendimento psicológico de Davi, totalizou dezesseis sessões, em que, sete foram realizadas o processo avaliativo, uma de devolução deste, e oito foram realizadas a terapia propriamente dita. Na TCC infantil busca-se inicialmente realizar uma avaliação ou conceitualização do caso (Friedberg & McClure, 2004) com os pais e com a criança, com o intuito de a posteriori elaborar um plano de tratamento. A seguir serão descritas brevemente cada uma das sessões da conceitualização do caso. 1ª sessão: realizou-se inicialmente o rapport inicial com os pais de Davi e posteriormente, fora retomado questões pendente da entrevista de acolhimento. Por fim, fora estabelecido o contrato terapêutico. 2ª sessão: a mãe veio para atendimento e deu-se início ao processo avaliativo através da realização do genograma da família materna e na mesma ocasião investigou-se a história do casal (pais de Davi) e a avaliação conjugal dos mesmos. 3ª sessão: Davi veio para atendimento e realizou-se com o mesmo uma explanação do que se compreende da profissão do psicólogo e do seu fazer psi. Por fim, estabeleceu-se com o paciente o contrato terapêutico, regras que deveriam ser seguidas por Davi. 4ª sessão: nesta ocasião procurou-se investigar momentos marcantes da vida de Davi, o qual expõe seu ressentimento pela perda do bisavô materno. 5ª sessão: neste encontro, fora realizado com Davi atividades lúdicas com o intuito de permitir a ele um momento em que pudesse brincar com armas de brinquedo, as quais a mãe não permitia em casa. Neste meio tempo entrei em contato com a escola que Davi frequenta, para estar realizando uma visita e dialogando com a coordenadora pedagógica e com a professora responsável pelo Davi. Após o aceite da instituição e das envolvidas, me fiz presente ao local. Tanto a coordenadora pedagógica quanto a professora titular de Davi mostraram-se preocupadas com o comportamento do mesmo e quanto ao seu desempenho escolar. Este por sua vez, mostrou ter dificuldades de atenção e aprendizagem, apresentando alguns conflitos com colegas e desrespeitando as regras estabelecidas pela instituição. 6ª sessão: nesta, o pai se fez presente e foram tratadas questões referentes ao histórico familiar e conjugal através do genograma. 7ª sessão: aplicou-se em Davi o Teste de Figuras Progressivas Coloridas (Raven Infantil), com o intuito de avaliar o nível de inteligência em que este se encontra. Posteriormente, realizou-se com o paciente o desenho de sua família, no qual se explorou as relações entre os membros da mesma. O resultado do teste revelou que Davi se encontra acima da média, estando este de acordo com as observações realizadas no setting terapêutico. 8ª sessão: nesta data realizou-se a devolução do processo de avaliação inicial de Davi, sendo que os principais aspectos levantados foram: a) Davi apresenta nível intelectual acima da média para sua faixa etária; b) O mesmo tem vivenciado sentimentos de raiva que pode estar associado ao seu comportamento agressivo; c) Percebe-se que Davi possui uma imagem de si mais infantilizada do que deveria para sua idade, esta questão pode estar sendo reforçada pelo fato da mãe estar grávida; e d) Davi apresenta certa dificuldade em cumprir regras estabelecidas. Porém, fora dado frequência na avaliação concomitantemente ao atendimento, para analisar de forma mais específica questões referentes à desatenção, pois esta pode estar relacionada a um possível TDAH, a questões emocionais ou cognitivas. Estas hipóteses que podem estar justificando a desatenção de Davi serão avaliadas no decorrer da terapia. No final da avaliação foram realizadas combinações com a mãe sobre o manejo com o filho e indicoulhes psicoterapia para Davi. Os pais em conformidade continuaram a trazer Davi para o atendimento. Desta forma, das questões trabalhadas como situações-problemas, relatarei duas em especial para maior entendimento das técnicas utilizadas. Tratamento de situações problemas e técnicas utilizadas 1ªsessão Primeiramente, trabalhou-se com Davi a vinda do irmão e a visão que este possui de si mesmo, sendo esta infantilizada. Para isso fora utilizado um livro infantil de cunho terapêutico e solicitado em uma sessão anterior que a mãe trouxesse fotografias de Davi de quando este era bebê e, que realizasse como tarefa de casa uma diferenciação entre bebê x menino grande, se utilizando de fotografias de Davi. Desta forma, Friedberg e McClure (2004) mencionam que a sessão deve ser estruturada previamente, pois esta é a marca registrada da terapia cognitiva. Neste sentido, a estrutura da sessão inclui seis componentes centrais: o registro do humor, a revisão da tarefa de casa, o estabelecimento da agenda, o conteúdo da sessão, a atribuição da tarefa de casa e a evocação do feedback do cliente. A partir disso, deu-se início à sessão avaliando o humor de Davi durante a semana que havia se passado, para isso utilizou-se as “carinhas”, as quais expressam quatro tipos de humor: raiva, medo, felicidade e tristeza. Conforme Friedberg e McClure (2004), utilizar “carinhas” ou solicitar à criança que a desenhe são maneiras de acompanhar as alterações de humor da mesma. Desta forma a criança mostra-se envolvida nessa tarefa de automonitoração do próprio humor. Davi, através das carinhas, demonstrou ter sentido raiva devido situações de zombaria em sua escola, sentia-se menosprezado pelos colegas pela dificuldade que apresenta na leitura. Após está avaliação do humor, passou-se a revisar a tarefa de casa, o qual a mãe deveria mostrar a Davi a diferença entre ser bebê e ser menino grande, através das fotos, enfatizando as características corporais, atitudes e comportamentos, característico de cada idade. Pediu-se a ele e a mãe como fora realizar está tarefa, e como cada um se sentiu. Ambos relataram que fora prazeroso e que Davi através desta, pode compreender a diferença que há em ser bebê e um menino de sete anos. Com esta tarefa de casa objetivou-se alcançar mudanças cognitivas em Davi, que este possa ver-se, não mais como bebê, mas como um garoto de sete anos que já possui determinadas responsabilidades e é capaz de fazer muitas coisas sem necessitar do auxilio dos pais. Num terceiro momento, passou-se a estabelecer com Davi o que seria trabalhado durante esta sessão. Propôs-se a ele uma leitura conjunta, na qual, o assunto referia-se a entrada de um novo membro na família e como esta deveria organizar-se a partir disso e qual seria seu papel nesta nova configuração familiar. Neste sentido, a narração de histórias é utilizada como uma forma de reestruturação cognitiva. Lazarus (1984, citado em Friedberg e McClure, 2004) observou que esta insinua realidades psicológicas básicas. Para a abordagem da TCC, a narração de histórias enfatiza a resolução de problemas, a percepção de relacionamentos, as visões do ambiente e as auto-afirmações das crianças. Desta forma, focalizar os estados interiores dos personagens da história, como por exemplo, seus desejos, medos e motivações, revelam o mundo interior da criança (Kershaw, 1994; Trad & Raine, 1995; Friedberg e McClure, 2004). Davi mostrou-se interessado durante a narração da história e a todo o momento interagia dizendo que, quando seu irmão nascer, iria fazer o mesmo que o personagem da história, ou seja, ajudar nas atividades domésticas relacionadas ao bebê e cuidá-lo quando necessário. Após está leitura em conjunto, passamos a elaborar duas listas no quadro, a primeira se referia as coisas que um garoto de sete anos poderia fazer e saber versus a segunda que se referia as coisas que um bebê recém nascido poderia fazer e saber. Em seguida, tentei mostrá-lo que, ele como um garoto de sete anos era capaz de fazer e saber mais coisas que um bebê recém nascido, e que isso lhe colocava em vantagem, e lhe possibilitava ensinar ao menor, na medida em que este irá crescendo. Posterior a realização dessas técnicas passou-se a evocar o feedback do paciente, novamente utilizando as “carinhas” como ferramenta. Quando questionado, como estava se sentindo depois de havermos conversado sobre a vinda do irmão e realizado a diferenciação entre bebê e garoto maior, Davi mencionou estar se sentindo feliz. 2ª sessão Durante o processo avaliativo, uma das questões observadas, fora a dificuldade que Davi apresenta em cumprir regras e limites. Neste sentido, trabalhou-se com o mesmo através de um contrato terapêutico estabelecido entre mim e ele, o qual deveria cumprir as regras instituídas no setting terapêutico. Utilizou-se também, para auxiliar nesta mudança comportamental, um monitoramento/tarefa, o qual o pai estabeleceu, de forma conjunta com Davi, regras que este último deveria cumprir no âmbito familiar. Conforme Friedberg e McClure (2004) a tarefa de casa promove aquisição de habilidades e possibilita praticá-la no contexto do mundo real. Os autores mencionam ainda que esta deve ser prescrita e desenvolvida colaborativamente. Num primeiro momento, no início do tratamento estabeleci com Davi a regra de que, após brincarmos com os brinquedos ele deveria guardá-los, cada um no seu devido lugar. Desta forma, após trabalharmos o conteúdo da sessão e evocarmos o feedback, deixava-lhe dez minutos para guardar os brinquedos. Davi sempre demonstrava dificuldades em realizar esta tarefa, necessitava a todo o momento que eu dissesse para ele fazer e lhe estimulasse ajudando-o a guardar os brinquedos. Foram poucas as vezes em que ele guardou, sem que eu solicitasse várias vezes. A segunda tarefa realizada conjuntamente entre pai e filho fora um monitoramento, o qual fora elaborado no final de uma das sessões. Neste sentido, conforme Friedberg e McClure (2004) a psicoterapia infantil é impossível de se realizar sem trabalhar com os pais, pois os problemas das crianças ocorrem mais frequentemente fora da terapia do que nas sessões. E para modificar o ambiente de uma criança, os pais devem tornar-se capitães associados aos terapeutas. Primeiramente expliquei-lhes como seria a tarefa e depois elaboramos juntos a mesma. A tarefa consistia em, elencar regras ou atividades que Davi deveria cumprir cotidianamente em sua casa. As regras elencadas por Davi e seu pai foram: arrumar o quarto; ler meia hora por dia qualquer livro; escovar os dentes; fazer o tema. Após elencarmos, expliquei-lhes sobre a importância do reforço e solicitei ao pai que quando Davi cumprisse uma das regras ele deveria elogiá-lo e ao término da semana, se Davi cumprisse todos os dias todas as regras ele poderia escolher alguma coisa (carrinho, passeio com o pai, etc...). Caso a pontuação (a cada regra cumprida fora atribuído um ponto) fosse um pouco menor, Davi deveria escolher algo de menos valor (sorvete, balas, pirulitos). Neste sentido Friedberg e McClure (2004) mencionam que o reforço é para aumentar a freqüência de um comportamento desejado, também é considerado uma estratégia comportamental básica que geralmente produz resultados rápidos para aumentar comportamentos-alvos. O reforço pode ser, dar alguma coisa positiva (elogios, abraços, presentes) ou remover alguma coisa negativa, como ter que cumprir tarefas domésticas. No próximo encontro, o pai não pode sê fazer presente devido a compromissos no trabalho, contudo, revisou-se a tarefa com a mãe e Davi. Segundo a mãe, não houvera dificuldades em cumprir as demais regras, somente a que se referia à leitura, pois Davi não conseguia ler apenas soletrar. Mesmo assim, Davi não alcançara a pontuação necessária para ganhar alguma coisa, porém me prometera que na próxima semana faria tudo certinho para conseguir alcançar a pontuação desejada. O combinado era que o pai deveria acompanhar Davi na realização da tarefa, contudo, conforme a mãe, ela mesma auxiliara em determinados momentos, ou seja, não fora somente o pai. Desta forma, solicitei que continuassem com a tarefa e que nos próximos encontros iríamos conversar a respeito, entretanto, logo nascera Leo e a freqüência ao atendimento tornara-se escassa, inviabilizando assim uma nova revisão da tarefa. Avaliação do processo geral da terapia A partir do que fora trabalhado, levando em consideração que o tratamento não fora concluído, pode-se perceber mudanças cognitivas e comportamentais. A primeira está relacionada aos sentimentos de raiva, visto que o paciente não verbalizou mais no setting terapêutico sentir-se com raiva e, consequentemente percebeu-se, tanto por mim quanto pelos pais e professora, uma mudança comportamental, pois, por ele não sentir-se mais enraivecido, não agredira mais os colegas. Ou seja, o comportamento agressivo que Davi apresentava no início do atendimento não se observa mais. Quanto à chegada do bebê, Davi mostrou-se cuidadoso com este, esbanjando cuidados e carinhos (beijos). Segundo os pais, não se observou regresso no desenvolvimento de Davi em função do novo integrante da família. Nas últimas sessões, devido ao nascimento do bebê os pais faltaram algumas sessões, porém, dentro do possível procuraram comunicar previamente as faltas. Relativo ao relato de Maria, quando à perda de um bebe antes de gerar Davi, observa-se que em função desta perda a mãe superprotege Davi. Concernente ao monitoramento, que objetivava fazer com que Davi respeitasse os limites e tivesse uma rotina, não fora possível rever com o pai como fora a realização desta tarefa, pois, na data marcada para este vir ao atendimento com Davi, a mãe comparecera. Desta forma, não fora possível saber se realmente o pai se empenhara na realização do monitoramento e como fora realizá-lo. Após, o nascimento de Leo, e as consecutivas faltas, os pais compareceram ao atendimento, sem a presença de Davi e consideraram a possibilidade de interromper o atendimento por este ano e iniciar no próximo novamente. Está consideração surgiu após um episódio que ocorrera na escola de Davi. A professora deste não cantou parabéns no dia do seu aniversário, e isso lhe causou muito desgosto, pois nas datas do aniversário dos colegas o mesmo cantou juntamente com a turma. Este acontecido incomodara a mãe e esta resolvera que irá mudar Davi de escola, este quando comunicado, aceita prontamente. A mãe acredita não existir, por parte da professora uma aposta em seu filho. Desta forma, nada adianta trazêlo ao atendimento se esta não faz a sua parte, ou seja, a terapia está sendo em vão, por isso os pais resolvem interromper por ora e continuar ano que vem quando Davi iniciar na nova escola. Contudo, os pais não conseguem visualizar que, além de sua dificuldade em aprender a ler, Davi possui questões emocionais a serem trabalhadas e que sua terapia não se restringe apenas resolver as questões de aprendizagem. Ao contrário, no momento em que essas questões emocionais forem solucionadas há uma probabilidade de que Davi venha a apresentar mais facilidade no processo de aprendizagem. Nesta mesma sessão, marcou-se uma última para realizar um fechamento com Davi, no entanto, os pais não compareceram e não avisaram previamente. Após o inicio do ano letivo de 2012, entrou-se em conato com os pais para averiguar a possibilidade de Davi retornar ao atendimento, no entanto estes acharam por bem não trazêlo por enquanto. Referências Campos, G. W. S., Amaral, M. A. (2007). A clinica ampliada e compartilhada, a gestão democrática e redes de atenção como referenciais teóricos e operacionais para a reforma do hospital. Ciência e Saúde Coletiva 12 (4) 849-859. Friedberg, R. D. McClure, J. M. (2004). A prática clínica de Terapia Cognitiva com crianças e adolescentes. Porto Alegre: Artmed. Knapp, P. (2004). Terapia Cognitivo-Comportamental na Prática Psiquiátrica. Porto Alegre: Artmed. Silvares, M. E. F. M. (1998). Intervenção clínica e comportamental com crianças. In: Rangé, B.. Psicoterapia comportamental e Cognitiva: pesquisa, prática e aplicações e problemas. 2ª tiragem, São Paulo: Editorial Psy Ltda. Sheldon, A. (2010). Agora sou o irmão mais velho: uma história sobre o novo bebê na família. Porto Alegre: Artmed.