IDENTIFICAÇÃO HISTÉRICA: Estudo de caso de um paciente

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IDENTIFICAÇÃO HISTÉRICA: Estudo de caso de um
paciente acometido de estresse atendido em Psicoterapia
Psicanalítica.
ARRUDA NETO, Orlando de Paula
Acadêmico do curso de Formação de Psicólogos da FAEF/ACEG – Garça – SP.
e-mail: [email protected]
SANTOS, José Wellington dos
Orientador e Docente do Curso de Formação de Psicólogos da FAEF/ACEG – Garça – SP.
e-mail: [email protected]
RESUMO
O presente trabalho consiste num relato de caso, no qual durante o processo terapêutico foi
possível fazer algumas considerações sobre os sentimentos conflitantes do paciente, as
reações ao “stress” grave e transtornos de adaptação, tendo como hipótese uma identificação
histérica ou algum tipo de mecanismo de defesa ocasionado por um sentimento de culpa, em
relação ao pai, que havia falecido há cinco anos. O foco terapêutico especificado consistiu em
trabalhar as características depressivas do paciente, buscando ajudá-lo a elaborar o luto pela
perda do pai. O atendido foi realizado na Clínica Escola de Psicologia e Pesquisa Aplicada –
CEPPA da Associação Cultural e Educacional de Garça – ACEG/FAEF.
Palavras-chave: Transtornos de adaptação; identificação histérica, mecanismo de defesa.
ABSTRACT
The present work is a case report in which during the therapeutic process was possible to make
some observations on the patient's conflicted feelings, reactions to "stress" and severe
disorders of adaptation, considering that a hysterical identification or some kind of mechanism
defense caused by a feeling of guilt towards his father, who died five years ago. The specified
therapeutic focus was to work the characteristics of depressive patients seeking help you
mourning the loss of his father. The service was conducted na Clínica Escola de Psicologia e
Pesquisa Aplicada – CEPPA da Associação Cultural e Educacional de Garça – ACEG/FAEF.
Keywords: Adjustment disorders; hysterical identification, defense mechanism.
.
1. INTRODUÇÃO
A análise deste estudo de caso visa discutir algumas considerações
sobre os principais desafios e possibilidades na psicoterapia psicanalítica no
atendimento a pacientes que por algum motivo estressor podem desenvolver
algum tipo de reação ao “stress” grave ou transtorno de adaptação e
concomitantemente uma possível identificação histérica.
A partir da clínica da histeria Freud começou a reconhecer a existência
das identificações, afirma que com base nos sintomas histéricos, existe uma
identificação inconsciente originada por um desejo que está presente ainda que
recalcado. O sintoma histérico da mesma maneira que o sonho pode ser
considerado como uma via condutora que leva ao desejo inconsciente e que foi
recalcado pela instância psíquica do superego pela manifestação de uma
exigência punitiva ou de castigo, presentes nas identificações histéricas
predominantes desde as fixações narcisistas até as edípicas. (ALONSO;
FUKS, 2004).
Quando o eu se sujeita ao recalque, o caráter do eu torna-se um
precipitado de catexias objetais abandonadas, trazendo como características
importantes a marca, traços, a história dessas escolhas de objeto. Quando
essas características do objeto são assumidas pelo eu, forçando-se ao isso
como um objeto de amor na tentativa de compensar a perda do isso, atribuindo
um
sentimento
de
capacidade
de
amá-lo
através
da
identificação.
Considerando assim a primeira e mais importante identificação: a identificação
ao pai. (STENNER, 2004).
A identificação é conhecida pela psicanálise como a mais remota
expressão de um laço emocional com outra pessoa. Ela
desempenha um papel na história primitiva do complexo de Édipo.
Um menino mostrará interesse especial pelo pai; gostaria de crescer
como ele, ser como ele e tomar seu lugar em tudo. Podemos
simplesmente dizer que toma o pai como seu ideal. (FREUD (1921)
1996, p.115).
O histérico tende a ter uma tolerância critica muito baixa em relação as suas
frustrações e geralmente têm enorme dificuldade em aceitar suas falhas e
faltas, em razão disso tende a ter uma baixa auto-estima, o que o torna
vulnerável e predisposto a estados depressivos. Ele utiliza-se de todos os
recursos inconscientes disponíveis como mecanismos de defesa dos quais os
mais predominantes são todos aqueles que de alguma forma levam a algum
tipo de negação. (ZIMERMAN, 1999).
Quando
esses
recursos
são
insuficientes
por
conta
dessa
vulnerabilidade pessoal ou pela eminente incapacidade de enfrentamento, pela
gravidade ou intensidade do evento estressor,como por exemplo: a morte de
um ente amado. Através deste evento e a forma como vai vivenciar o Luto, o
individuo pode sofrer graves consequências afetando sua saúde física ou
mental. A predisposição somada
a vulnerabilidade pessoal
são aspectos
fundamentais na ocorrência e nos sintomas de um transtorno de adaptação.
Porém, pode-se admir que o transtorno não teria ocorrido na ausência do
referido fator de estresse.
[...] constitui manifestação de luto uma pessoa acusar-se pela morte
acontecida (o que se conhece como melancolia) ou punir-se numa
forma histérica, identificando-se com os mesmos estados que eles
[os que morreram] sofriam, de acordo com o princípio de expiação.
(FREUD (1897b), 1996, p.305).
Relato do Caso
Identificação e descrição geral do paciente
Ivan (nome fictício), 26 anos, branco, brasileiro, solteiro, industriário,
ensino médio completo. O paciente tem estatura e peso médios e, geralmente,
veste-se com simplicidade.
Impressões Iniciais
Na primeira sessão, Ivan chegou no horário marcado. Entrou na sala da
psicoterapia, aguardando a orientação do psicoterapeuta sobre onde deveria
sentar-se. Logo depois, Ivan disse que nunca havia feito terapia. Em seguida o
terapeuta fez alguns esclarecimentos sobre como seria o processo terapêutico,
informando sobre o sigilo e a ética como parte do contrato terapêutico. Ivan
demonstrou possuir um bom nível intelectual e falou sobre diversas situações
vividas; falou de sua impulsividade e personalidade, e que em determinados
momentos até se tornava agressivo.
Motivo da consulta e sintomas apresentados
Durante a triagem para psicodiagnóstico, Ivan apresentou as seguintes
queixas: sentia-se inseguro nos relacionamentos, não confiava nas pessoas ao
seu redor, reclamou de uma constante mudança em seu estado de ânimo sem
razão aparente; disse que muitas vezes sente que é agressivo; dificuldade em
lidar com as perdas; em alguns momentos não sentia vontade de fazer nada,
só queria ficar deitado, chegou a ficar deitado um dia inteiro em seu quarto
assistindo TV não abriu nem as janelas, disse que não sentia fome nem sede
que comeu apenas bolacha, mas que nos outros dias acordou normal; buscava
uma razão para tudo isso. Não soube dizer se estes sintomas tinham ou se
poderiam ter algo a ver com alguma vivencia do passado ou algum trauma, que
pudesse lhe trazer tais sentimentos. Apenas relatou que tinha sonhos
repetitivos no qual estava sendo perseguido por alguém e nunca conseguia
identificar esta pessoa. Pode ser levantado como hipótese na primeira sessão
uma Identificação Histérica ou algum tipo de mecanismo de defesa ocasiona
por um sentimento de culpa, nos momentos em que o paciente relatava sua
história, principalmente em relação ao pai, que havia falecido há cinco anos. E
em relação à pessoa do sonho, acredito que possa ser ele mesmo.
Resumo da história pregressa e atual
Ivan disse que se considerava feliz a achava que tudo estava certo em sua
infância, mesmo com a separação dos pais, falou que não se sentiu abalado,
pois os dois apesar da separação se davam bem e eram amigos. Sua mãe,
após a separação foi morar em outra cidade e construiu nova família. O
paciente disse que morou um tempo com a mãe, mas não conseguiu se
adaptar a cidade retornando para casa do pai onde moravam também seus
irmãos e sua avó. O paciente relatou que era muito ligado ao pai, tinha o
costume de ouvir jogos de futebol do Palmeiras, com o pai no radio da Perua
Escolar, a profissão do pai era de motorista de condução para estudantes,
disse que o pai era a única pessoa que ele costumava escutar e aceitar os
conselhos e que o pai fazia todas as coisas para ele sem cobrar nada em troca.
Disse que o pai levava alguns estudantes para fora da cidade e para não ter
que retornar em uma viagem cansativa conseguiu pousada em uma fazenda de
um amigo, porém neste período o pai ficava sozinho e começou a beber, diz o
paciente que sem perceberem o pai já estava bebendo muito e começou a ter
sérios problemas e acabou adoecendo até começar a ocorrer a falência dos
órgãos e por Consequência a morte. Quando o pai foi hospitalizado o paciente
achava que ele conseguiria sair dessa situação e mesmo quando a família foi
chamada para irem até o hospital para serem comunicadas da morte, ele não
aceitava achava que estava indo buscar o pai por ele ter se recuperado.
Após a morte do pai o paciente começou a ter sentimentos de culpa, acreditava
que poderia ter feito algo por ele, relatou que antes do pai morrer chegou até a
segui-lo para saber onde estava indo, se estava bebendo, mais não adiantou
nada ele disse que foi tarde demais. Comentou ainda que depois da morte do
pai, ele ficou “louco” pelo Palmeiras (time de futebol) compra chaveiros, roupas,
tudo que tinha como tema o Palmeiras, inclusive tatuando em seu corpo o
símbolo do time.
Hipóteses de trabalho
1. Hipótese Diagnóstica: F43 Reações ao “stress” grave e transtornos de
adaptação. Esta categoria difere das outras por sua definição não ser
exclusivamente sobre a sintomatologia e a evolução, mas igualmente sobre a
existência de um ou mais fatores psicossiciais causais seguintes: um
acontecimento particularmente estressante desencadeia uma reação de
"stress" aguda, ou uma alteração particularmente marcante na vida do sujeito,
que comporta conseqüências desagradáveis e duradouras e levam a um
transtorno de adaptação. Porém, também é necessário levar em consideração
fatores de vulnerabilidade, freqüentemente idiossincráticos, próprios de cada
indivíduo; em outros termos, estes fatores não são nem necessários nem
suficientes para explicar a ocorrência e a natureza do transtorno observado,
admite-se que sua ocorrência é sempre a conseqüência direta de um "stress"
agudo importante ou de um traumatismo persistente. O acontecimento
estressante ou suas circunstâncias constituem o fator causal primário e
essencial, na ausência do qual o transtorno não teria ocorrido. Portanto, podem
assim ser considerados como respostas inadaptadas a um "stress" grave ou
persistente, na medida em que eles interferem com mecanismos adaptativos
eficazes e entravam assim o funcionamento social.
2. Hipóteses Psicodinâmicas:
a) dificuldade em elaborar o luto pela perda do pai;
b) bloqueio da afetividade;
c) dificuldade para verbalizar experiências.
d) dificuldade em interagir socialmente.
Evolução do paciente durante o processo
Durante o processo terapêutico, na última sessão percebi que poderia ser feita
uma confrontação sobre os sentimentos de insegurança que ele nutre em
relação às pessoas e o motivo pela qual o mesmo se senti incomodado quando
é ajudado por alguém, ele fica angustiado querendo retribuir o favor o mais
rápido possível como forma de não ficar devendo nada a ninguém. Levantei a
hipótese questionando se quando ele faz alguma coisa por alguém ele espera
algo em troca, ele disse que não; então indaguei o porquê ele acha que os
outros quando fazem por ele estão esperando alguma retribuição; ele não
soube responder. Então interpretei o motivo pelo qual esse sentimento pode
estar ocorrendo: Será que esse tipo de atitude não está ligada a morte de seu
pai, ou seja, ele fazia tudo por você e não ti cobrava nada, mas quando você
tentou dar algo em troca por ele foi tarde demais, você não conseguiu. Agora
você senti a necessidade de retribuir aos outros o mais rápido possível para
não correr o risco de não ter tempo de recompensá-los pelo que fazem por
você, assim você evita o sentimento de culpa, frustração ou fracasso por não
tê-los ajudado, como você não conseguiu ajudar seu pai. Ele pensou um
instante e respondeu que poderia ser. Então, solicitei que ele fizesse uma
reflexão a respeito.
Término do processo
A terapia foi interrompida, o paciente deixou de comparecer as sessões
por razões relacionadas à sua agenda pessoal e de trabalho e comunicou que
pretende retornar para dar seqüência ao tratamento psicoterápico.
Discussão do caso
Durante
o
processo
psicoterápico
foi
possível
perceber
que
conseguimos estabelecer uma aliança terapeuta, pautada principalmente no
que se refere à confiabilidade, após algumas sessões o paciente começou a
falar de seus sentimentos, por exemplo, um que ficou evidenciado foi o
sentimento de culpa em relação à morte do pai. Isto provavelmente ocorre de
forma inconsciente, como uma atitude do ego criando mecanismo de defesa
contra o impulso conflitante emergente das hipóteses psicodiagnósticas, um
dos mecanismos utilizados pelo paciente é a negação, dessa forma ele afirma
para si àquilo que não consegue aceitar, ou seja, a morte do pai. Foi possível
através do relato do paciente perceber que ocorreu fora das sessões um
processo de elaboração, pois o mesmo relatava que pensava naquilo que
havíamos discutido na terapia e por meio de suas reflexões, apresentava uma
maior permeabilidade nas sessões seguintes, conseguindo verbalizar alguns
de seus conteúdos internos e compreende-los ou pelo menos começou a ter
consciência dos mesmos. O Paciente apresentou melhora significativa em
relação aos pensamentos recorrentes de culpa, dos bloqueios afetivos e
também da dificuldade de falar sobre suas experiências e a terapia também
possibilitou um suporte para que o mesmo conseguisse buscar uma interação
social satisfatória, haja vista, que o mesmo durante este período se sentiu
motivado e conseguiu arranjar um emprego. De modo geral, a evolução da
paciente foi satisfatória, porém ainda necessita de um acompanhamento
psicológico, para obter uma melhor compreensão e ressignificação de seus
conteúdos reprimidos, contribuindo assim para sua auto-compreensão.
Referências Bibliográficas
ARRUDA NETO, O. P. Luto, Melancolia e Depressão: Uma analise psicanalítica da
neurose depressiva. Garça/SP: Editora FAEF, Vol.04, 2011 – ISSN 1676-6814
CUNHA, P. J; AZEVEDO, M. A. Salvador B. de. Um caso de transtorno de personalidade
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FREUD, S. Publicações Pré-Psicanalíticas e Esboços Inéditos (1886-1889). Rio de Janeiro/RJ: Editora Imago
- Edição Standar Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XVIII, 1996. p. 305.
ZIMERMAN, D. E. Fundamentos Psicanalíticos: Teoria, técnica e clínica – uma abordagem didática. Porto
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STENNER, A. S. A Identificação e a Constituição do Sujeito. Psicologia e Ciência e
Profissão, Rio de Janeiro,2004, 24 (2), 54-59. Disponível em: www.scielo.com.br acessado
em 04 Abr 2013.
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