ACIDENTES, COMPLICAÇÕES E INSUCESSO EM CIRURGIA BUCAL: UMA REFLEXÃO Dr. Jorge Liporaci Jr Cirurgião Buco-Maxilo-Facial (Ribeirão Preto-SP) www.jorgeliporaci-bucomaxilo.com.br O risco é inerente a todo e qualquer procedimento operatório odontológico, sobretudo o cirúrgico. O profissional deve aprender a conviver com o risco e administrá-lo, uma vez que é impossível evitá-lo em todos os casos. O significado de risco é a de perigo ou possibilidade de perigo. O acidente é um acontecimento fortuito, infeliz, casual, que pode resultar em prejuízo, dano ou avaria. O significado mais adequado de complicação é a de obstáculo, dificuldade ou embaraço. De acordo com estes conceitos podemos inferir que acidente é algo que não era previsto inicialmente na cirurgia, e que complicação de certa forma é algo que pode ser esperado na cirurgia. Dados da literatura mostram que a média de acidentes e complicações em cirurgia bucal em geral gira em torno de 5% (os mais freqüentes são a alveolite, abscessos, hemorragia, e parestesia). Portanto, devemos monitorar nossas taxas de complicações e mantê-las dentro desse limite. Índices muito acima de 5% requerem atenção especial e revisão sistemática dos protocolos cirúrgicos do pré, trans e pós-operatórios, pois algum fator desconhecido pode estar interferindo negativamente no ato cirúrgico (veja ao final do texto a lista de fatores importantes para administração dos riscos). Um detalhe importante é que o paciente também tem a sua parcela de responsabilidade para com o sucesso do tratamento e minimização dos riscos, pois ele deve seguir adequadamente as recomendações pós-operatórias. Exemplos clássicos são os pacientes com péssima higiene oral e/ou tabagistas. Estes pacientes precisam melhorar a higienização e não fumar no pós-operatório, pois sabidamente aumentam os índices de infecções e hemorragias pós-extração dental bem como em regiões enxertadas ou que receberam implantes osseointegráveis, podendo levar à perda dos mesmos. Acidentes e complicações cirúrgicas em odontologia não necessariamente significam insucesso do procedimento. Elas podem ocorrer concomitantemente ou não. Existe o risco de acidentes e complicações, bem como o risco de insucesso do tratamento. Isso confunde muitos pacientes quando do acontecimento. Por exemplo: em uma cirurgia de enxerto ósseo autógeno de área doadora na região de ramo ascendente mandibular em que houve algum dano ao nervo alveolar inferior que resultou em parestesia do mesmo. Pelo conceito temos uma complicação que de certa forma acontece nesse procedimento, mas o objetivo da cirurgia foi alcançado que era de transplantar o osso da área doadora para a receptora e sua posterior incorporação permitirá a colocação de implantes osseointegráveis e reabilitação com prótese sobre implantes, restaurando a função e estética. Por outro lado, nessa mesma cirurgia, pode não ter ocorrido lesão ao nervo alveolar inferior, mas o enxerto ósseo foi exposto por deiscência de sutura, resultando em perda do enxerto. Aqui temos um insucesso do tratamento, que também não deixa de ser uma complicação (pode acontecer). Deve-se pesar o risco/benefício do procedimento para cada caso. Nesse sentido, observamos que a informação e educação do paciente no préoperatório, assumem fundamental importância, na medida em que a ciência dos riscos cirúrgicos pelo paciente minimiza o impacto psicológico dos acidentes, complicações e insucessos, além de facilitar a aceitação aos retratamentos ou procedimentos adicionais para sanar o ocorrido. Dessa forma, o termo de consentimento livre e esclarecido em cirurgia é uma ferramenta importantíssima para informação do paciente e orientação, além de ser uma documentação odonto-legal para ambas as partes. O profissional executante da cirurgia deve se responsabilizar pelos procedimentos adicionais ou indicá-los a um especialista da área ou de outra área caso seja necessário para completar o tratamento. O paciente por sua vez, deve se comprometer a aceitar os procedimentos e tempo adicionais em virtude do ocorrido, colaborando e seguindo as recomendações escritas e verbais, com a higienização oral e terapêutica medicamentosa, comparecendo em todos os retornos de acompanhamento, a fim de otimizar os resultados do tratamento da complicação para que ele retorne à sua condição inicial. Uma vez resolvida essa etapa, o paciente pode optar por uma nova tentativa da cirurgia, ou outra forma de tratamento/reabilitação. O diagnóstico e planejamento do caso devem ser explicados para o paciente, de maneira que tenhamos um equilíbrio entre satisfazer a queixa principal do mesmo e a indicação do procedimento. Não adianta o paciente querer algo que não é possível ser realizado ou que o risco seja muito grande. Normalmente estes pacientes consultam vários profissionais até encontrar alguém que faça o que eles desejam (ainda que contra-indicado). Do ponto de vista ético-legal, não basta o paciente querer e assumir o risco sozinho, isso não existe. A partir do momento que o Cirurgião realiza o procedimento em um caso que previamente sabe-se ter alto risco de insucesso, acidente ou complicação, é ele (o profissional de saúde) que está assumindo a indicação e o risco. Caso saia algo errado, o paciente depois pode alegar que não está satisfeito e que não sabia do risco. Infelizmente isso acontece todos os dias. Por isso a documentação é imprescindível, além da seleção adequada do caso. Em suma, listo aqui alguns fatores importantes para a administração dos riscos em cirurgia bucal: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Especialização na área de atuação principal (para resolução de casos complexos). Aperfeiçoamento profissional (para resolução de casos simples e intermediários). Protocolos rígidos de biossegurança. Adequação da terapêutica medicamentosa para cada caso. Selecionar o paciente. Realizar a documentação odonto-legal (ficha clínica com anamnese, exames, etc.). Orientar e educar o paciente adequadamente por meio de ilustrações, textos e relatos verbais. 8. Leitura, entendimento e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido contendo os principais riscos de acidentes, complicações e insucessos. 9. Recomendações pós-operatórias por escrito e o seguimento das mesmas pelo paciente. 10. Pronto atendimento de eventuais urgências/emergências após a cirurgia (antes do retorno normal do paciente). 11. Protocolo para resolução de complicações específicas caso aconteçam (“plano B”), por exemplo: tratamento de parestesias, infecções, hemorragias, etc. 12. Avaliação de outras alternativas para a reabilitação ou tentativa de nova cirurgia.