mais interno de maior altitude, que limita lagoas de maiores dimensões, e um externo, de altitude inferior. Os ecossistemas lênticos litorâneos possuem, de um modo geral, elevada produtividade orgânica, servindo como criadouros para peixes e crustáceos jovens (André et al., 1981; Moraes et al., 1994). Diversos estudos desenvolvidos tanto em regiões tropicais como temperadas têm demonstrado que a ictiofauna marinha é composta essencialmente por espécies que penetram no estuário como juvenis, permanecendo nas águas abrigadas até um período determinado de desenvolvimento (Chao et al., 1982; Yanez-Arancibia et al., 1980). Segundo Esteves (1988), tais ecossistemas necessitam ser conservados para que seus múltiplos usos (recreação, pesca, abastecimento) sejam garantidos. 3.2.5.1 Características Gerais das Lagunas Na região em estudo, verifica-se a existência de um sistema lagunar que compreende dois subsistemas, representados pelos conjuntos Jacarepaguá-Camorim-Tijuca e Lagoinha-Marapendi (do tupi mbará-pindi = mar limpo). Segadas-Vianna (1967) descreveu a origem destas lagunas como resultado do aprisionamento de água salgada por uma língua de areia, destacando ainda o processo de entulhamento como parte dos ciclos evolutivos destes sistemas, como resultado de sedimentos arenosos e do acúmulo de sedimentos arenosos ou argilosos que procedem dos cursos d’água que nelas deságuam. Estes sistemas encontram-se sobre uma planície formada pelo entulhamento de antiga enseada por sedimentos marinhos, como demonstrado por evidências geológicas e biológicas (cavidades roídas por equinoides na Pedra de Itanhangá, fosseis conchilíferos marinhos coletados a seis quilômetros do mar, sob camada de aluviões, etc..) (Lamego, 1974). De acordo com Correa (1936) e Araújo (1980), a laguna do Camorim (atual Jacarepaguá) era um sistema de água salobra, enquanto a Lagoa da Tijuca com suas margens cobertas com manguezal arbóreo, exibia predominantemente água salgada. A lagoa de Marapendi era um sistema dulcícola com características de lago costeiro. A cobertura nativa do entorno das lagoas eram as formações de mangue, campos inundados e matas paludiais. As principais espécies historicamente presentes nos manguezais são: o manguevermelho (Rhizophora mangle), mangue-branco (Laguncularia racemosa) e o mangue siriúba ou mangue-preto (Avicennia schaueriana) (Correa, 1936; Dansereau, 1947). A fauna associada ao manguezal consiste de dois grandes grupos: os que o habitam permanentemente, em todo o seu ciclo vital (como os moluscos e os crustáceos) e aqueles que freqüentam-no periodicamente, para abrigo, desova e alimentação na fase de crescimento (diversos peixes e mamíferos). Existem cerca de 67 espécies de peixes associadas a diversos manguezais da costa brasileira (Aveline, 1980). Atualmente, as lagunas do complexo lagunar da baixada de Jacarepaguá vêm sofrendo um acelerado processo de descaracterização, decorrente, em especial, da ocupação acelerada e, em muitos casos, irregular da Barra da Tijuca e de Jacarepaguá. Esta crescente ocupação do local vem agravando a intensidade de entrada de nutrientes nos sistemas lagunares provenientes de efluentes domésticos e industriais lançados, em sua maioria, sem tratamento em um complexo que possui baixa capacidade de metabolização e/ou remoção dos rejeitos. 32 Outros processos vêm contribuindo para a degradação destes ecossistemas, destacando-se aterros irregulares das margens e desmatamentos, que reduzem progressivamente a cobertura vegetal nativa; construções de canais de comunicação, que alteraram o regime salino da lagoa de Marapendi (atualmente mesohalina), extinguindo a ictiofauna nativa (“os peixes que encontrei nas minhas excursões na lagoa de Marapendi são os que habitam águas fluviais”, Correa, 1936) e dragagens mal dimensionadas. Quanto ao último aspecto, Moraes et al. (1994), reportaram que as dragagens realizadas na laguna de Jacarepaguá por empresas particulares acarretaram um aumento excessivo da profundidade, chegando a 10 metros em algumas áreas. Os sinais da degradação lagunar encontram-se bem documentados, tendo-se registrado eutrofização (Coelho e Fonseca, 1981), contaminação bacteriana (Zee et al., 1992), mortandade de peixes (Nehab e Barbosa, 1984; Coutinho, 1986; Andreata et al., 1992), proliferação de vetores e doenças (Nehab e Barbosa, op. cit.) e aumento da DBO (Coutinho, op. cit.). Em síntese, um quadro geral de péssima qualidade da água (Stranch et al., 1982). Moraes et al. (1994) ressalta a redução na mortandade de peixes nos últimos anos, relacionando o fato não a diminuição da poluição, mas sim a queda expressiva dos estoques populacionais da maior parte das espécies originalmente presentes. Durante as mortandades, a savelha (Brevoortia pectinata), por possuir hábito alimentar planctófago, é a espécie mais afetada, totalizando a maior quantidade coletada pela COMLURB (Moraes et al., op cit.). FEEMA (1990) relata que em 1989 foram realizadas visitas de caráter técnico às lagunas que integram o complexo lagunar da baixada de Jacarepaguá, para uma reavaliação das condições destes ecossistemas. Os principais problemas diagnosticados foram: − Degradação das áreas de proteção das lagunas, especialmente pelo lançamento de dejetos; − Assoreamento das lagoas, indicado pela formação de espigões e ilhas, impedindo o livre trânsito de pequenas embarcações e propiciando o acréscimo de áreas de propriedades particulares; − Construções com total desrespeito à faixa marginal de proteção, invadindo o espelho d’água; − Represamento dos rios poluídos, devido a grande quantidade de vegetação aquática; − Desenvolvimento de condições anoxibióticas, em virtude da alta concentração de esgoto e a presença de vegetação aquática em decomposição; − Liberação de gases tóxicos de odor desagradável; − Acréscimo de carga orgânica e nutrientes − Mortandade de peixes Apesar dos impactos sofridos por estes sistemas, permanece nos mesmos uma ictiofauna diversificada, quando comparada a outros sistemas lagunares e lacustres costeiros do Estado do Rio de Janeiro (Bizerril et al., 1995). Assim, reunindo os dados disponíveis, são contabilizadas 67 espécies como ocorrentes nas lagunas da baixada de Jacarepaguá, as quais encontram-se listadas no Quadro 3.4. 33 Quadro 3.4 – Ictiofauna das lagunas da baixada de Jacarepaguá ELOPIFORMES LAGOA DA TIJUCA LAGOA DE MARAPENDI LAGOA DE JACAREPAGUÁ X X - X X X X X X X X X X - - - X - - X - - X X X X X - X - X X X X X X X X X X - X - - X - - X - - X - - ELOPIDAE Elops saurus Linnaeus, 1766 CLUPEIDAE Brevoortia aurea (Spix, 1829) Sardinella brasiliensis (Steindachner, 1879) Anchoa januaria (Steindachner, 1879) A. tricolor (Agassiz, 1829) ERYTHRINIDAE Hoplias malabaricus (Bloch, 1794) ARIIDAE Genidens genidens (Valenciennes, 1839) PIMELODIDAE Rhamdia sp. Callichthys callichthys (Linnaeus, 1758) Hypostomus punctatus Valenciennes, 1840 GYMNOTIFORMES GYMNOTIDAE Gymnotus carapo Linnaeus, 1758 BELONIDAE Strongylura timucu (Wallbaum, 1792) POECILIIDAE Poecilia vivipara Schneider, 1801 P. reticulata Peters, 1854 Phallopthychus januarius (Hensel, 1868) Phalloceros caudimaculatus (Hensel, 1868) ANABLEPIDAE Jenynsia multidentata (Jenyns, 1842) ATHERINIDAE Xenomelaniris brasiliensis (Quoy e Gaimard, 1824) SYNGNATHIFORMES SYNGNATHIDAE Oostethus lineatus (Kaup, 1856) SYNBRANCHIDAE Synbranchus marmoratus Bloch, 1795 BATRACHOIDIFORMES BATRACHOIDIDADE Porichthys porosissimus (Valenciennes, 1837) DACTYLOPTERIDAE Dactyopterus volitans (Linnaeus, 1758) PERCIFORMES URANOSCOPIDAE Astroscopus ygraecum (Cuvier, 1829) Centropomus parallelus Poey, 1860 C. undecimalis (Bloch, 1792) CARANGIDAE Caranx bartholomei Cuvier, 1833 (continua) 34 (continuação, quadro 3.4) ELOPIFORMES Caranx latus Agassiz, 1831 Oligoplites saurus (Bloch e Schneider, 1801) Trachinotus carolinus (Linnaeus, 1758) T. falcatus (Linnaeus, 1758) Uraspis secunda (Poey, 1860) Diapterus olisosthomus (Goode e Bean, 1882) D. rhombeus (Cuvier, 1829) Gerres aprion (Baird e Girard, 1824) D. brasilianus (Cuvier, 1830) G. gula Quoy e Gaimard, 1824 G. lefroyi (Gunther, 1850) G. melanopterus Bleeker, 1863 Pomadasys croco Cuvier, 1830 Archosargus rhomboidalis (Linnaeus, 1758) A. probatocephualus (Walbaum, 1792) Diplodus argenteus (Valenciennes, 1830) Micropogonias furnieri (Desmarest, 1823) Paralonchurus brasiliensis (Steindachner, 1875) Bairdiella ronchus (Cuvier, 1830) LAGOA DA TIJUCA X X X X X X X X X X X X X X X X X X X LAGOA DE MARAPENDI X X X X X X X X X - LAGOA DE JACAREPAGUÁ X X X - X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X - X X X X X X X X X - X X X X X - X X X - - SYNGNATHIFORMES Chaetopterus faber (Broussonet, 1782) Mugil curema Valenciennes, 1836 M. liza Valenciennes, 1836 Tilapia rendalli Boulenger, 1896 Geophagus brasiliensis (Quoy e Gaimard, 1824) Dormitator maculatus (Bloch, 1790) Eleotris pisonis (Gmelin, 1789) Awaous tajasica (Lichtenstein, 1822) Bathygobius soporator (Valenciennes, 1837) Chriolepis vespa Hasting e Bortone, 1881 Gobionellus boleosoma (Jordan e Gilbert, 1882) G. oceanicus (Pallas, 1770) G. schufeldti (Jordan e Evermann, 1886) G. stomatus Starks, 1913 Micogobius meeki Evermann e Marsh, 1900 Hypleurochilus fissicornis (Quoy e Gaimard, 1824) PLEURONECTIFORMES Achirus lineatus (Linnaeus, 1758) Citharichthys cf. spilopterus Gunther, 1862 TETRAODONTIFORMES Catherine pullus (Ranzani, 1842) Monacanthus ciliatus (Mitchill, 1818) Sphoeroides greeleyi Gilbert, 1900 Fonte: Bizerril, 1996 35 Algumas espécies, presentes em todas as lagunas, caracterizam-se por utilizar os estuários como rotas de migração, como parte de suas estratégias reprodutivas e/ou alimentares. São exemplos os robalos (Centropomus parallelus, C. undecimalis), as taínhas (Mugil liza), os paratis (M. curema) e o bagre-urutu (Genidens genidens). Outras, por fecharem o ciclo de vida nas lagunas da região, foram classificados por Andreata et al. (1990b) como sendo estuarino residentes. Destes, os principais representantes são os peixe-reis (Xenomelaniris brasiliensis) e alguns Gobiidae (Gobionellus boleosoma, G. oceanicus). 3.2.5.2 Biota da Laguna da Tijuca A laguna da Tijuca é marcada por apresentar um regime mixomesohalino, de acordo com a classificação de Müler, 1977 (apud Schaeffer, 1985). Consiste no sistema lagunar que, dentro da baixada de Jacarepaguá, exibe a maior riqueza de espécies, sendo marcado pelo predomínio de formas marinhas sobre as demais categorias ecológicas consideradas (Figura 3.18). Marinho Estuarino residente Dulcícola Figura 3.18 – Representatividade de espécies marinhas, dulcícolas e estuarino - na laguna da Tijuca, RJ Dos táxons ocorrentes no local, o peixe rei (Xenomelaniris brasiliensis) e os barigudinhos (Poecilia vivipara, Jenynsia multidentata) destacam-se como sendo os mais abundantes, verificando-se nítida segregação de uso espacial influenciada pela salinidade. Assim, o peixe-rei é a espécie mais abundante nas áreas com maior influência salina, enquanto P. vivipara e J. multidentata predominam nas áreas com menor salinidade (Bizerril et al., 1991). Além de espécies de peixes marinhos e estuarinas, a laguna ainda mantém grupos como o siriazul (Callinects danae) e diversas formas de camarões. Na laguna da Tijuca, os estudos desenvolvidos por Andreata et al. (1990), reconheceram a existência de três grandes regiões ictiogeográficas dentro de seus limites, as quais encontram-se delimitadas na Figura 3.20. Tais unidades são definidas como: − Área 1 (T1) – Restrita ao canal da Joatinga, esta unidade é caracterizada por apresentar ictiofauna composta por elementos marinhos acessórios e acidentais, os quais encontram-se associados por espécies estuarino residentes (Xenomelaniris brasiliensis, Mugil liza, Gobionellus boleosoma), de ampla distribuição na laguna; 36 LEGENDA USODOSOLOECOBERTURA Au-ÁREAURBANA Ac-ÁREAURBANANÃOCONSOLIDADA Vp-VEGETAÇÃOEMPARQUEPÚBLICO SM-SOLOEXPOSTOEMINERAÇÕES Ca-CAMPOANTRÓPICO CP-CULTURAEPASTAGEM Ar-AFLORAMENTOROCHOSO F-FLORESTA Fa-FLORESTAALTERADA B-ÁREAÚMIDACOMVEGETAÇÃO A-APICUM M-VEGETAÇÃODEMANGUE J1 J3 R-VEGETAÇÃODERESTINGA J2 PA-PRAIAEAREAL T3 CONVENÇÕES FERROVIA LINHADEALTATENSÃO RIO / CANAL T2 AEROPORTO/AUTÓDROMO T1 RODOVIA CURVADENÍVEL(100m) RIOSSUBTERRÂNEOS LIMITEINTERMUNICIPAL ZONASBIOGEOGRÁFICAS J1 L.JACAREPAGUÁ-ZONA1 DOMÍNIOSOCEÂNICOS J2 L.JACAREPAGUÁ-ZONA2 DOMÍNIOESTUARINO ÁREADETRANSIÇÃO J3 L.JACAREPAGUÁ-ZONA3 L.TIJUCA-ZONA1 T1 ÁREADETRANSIÇÃO .TIJUCA-ZONA2 T2 LZONADECONTATO-ECÓTONE L.TIJUCA-ZONA3 T3 DOMÍNIODULCÍCOLA ÁREASDEMAIORIMPORTÂNCIAPARAA MANUTENÇÃO DABIODIVERSIDADE 650000 660000 670000 FIGURA3.19 - ZONAS BIOGEOGRÁFICAS DAS LAGUNAS Sondotécnica − Área 2 (T2) – Representa um trecho de transição entre um sistema eminentemente marinho (área 1) e um complexo com ictiofauna essencialmente lagunar (área 3); − Área 3 (T3) – Dentre as três áreas reconhecidas, a área 3 é caracterizada por exibir a menor diversidade biológica, possuindo suas ictiocenoses compostas essencialmente pelos grupos estuarinos residentes, associados as espécies dulcícolas eurihalinas (Poecilia vivipara, Phallopthychus januarius, Jenynsia multidentata, Geophagus brasiliensis). Destas áreas, a unidade 1 e 2 destacam-se por possuírem maiores níveis de integridade ambiental, refletindo a proximidade com o mar, que garante a renovação da água. Nestes locais, a presença de pessoas praticando a pesca esportiva com tarrafas é comum. O predomínio de espécies marinhas determina a dominância no local de táxons com baixa tolerância às intervenções antrópicas, como apresentado na Figura 3.20. Tais grupos concentram-se preferencialmente na área 1, com uma redução gradual que acompanha as diluições salinas no sentido A1-A3 25 20 15 10 5 0 Alta Média Baixa Figura 3.20 – Número de espécies nas diferentes categorias de tolerância as alterações ambientais da ictiofauna da laguna da Tijuca, RJ 3.2.5.3 Biota da Laguna de Jacarepaguá No estudo de Andreata et al. (1992), a laguna de Jacarepaguá foi caracterizada como um sistema com baixa concentração salina, com valores oscilando entre 1 e 8 ppm no período de dezembro/90 a fevereiro/91. Este aspecto explica a baixa riqueza de espécies, em um arranjo marcado pela presença predominante de espécies estuarino-residentes, como o peixe-rei (Xenomelaniris brasiliensis) e Dormitator maculatus, associados a táxons dulcícolas eurihalinos (Figura 3.21). Grupos de peixes marinhos são raros e pouco aprion), o bagre urutu (Genidens genidens), a (Sardinella brasiliensis). Em termos quantitativos, januarius, Jenynsia multidentata (Barrigudinhos), brasiliensis são as mais abundantes. 38 freqüentes, limitando-se ao carapicu (Gerres savelha (Brevoortia pectinata) e a sardinha as espécies Poecilia vivipara, Phallopthtychus X. brasiliensis, Tilapia rendalli e Geophagus M arinho D ulcícola Estuarino residente Figura 3.21 – Representatividade das espécies marinhas, dulcícolas e estuarino-residentes na laguna de Jacarepaguá, RJ As alterações sofridas por essa laguna, tanto no que se refere a mudança em seu regime salino como às alterações na qualidade da água derivadas do lançamento de efluentes domésticos e industriais exerceu forte pressões seletivas sobre a ictiofauna local. Observa-se atualmente o predomínio de espécies dotadas de altos limites de valência ecológica, cujos hábitos oportunistas viabilizaram a manutenção de estoques populacionais na área (Figura 3.22). São exemplos os Poeciliidae, Atherinidae, Cichlidae e grupos dulcícolas como os tamboatás (Callichthys calichthys) e mussuns (Synbranchus marmoratus), mais comuns nas porções interiores da laguna. 16 14 12 10 8 6 4 2 0 Alta Média Baixa Figura 3.22 – Número de espécies nas diferentes categorias de tolerância as alterações ambientais da ictiofauna da laguna de Jacarepaguá, RJ Associando-se os dados apresentados por Andreata et al (1992) e por Bizerril (1996) com as informações reunidas nas campanhas do presente estudo, é possível compartimentar a laguna de Jacarepaguá em três grandes unidades ictiofanísticas. Estas representam sistemas nos quais as condições ambientais encontram-se refletidas em uma baixa diversidade faunística, com predomínio de grupos estuarinos (área 1 - J1) ou dulcícolas (área 3- J3) e um setor que ainda concentra maior riqueza de espécies (área 2 - J2) (cf. Figura 3.19). 39 3.2.5.4 Biotas das Lagunas de Marapendi e Lagoinha A lagoa de Marapendi é uma laguna comprida (10 km de extensão), estreita (largura de 20 a 800 metros) e rasa, com peculiar morfologia em bolsões e estrangulamentos. A batimetria foi levantada através de sondagens pela SERLA em 1977, revelando profundidades médias de 1,5 metros (Cavalheira, 1993). Sobre este sistema, Lamego (1974) descreve que: “ (..) é evidentemente uma laguna de origem idêntica (...) a do Camorim. Igualmente formada por línguas de areia deixadas pelo mar em seu recuo, foram estas posteriormente cobertas por argilas trazidas pelos rios e córregos da serra extravasando em cheias periódicas (...).” De um sistema naturalmente dulcícola, a laguna de Marapendi exibe atualmente condições mesohalinas derivada da comunicação deste sistema com a laguna da Tijuca, pelo canal de Marapendi. O canal artificial foi aberto como medida preventiva para evitar a propagação do mosquito anofelino transmissor da febre amarela. Contudo, foi apenas na década de 50 que, com a retificação do Canal de Marapendi, a laguna tornou-se efetivamente salobra (FEEMA, 1978, 1984, apud. Cavalheira, 1993). Atualmente, o subsistema Lagoinha-Marapendi é influenciado pela maré somente no Canal de Marapendi e no primeiro terço da lagoa de Marapendi (Zee et al., 1991). Segundo Saleg-Filho (1986, apud Cavalheira, 1993), o fitoplancton do subsistema lagunar Lagoinha-Marapendi é dominado pela cianofícea Oscillatoria sp. Na porção central dominam as espécies Oscillatoria sp., Kephyrion sp. e Peridinium sp.; na porção leste as espécies Oscillatoria sp., Kephysion sp., Oxytoxum sp. e Peridinium sp.; e no Canal de Marapendi Oscillatoria sp., Kephysion sp., Nitzchia cloestrium e Peridinium. O zooplâncton tem maior abundância de grupos meroplanctônicos do que holoplanctônicos. Os primeiros possuem como grupos mais representativos os nauplios e cipris de Cirripedia e larvas de Decapoda. No holoplanctôn os mais abundantes são os copépodas e os rotíferos. O estudo disponível sobre a estrutura da ictiofauna deste sistema limita-se ao trabalho de Andreata et al (1990), conduzido em sua maior parte durante período no qual a comunicação entre os dois sistemas ainda era precária, realizada através de tubulões com diâmetro aproximado de cinco metros, o que condicionava penetrações muito lentas de água de salinidade mais elevada. Como resultado, foi verificada pequena participação de espécies caracteristicamente marinhas entre os táxons amostrados na laguna de Marapendi. Os autores destacam, contudo, que as amostragens complementares, realizadas após a retirada dos tubulões e da abertura dos canais, indicaram modificações expressivas na composição específica e nos padrões de abundância das principais espécies. Neste momento, foi constatada a penetração de juvenis de espécies marinhas antes pouco abundantes, como pampos (Carangidae) e manjubas (Engraulididae), as quais passaram a constituir componentes importantes, enquanto grupos dulcícolas, como o acará ou caraúna (Geophagus brasiliensis) sofreram reduções evidentes na abundância e tiveram a distribuição restrita às áreas menos salinas. Uma atualização preliminar deste aspecto, efetuada conjugando as informações de Bizerril (1996) com os dados reunidos em campo é apresentada na Figura 3.23. 40 Marinho Dulcícola Estuarino residente Figura 3.23 – Representatividade de espécies marinhas, dulcícolas e estuarino residentes na laguna de Marapendi, RJ Devido a precariedade de informações mais recentes sobre a laguna de Marapendi, é difícil precisar a atual estrutura e o funcionamento da fauna aquática local. Entrevistas com pescadores e amostragens pontuais revelaram que os paratis (Mugil curema), as savelhas (Brevoortia pectinata), os siris (Callinectes danae), o peixe-rei (Xenomelaniris brasiliensis), pitus (Palaemon pandaliformis) e os carapicus (Gerres aprion), figuram entre os peixes mais capturados. No que se refere a tolerância da ictiofauna local as alterações ambientais, verifica-se uma distribuição praticamente eqüitativa das diferentes categorias consideradas (Figura 3.24). Invariavelmente, espécies com baixa tolerância representam grupos marinhos (Brevoortia aurea, Trachinotus falcatus), para os quais a manutenção de eficientes sistemas de renovação da água mostra-se um aspecto essencial para a sua sobrevivência no sistema em questão. 14 12 10 8 6 4 2 0 Alta Média Baixa Figura 3.24 – Número de espécies nas diferentes categorias de tolerância às alterações ambientais da ictiofauna da laguna de Marapendi, RJ Zee et al. (1991, 1992, apud Cavalheira, 1993) identificaram três compartimentos bem característicos na laguna de Marapendi. O primeiro deles, representado pelo Canal de Marapendi, 41 é influenciado pelo regime de marés. O segundo inicia-se do final do canal de Marapendi e prolonga-se até o segundo estrangulamento de leste para oeste, entre dois bolsões, numa região bastante estreita e de pouca profundidade (cerca de 40 cm, com maré baixa), ainda sob influência de maré. O terceiro compartimento vai deste ponto até a extremidade oeste da laguna, onde localiza-se o Parque Municipal Ecológico, caracterizando-se pela inexistência de influência salina. Esta laguna destaca-se ainda, dentre as demais que integram o complexo lagunar da baixada de Jacarepaguá, como a que exibe melhores condições ambientais, favorecida pelas condições de salinidade e pela ausência de rios que poderiam carrear poluentes ao local. Assim, a sua porção oeste, onde bancos de Ruppia maritima são comuns, mostra-se bem preservada. Contudo, FEEMA (1990) ressalta ser razoável prever-se que o fenômeno de eutroficação poderá ocorrer, principalmente na face oeste, devido à baixa profundidade, no momento em que o volume de esgoto lançado na laguna atingir maiores proporções. Cavalheira (1993), analisando a macroinfauna bentônica da laguna verificou, neste segmento da biota local, sinais que indicam um grau acentuado de comprometimento por poluição orgânica. A Lagoinha apresenta uma reduzida dimensão, sendo precária a renovação de suas águas por meio do canal das Taxas, única via de contato com a laguna de Marapendi. Na atualidade, encontra-se parcialmente coberta por macrófitas, devido a elevada concentração de nutrientes trazidos pela rede de drenagem de águas pluviais. Como resultado há uma proliferação de macrófitas aquáticas como Eichhornia crassipes (aguapé), Thypha domingensis (taboa-do-brejo) e da pteridófita Acrostichum aureum (samambaia-do-brejo). Salienta-se que em determinadas condições de elevada temperatura e aporte de nutrientes, a reprodução da primeira espécie pode promover o inteiro recobrimento do espelho d’água desta pequena laguna. 3.2.5.5 A Pesca Lagunar A pesca artesanal existe em toda a zona costeira brasileira, do Amapá ao Rio Grande do Sul, e os pescadores envolvidos nesta atividade operam em áreas próximas da costa e em águas protegidas, baias e lagoas costeiras, que são comumente o criadouro para o camarão e outras espécies de pescado marinho (Barroso, 1989). Pescadores profissionais encontram-se comumente associados em colônias, cujo estabelecimento foi resultado da missão de nacionalização da pesca e da organização de seus serviços no litoral do Brasil, desenvolvido entre 1919 e 1926 pelo cruzador José Bonifácio, que percorreu a costa brasileira do cabo Orange ao canal do Chuí. Nesta época, os pescadores da baixada de Jacarepaguá foram reunidos na Colônia Z 14, distribuindo-se em pequenos portos que margeavam as lagoas da Tijuca e do Camorim. Possuíam ainda um núcleo na restinga de Jacarepaguá, onde podia-se verificar a presença de “várias casas de pescadores feitas de sopapo, entre as pitangueiras; à sombra destas, mesas e bancos para turistas e forasteiros que ali vão saborear sua matalotagem” (Correa, 1936). Originalmente, a pesca local era abundante, figurando entre as principais espécies capturadas a tainha (M. lisa), a corvina (Micropogonias furnieri), o robalo (Centropomus parallelus), a caraúna (Geophagus brasiliensis) e a traíra (Hoplias malabaricus). Entre os crustáceos, a coleta concentrava-se no caranguejo do mangue (Ucides cordatus), no camarão verdadeiro, siris (Callinects danae) e em pitus de água doce. Capturava-se, mais por esporte do que para a alimentação, o jacaré-de-papo-amarelo (Caimam latirostris), utilizando-se anzol. 42 Um panorama do cotidiano dos pescadores da região durante a década de 30 foi descrito por Correa (1936), estando o mesmo transcrito a seguir: “Os pescadores são brasileiros, predominando entre eles cariocas e fluminenses bronzeados pelo sol, rígidos de caracter, patriotas, audaciosos em sua técnica, conhecedores de todos os detalhes de sua profissão e da fauna marítima-fluvial, aliando-se qualidades extraordinárias, físicas e morais, conquistadas á custa de sua árdua profissão. Pela manhã, secam as redes nos varais e concertam as mesmas e as canoas. Durante o dia, fazem e tecem redes feitas de cordéis em tecido filet, variando o tamanho da malha e a grossura do fio de acordo com o tamanho da rede e a qualidade de peixe que se destina. A rede, de quarenta braças de comprimento, pode ser lançada por um só homem (....). As redes, depois de prontas, são tintas de preto pela ação da casca de aroeira (...). A casca fervida fornece uma tinta com que tingem as redes, fortificando os fios e escurecendo-os, tonando-os assim, imperceptíveis aos peixes (..). Cada canoa leva dois tripulantes, um remador, que é denominado mestre ou popeiro, e o lançador da rede, denominado marinheiro ou chumbeiro; trabalham com cinco redes, tendo cada uma quarenta braças. Procuram o pesqueiro, lugar onde afluem os peixes, lançando a primeira rede e, logo a seguir, as outras ligadas entre si, onde trabalha uma boia. Mas a pescaria nesse recanto carioca oferece aspectos curiosíssimos, é feita á moda genuinamente nacional, isto é, como fazem os nossos indígenas no Amazonas e do interior do nosso pais, diferente de todos os pescadores do Distrito Federal” A sobrepesca e o manejo inadequado dos estoques pesqueiros já era observado na época, como pode ser evidenciado no trabalho de Correa (1936), que descreve a pesca como particularmente produtiva na “piracema, que eles (os pescadores) dizem corrida, estação que se manifesta a arribação do peixe em grandes cardumes, para desova, ou descida. Assim colhem pela madrugada os pescadores, o peixe preso nas tralhas da rede”. Destaca ainda que “O bom êxito da pescaria também depende da época em que ela é feita; na corrida é facílima, durante os meses de agosto e setembro em que aparecem cardumes de tainhas, pois é a época da desova; elas medem de cinqüenta a sessenta centímetros de comprimento. Na época regular é calculada a pesca quotidiana de cem peixes por canoa, tendo a média de vinte tainhas, mas na corrida chegam a pescar cem tainhas por canoa.” Assim, devido ao incremento da atividade pesqueira, os estoques têm demonstrado variados graus de excesso de exploração. Como impactos posteriores, o assoreamento e a poluição vêm reduzindo a capacidade de sustentação da pesca nos criadouros (Barroso, 1989). No caso específico da laguna de Jacarepaguá, são particularmente freqüentes os blooms de Microcysts, uma alga cianofície, os quais usualmente se associam a mortandades expressivas de peixes 43 Como conseqüência dos impactos antrópicos, atualmente a pesca nas lagoas da região é uma atividade decadente, atraindo poucos pescadores profissionais (Barroso e Bernardes, 1995). De um modo geral, os pescadores encontram-se organizados na colônia Z-13, que reúne 42 famílias. Registram-se ainda cerca de 8 associações de pescadores, algumas das quais, como a Associação de Pescadores e Moradores da Vila Sonhada (Foto 3.5), não mais dedicadas à atividade pesqueira. Os profissionais que ainda se dedicam à pesca têm nesta atividade a principal fonte de renda, pescando em embarcações de madeira e armando redes de emalhar (Foto 3.6), tanto no rio como nas lagoas. Contudo, a produtividade atual é muito baixa, tendo sofrido grande redução com o assoreamento da laguna da Tijuca e do canal do Camorim, que acabou por isolar a lagoa de Jacarepaguá, dificultando o acesso dos peixes. A diversidade de pescado capturado é baixa quando comparada a coligida em outras lagoas fluminenses (Barroso e Bernardes, 1995), estando as espécies capturadas no local e a freqüência das mesmas apresentadas no Quadro 3.5. Quadro 3.5 - Ocorrência de pescado nas lagoas da baixada de Jacarepaguá ESPÉCIE Tainha Tainhota Parati Carapeba Linguado Corvina Robalo Cocoroca Carapicu Savelha Galo Ubarana Manjuba Peixe-Rei Tilapia Bagre Acará Camarão rosa Camarão verdadeiro Caranguejo do mangue Siri Samanguá Ostra LAGOA DA TIJUCA 2 3 3 2 1 1 2 2 2 1 1 1 1 1 0 1 0 1 1 1 2 1 1 LAGOA DE MARAPENDI 2 3 3 2 0 0 1 0 1 3 0 2 0 3 2 1 3 1 1 1 2 0 0 LAGOA DE JACAREPAGUÁ 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 3 0 1 0 0 1 0 0 0 1- Raro; 2- Comum; 3- Abundante Fonte: Barroso e Bernardes, 1995; Dados de 1994/1995. Desta forma, observa-se uma redução expressiva na riqueza de pescado no sentido Lagoa da Tijuca – Marapendi – Jacarepaguá, como mostrado na Figura 3.25. Considerando a qualidade ambiental destes sistemas, constata-se a nítida influência da degradação sobre a produtividade pesqueira. 44 Foto 3.5 – Detalhe da Associação de pescadores e moradores de vila Sonhada, atualmente afastados da atividade pesqueira Foto 3.6 – Embarcações utilizadas na pesca nas lagoas da baixada de Jacarepaguá 45 25 21 20 16 15 10 4 5 0 L.T. L.M. L.J. Figura 3.25 – Número de espécies pescadas em cada uma das lagoas do Complexo Lagunar da Baixada de Jacarepaguá, Rio de Janeiro, RJ Em termos qualitativos, as lagunas da Tijuca e Marapendi compõem um único complexo pesqueiro, fortemente distanciado (nível de discordância de 70%) da laguna de Jacarepaguá, o que reflete tanto as similaridades gerais na composição de suas faunas aquáticas como também o melhor estado de conservação destes sistemas lênticos. (ver Figura 3.26) 0.35 0.4 0.45 0.5 0.55 0.6 0.65 0.7 0.75 0.4 0.45 0.5 0.55 0.6 0.65 0.7 0.75 Lagoa da Tijuca Lagoa de Marapendi Lagoa de Jacarepaguá 0.35 Figura 3.26 – Similaridade na composição do pescado das lagoas em estudo 46 Considerando a freqüência de cada espécie capturada, obtém-se um arranjo similar (Figura 3.27), ilustrando a influência das características atuais das lagunas tanto no que se refere à composição qualitativa do pescado, quanto aos estoques (e subsequente disponibilidade) das diferentes populações ícticas. 5.5 6 6.5 7 7.5 8 6 6.5 7 7.5 8 Lagoa da Tijuca Lagoa de Marapendi Lagoa de Jacarepaguá 5.5 Figura 3.27 – Similaridade entre as lagoas com base na contribuição de cada item de pescado 3.2.6 Ecossistemas Paludiais e Biota Associada Ecossistemas paludiais ocupavam no passado grandes extensões na baixada de Jacarepaguá. De acordo com Correa (1936), na baixada se localizavam os maiores alagados do Rio de Janeiro (então Distrito Federal), conhecidos como “Campos de Sernambetiba”, “verdadeira lagoa coberta por juncal”; com superfície aproximada de 79.427.000 m2. Situava-se em uma bacia formada pelas vertentes do Maciço da Pedra Branca e pelo seu contraforte meridional (Serras das Tocas, pico do Morgado, Morro da Ilha, Grota Funda, morro de Santo Antônio da Bica, das Piabas, Boa Vista e Rangel), estendendo-se até a lagoa de Marapendi e a antiga lagoa do Camorim. Este vasto brejal era originalmente cortado por diversos rios (Morto, do Marinho, das Piabas, da Vargem Pequena e da Vargem Grande). Correa (1936), ao descrever o rio Vargem Grande como um sistema que “nasce no Morro do Cabungy (vaso d’água) (...) e perde-se nas matas alagadas que circundam os campos de Sernambetiba”, revela mais uma variação do biótopo paludial nativo da região em estudo, ou seja, a presença de expressivas formações de matas paludiais ou paludosas1. As matas paludiais, usualmente se estabelecem na faixa de 5 metros acima do nível do mar, vindo a substituir as formações submontanas. Consiste em mata perenifólia, com troncos eretos, em geral sem raízes tabulares, e com densa vegetação arbustiva no estrato inferior. Ocorrem, freqüentemente, grandes grupos de samambaias arborescentes e numerosas palmeiras de tamanho médio, que em geral não saem do estrato inferior, e só muito raramente chegam ao dossel. A riqueza em lianas e epífitas (aráceas, bromeliáceas, orquidáceas, piperáceas, gesneriáceas e polipodáceas) é muito grande. A grande umidade do solo é evidenciada pela existência de grande número de marantáceas e musáceas. 1 De acordo com IBGE (1991), estas matas são designadas como “Floresta Aluvial”. Há autores que a classificam como “Floresta Permanentemente Inundada”, considerando-as como um tipo de comunidade vegetal de restinga (Araújo e Henriques, 1984). 47 O calor e a umidade favorecem o crescimento da vegetação e a coexistência de uma multiplicidade de espécies. O solo, freqüentemente turfoso contém musgos, gramíneas, ciperáceas e grande variedade de aráceas dos gêneros Anthurium e Phyllodendron ao lado de muitas bromélias dendrícolas (gravatás). Nesses terrenos encharcados encontram-se, historicamente, além de várias palmeiras, a caixeta ou tabebuia (Tabebuia cassinoides) cuja madeira, branca e muito leve, é utilizada na fabricação de tamancos, colheres de pau e objetos leves. As grandes árvores da mata paludosa são freqüentemente cobertas por densas cortinas de barba-de-velho (Tillandisia usneoides) que chegam quase ao chão de galhos atulhados de gravatás e epífitas. Em áreas bem drenadas, plantas como o sangue de drago (Croton sp.), figueira do Brejo (Ficcus organensis), bicuíba (Virola spp.) e angico-branco (Parapiptadenia sp.), são evocadas como características. Na bacia em estudo, as formações de mata paludial eram bem representadas. Morros como o do Urubu e de Itaúna eram assinalados como ilhas circundadas por matas alagadiças densas, cheias de samambaias e fetos, com árvores repletas de barba de velho (Tillandsia usneoides) (Correa, 1936; Araújo, 1980). Os alagadiços encontram-se bastante alterados pelos canais de drenagem e por aterros, embora ainda se evidencie extensos brejais nas proximidades da Grota Funda (Foto 3.7). Neste local verifica-se sobre o solo úmido e turfoso espécies como Cyperus polystachyos, C. surinamensis, Eleocharis mutata, E. caribaca, Scirpus robustus, Bacopa monnieri, Alternanthera philoxeroides, dentre outras. Em depressões mais profundas, Typha domingensis passa a representar a principal espécie, juntamente com as carófitas e Ultricullaria spp. As matas paludiais, por sua vez, encontram-se praticamente extintas na baixada, com alguns remanescentes mais expressivos no encontro da avenida das Américas com a Salvador Allende (Foto 3.8; Foto 3.9). FEEMA (1989) destaca que a situação das áreas úmidas é a mais vulnerável, dentre os demais ecossistemas que integram a baixada. Tais unidades, embora pertencentes ao sistema lagunar não foram incorporadas à faixa marginal de proteção. Impactos sobre as formações brejosas certamente vem contribuindo para a delapidação da diversidade biológica associada à estes biótopos, tratando-se, possivelmente, de um dos principais processos que contribuiu para a extinção local de Spintherobolus broccae, um peixe característico de brejos e de pequenos rios de baixada (Sarraf, 1997). Os alagadiços da Barra da Tijuca reúnem uma fauna diversificada, na qual diversos anuros (e.g., Leptodactyllus ocellatus, Hyla marginata, Ololygon similis e Trachycephalus nigromaculatus Aparasphenodon brunoi, Hyla decipens, H. bipunctata) e invertebrados (e.g. Nepidae, Belostomatidae, Corixidae, Aeshinidae, Simulidae, Cullicinae, Chaoborinae, Plecoptera, Ephemeroptera, Hydrophilidae, Gyrinidae) podem ser encontrados, coexistindo com uma ictiofauna característica. 48 Foto 3.7 – Detalhe dos campos paludiais (Visão a partir da Grota Funda). Matas paludiais Foto 3.8 – Foto aérea ilustrando a presença de matas paludiais (em destaque) no encontro da avenida das Américas e a Salvador Allende 49 Foto 3.9 – Detalhe de uma mata paludial da Barra da Tijuca No geral, as regiões brejosas ainda mantém um total de 15 espécies de peixes (Quadro 3.6), dos quais a traíra (Hoplias malabaricus), lambaris (Hyphessobrycon bifasciatus, H. reticulatus), tamboatás (Callichthys callicththys), mussuns (Synbranchus marmoratus), barrigudinhos (Poecilia vivipara, Phalloceros caudimaculatus) e acarás (Geophagus brasiliensis) são as mais comuns. Quadro 3.6 – Ictiofauna de água doce dos brejos da baixada de Jacarepaguá CHARACIFORMES R. janeiroensis Costa, 1992 R. ocellatus Hensel, 1868 Leptolebias minimus ERYTHRINIDAE Hoplias malabaricus (Bloch, 1794) CRENUCHIDAE C. interruptum Pellegrin, 1903 CHARACIDAE Hyphessobrycon bifasciatus Ellis, 1911 H. reticulatus Ellis, 1911 Mimagoniates microlepis (Steindachner, 1876) POECILIIDAE Poecilia vivipara Schneider, 1801 .Phallopthychus januarius (Hensel, 1868) SYNBRANCHIFORMES SILURIFORMES SYNBRANCHIDAE Synbranchus marmoratus Bloch, 1795 CICHLIDAE Tilapia rendalli Boulenger, 1896 Geophagus brasiliensis (Quoy e Gaimard, 1824) CALLICHTHYIDAE Callichthys callichthys (Linnaeus, 1758) CYPRINODONTIFORMES RIVULIDAE Rivulus brasiliensis (Humboldt e Valenciennes, 1812) Fonte: Bizerril, 1996; Bizerril e Araújo, 1993. 50 A composição da ictiofauna encontra-se bastante associada a perenidade da formação paludial. Assim sendo, o maior número de táxons é observado nos sistemas permanentes, enquanto que brejos sazonais (secam durante determinados períodos do ano) exibem uma fauna mais pobre. Contudo, é importante destacar a presença de uma espécie ameaçada de extinção (Leptolebias minimus, Foto 3.10) neste último tipo de ecossistemas, ocorrendo apenas em pequenos acúmulos de água associados a matas paludiais presentes no Parque Arruda Câmara e em áreas adjacentes. Foto 3.10– Leptolebias minimus, uma espécie de peixe ameaçada de extinção presente apenas em ambientes de mata paludial (Modificado de Lacerda, 1988) Assim como o verificado para as ictiocenoses de rios, a ictiofauna presente nos brejos carece de espécies com distribuição geográfica limitada à baixada de Jacarepaguá. Contudo, o peixe anual (Leptolebias minimus), por ocorrer apenas na região e em um ambiente alvo de fortes pressões antrópicas em Itaguaí, próximo à UFRRJ (Lacerda, 1988; Costa, 1988), pode ser tratado como praticamente endêmico da baixada de Jacarepaguá. Variações na ictiofauna podem ser igualmente evidenciadas quando se compara os dois grandes biótopos que integram os sistemas paludiais da região (i.e., matas paludiais e campos higrófilos) A ictiofauna de matas paludiais da Barra da Tijuca encontra-se relacionada na Quadro 3.7. Quadro 3.7 - Ictiofauna de água doce dos brejos associados às matas paludiais CHARACIFORMES R. janeiroensis Costa, 1992 ERYTHRINIDAE Hoplias malabaricus (Bloch, 1794) CHARACIDAE Hyphessobrycon bifasciatus Ellis, 1911 H. reticulatus Ellis, 1911 R. ocellatus Hensel, 1868 Leptolebias minimus SYNBRANCHIFORMES SYNBRANCHIDAE Synbranchus marmoratus Bloch, 1795 SILURIFORMES CALLICHTHYIDAE Callichthys callichthys (Linnaeus, 1758) CYPRINODONTIFORMES RIVULIDAE Rivulus brasiliensis (Humboldt e Valenciennes, 1812) Fonte: Dados primários; Bizerril, 1996; Bizerril e Araújo, 1993. 51 As matas encontram-se entremeadas por alagados e acúmulos de água nos canais de drenagem. Tais sistemas, com sua coloração amarronzada característica, derivada da decomposição de matéria vegetal, apresentam florística típica, com Eleocharis, Ultricularia e ninfeáceas se destacando como as mais conspícuas (Foto 3.11). Foto 3.11 – Detalhe de alagado presente na borda de matas paludiais da Barra da Tijuca (encontro das avenídas das Américas e Salvador Allende) Estes habitats mostram uma fauna menos diversificada do que a apresentada pelos campos higrófilos, reunindo essencialmente grupos de pequeno porte (Figura 3.28). Espécies de médio porte restringem-se à traíra (Hoplias malabaricus). O único peixe de grande porte destes sistemas é o mussum (Synbranchus marmoratus), embora raramente atinja grande tamanho na região. 6 5 4 3 2 1 0 P e q u e no Médio G rande Figura 3.28– Número de espécies em cada categoria de tamanho da ictiofauna de matas paludiais da Barra da Tijuca, RJ 52 Muitos dos peixes das matas paludiais possuem sua perpetuação associada a estratégias comportamentais e fisiológicas que os permite sobreviver nas condições flutuantes de disponibilidade de água, que tanto caracterizam estes biótopos. É o caso do tamboatá (Callichthys callichthys) capaz de utilizar o oxigênio atmosférico, absorvido no trato digestivo, e os pequenos rivulídeos não anuais (Rivulus spp.) que saltam ativamente a procura de acúmulos de água que garantam sua sobrevivência. A disponibilidade de recursos provenientes das matas circundantes e do próprio sistema aquático que, embora fortemente distrófico, reúne diversos invertebrados, faz com que a guilda dos insetívoros seja a dominante nestes sistemas (Figura 3.29). 6 6 5 4 3 3 2 0 1 1 0 Iliófago Omnívoro Predador de Invertebrados Ictiófago Figura 3.29 – Número de espécies por guilda trófica Na borda da mata, em associação com bromeliáceas podem ser observados algumas pererecas, notadamente Aparasphenodon brunoi, Hyla decipens e H. bipunctata. Nos campos higrófilos que dominam a porção mais interna da baixada, ocorrem 9 espécies de peixes, relacionadas na Quadro 3.8. Comparativamente as matas paludiais, tais sistemas mantém um número menor de espécies dependentes, como se observa pela ausência de peixes da família Rivulidae. Quadro 3.8 – Ictiofauna dos campos higrófilos CHARACIFORMES ERYTHRINIDAE Hoplias malabaricus (Bloch, 1794) Hoplerithrynus unitaeniatus CYPRINODONTIFORMES POECILIIDAE Poecilia vivipara Schneider, 1801 .Phallopthychus januarius (Hensel, 1868) SYNBRANCHIFORMES CHARACIDAE Hyphessobrycon bifasciatus Ellis, 1911 H. reticulatus Ellis, 1911 SYNBRANCHIDAE Synbranchus marmoratus Bloch, 1795 SILURIFORMES CICHLIDAE Geophagus brasiliensis (Quoy e Gaimard, 1824) CALLICHTHYIDAE Callichthys callichthys (Linnaeus, 1758) Fonte: Dados primários; Bizerril, 1996; Bizerril e Araújo, 1993 53 Mantém-se o predomínio de grupos de pequeno porte, os quais, em sua totalidade, ocorrem em rios como o Camorim e Paineiras. Assim, tem-se que este elemento da paisagem local representa uma continuação das baixadas fluviais, exibindo um conjunto íctico que caracteriza-se pela filtragem de espécies mais dependentes de sistemas lóticos. Nas valas de drenagem que cortam os campos alagados, a presença de densa cobertura de Azolla sp. é comum. Nestes locais observa-se, juntamente com a ictiofauna, a ocorrência da rã comum (Leptodactyllus ocellatus), Hyla marginata, Ololygon similis e Trachycephalus nigromaculatus, todos anfíbios que, na região da Barra da Tijuca, são comuns em áreas urbanizadas (Napoli, 1989). Na margem dos taboais vive a rã comum (Leptodactyllus ocellatus). No interior dos aglomerados de T. dominguensis coexiste uma diversificada comunidade de anfíbios, com uma divisão de uso espacial que se iguala a apresenta por Napoli (1989) em seu estudo sobre os anuros da restinga da Barra da Tijuca. Assim, nas porções mais baixas das taboas encontram-se Hyla decipens e H. meridiana, enquanto as partes mais altas, acima de 1 metros, servem de abrigo para H. albomarginata. A manutenção dos níveis de água nestes sistemas é condição para a sobrevivência da fauna local. Este aspecto encontra-se refletido no estudo de Bizerril et al (1994) que verificaram, a partir da análise de interações entre diferentes taxocenoses dos campos higrófilos da Barra da Tijuca, que as variações ambientais possuem maior importância na estruturação das comunidades do que interações como competição e predação. 3.3 VEGETAÇÃO E FLORA A análise da vegetação e da flora apresentada neste item compreende um esboço da vegetação original da macrobacia da baixada de Jacarepaguá, assim como a descrição da vegetação atual e do uso do solo, complementada por aspectos florísticos, ecológicos e fenológicos, e por uma análise fitoconservacionista. Importa destacar que flora é o conjunto de espécies vegetais de um ou mais tipos de vegetação, região ou local. Já a vegetação é uma forma de cobertura vegetal, cuja aparência é dada pelo conjunto de plantas predominantes que revestem uma região ou local (Rizzini, 1979). Por sua vez, as plantas são seres vivos do reino vegetal, e compreendem as árvores, arbustos, cipós, ervas, cactos, gramas, trepadeiras e samambaias, dentre outras. 3.3.1 Esboço da Vegetação Original no Ano de 1500 A bacia contribuinte da baixada de Jacarepaguá se insere no bioma da Mata Atlântica, que originalmente estendia-se por uma faixa de 3.500 km ao longo do litoral brasileiro, desde a costa leste do Estado do Rio Grande do Norte, até o norte do Estado do Rio Grande do Sul. Na metade setentrional dessa extensão, a Mata Atlântica apresentava-se numa faixa costeira relativamente estreita, mas do sul da Bahia para o sul e para oeste, ela alargava-se progressivamente, atingindo o sul de Mato Grosso do Sul e Goiás, o leste do Paraguai e o extremo nordeste da Argentina . 54 Primitivamente, a Mata Atlântica cobria pouco mais de 1 milhão de km² (12% do território nacional), sendo então o terceiro maior bioma do Brasil, suplantado apenas pela Floresta Amazônica e pelo Cerrado. A antiga continuidade da mata foi perdida e, hoje, ela se resume a fragmentos isolados de diversos tamanhos que, somados, perfazem cerca de 8,8% (35.000 km²) de sua cobertura original (Fundação SOS Mata Atlântica/INPE/IBAMA, 1990) ou 5% (Consórcio Mata Atlântica, 1992). Como um todo, a Mata Atlântica é bastante antiga, acreditando-se que já estava configurada no início do Terciário (Joly et al., 1991). Contudo, as flutuações climáticas mais recentes, ao longo do Quaternário, ocasionaram processos de expansão e de retração espacial da Mata Atlântica, a partir de regiões mais restritas que funcionaram como refúgios da fauna e flora. Esta hipótese admite que existem algumas regiões da Mata Atlântica que são claramente pontos de alta diversidade, a partir das quais ocorreu a irradiação de muitas espécies, conforme a mata de expandia. Estas regiões, que constituem os antigos refúgios, são as seguintes: sul da Bahia; região dos tabuleiros do Estado do Espírito Santo e região do litoral do Rio de Janeiro e norte de São Paulo (IBAMA, 1991) Nestas regiões é encontrado um considerável número de espécies endêmicas, associadas a uma elevada diversidade especifica. A bacia de Jacarepaguá ocupa uma posição bastante peculiar em relação ao domínio Atlântico. Sua localização coincide com uma das áreas de maior diversidade da formação atlântica. Estimativas dão conta que o Estado do Rio de Janeiro, possuía na época do descobrimento, uma cobertura florestal em 97% de seu território. Dados publicados pela Fundação S.O.S MATA ATLÂNTICA, obtidos a partir da análise de imagens de satélite entre 1985 e 1990, mostram que restavam em 1990 cerca de 896.324 ha de florestas, correspondendo a 20,24% da superfície do Estado. Em suma, dos 1.000.000 de km2 da cobertura original da Mata Atlântica no país, o Estado do Rio detinha 42.006 km² (97% da área do Estado), o que correspondia a 4,2% da superfície total do bioma. Dos 5% que hoje restam, o que totaliza 50.000 km2, o Estado abriga 8.963,240 km2, o que equivale a 18% ou quase 1/5. O quadro abaixo apresenta o processo de redução histórica da Mata Atlântica no Estado do Rio de Janeiro. Quadro 3.9 – Redução da cobertura florestal no estado do Rio de Janeiro 1500 ÁREA (ha) 4.294.000 1912 3.585.000 81.00 1960 1.106.700 25,00 1978 973.900 22,00 1985 937.100 21,17 1990 896.200 20,24 ANO Fonte: % COBERTURA FLORESTAL REMANESCENTE 97,00 Evolução dos Remanescentes Florestais e Ecossistemas Associados do Domínio da Mata Atlântica Ecossistemas - Fundação S.O.S. Mata Atlântica / Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 1993. Entre 1985 e 1990, o Estado perdeu 30.579 ha de florestas, 1.072 de restinga e 101 ha de mangues. 55 O Município do Rio de Janeiro, com superfície de 125.528 ha, possui três áreas de baixada (Guanabara, Sepetiba e Jacarepaguá) e diversas áreas de encostas, que fazem parte de três maciços (Tijuca, Pedra Branca e Gericinó) e de algumas serras e morros isolados. A marcante presença destas encostas imprimiu um caráter fisionômico especial a cidade, que cresceu entre o mar e as montanhas. A cota varia de 0 a 1.024m, atingindo altitude máxima no Pico da Pedra Branca. Segundo dados do IPLANRIO, a área total de serras, morros isolados e maciços é de 36.200 ha. É licito supor que o município possuía no mínimo, na época do descobrimento, cerca de 36.500 ha de florestas em seu território, sem contar neste cálculo as florestas das baixadas de Guanabara, Sepetiba e Jacarepaguá, situadas em terrenos secos e sujeitos a inundação. Os resultados de um levantamento recente da cobertura vegetal e do uso da terra no município são mostrados no quadro abaixo. Quadro 3.10 – Superfície e proporção dos diferentes tipos de vegetação e uso da terra no município do Rio de Janeiro SUPERFÍCIE (ha) TIPO DE ÁREA PERCENTAGEM (%) EM RELAÇÃO A ÁREA DO MUNICÍPIO 26,3 Áreas Naturais 32.977 Floresta 19.594 15,57 Floresta Alterada 5.863 4,67 Mangue 2.477 1,97 Área Úmida com Vegetação 1.711 1,36 Apicum 1.190 0,95 Restinga 1.042 0,83 Afloramento Rochoso 591 0,47 Praias e Areais 554 0,44 Áreas Antropizadas 92.551 73,7 Área Urbana 46.373 37,94 Campo Antrópico 25.599 20,38 Área Urbana Não Consolidada 12.284 9,79 Uso Agropastoril 5.260 4,19 Solo Exposto 2.873 2,26 198 0,16 125.528 100,00 Vegetação em Parques Públicos (*) Total Fonte: SMAC, 1997 (*) - Vegetação plantada em grandes praças e parques públicos O quadro revela que o Rio de Janeiro tem cerca de 73,7 % de seu território ocupado por áreas urbanas, campos de ervas ruderais e atividades agropastoris, restando aproximadamente 32.977 ha de área naturais, o que corresponde a 26,3% da superfície total do município. No caso das florestas, restam 196 km². Para efeito comparativo, Pernambuco (1979), estimou com base em imagens de satélite de 1978, que restavam no Rio de Janeiro cerca de 175,26 km² de florestas remanescentes acima da cota 100. Tendo em vista o Decreto 322/76, que fixou como zona especial de preservação da cobertura florestal as áreas acima da curva de nível da cota de 56 100 metros, a quantidade total de florestas que deveriam ser preservados atingiria cerca de 282 km² (Pernambuco et al., 1979). Buscando-se obter um esboço da vegetação original da bacia de Jacarepaguá, foram implementados os procedimentos descritos a seguir. Com a finalidade de reconstituir a vegetação original do Brasil, o Projeto RADAMBRASIL (IBGE, 1983), criou um modelo teórico baseado no levantamento e integração dos parâmetros de pelo menos três componentes do macroambiente: − clima, representado pelos dias secos, conforme a relação P ≤ 2T milímetros; T = temperatura, em graus Celsius); (P=precipitação, em − litologia, baseada nos mapas geológicos, que fornecem os componentes das rochas que dão origem aos solos de natureza argilosa ou arenosa; − relevo, cujas formas foram separadas diretamente sobre os mosaicos de imagens de radar. A análise integrada desses três elementos, aliada à observação da vegetação primitiva remanescente e o exame de dados bibliográficas que possibilitam obter informações sobre a vegetação nos séculos iniciais da ocupação humana no País, permitiu traçar os contornos e a distribuição espacial dos tipos de vegetação originais no território brasileiro, o qual foram designadas como “regiões fitoecológicas”. O mapa de vegetação na escala de 1:1.000.000 do Projeto RADAMBRASIL (Ururahy, Collares, Santos e Barreto, 1983), indica que a macrobacia da baixada de Jacarepaguá abrange parcelas das regiões fitoecológicas originais do bioma da Mata Atlântica constantes no quadro abaixo. Quadro 3.11 – Regiões fitoecológicas originais e formações correspondentes REGIÃO FITOECOLÓGICA FORMAÇÃO SUBFORMAÇÃO Terras Baixas Floresta Ombrófila Densa Submontana Montana Áreas de Formação Pioneira Influência Marinha Influência Fluviomarinha Restinga Mangue Fonte: Ururahy, Collares, Santos e Barreto, 1983 Estes dados do Projeto RADAMBRASIL, conjugados as informações pedológicas, geológicas e topográficas e as observações registradas nas inspeções de campo, permitiram traçar um esboço da vegetação original da bacia de Jacarepaguá, apresentado na figura 3.30. Tal esboço refere-se a cobertura vegetal supostamente existente no ano de 1.500. 57